Antes do filme propriamente dito começar, desenrola-se cerca de meia hora de trailers, anúncios publicitários, entre os quais aqueles longuíssimos das operadoras de redes móveis, anúncios "institucionais" e, para acabar, mais outro a apelar para que as pessoas vão ao cinema. Isso antes de uma fita de mais de duas horas e meia.
quarta-feira, dezembro 13, 2023
Cinefilia pouco eficaz
quinta-feira, dezembro 07, 2023
Estudos para quê?
Estudos, comissões, avaliações, para quê? Sim, para quê fazer estudos de custos, expropriações, segurança e impacto ambiental e ir para Alcochete ou Vendas Novas? O sr. O'Leary e a Ryanair é que sabem qual a "solução óbvia" para o novo aeroporto de Lisboa, custeado pelo estado português, como é evidente. Como diria um primo do meu avô, "o que é preciso é homens para cavar e lavrar a terra, não precisam de estudar para nada".
sábado, outubro 21, 2023
O drama esquecido dos arménios "de segunda"
Relembremos, por uns momentos, o que se passa no Nagorno-Karabakh. Com os dramáticos acontecimentos em Israel, mesmo o conflito entre a Ucrânia e a Rússia passou para segundo plano, quanto mais o dos cumes das montanhas do Cáucaso.
E precisamente, o Cáucaso é das regiões a que mais limpezas étnicas tem assistido no último século. Se os Balcãs são de tal maneira divididos e confusos que até emprestaram o seu nome a uma expressão geopolítica, então aquela região montanhosa encravada entre os velhos impérios e actuais potências da Rússia, Turquia e Irão e entre os mares Cáspio e Negro é-o ainda mais. Sob o domínio dos russos coexistem inúmeros povos e línguas, como os chechenos, os circassianos (estes dois, sobretudo o segundo, foram alvo de violentos crimes e até mesmo de tentativa de genocídio por parte dos russos), os tártaros, os ossetas, os calmuques - que vivem na única região de maioria budista na Europa - e tantos outros. Abaixo, as nações independentes: Geórgia (com a Abecásia), Arménia e Azerbaijão).
O que se passou no Nagorno-Karabakh recordou-me este post que aqui escrevi há ano e meio e que relata outra limpeza étnica naquela região que pouca comoção trouxe ao Mundo. Na altura, os georgianos foram mortos ou expulsos da território da Abecásia, onde em certas partes constituíam a maioria. Agora, talvez com menos violência e menos vítimas, os arménios são forçados a deixar aquela região que a tantos combates ferozes tem assistido nas últimas décadas e a extinguir com efeitos a partir de Janeiro a não reconhecida República de Artsakh.
Atribuir "razão" territorial e política a qualquer um dos povos é tarefa complicada. Talvez se tenda, nos países ocidentais, a simpatizar-se mais com os arménios. De facto, a constituição daquele enclave parece ser mais um dos artifícios típicos na URSS para se dividirem povos e territórios e impedir assim a invocação das suas consciências nacionais e que tantos problemas tem causado desde a sua implosão, de que são exemplo as sucessivas guerras no Cáucaso russo e georgiano.
Seja como for, e mesmo não reconhecendo a soberania daquele território, há que reconhecer a limpeza étnica levada a cabo pelo Azerbaijão. Se a Arménia tinha saído vitoriosa nos anos noventa, em 2020 os azeris atacaram de surpresa, bem apetrechados com material do seu vizinho e mentor, a Turquia, sobretudo com drones que foram de grande utilidade e que serviriam de treino para a posterior guerra na Ucrânia, e obtiveram uma vitória rápida e retumbante, que lhes permitiu cercar totalmente o território de Artsakh, a começar pelo corredor de Lachin, que ligava este à Arménia, que ficou a cargo de uma força de paz russa.
