A última visita do clube que hoje vai medir forças como o Benfica na Luz tem sido intensamente recordada pela célebre "mão de Vata", na velha catedral, regurgitando público, que permitiu ao Glorioso ir à sua última final europeia, que perderia para o invencível Milan de Arrigo Sacchi. Na altura o Marselha era presidido pelo controverso Bernard Tapie, o empresário e político que gastou milhões para formar uma equipa com os melhores jogadores franceses e um naipe de estrangeiros, para assim dominar o futebol gaulês e medir forças com os grandes da Europa. Há que reconhecer que conseguiu. O OM venceu cinco campeonatos franceses e logo em 1990 chegou às meias finais da Taça dos Campeões, onde cairia perante o Benfica. No ano seguinte, chegou à final da prova, mas perdeu em Bari nas grandes penalidades, e o mais desejado troféus ficou para o Estela Vermelha de Belgrado, última alegria quando na Jugoslávia já se anunciava a auto-destruição. E em 1993 ganhou mesmo a Taça, e logo ao Milan, com uma equipa onde pontificavam Barthez, Voller, Deschamps e Boli, que marcou o único golo. Ironicamente, um dos jogadores mais carismáticos que passaram pelo estádio Vellodrome, Jean Pierre Papin, estava do outro lado, e não pôde comungar da alegria dos ex-companheiros. Também Mozer já voltara ao Benfica, sendo talvez o mais infeliz dos finalistas de Taças.
Depois, o descalabro: corrupção, situação financeira caótica e irregular, a saída dos craques, a descida à segunda divisão e ao inferno. Com a saída de Tapie, o clube voltou aos poucos à tona, indo mesmo a duas finais da Taça UEFA, que perdeu para Parma (1999) e Valência (2004).
É curioso comparar o percurso dos dois clubes em confronto e reparar que os anos piores andaram quase a par. O Marselha desceu dos céus aos infernos em 1993, e apesar de alguns momentos altos, jamais voltou a ser campeão, mas tem agora um conjunto de jogadores interessante, começando em Lucho. O Benfica atravessou maus anos após o título de 1994, voltou a ser campeão e a fazer boas provas europeias em 2005 e 2006, e mostra agora uma força e uma forma de jogar que há muito se lhe não viam.
Além disso o Marselha é igualmente um clube muito popular, e tem a esmagadora maioria doa adeptos do Sul do país. Quando passei em Marselha, por toda a parte via símbolos do clube. A cidade provençal é muito virada para o futebol e venera o seu Olympique. Raramente vi tão grande culto a um símbolo desportivo como aí. No OM café, situado na parte mais visível da cidade, onde a Cannebière desagua no Vieux-Port, os seus empregados recordaram-se da meia final com o Benfica (sem ressentimentos), das festas do regresso do clube aos títulos e da conquista da Taça dos Campeões, onde se viram as maiores loucuras, e ficaram sinceramente espantados quando lhes disse que o clube comandado por Mourinho que pouco tempo antes ganhara esse mesmo troféu ao Mónaco era o Porto, e não o Benfica (sim , achavam mesmo que o Benfica tinha sido campeão europeu naquele ano!). A sua grande tristeza parecia ser a de que o dilecto filho da terra e do clube jamais lá tivesse jogado como profissional. Referiam-se a Zinedine Zidane, obviamente.
Neste jogo vão-se confrontar o clube mais popular de Portugal e o mais popular de França, o Ródano e o Tejo, a "bouillabaisse" do Vellodrome a o "Inferno da Luz", o maior porto do Mediterrâneo e o espírito atlântico, a (enorme) minoria árabe e o sangue de origem sub-sariana. Enfrentam-se duas equipas de ataque, Saviola, Cardozo, Aimar e David Luiz, contra Lucho González, Niang e Mandanda (mas não Heinze), perspectivando um grande jogo. E esperemos que o espírito que Mozer descreveu e que atemorizou os provençais se repita, assim como a sorte na eliminatória, mas que as mãos na bola fiquem lá, em 1990.
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