sábado, dezembro 31, 2011

O perigo dos Indignados


Acaba o ano, e eu com tantos posts em atraso, num conjunto de indolência (como nos acusam os chineses de ser), tempo mal organizado e desinspiração. Há um post que já leva quatro meses de atraso, mas que me parece que ainda não perdeu total pertinência. quem achar que vem a destempo, pode sempre ficar-se pelo primeiro parágrafo.
O acontecimento do ano, segundo todas as opiniões abalizadas, foi o conjunto de protestos globais que se fizeram sentir e que em alguns casos derrubaram regimes políticos. Não discordo nem um pouco da escolha. Mas já fico de pé atrás quando vejo meterem no mesmo saco os manifestantes da Praça Tahir, da Tunísia, da Rússia e do Iémen, os rebeldes da Líbia e os insurgentes da Síria, juntamente com os "indignados" de Madrid, os anarquistas da Grécia, os saqueadores de Londres e os "occupy" americanos. Pretender, como ouvi hoje numa rádio pública, que "nem só no ocidente se viram manifestações a favor da liberdade e contra a opressão" é insultuoso para os que verdadeiramente não gozam de liberdade e de um ridículo impróprio de um estação minimamente radiofónica decente. Haverá com certeza algumas razões para manifestações nas cidades americanas e europeias, mas que eu saiba aí não se está sujeito a que tanques de guerra nem a cargas aéreas.

Tudo isto vem a propósito das Jornadas Mundiais da Juventude, em meados de Agosto deste ano. Compareceram em Madrid mais de um milhão e meio de pessoas, ultrapassando as expectativas dos organizadores. Não estive lá, mas do que me contaram, e do que vi por imagens televisivas, o entusiasmo era mais que muito, mesmo quando numa vigília nocturna nos arredores da capital espanhola se levantou uma enorme tempestade e ninguém arredou pé. Mas vi também as imagens das manifestações de alguns "indignados" contra o evento. Fiquei logo abismado pelos dito terem decidido, dias antes, em "conselho", manifestarem-se contra os gastos públicos da visita. Ora esses gastos foram pagos pelos próprios peregrinos e pela Igreja. Ao Estado coube pagar a segurança e a limpeza, tal como faz com os próprios "indignados" e com imensos outros eventos, e nunca aí se viram protestos públicos. Mas as dúvidas desvaneceram-se: grande parte das manifs anti-Papa eram isso mesmo, demonstrações de anti-clericalismo primário, com malta de feições torcidas pelo ódio (não é figura de estilo, nunca vi tanta gente junta de olhos esbugalhados) a gritar, até a empurrar e agredir peregrinos, com cartazes a chamar ao Papa nazi, pedófilo, fascista, etc, bandeiras anarquistas e do PCE, aos pulos cantando "io soy, pecador, pecador...", enfim, toda uma amostra do anti-catolicsmo mais primário e grotesto. Será bom lembrar que a Espanha teve fortíssimas acções e grupos anti-clericais, como a CNT anarquista, sobretudo no período antes e durante a Guerra Civil de 1936-39, em que milhares de clérigos foram mortos, mosteiros e igrejas foram saqueados e queimados e havia quem se divertisse a revolver túmulos e a espalhar os ossos. Aqueles que se manifestavam de forma tão virulenta contra as Jornadas da Juventude eram apenas os descendentes dos "rojos", provavelmente impressionados com os relatos dos seus avós da luta contra os "fachas" e o "clero reaccionário". Os gastos públicos eram um pobre pretexto para espalharem o seu fervor laicista (reparem no -ista) e o seu fanatismo anti-clerical, em claríssima contradição com as exigências anteriores de "mais democracia". Manifestações e democracia sim, desde que sejam as nossas ideias (interesses?) a vingar, parecem dizer. Quando partem de outros, lá se vai o sentimento "democrático" e "tolerante".



Outras manifestações houve em sítios por onde o Papa passou, como Berlim, onde não há grande cultura católica. Custa-me a crer que a Igreja, que apesar da sua influência e dos seus seguidores, não tem propriamente poder político, possa causar tantos pruridos e controvérsias. Os casos de pedofilia em instituições católicas, muitas vezes abafados, são graves, mas não faltam crimes semelhantes noutras circunstâncias. A Igreja tem um passado turbulento, mas actualmente não persegue nem pune civilmente ninguém, e no entanto vemos cristãos, católicos e não católicos, perseguidos em várias partes do Mundo. Pode-se imaginar que protestos como os de Berlim, ou no ano passado, em Inglaterra, tendam a surgir como reacção em culturas fortemente anti-católicas (note-se que até agora o herdeiro do trono britânico não se podia casar com alguém que seguisse o catolicismo). Mas os de Espanha desenterram velhas questões e fazem aparecer em plena luz do dia os fantasmas do anti-clericalismo espanhol mais violento.
É certo que os acontecimentos de Agosto em Espanha não trouxeram grande mossa, e foram em parte exagerados por alguma comunicação social. A diferença de número entre os peregrinos e os "indignados" anti-católicos era abissal (qualquer coisa como cinco mil para mais de um milhão e meio), e serviu para mostrar a força de atracção e mobilização da Igreja, o que talvez enerve algumas mentes com preferência pelo jacobinismo. Mas isto serviu igualmente para revelar que entre muitos "indignados" e demais manifestantes corre uma imensa intolerância, o radicalismo próprio de revoltosos e o populismo que alimenta as massas. Fazer manifestações pretensamente justas e transversais à sociedade e desviá-las para objectivos políticos untados de fanatismo (neste caso, laicista, que não é pior que os religiosos) é um risco que as sociedades actuais correm se acharem que os problemas se resolvem todos na rua. As pessoas devem lutar pelos seus direitos, mas a fronteira entre isso e o revanchismo protegido pelas massas é muitas vezes ténue. Seria bom lembrar isso cada vez que se ouvem vozes apaixonadas por este tipo de movimentos, e pior ainda, a fazer comparações patéticas, como se os regimes políticos fossem todos iguais.
Tentarei na próxima semana actualizar assuntos em atraso (mas não passados). Bom 2012 a todos, ou que não seja pior do que 2011.

Adenda (já em 2012): lembrei-me deste notável artigo de Mario Vargas Llosa, que nunca teve uma enorme simpatia pela Igreja, e que por isso mesmo me surpreendeu. Como se a Fé o tivesse tocado. Ou simplesmente visse naquele espectáculo uma imensa comunhão fraterna e alegre. no fundo, o que as JMJ eram.

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