Sabe-se o que aconteceu depois: as forças do Azerbaijão lançaram em Setembro deste ano uma ofensiva que rapidamente ocupou aquele território e desarmou as de Artsakh, isoladas e sem a possibilidade de reforços da Arménia. Esta, sem auxílio e sem poder, por sua vez, ajudar os arménios de Artsakh, teve de aceitar um cessar-fogo e as suas consequências. Pelo meio, ainda houve um ataque a uma viatura militar russa, que resultou na morte dos seus ocupantes. A Rússia, principal membro da OSTC, uma organização militar a que também pertence a Arménia, reagiu com apatia e escusou-se a defender a sua correligionária, em grande contraste com o apoio da Turquia ao Azerbaijão.
Desde então, a grande maioria da população arménia do Nagorno-Karabakh/Artsakh abandonou o território, temerosa do novo ocupante. A caravana de cerca de uma centena de milhar de pessoas que fugiu rumo à Arménia recordou as grandes levas de trocas de povos do pós-II Guerra. O Azerbaijão conquistou aquele território e olha agora para o que o separa do seu enclave de Naquichevan, na fronteira com o Irão (e a única parcela de território que confina com a aliada Turquia), com mal disfarçada ambição, o que pode significar novo conflito no horizonte.
A Arménia, com pouco apoio no Ocidente, salvo o da França, onde existe uma importante comunidade de arménios, e sobretudo sem o suporte da Rússia, que seria o seu protector mas que não quer entrar em conflito com a Turquia, vê-se assim ameaçada de novo e começa a olhar de soslaio para a UE. E a Turquia de Erdogan marca pontos estratégicos e consegue fazer a Rússia acobardar-se. Esta provou que não só não é de confiança para com os que deveriam ser os seus aliados (um aviso para África?), já que nem os membros da própria organização de defesa podem contar com o seu auxílio, como mostra as suas limitações bélicas. Tão empenhada está na Ucrânia que não se pode estender a outras paragens, a não ser com mercenários.
E assim, no espaço de um mês, voltamos a ver os dois povos que sofreram os piores genocídios do século XX a serem brutalmente atacados ou sujeitos a limpeza étnica por expulsão: os judeus e os arménios. Os ciclos da História repetem-se com arrepiante dramatismo.
segunda-feira, agosto 14, 2023
Fátima em Agosto, com Francisco
No meio da extraordinário e memorável acontecimento que foram as Jornadas Mundiais da Juventude, que agitaram o país entre fins de Julho e princípios de Agosto (sim, o país: não se esqueça que houve peregrinos em todos os distritos), houve um momento mais fora, literalmente, porque saiu directamente do palco das Jornadas mesmo antes da sua fase final, a vigília e a Missa do Envio. Teve também um público diferente e uma quantidade de gente considerável, mais menos massiva. Falo da ida de Francisco a Fátima, na manhã do dia 5 de Agosto.
E falo porque foi o único momento ligado às jornadas que presenciei. Esperavam-se 500 mil pessoas, mas não terão estado muito mais de 200 mil, talvez porque os peregrinos estavam em Lisboa e juntar Fátima aos supracitados momentos finais das jornadas era quase sobre-humano. Andava-se pois sem o sentimento de sardinha em lata, mas ainda assim não dava para passadas largas.
Logo no início, um ambiente estranho. Atrás dos montes erguia-se uma enorme nuvem de fumo que cobria o sol tímido da manhã, bem apropriada a algumas descrições bíblicas, mas com helicópteros, noticiosos ou de combate a incêndios, a zumbir ao redor. Era o enorme fogo que se arrastava entre Castelo Branco e Proença-a-Nova, a algumas dezenas de quilómetros, cuja base decerto o Papa viu, ele que estava prestes a chegar. Antes, uma coluna de carros desenfreados passou para o ir receber, e vários transeuntes exclamavam "olha o Marcelo!".
As pessoas convergiam todas para as margens da estrada antes da entrada no santuário, por onde passaria Francisco. Não demorou. A certa altura, as palmas antecederam a passagem do Papa, que surgiu, perfeitamente visível, perante a euforia das pessoas. A sua entrada no recinto seria a conta-gotas, porque parava constantemente para abraçar e benzer mais uma criancinha. Mas chegou enfim à capelinha das Aparições.
