O concurso de ideias para a reabilitação do quarteirão da Companhia Aurifícia, ali entre Cedofeita/Álvares Cabral/Praça da República, de que se conheceram os resultados há pouco tempo, saltou para os holofotes mediáticos graças ao inusitado projecto de Pedro Bandeira e Pedro Nuno Ramalho, ambos da Faculdade de Arquitectura do Porto: desmontar a Ponte D. Maria e recolocá-la no quarteirão da Aurifícia, criando no centro da cidade aquilo a que chamaram "o efeito Eiffel" (a expressão é dupla e literalmente feliz, já que o autor da ponte foi precisamente Gustave Eiffel). De vetusta e utilitária travessia de comboios - embora elegante e centrada numa paisagem admirável, mesmo com a suburbanização circundante - a impressivo monumento à idade do aço, dominando a urbe. O projecto é radical, sonhador, provocador, quase utópico, e como não podia deixar de ser arrebanhou entusiastas e criou opositores. Tanto fará, porque não ganhou o concurso. Mas a ideia prevaleceu. Por um lado, houve quem achasse que os vinte milhões de euros previstos para a empreitada nem são assim tanto, e que o impacto estético e icónico seria tão grande ou maior que o da torre do mesmo autor da ponte, na margem esquerda do Sena. Por outro, há quem argumente que os custos não se justificam em época de crise, que a própria ideia de imóvel fica desvirtuada (porque "existem no lugar próprio"). É crível que haja também por aqui rivalidades e egos inchados de outros arquitectos.
Devo dizer que o projecto é sem dúvida assombroso. Imaginativo, arrojado, esteticamente muito bem conseguido e interessante. Eu próprio fiz as medições, com o auxílio de um mapa, e concluí que a ponte cabia por inteiro no quarteirão, como aliás o próprio projecto o comprova. E não haja dúvida que daria ainda maior visibilidade ao Porto. Quais são então as dificuldades práticas? Para além dos custos envolvidos, que de facto não caem bem nos actuais tempos de penúria, mas que seriam comportáveis em épocas de vacas mais gordas (se isso acontecer), há ainda o facto do quarteirão, segundo o projecto vencedor do concurso, ser no futuro próximo objecto de reconversão em habitação, comércio, jardins e outros espaços comuns, etc. Alguém gostaria de viver, literalmente, sob a ponte? Imaginem o que seria em noites de vento e tempestade, sentir aquela enorme estrutura a vacilar, já sem os pilares que a sustentam.
É por isso que considero o projecto, pese toda a imaginação que comporta, inaplicável em concreto. Mas a ideia deve prevalecer, ser recordada, e deve servir de exemplo para novas propostas arrojadas, que permitam sustentar o nosso património e dar-lhes mesmo uma perspectiva renovada e quem sabe, um novo uso.
PS: tristemente pertinente, na semana em que morreu Alcino Soutinho, um dos mais notáveis nomes da FAUP e da "Escola do Porto". Paz à sua Alma.