Ainda sobre o Euro e a sua final, lembrei-me de um pormenor curioso: a cidade que acolheu o jogo já esteve nas mãos dos dois adversários da noite, a Espanha e a Alemanha. No primeiro caso, não se pode dizer que formalmente pertencia a Castela. Mas na altura em que Carlos V acumulou, graças a felizes coincidências hereditárias, os títulos de meia Europa, entre os quais os de Rei de Espanha e Imperador do Sacro Império, Viena estava sob o seu poder, embora os turcos a tenham tentado tomar em 1529. Não era ainda a capital imperial, mas preparava-se para o ser pouco tempo depois, durante quase quatrocentos anos, até ao colapso do Império. Com a morte de Carlos V, dividiram-se as coroas dos dois territórios entre dois Habsburgos: a Espanha para o seu filho Filipe II (ou I, para nós), o império para o seu irmão Maximiliano. Não mais Viena ficaria ligada a Espanha, excepto em dois momentos: um durante a Guerra da Sucessão de Espanha, em que o Arquiduque de Áustria foi declarado Rei depois da tomada de Madrid pelas forças chefiadas pelo Marquês das Minas; e outra no período napoleónico, quando o Rei de Espanha era um Bonaparte, e não um Bourbon ou um Habsburgo, e o Sacro Império se transformava sob o mando de Napoleão. Como se sabe, praticamente toda a Europa continental estava debaixo do mesmo tricórnio.
Já para descobrir a dominação da capital da valsa pelos alemães não precisamos de recuar tanto. A história é bem conhecida: o tristemente célebre Anschluss chegou depois do assassinato do ditador local, Engelbert Dolfuss (correspondente austríaco de Salazar) pelos nazis. Seguiu-se um breve governo pró-alemão embora contra a fusão dos dois países, a invasão da Áustria pela Alemanha e um plebiscito para confirmar a anexação. Depois de séculos de domínio austríaco sobre os inúmeros estados alemães, seriam estes a determinar o futuro da Europa Central. E muitos austríacos concordavam com a perda da sua independência, sonhando com o Terceiro Reich, um novo Sacro Império, pouco romano e totalmente germânico. Só em 1945 Viena seria resgatada dos alemães e dividida em várias zonas pelas forças aliadas, tal como em Berlim.
Domingo, a monumental, elegante e orgulhosa capital da pacata Áustria, enquadrada pela Catedral de Santo Estêvão e pela Karlskirshe, acolheu duas antigas potências que a dominaram. Duvido que haja muitos que se tenham lembrado do sistema político de Carlos V. Já do Anschluss, ainda está demasiado próximo para ser esquecido. De qualquer forma, a Alemanha perdeu. Mostra bem como os pesados Panzers não aguentaram a carga dos rápidos Tercios. Mas se tivesse ganho, os austríacos não teriam razões para se preocupação desse lado (ao contrário dos amantes do futebol).
(De relembrar que por pouco os turcos não chegaram à final. Mas esses nunca chegaram a dominar a cidade, ainda que também por uma unha negra, em 1529 e 1683)
Um comentário:
Muito bem lembrado. Ora cá está um comentário que merece ser sublinhado por contraposição ás banalidades do tipo "a vitória da fantasia sobre a força".
JMM
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