A visão quase cortada do Papa. Mas o Sumo Pontífice ficou visível.Não era uma cerimónia canónica, embora se tivesse rezado um terço. Mas a ida a Fátima tinha sido um desejo expresso de Francisco, que ali se rodeou de pessoas com deficiências várias e de reclusos, entre outros marginalizados da sociedade. Certas partes do terço foram rezadas, a custo mas com fervor, por pessoas com claras deficiências. E depois, o discursos improvisado: de novo a Igreja para todos, a capelinha das Aparições como modelo de Igreja acolhedora, sem portas, como uma mãe que acolhe todos os seus filhos, assim como "Nossa Senhora Apressada" (o mote para as Jornadas). Palavras caras a Francisco e que não cessou de pregar enquanto esteve em Portugal. Depois, despediu-se e saiu para o papamóvel, numa marcha lenta que demorou largos minutos a sair do recinto. Entretanto, já a nuvem negra se tinha dissipado e brilhava o sol quente de Agosto. Pouco depois, o helicóptero que transportava o Papa de volta a Lisboa sobrevoava o santuário, despedindo-se de Fátima.
Para além das palavras - e da visão em carne e osso - do Papa, o que me ficou foram as multidões, que como já disse, não eram tão grandes como as de Lisboa, e a sua grande diversidade. No geral, eram faixas etárias mais elevadas do que nas Jornadas, embora também com bastante gente mais nova. E acima de tudo, as proveniências. Viam-se muitos espanhóis, de várias regiões, como um grande grupo do País Vasco, e outros da Andaluzia, de Cuenca ou das Astúrias, e alguns até com a tradicional bandeira carlista e os dizeres "viva Cristo-Rey". Também franceses, italianos, coreanos, brasileiros, PALOPs, mexicanos e outras origens mais raras. Um grupo com a bandeira de El Salvador, por exemplo, com um cartaz e pagelas do martirizado Arcebispo Romero, já canonizado. Congoleses que procuravam o santuário, quase ao seu lado. Vietnamitas há muito radicadas nos Estados Unidos. E, surpresa das surpresas, um minúsculo grupo vindo do Irão, católicos assírios, como me disse o bispo, que ostentava uma barba que lembrava aqueles relevos de povos da Antiguidade da Ásia Menor. À margem do epicentro das jornadas, Fátima não deixou de cativar não só o Papa mas também pessoas das paragens mais improváveis mas que não quiserem deixar de por ali passar.
quinta-feira, agosto 03, 2023
Escritos sobre as jornadas
Finalmente um artigo, da autoria de Pedro Gomes Sanches, que fala das JMJs referindo-lhe a sua diversidade, uma palavra que está tão na moda mas que curiosamente não tem sido utilizada no maior evento de sempre em Portugal, com quase todas as nações do mundo. E também refere Deus, coisa tão pouco usada no discurso público com a estúpida justificação de que "a sociedade é laica" (como se a sociedade fosse um todo homogêneo, as pessoas não pudessem falar porque as outras não estão habituadas e o sentimento religioso não fosse parte da sociedade). Um pouco agressivo aqui e ali, mas assertivo.
Mas mais assertivo, mesmo de mão na anca, é este, de Maria João Marques, que desbarata a malta que não esconde o seu ódio (não confundir com algumas críticas razoáveis) pelo evento, com especial ênfase no BE. Dá cabo de um conjunto de ideias pré-concebidas e autêntica xenofobia vinda de gente que costuma acusar os outros disso mesmo.
Noutro registo, mas igualmente com algumas críticas, ver o que escreveu Afonso Reis Cabral.
Entretanto, sabem qual é o zénite da ironia? É ver a estátua de um tipo que expulsou os jesuítas, construída por outros que os reexpulsaram, no meio de uma enorme multidão que ali se deslocou para ver e aclamar um jesuíta. Definitivamente, muito pouco é definitivo.
