terça-feira, julho 08, 2008

Bela Crkva e os traços do Império


Recordando mais um texto de há uns tempos atrás do sempre indispensável Herdeiro de Aécio, sobre cidades prussianas que se tornaram polacas, alterando dessa forma o seu nome (o exemplo dado é o de Sttetin/Szczenin) e forçando as suas populações a emigração maciça, lembrei-me também dos casos, geograficamente mais a sul, das cidades do Império Austro-Húngaro. Essas não mudaram necessariamente de nome: algumas são conhecidas consoante a nacionalidade dos que se lhes referem. Noutros casos, porém, algumas designações perderam uso.
Na babel de etnias e de línguas que era o Império, todas as localidades tinham um nome germânico, ao qual se lhes acrescentava, caso ficassem fora de zona onde se falava alemão, o nome do idioma do território onde se situavam. O melhor exemplo disso vem no livro Danúbio, do italiano Claudio Magris, que acompanha o curso do grande rio e que é talvez a obra que melhor explica o espírito da Mitteleuropa, principalmente na passagem onde descreve os vários nomes de uma cidadezinha do Banato (região entre a sérvia, a Hungria e a Roménia), Bela Crkva.
O ponto de partida das nossas incursões é Bela Crkva (Igreja Branca), (...). O velho horário ferroviário geral do Império Habsburgo, em 1914, assinalava-a como Fehertemplom, segundo o critério de aplicação da designação predominante do lugar; a cidade, hoje jugoslava, fazia parte do Reino da Hungria. Agora os letreiros oficiais trilingues referem Bela Crkva, Fehertemplom, Biserica Alba - ou seja, os nomes sérvio, húngaro e romeno; o nome alemão, Weisskirchen, quase desapareceu.
Neste caso, tratando-se de uma cidade com um nome traduzível, qualquer língua o poderia fazer. Mas o mesmo se passa noutros sítios. A capital do Banato, por exemplo, é a cidade romena de Timisoara. Como denominações alternativas tem ainda Temešvár (em checo e eslovaco), Temeschburg (alemão), Temesvár (húngaro), ou Temišvar (sérvio-croata). Repare-se que além dos nomes alemães, os territórios sob soberania da coroa da Hungria tinham também o seu nome na "língua do Diabo", além do local. Bela Crkva é um exemplo quase extremo, por se situar no Voivodina - antes no Império, em território húngaro, hoje região da Sérvia - muito perto da fronteira com a Roménia e das Portas de Ferro, enorme garganta onde o Danúbio divide os dois países.
Mas designações desse tipo há várias. Encontram-se sobretudo nas fronteiras de estados da Europa Central ou de Leste (embora também seja comum na Croácia, por acaso antigo domínio húngaro, haver cidades que por vezes apresentem os antigos nomes italianos, sinal da presença veneziana), como Danúbio no-lo demonstra. Embora algumas tenham caído em desuso, são por vezes das poucas, senão mesmo o único traço, do domínio dos Habsburgos numa Europa hoje mais dividida, por ser tão multiétnica e multilingue.
Aqui podem encontrar-se inúmeros exemplos de cidades com nomes diversos.

2 comentários:

A.Teixeira disse...

Além de um agradecimento pela sua amável referência e de um comentário (Delicioso poste sobre a cidade europeia que possivelmente terá tido mais nomes oficiais...)queria adicionar-lhe um aviso: olhe que os seus postes andam a "projectar-se" no futuro...
Este é já de Setembro de 2008 e o próximo que colocou de Outubro. Será mesmo assim?

João Pedro disse...

Obrigado pelo aviso. Cometi aqui um erro nos dias ao acertar as horas e nem reparei no carácter futurístico dos posts.