sábado, julho 10, 2004

A decisão


O maior mistério do ano depois da revelação do treinador do Benfica está enfim desvendado. Ao contrário da minha última profecia - e começo a errar palpites a mais - o PR resolveu nomear um governo com base na actual maioria e manter legislatura existente. O seu anúncio provocou alívio á direita, raiva à extrema-esquerda e a queda do líder de centro-esquerda, numa atitude quanto a mim incompreensível.
Nos últimos dias, medindo os prós e contras de cada uma das decisões, considerei que a convocação de eleições seria talvez o mal menor. Se o chefe do governo largava o mesmo abruptamente para desempenhar um cargo comunitário, e se deixava como sucessor alguém que tinha apenas a legitimidade de uma comissão política, não fora sequer candidato ás últimas legislativas e tinha um compromisso válido com os eleitores da capital (num desempenho no mínimo polémico), imediatamente após uma derrota eleitoral pesada, bem mais influente do que a derrota autárquica do PS em 2001 que precipitou o governo de então, então melhor seria chamar-se os leitores a pronunciar-se. não foi no entanto esta a leitura de Sampaio. Sem ficar escandalizado, e compreendendo em parte os seus pontos de vista, discordo pelas razões já mencionadas. Entendo que apesar de tudo o PR actuou da forma que lhe pareceu mais justa e menos gravosa. Mesmo sabendo quem ocupará a chefia do governo.
Aí reside o cerne do problema. Santana é o bon-vivant da política que por onde passou jamais deixou um trabalho valoroso, antes pelo contrário, para além de apresentar um discurso vazio de conteúdo. Portas é um conservador com pretensos moralismos, que não hesita em mudar de princípios quando lhe convém, como quando se viu no papel das suas vítimas nos tempos do Independente; tem um instinto de sobrevivência raro e não hesitou, quando tal lhe convinha, em apagar as memórias do seu próprio partido. Estes dois homens têm duas características comuns: oportunismo e um imenso populismo. É esta dupla que se prepara para governar o país. Um cenário tenebroso, caótico, apelador dos sentimentos mais negativos de "resistência". E que acaba por dar razão a Manuel Monteiro, quando afirmava há tempos que Santana e Portas tinham planos para tomar conta do país.
O outro ponto de interesse vem directamente do largo do Rato. Sem que nada o fizesse prever, Ferro rodrigues considerou a decisão de Sampaio "uma derrota pessoal" e abandonou a liderança do PS, três escassas semanas após a maior vitória de sempre do seu partido, e quando parecia saír das ondas tumultuosas que o rodearam no último ano. É uma decisão incompreensível, que a meu ver resulta de uma de duas hióteses: ou Ferro esperava de forma indelével uma outra resposta de Sampaio e teve uma precipitação inimaginável para um líder de um partido à escala do PS; ou então era uma escolha mais ponderada, motivada pelos combates entre os tubarões no interior do partido, e, porque não, pelo regresso de Vitorino, a grande esperança do partido (e talvez do país), a quem inclusivamente pode ter querido dar o lugar por lhe reconhecer um melhor perfil para o cargo. Estas são as razões que encontro para o inesperado abandono de Ferro Rodrigues, um líder algo inábil mas honesto, e que parecia ter alcançado um forte grau de resistência.
À direita, como se esperava, reina o contentamento. A esquerda ficou desiludida e a extrema-esquerda histérica. Ana Gomes parece não saber controlar as próprias palavras quando lhe é exigido. O Barnabé publicou de rajada quinze posts, com lamentos de raiva, incitamentos a "manifs" e arrependimento por ter votado em Sampaio, "esse traidor". Era bom que houvesse, como o PR preconiza, alguma serenidade. Que se pensasse que pelo seu cargo não pode seguir ideias partidárias ou ideologias demasiado marcadas, mas tão só a sua consciência, a CRP e a vontade do povo, ao contrário do que pensam alguns que lamentam a "traição". É em momentos como este que percebo a razão de ser monárquico, e me congratulo com isso.

PS: horas depois deste anúncio, e enquanto se vivia o reboliço da reacção, morreu Maria de Lurdes Pintassilgo, a única primeira-ministra que Portugal teve. Uma perda muito grande num país que num só mês perdeu Sousa Franco e Sophia, não esquecendo Henrique Mendes; e agora Pintassilgo. Os tempos estão difíceis para as pessoas de real valor. Paz à sua alma.

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