domingo, julho 30, 2023
Uma estratégia falhada a longo prazo
As eleições de Espanha, que redundaram num triunfo relativo do PP de Feijó e na resistência do PSOE, mostraram ainda mais, como se fosse necessário, como o país está partido e se tenta fazer uma divisão esquerda-direita intransponível. Pedro Sanchez preferiu aliar-se com tudo o que mexia a permitir por abstenção a investidura de um governo minoritário do PP, respaldado a pactos de regime. Isso permitiria que o Vox não interferisse com um governo PP, mas para Sanchez isso não era suficiente, e, como se viu, para conservar o seu poder, preferiria aliar-se ao diabo que ver um governo do PP, com ou sem Vox. E de facto isso pode acontecer, se tiver de novo o apoio da esquerda radical, o Sumar que deixou o Podemos nas lonas, tão cor-de-rosa por fora e tão retintamente vermelho por dentro, herdeiro em linha directa das que por ali se encontravam no tempo da Guerra Civil. A nova estrela local, Yolanda Diaz, afirmou há não muitos anos querer acabar com o espírito da transição e com a própria monarquia. Realce-se que Diaz é natural do Ferrol, ironicamente tal como o Generalíssimo Franco, cidade que outro ilustre conterrâneo, GonzaloTorrente Ballester, dissera nunca ter criado nada que prestasse. Para além do Sumar, Sanchez precisará do apoio de muitas outras formações, como os desavindos partidos independentistas catalães, que até caíram estrondosamente, uma data de formações regionalistas, e do País Vasco, o habitual PNV, que governa a região, mas sobretudo o Bildu, sucessor directo do Herri Batasuna, o braço político da ETA, que continua a ser chefiado pelo mesmo Arnaldo Otegui. é pois com este saco de gatos que Sanchez pretende manter o PP afastado do poder.
O pretexto do Vox redunda em falsidade, como se vê, mas é muito usado e aparentemente eficaz. Aqui, Sanchez está muito próximo de António Costa, que usou e abusou do fantasma do Chega para obter votos à esquerda e impedir o PSD de melhores resultados e também obteve visível êxito. A estratégia pode ser boa agora, mas poderá trazer graves consequências mais tarde. A eternização do poder, a falta de alternativas e a normalização da direita radical podem fazer com que esta cresça mesmo a médio prazo, rompendo quaisquer cordões sanitários e aproveitando-se da terra que os socialistas vão queimando. E há precedentes além-Pirenéus.
Nos anos oitenta, estando no poder, onde conseguir controlar os comunistas, e para evitar a progressão da direita gaullista e republicana, François Mitterand conseguiu alterar a regra eleitoral do modelo de voto maioritário para um proporcional. Permitiu assim que a Frente Nacional de Le Pen ganhasse um número apreciável de deputados no parlamento às custas da direita e, desde então e por arrasto, dos comunistas, coisa que Mitterand talvez não imaginasse à época mas que lhe seria útil para se desembraçar deles colocando o PSF como partido hegemónico da esquerda francesa. O então presidente era um tacticista sob as vestes do idealista, e seguia as teses maquiavélicas que tanto influenciaram dois estadistas do século XVII: os cardeais Richelieu e Mazarino. Essa influência transmitiu-se-lhe mesmo de forma pessoal: soube-se que tinha uma segunda família e uma filha a que deu o nome de...Mazarine, o que não era certamente por acaso.
Só que tudo isto teve um preço. Hoje em dia, não só o PCF é quase irrelevante e a direita republicana está em declínio como o próprio PSF se tornou um partido de terceira categoria, de influência quase nula, empastelado numa coligação chefiada por um demagogo de esquerda radical, ao passo que o cenário político está dividido entre este último, o cento radical de Macron e a dinastia Le Pen, que Mitterand ajudou a guindar-se. Eis o resultado de se querer manter o poder a todo o custo insuflando-se as direitas radicais para enfraquecer as moderadas: um dia, o desespero e a revolta de ver o poder ocupado pelos mesmos acabará por dar aos radicais ao poder, catapultando-os com enorme aumento de votos. Isso já está a acontecer noutras paragens. Aconselhava-se por isso os srs. Sanchez e Costa a olhar para França e a não brincarem aos defensores da democracia - e sobretudo a não brincarem apenas com os radicais do seu espectro político.
