A toxicodependência idolatrada
É fácil criticar e até ser moralista quando se fala de Amy Winehouse, como disse um jornalista do Público. Concedo. Mas também não é difícil ouvir-se as suas músicas a toda a hora, ler-se coisas sobre os seus desvarios, as suas detenções, os problemas conjugais, os concertos falhados, etc. que acabam por fatalmente criar uma opinião no público, que ora a desculpa, ora a condena, ou então limita-se a dizer que "esse mundo é mesmo assim".
Ora acontece que eu simpatizo pouco com Winehouse, as suas birras e a sua popularidade. Lembro-me dela no início da sua carreira (que em casos normais faria com que a apreciasse, naquele sentimento tão comum e possessivo do "eu conheci-a muito antes"), quando a vi num videoclip, ainda sem os vestidos curtos e o cabelo comprido e enrolado que a caracterizam hoje. Era num qualquer café, à noite, e comentei com um amigo que achava a voz poderosa, mas que a total falta de graciosidade da rapariga não lhe dariam notoriedade no futuro. Enganei-me redondamente, como está à vista. Mas se Amy é hoje muito conhecida, deve-se bem mais aos seus problemas pessoais do que à sua voz ou aos temas que canta. Não há semana que não passe que não se ouça falar da prisão do marido, de um espectáculo falhado ou de uma tentativa de reabilitação gorada, de tal forma que o seu maior êxito, Rehab, trata mesmo da recusa de se tratar. No recente Rock in Rio de Lisboa, voltou a fazer uma figura deprimente (quase não se aguentava em palco), perante 90 mil pessoas e em directo para rádios e televisão. Nos habituais comentários bloguísticos, houve quem condenasse tais atitudes e houve também que a defendesse, até com um comovente "ela mostrou que era tão humana como qualquer pessoa". A mim parece-me o contrário: quantos indivíduos se podem dar ao luxo de aparecer sob o efeito de álcool e estupefacientes no trabalho, reiteradamente, não cumprindo as suas tarefas com um mínimo de competência? Dir-se-á que com os artistas é diferente, que a criatividade tem os seus custos, que desde que cumpram não tem importância, que aquele mundo é mesmo assim. Poderá ser, e até não fará mal ao mundo se cumprirem em palco, mas acontece que de Amy mal se percebiam certas palavras, e que as pessoas que enchiam o recinto tinham dado uns preciosas 53 €uros sobretudo para a ouvir.
Depois, claro, além de toda a condescendência com os vícios dos artistas apenas por o serem, há as habituais desculpas para quem se droga, talvez porque o vício surja em momentos de particular debilidade emocional ou psicológica. Mas neste caso exagera-se. A droga é mais claramente tolerada do que o álcool e do que o fumo (de tabaco, evidentemente). Aquelas incríveis noções de um qualquer site que para aí havia, em que um betinho era alguém "desprezível" que não tomava drogas são elucidativas. Segundo algumas correntes, um tipo que se droga ou é um herói, caso se trate de uma figura pública, mormente do espectáculo, ou um coitadinho sem culpa nenhuma, mesmo que ninguém o tenha obrigado a ir por aí. Daí que muitas vezes um bêbado (e nos tempos mais recentes um simples fumador) seja visto com mais desprezo que um frequentador de um CAT. E que um música famoso tenha logo desculpas por ser "humano".
A um músico não se pede para ser desumano, pese toda a idolatria e endeusamento que deles se apropriam, e que por vezes são responsáveis por essas situações: pede-se que caso tenha público e deseje mantê-lo, o respeite e deixe as figuras deprimentes para os momentos de ócio. Que as pessoas dêem por bem gasto o dinheiro dos espectáculos e não recorram à pateada. E que não venham fazer-se de vítimas para a comunicação social. As pessoas comuns não têm jornais para as defender dos seus problemas do quotidiano, nem margem para se pedrar à vontade.
Eis porque aguento muito pouco Amy Winehouse. Para mais, continua com aquele rosto canino que tinha desde a primeira vez que a vi.
Mas já agora aproveito para falar de um amigo seu por quem tenho igual "estima": Peter Doherty. Um tipo que consegue ser ainda mais drogado, que acabou com a sua anterior e mui promissora banda, os Libertines, e que é mundialmente conhecido por ter namorado com Kate Moss e por andar sempre aos tombos. De tal forma que quando veio recentemente a Lisboa com a sua nova banda, os Babyshambles, para um concerto no Lux, a piada que circulava era "onde estáDoherty? Em Monsanto". As dependências tiraram-lhe o ar vivaço que já teve e tranformaram-no no que é hoje: um alucinado com cor de vampiro antes da refeição sanguínea, roupa e chapéu retirados do Madame Toussaud e aspecto geral cadavérico é o grande herói do rock dos nossos tempos. Havia tantos por onde escolher e tinha de ser logo um zombie destruidor de bons grupos musicais.
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