sábado, fevereiro 24, 2007

As (in)consequências da visita de Isabel II a Portugal



Como se assinalou nalguns jornais e blogues, a Rainha Isabel II visitou Portugal em Fevereiro de 1957, há cinquenta anos, durante quatro dias. Não era a primeira vez que um monarca britânico vinha ao país; já Eduardo VII o fizera, em 1902. De qualquer modo, a visita teve imenso impacto, e serviu para cimentar a velha aliança Luso-Britânica e para retribuir a visita de Craveiro Lopes, em 1955.

Não foram poupados esforços nem custos. Exortou-se a população a vir para a rua aclamar a Soberana e a comunicação social a comparecer em peso. Usaram-se coches e um bergantim do Séc. XVIII para transportar a Rainha do iate Britannia, onde chegou, até ao Cais das Colunas, onde Craveiro Lopes e Salazar já a esperavam, com pompa e circunstância.
A família real ficou instalada no palácio de Queluz. Relevantes foram o banquete na Ajuda, com centenas de convidados, o almoço de honra na câmara de Lisboa (onde se retomaram hábitos esquecidos, como o do arauto vestido com as cores da edilidade, ou a guarda de honra prestada por pajens com o pendão dos corvos de S. Vicente) e as visitas ao Bairro da Ajuda (o momento "instituições sociais", com claras instruções para não ir a hospitais nem a sítios com "sick people"), aos Jerónimos e ao Museu dos Coches. Houve ainda uma passeio até à Nazaré (aqui,ao que parece, a pedido da própria Rainha), a Alcobaça, onde os estudantes de Coimbra fizeram uma passadeira com as suas capas, e à Batalha, recordando a ajuda inglesa na utilização da táctica do quadrado em Aljubarrota. No regresso, oportunidade também para ver os campinos e touros do Ribatejo.
Para terminar, houve ainda um banquete no Britannia, em honra do presidente português, com fogo-de-artifício sobe o Tejo. A soberana partiu no dia seguinte de avião, com uma paragem no Porto para receber a "colónia britânica" na Bolsa e na Feitoria Inglesa.

A velha aliança solidificou-se com esta viagem, sem qualquer dúvida. Mas as esperanças do governo português eram outras, e foram compreendidas pela União Indiana. Um mês após a visita, o jornal do Partido do Congresso, de Nehru, publicava um editorial com alusões à "pouca inteligência da Rainha" e às "carnificinas dos portugueses em Goa". O líder indiano ainda pediu desculpas, mas o episódio demonstrou quão acesas estavam as relações dos indianos com Portugal. Quatro anos depois, como se sabe, os territórios portugueses no sub-continente eram ocupados e começavam as insurreições em África.

Portugal pretendia obter o apoio britânico na manutenção a toda a força do Ultramar. Mas a Grã-Bretanha estava a mudar rapidamente. A doutrina de Churchill, que pretendia manter o Império Britânico, tinha sido guardada. Em 1956, a expedição ao Suez, em conjunto com a França e Israel, para reverter a nacionalização do canal por Nasser, redundara num fracasso. A URSS ameaçaram intervir usando a sua força nuclear,e os Estados Unidos pronunciaram-se igualmente contra a intervenção no Egipto. O episódio mostrou quem mandava no Mundo e revelava, de forma cristalina, que as potências coloniais já não tinham a força de outrora. A França perdera a Indochina, começava o processo de independência das suas colónias africanas e iniciava uma sangrenta guerra na Argélia. No Reino Unido, o fracasso levou à queda do governo de Eden, substituído por MacMillan apenas um mês antes da visita da Rainha. O novo primeiro-ministro, de ideias opostas às de Churchill, sendo igualmente Conservador, pretendia desligar-se paulatinamente do Império (fora do âmbito da Commonwealth) e aproximar-se dos EUA, tornando-se o sustentáculo principal dos americanos, e por outro lado aderir à nova CEE.
Ainda em 1957, a Malásia e o Gana alcançaram a independência. A partir dos anos 60, as colónias britânicas foram-se desligando do antigo colonizador, embora algumas tivessem permanecido na Commonwealth com a Rainha como chefe de Estado (outros saíram, como a África do Sul). A autonomia unilateral da Rodésia, encabeçada por Ian Smith, em 1965, teve o apoio de Portugal, coisa que arrefeceu as boas relações com a Inglaterra. Esta aliás considerava que a sua colaboração em questões internacionais jamais deveria estender-se ao Ultramar, e fazia a subtil distinção entre "Portugal aliado na NATO" e "Portugal como potência colonizadora".
Muito embora a visita tenha reforçado os laços entre os dois países, as suas consequências quanto a política externa ultramarina não foram significativas. O fim do Império Britânico enfraqueceu o Reino Unido, obrigando a uma mudança de políticas, e isolou Portugal na sua muito particular visão colonial, o que viria a traduzir-se mais tarde na perda dos seus territórios fora da Europa.

Um comentário:

A.Teixeira disse...

Um bom poste, lúcido, apontando para o “pecado” original da visita: a operação de relações públicas foi muito bem montada, a Potência a seduzir é que já não estava à altura das expectativas que nela depositou a diplomacia portuguesa.