terça-feira, junho 27, 2023
Curiosidades do Adriático: o Sagrado Coração da Refundação
quinta-feira, junho 22, 2023
A quase extinção do homem analógico
Confesso: apesar de o meu Pai me garantir que era (até há dias, evidentemente) o maior escritor americano vivo, nunca li um livro de Cormac McCarthy e tanto quanto sei só vi um filme adaptado de uma obra dele - o famigerado No Country for Old Men. Este artigo de in memoriam de Paulo Faria (excelente tradutor, já agora), que em "leitura aberta" para não assinantes só se consegue ler o início, revela-nos um escritor que não só cresceu em viva comunhão com a natureza mas que acima de tudo NUNCA usou a net para absolutamente nada, recorrendo sempre, até morrer, à sua máquina de escrever.
quarta-feira, junho 14, 2023
Curiosidades do Adriático (e não só)
Os venezianos adoram leões. Melhor dito, veneram-nos, como por osmose ao seu padroeiro, o Apóstolo e evangelista S. Marcos, de tal forma que colocaram o leão do santo no centro da sua bandeira, provavelmente a mais bela que um (antigo) estado já ostentou. Está por toda a cidade e arredores e em muitas antigas dependências, nos estandartes, nas pedras e nos papéis.
Um dos mais conhecidos é o leão do Pireu. Esta imponente estátua de mármore, a principal de quatro estátuas de felinos, guarda a entrada do Arsenale de Veneza, o maior estaleiro naval e industrial europeu desde a Idade Média até À Revolução Industrial, base da poderosa armada da Sereníssima, que tanto contribuiu para o desfecho de Lepanto e do seu domínio partilhado do Adriático e do Mediterrâneo.
A função do Leão do Pireu é quase mítica, constando de reproduções várias (Corto Maltese fica especado diante dele em Fábula de Veneza, por exemplo, em cujo enredo é parte importante), e esse misticismo advém das inscrições no seu dorso e da sua origem. Não é "do Pireu" por acaso. A estátua existe desde o séc. IV a. C. e guardava a entrada do porto de Atenas, por vezes conhecido como Porto Leone, tal a imponência do seu guardião.
Atenas não perdeu todo o Parténon, mas perdeu o leão e as suas inscrições laterais, runas nórdicas, uma das suas curiosidades. Pensei durante algum tempo que tinha sido alguma incursão dos vikingues e um ataque ao Pireu, mas não se tratou exactamente disso. Nas suas viagens até ao Mar Negro, os nórdicos encontraram-se inevitavelmente com os bizantinos. Tão impressionados ficaram estes últimos com a sua valentia que o imperador bizantino tomou a seu cargo uns quantos para a sua guarda pessoa, a célebre guarda Varegue. Segundo parece, foram estes que num episódio no Pireu deixaram os seus grafitis em forma de runa no dorso do leão (já naquela altura os monumentos gregos eram vandalizados com inscrições, e muito mais tarde Byron também daria o seu mau exemplo no templo do cabo Sounion).
O Leão tornou-se, com dois mil anos de idade, o fiel guardião do Arsenal de Veneza, até hoje, quando as instalações ficaram reduzidas a funções mais modestas e não permitem a entrada do público em geral. Quanto ao significado das inscrições, a Wikipedia explica.
terça-feira, abril 25, 2023
Tudo para o Campo Pequeno, pá.
André Ventura vai organizar uma convenção com alguns parceiros e conhecidos, como Salvini e Bolsonaro, e escolheu para o evento o Campo Pequeno. Ou seja, vai cumprir o velho desejo de Otelo. Que estranha forma forma Ventura encontrou para comemorar o 25 de Abril.
sábado, abril 22, 2023
O primeiro ponto do Benfica em San Siro
Com o desvario das últimas semanas, fiquei bastante pessimista e não ando com grande vontade de falar sobre o Benfica. Do campeonato dado como ganho (também pelos adversários, não sejamos ingénuos) e da possibilidade de estar nas meias finais da Liga dos Campeões - ou até na final - depois de uma excelente competição ficou apenas uma vaga esperança em relação ao primeiro. Mas uma vantagem teve, aquele empate em S. Siro: permitiu ao Benfica pontuar pela primeira vez naquele estádio. Até porque pode também ser a última, já que há planos para em breve o demolir e construir um recinto novo em folha, mas sem a alma do actual Meazza, aposto. Note-se que o Benfica tinha perdido sempre lá mas nunca por números muito altos, incluindo uma final da Taça dos Campeões com este mesmo Inter, ou com o mesmo adversário, em 2004, um desaire por 4-3, num jogo emocionante mas frustrante, que acompanhei num jantar em Paris, numa altura em que não havia smartphones nem net à mão e ia sabendo aos poucos da marcha do marcador O resultado de hoje daria então para passar.
