segunda-feira, março 01, 2010

A Brasília (e outros espaços fora de uso)

Há tempos deambulei pelo shopping Brasília, na Rotunda da Boavista, do lado oposto ao da Casa da Música, que de certa forma o substituiu como ex-libris daquela praça (depois da coluna central evocativa da Guerra Peninsular, como é evidente). O velho centro comercial completou trinta anos em 2006. Em 1976 era uma novidade em plena Rotunda, com as suas inúmeras lojas, as vidraças verdes, e sobretudo as escadas rolantes, uma inovação da época. Quem quer que se prezasse ia ao (ou, como eu sempre disse, "à",) Brasília, onde não faltava movimento, tanto de dia como de noite. Além das escadas havia também a meio do centro uma escadaria de degraus metálicos, imponente e espaçada. Tinha saída lateral para a Rua da Boavista - onde estava o cinema Charlot - e algumas lojas emblemáticas, como a Lira, versada em música clássica, que, pelo que me pareceu, ainda existe, e uma Bertrand que juntamente com a do shopping Bom Sucesso encerrou para reabrir a umas centenas de metros, na Júlio Dinis.



Como acontece frequentemente hoje em dia com este tipo de espaços comerciais, a Brasília deixou-se escorregar para a decadência e passou a albergar meia dúzia de lojas convencionais, um ou outro snack, e muitas lojecas de indianos, além de uma ou duas especialistas em BD underground e outra de artigos para góticos (e não estou a falar de arquitectura). Poucas são as pessoas a circular. O ambiente de passado e de paragem no tempo paira em toda a parte. Há outros no Porto, como em Lisboa (um bom exemplo aqui será o de Alvalade), mas pela sua dimensão e passado, este é o mais impressionante. E mais abaixo, na Avenida da Boavista, lá está o prédio do Dallas, espelhado a vidro castanho escuro, de que ainda me lembro com imensa gente nos Sábados à noite, iluminado, labiríntico, com lojas de tudo e mais alguma coisa, e onde ao que parece chegou a haver planos para salas de cinema. Depois de um período em que se tornou espaço para discotecas africanas e alguma violência urbana, cerrou as portas até hoje.

O sucedâneo natural e local desses espaços comerciais (e do Parque Itália, que recentemente sofreu remodelações e cujo terreiro à sua frente, parecido com o da Casa da Música, é uma autêntica pistas de skate) é o ciclópico e inestético Cidade do Porto. Construíram-no num espaço em frente ao Bom Sucesso (onde, segundo me contaram, nos anos oitenta pastavam vacas), em plena Boavista, aí por meados dos anos noventa. O seu tamanho é já um marco de orientação, mas até hoje nunca me habituei muito a ele. O seu interior pretensioso, com imitações de mármores e corrimões dourados, que já teve na base uma pista de gelo, tresanda a novo-riquismo. Talvez seja o grande responsável pela decadências dos outros espaços comerciais. É certo que tem algumas lojas interessantes, como a Leitura, ou outras, e quatro das pouquíssimas salas de cinema que há no Porto. Mas se pudessem ser transplantadas para outro sítio, aquilo depressa perderia o interesse.

Convém não esquecer que aquele mastodonte azulado violava o PDM aquando da sua construção (o que se previa para local era um espaço verde, além das distâncias das cérceas também não terem sido cumpridas). Em 2007, os tribunais administrativos emitiram uma sentença de nulidade da obra e ordenaram a sua demolição, que deverá ser efectiva se até 2011 não se elaborar novo PDM que o regularize.

Pela minha parte, seria melhor que a Câmara do Porto não o contemplasse no novo plano. Era a maneira de deitar aquilo abaixo e de se repovoar os esquecidos espaços comerciais da zona, tirando o espaço fronteiro, o Península, que não precisa disso. Desse modo, o Brasília ganharia nova vida e novos espaços, e com o Parque Itália formaria uma zona comercial bastante extensa e interessante, que tornaria a Rotunda e a rua Júlio Dinis na artéria de comércio por excelência da zona de ligação da Boavista à Baixa. Com alguma sorte, faria um eixo complementar com a zona de Miguel Bombarda, que fica ali mais para trás. A Leitura ficaria com novo espaço na Rotunda, e distribuir-se-iam as quatro salas de cinema do Cidade do Porto pelos espaços próximos que foram fechando: o Charlot, o Pedro Cem e talvez o Foco, outrora a melhor sala do Porto, e que tanta popularidade ganhou que deu o seu nome à zona residencial circundante.


E quem sabe, se para isso ainda houvesse oferta, se o Dallas não poderia reabrir novamente. Não é propriamente uma ode à beleza arquitectónica, mas dá alguma dor de alma ver aquele edifício castanho espelhado com as portas acorrentadas e completamente desperdiçado, com os seus corredores labirínticos entregues ao pó.


Quanto ao espaço do Cidade do Porto, ficaria um jardim, para amenizar o trânsito da zona, harmonizar o espaço e deixar de esmagar a capela e a Casa Agrícola, que lhe estão pegadas, a escola de trás, e todo, mas todo o espaço envolvente em geral, num raio de trezentos metros.

2 comentários:

Freddy disse...

Só que para mandar esse "mastodonte" abaixo, são precisos 100 e tal milhões de €€€...

PM disse...

Pois...uma vez questionei o Dr.Paulo Morais, na altura vereador, sobre isso...
Numa Conferência ele criticava a Justiça e o facto os tribunais de não se pronunciarem no a^mbito do Urbanismo...eu na altura falei no caso do Bom Sucesso e disse que havia uma decisão concreta de um tribunal...ao que ele me responde...ah mas isso fica mt caro deitar abaixo...
Com argumentos deste nível...para quê planeamento urbanístico, para quê tribunais. Ab aos dois