Continua a campanha para o referendo à despenalização da IVG (de vez em quando há que falar em linguagem politicamente correcta, que também não traz mal ao mundo e amansa as almas). Parece que alguma propaganda do "não" tem sido mais infeliz . Também não estava à espera que fosse um mar de rosas, sobretudo quando se cai no apelo da lágrima fácil, ou, pior ainda, se vem com a bíblia numa mão e Nossa Senhora de Fátima na outra. É óbvio que qualquer argumento cai por terra quando aqueles meios entram em jogo.
Do lado do "sim", a coisa também não corre pelo melhor. A começar por um dos outdoors mais espalhados ou nos panfletos que os "jovens pelo sim" distribuem infatigavelmente pelas ruas pedonais fora. Uma coisa claramente enganosa, mostrando uma menina de ar tristonho e belos olhos atrás das grades...quando se sabe que não há uma única mulher presa por fazer um aborto proibido pela lei. Também esse lado da campanha se deixou contaminar pela emoçãozinha fácil, como se vê.
Depois, claro, há a famosa "tolerância" e "racionalidade", tão bem demonstrada numa tarde lúdica de apoiantes do "sim". Uma actriz, dizendo-se empenhada em "questões sociais", à pergunta sobre os direitos do embrião, respondia que "a mulher também tinha direitos"; não consegui perceber bem o resto da resposta, mas pareceu-me que a pergunta não tinha sido satisfeita
Mais radical conseguiu ser o prestável Pacman, do grupo da doninha. À mesma pergunta, o rapper apenas disse isto: "Os direitos do feto? Pois, mas eu acho que a mulher tem direito ao corpo e ponto final". Ponto final aos direitos do feto, também, é o que se pode concluir desta declaração. Quem disse que os defensores do chavão "na minha barriga mando eu" tinham desaparecido?
Depois, um rapaz com piercings e ar de gostar de ir a manifs disse que na última semana a campanha do "não" iria recorrer a todos os tipos de mentiras, de chantagens, etc. Ou o jovem tinha um qualquer poder de premonição que nos escapa, ou então resolveu falar por falar para assim encontrar um pretexto para radicalizar o discurso.
Entretanto, realizou-se novo debate do "Prós e Contras". A parte que vi não correu mal, com argumentos esgrimidos sem grande gritaria e com algum respeito mútuo. Vá lá que Lídia Jorge deixou-se ficar em casa. Mas fiquei curioso com o discurso de Adolfo Mesquita Nunes: até tinha pontos bastante pertinentes, que dariam base para novas discussões (como a da lei actual também não se referir à vontade do progenitor nos casos em que prevê o aborto), mas com aquele afã anti-estatista deixou-me intrigado. Então a mulher grávida deve ter assistência quando quiser abortar (se o "sim" ganhar, claro) mas o estado não deve intervir? Então onde é que ela se deve dirigir? A uma clínica privada? E se não tiver meios, se as ONGs não acorrerem ao caso concreto, se recorrer ao "vão de escada", que é uma das questões mais puxadas para o debate? Aborta de forma clandestina na mesma? Mantém-se o crime e a situação que o "sim" diz querer evitar. A única alternativa que consigo vislumbrar seria o Estado pagar os abortos para que as mulheres que "precisassem" o fizessem nas clínicas privadas. Querem ver que depois da ideia do cheque-educação vai haver o cheque-aborto?
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