De qualquer forma, San Siro parece ter os dias contados, embora haja ainda dúvidas. A Catedrale poderá ser o novo ocupante do terreno. Até lá, mantenho a esperança de ir assistir a um jogo naquele magnífico estádio Meazza.
sexta-feira, março 31, 2023
Desvarios do "nosso" jornalismo
Não resisto a este desvario do nosso jornalismo: a dada altura do jogo entre o Luxemburgo e Portugal, no último Domingo, que acabou com meia dúzia de "secos" infligida à equipa do grão-ducado, saiu um jogador luxemburguês com uma tatuagem de uma ave no pescoço. O comentador televisivo, de imediato, afirmou que era um sinal de pertença usar uma tatuagem "da águia do Luxemburgo".
Pena é que o símbolo do Luxemburgo seja um leão rampante e que a ave da tatuagem fosse uma coruja. É o que acontece quando os comentadores desportivos decidem encher chouriços durante a partida, desatando a inventar. Qualquer dia surge um jogador sportinguista com uma tatuagem de uma andorinha e há de aparecer alguém a referir-se à "águia do Sporting".
Ah, e claro, também houve isto. Se não conseguirem ver, é a página de Facebook de Ribeiro e Castro em que ele mostra uma reportagem na RTP-3 em que o ministro do Interior francês se refere à violência de grupos de "extrême gauche" e nas legendas aparece "grupos de extrema-direita". Julgo que podemos falar num pequeno finis hebdomadis horribilis ("fim de semana" em latim macarrónico) para o jornalismo português.
quarta-feira, março 22, 2023
Rui Nabeiro, o homem levou a prosperidade ao "interior profundo"
Agora que chovem os elogios e homenagens a Rui Nabeiro (na verdade sempre os houve e dificilmente se encontrará uma pessoa que reúna tantas opiniões favoráveis), deixo o meu, que aliás já há muito que defendo: com a expansão da Delta (ainda me lembro de o anunciarem no Programa Despertar, na Renascença, quando não era grande coisa, ao contrário de hoje), a manutenção da fábrica e da sede em Campo Maior com a consequência de ser o único município da região que manteve a população, bom era que houvesse mais meia dúzia de comendadores Nabeiros por esse interior raiano fora. A desertificação, a existir, seria muito mais atenuada. E não esquecer que o Alentejo profundo voltou a receber durante uns anos futebol de primeira divisão, um sonho possível com o meteoro Campomaiorense.
E para atestar a internacionalização da Delta, eis uma foto tirada (não muito bem, ao contrário do café) há uns dez anos em Veliko Tarnovo, Bulgária.
sexta-feira, março 03, 2023
O primeiro nevão do ano
Como parece que o Inverno ainda não acabou, ao contrário do que os optimistas pensavam em meados de Fevereiro, mesmo que estejamos no mês do seu fim, deixo aqui algumas recordações dos momentos mais frios, a 18 de Janeiro. As imagens foram tiradas na serra do Alvão, provando que não é só na serra da Estela que há neve.
sábado, fevereiro 25, 2023
15 de Fevereiro de 2003
É certo que a efeméride que agora se comemora é outra, mas não queria deixar de recordar outra, mais antiga, que tem uma ténue ligação à da invasão da Ucrânia. Há pouco mais de uma semana passaram vinte anos sobre uma data que não teve grande eco nestes dias, mas que na altura não só era nota de primeira página como se tornou um marco da globalização. Refiro-me às enormes manifestações contra a invasão do Iraque, que acabaria mesmo por acontecer pouco mais de um mês depois, e que terão sido as primeiras realmente globais convocadas pela internet, ainda antes dos smartphones e das redes sociais, mas já com os blogues a despontar (e a dar-nos alguns dos melhores debates sobre a matéria).
