A redenção do Terreiro do Paço
O espaço que hoje tem o nome oficial de Praça do Comércio, mas que é para todos o Terreiro do Paço, passou ao longo dos séculos por inúmeras convulsões. Invasões, ocupações, defenestrações, sismos, tsunamis, desfiles triunfais, regressos de derrotas, revoluções, regicídios, de tudo assistiu aquela praça, entre a grande mudança cosmética que levou no século XVIII. E também autos-de-fé, ao que consta.
Nunca na sua longa vida tinha tido uma missa rezada pelo Papa. Outros estadistas foram lá recebidos, como Isabel II, com pompa e circunstância, mas nunca o Sumo Pontífice da Igreja Católica. E na semana que passou, a praça teve mais um grande momento na sua história. Sob um céu azul e o ar tépido (parece que São Pedro ajudou mesmo o seu sucessor), com pendões nos edifícios ocres e fragatas e veleiros como cenário de fundo, encheu-se de gente para ver e ouvir o Papa. O altar, simples mas imponente, era o remate ideal para a cerimónia. Viam-se pessoas de todas as idades, estratos e feitios, portugueses e estrangeiros - isto sim, uma autêntica demonstração de pluralidade. Apesar de toda aquela mole humana, não havia a sensação de sardinha em lata; o espaço estava ocupado, mas sem estar compacto. Pode-se descrever o ambiente como de solenidade animada, que percorreu todo aquele imenso espaço quando o Papa rezava a homilia, e que explodiu no fim quando saiu. A destoar naquela manifestação de paz, só mesmo os snipers nos telhados dos ministérios. Mas tanto a emoção da cerimónia como a sua beleza estética e gráfica, enquadrada por uma das mais belas praças da Europa, vestida de gala para receber o ilustre convidado, não saíram beliscadas. Tudo correu na perfeição. Como se depois de tantos infortúnios e tragédias, a praça quisesse agora acolher uma manifestação de harmonia. E redimir-se, purificando-se com uma banho de multidão. Afastar definitivamente as memórias sinistras dos autos-de-fé de outras eras, fazendo as pazes com uma Igreja que lhe devolveu a importância e o seu cargo de sala de visitas dos grandes acontecimentos.
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