Há dias, um artigo de jornal referia a nova mudança estratégica da turca. O rumo que a Turquia tem vindo a tomar não deixa de ser nebuloso. Nos últimos anos, o governo de Erdogan, suportado pela "nova classe média piedosa" (em oposição às elites laicistas), sobreviveu a tentativas de golpes de estado, de proibição do partido, de conspirações, saindo reforçado dos sucessivos actos eleitorais. A tentativa de liberalizar o uso do véu nos espaços públicos terá sido a polémica mais mediática entre as duas grandes facções políticas. O que é certo é que ao crescimento económico do país, ditado pela nova classe de empreendedores, muitos provenientes da Anatólia, nota-se uma tentativa de moderar o laicismo e o poder dos militares, autêntica espada de Dâmocles sobre a cabeça dos governantes que se desviem do Kemalismo, perfeito totem ideológico do país.
O arrefecimento da vontade de entrar na União Europeia, o congelamento das relações com Israel e a aproximação aos vizinhos do Médio Oriente, como a Síria, assim como algum apadrinhamento das regiões balcânicas predominantemente muçulmanas, revela que a Turquia tomou um novo rumo, recuando aos tempos pré-Ataturk, recordando as origens. Pretende ser a potência da sua região, um pouco à imagem da Rússia. A diferença desta é que o seu raio de acção é muito maior, e no pós-comunismo tenta afirmar-se aglutinando a herança dos czares e a da URSS. Na Turquia, o kemalismo permanece, mas junta-se-lhe agora um revivalismo neo-otomano. aliás, não se percebe bem se se quererá fazer uma quadratura do círculo juntando as duas tendências opostas, ou se uma acabará por suplantar a outra.
É aqui que reside o interesse: saber se a Turquia seguirá o caminho dos últimos oitenta anos ou se quer voltar às origens que a tornaram num império colossal e temido. Pode optar pela primeira linha, aquela que tem sido rigorosamente vigiada pelos militares (que para isso já recorreram a golpes de estado, sendo que o último falhou, e os responsáveis está detidos), e tentar um novo rumo externo, tomando a dianteira do bloco do Médio Oriente, mais do que o Irão, com quem sempre teve uma relação conflituosa, e de parte dos Balcãs, coisa que os sempre inimigos gregos não a verão com bons olhos.
Mas pode, para além das relações externas, querer adquirir um velho-novo cunho. Este neo-otomanismo seria o rompimento com o kemalismo que tanto veneram, e o regresso aos valores do império, incluindo os religiosos. Nesse caso, que relações teriam com a UE, em particular com a Grécia? E com os vizinhos? Mudariam a capital de novo para Istambul, em claro desafio ao Ocidente? Reergueriam o estandarte verde? Restaurariam o Califado? Retirariam a imagem de Kemal Ataturk dos locais públicos (ou seja, de toda a parte)? É difícil de dizer e mesmo improvável. Em todo o caso, seria razão para gregos, sírios e árabes se apoquentarem. E passaria a ser o argumento final dos opositores à entrada da Turquia na UE.