O regresso dos liberais
Afinal as coisas no Reino Unido complicaram-se mais do que o previsto: houve inúmeras atribulações nas secções de voto, eleitores cujos nomes não constavam dos cadernos eleitorais, o Labour sofreu uma pesada derrota, os conservadores não têm maioria absoluta, e os liberais-democratas ficaram com menos representantes nos comuns do que os que tinham anteriormente.
Acaba por ser um pouco frustrante para os últimos, depois de toda a mediatização em volta de Nick Clegg. Ainda assim deverão ser o fiel da balança e talvez um esteio para David Cameron, apesar de algumas diferenças profundas, o que lhes daria uma importância que não têm desde os anos vinte.
Os liberais-democratas descendem directamente do Partido Liberal (muito mais do que o Partido Social Democrata, uma dissidência trabalhista dos tempos da liderança esquerdista de Michael Foot), que por sua vez tem como antepassados os Whigs, os opositores históricos ao absolutismo real, que ganharam enorme importância com a Glorious Revolution de 1688, apoiando a nova dinastia dos Hanôver, que continua a ser a reinante, apenas com a alteração patriótica e oportuna do nome para Windsor, ao tempo da 1ª Grande Guerra. Os Whigs apoiavam-se na burguesia comercial e industrial, e em meados do século XIX converteram-se no Partido Liberal, devedor de pensadores como David Ricardo, Bentham e John Stuart Mill. Daí advém a tradicional divisão nominal e ideológica nos países anglo-saxónicos entre liberais e conservadores. A rotatividade entre estas duas forças seguiu-se por várias décadas, durante as quais os liberais chegaram ao governo do país, e figuras como Gladstone, Asquith e Llloyd George governaram o império Britânico, com os dois últimos a comandar o país durante a 1ª Guerra. Lloyd George tornou-se um dos vencedores do conflito, mas as suas ideias mais brandas para com a Alemanha foram recusadas por Clemenceau e Wilson, com os resultados conhecidos. Assinou também o tratado que criou o Estado Livre Irlandês.
A partir de 1922, os liberais saem do governo para não voltar, excepto em efémeras coligações. O crescimento do Partido Trabalhista, que arrastava as classes operárias e os sindicatos, e começava também a atrair a classe média, minou a sua base eleitoral, e a partir dos anos trinta o partido sofreu uma enorme erosão na sua representação parlamentar. Com a ascensão definitiva dos trabalhistas a um dos dois partido da rotatividade, com os conservadores, sobretudo depois da estrondosa vitória de Attlee em 1945, o Partido Liberal viu-se remetido a um apagado terceiro lugar, sem real peso na vida política.
Nos anos oitenta, já com o Reino Unido na CEE (de que foram ardentes defensores), fizeram uma aliança com o novo Partido Social Democrata, com o qual se fundiriam em 1988, originando o moderno Partido Liberal Democrata (os Lib Dems). Alguns dos seus membros tornaram-se notórios, como Paddy Ashdown, que deppos de dez anos a liderar o partido alcançou o cargo de Alto Comissário para a Bósnia. Seguiu-se os escoceses Charles Kennedy e Sir Menzies Campbell, até à actual revelação política britânica, Nick Clegg.
Com a indefinição governativa, David Cameron poderá muito bem ser obrigado a aceitar o apoio de Clegg, apesar de algumas incompatibilidades, como a Europa e a reforma do sistema eleitoral. No entanto, os Trabalhistas podem aproveitar qualquer suspensão nas negociações e intrometer-se, mas já sem Gordon Brown, condição prévia para qualquer acordo com os Lib Dems. E talvez entre em cena outra das jovens estrelas políticas do outro lado da Mancha, e rival à altura de Clegg: o ministro dos Negócios Estrangeiros David Miliband. De uma ou de outra forma, parece certo que os liberais recuperem a sua histórica importância, depois de noventa anos de espera e de hibernação.
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