O dia era 15 de Fevereiro de 2003. Tinham decorrido dez dias sobre o discurso de Colin Powell na Assembleia Geral das Nações Unidas, que, com a história das "armas de destruição maciça", tinha praticamente garantido que os Estados Unidos avançariam mesmo sobre Bagdade, assim cumprindo a primeira parte do plano contra o "Eixo do Mal" urdido pelos entusiastas neoconservadores, que na altura influenciavam decisivamente o Partido Republicano e a Casa Branca com a sua ideia de democratizar o Mundo e levar a pax americana a todo o lado nem que fosse à bomba (se bem que hoje, olhando para o GOP, quase tenha saudades deles).
Apesar dos apoios, em especial dos tradicionais aliados dos EUA, começando pelo Reino Unido e Portugal e continuando pela "nova Europa", a reação seria dura, precisamente vinda da "velha Europa", com a França a liderar a oposição à guerra, secundada pela Alemanha, no que seria até uma mini-guerra cultural. Se uns chamavam contra os "belicistas" e "falcões", outros falavam em "covardia" e "anti-americanos" e acusavam a França de ser um país que estava habituado a render-se e que tinha sido graças aos EUA que a Europa se tinha livrado dos nazis (embora também se lembrasse com propriedade que os Estados Unidos deviam a sua existência à França pela ajuda decisiva na Guerra da Independência). O corolário dessa discussão seria a patética questão das "freedom fries", um nome aplicado efemeramente às "french fries", ou seja, às batatas fritas de palito, que algumas vozes mais com melhor memória lembraram ser belgas e não francesas (a isto se poderia chamar o síndrome Poirot).
E a 15 de Fevereiro, um Sábado, vieram as tais manifestações. Um pouco por todo o Mundo, mas particularmente na Europa e nos EUA, precisamente nos países cujos governos apoiavam a invasão. Socorrendo-me da Wikipedia, à falta de dados mais eficazes, a maior manifestação terá sido em Roma, com mais dois milhões de pessoas na rua, seguindo-se Madrid, Londres (ou seja, as capitais dos países que apoiavam a guerra), Berlim, Paris, etc. Um pouco menos participadas, as manifestações nos EUA tiveram ainda assim largas dezenas de milhar espalhadas por todo o território. Havia de tudo: anarquistas, artistas, freiras, estudantes, reformados, etc.
Em Portugal também as tivemos. Na de Lisboa pontificava Mário Soares, ao lado de oitenta mil pessoas. No Porto bastante menos, cerca de cinco mil. Lembro-me de ir a essa, com epicentro na Praça dos Poveiros, por oposição à guerra mas também por alguma curiosidade sociológica. Por uma vez, Ferro Rodrigues estava carregado de razão: na véspera, o então secretário geral do PS declarara que embora estivesse totalmente contra a guerra, não iria apoiar oficialmente a manifestação (embora não estivesse contra) porque certamente haveria gente que aproveitaria para branquear o regime de Saddam Hussein. Dito e feito: entre os oradores, não faltaram aqueles que, claramente ligados ao PC, diziam conhecer o Iraque, afirmavam não haver quaisquer perseguições políticas e que Saddam o tinha transformado num país próspero e dinâmico. Ainda houve outras diatribes semelhantes, com discursos pró-Palestina e alguma propaganda, essa sim, anti-americana, como cartazes com insultos à porta do McDonalds por jovenzinhos anticapitalistas de ar pouco cuidado. Mas não dei a tarde por perdida. A causa fundamental era nobre e até reencontrei a minha velha professora da 1ª classe, que me ensinou a ler.
Esse dia ficaria na história, como disse, como o primeiro e provavelmente maior, até agora, manifestação global da História. Acho estranho não ter sido mais recordada, embora tivesse deixado claras sementes, e até Ian McEwan escreveu um romance, Sábado, baseado nesse dia. Mas achei importante recordá-lo, não apenas pelo momento em si mas pelo actual. É que tenho ouvido muito boa gente dizer que o Ocidente apoiou todo a Invasão ao Iraque, e que particularmente os europeus são "hipócritas" porque reclamam conta a invasão da Ucrânia e apoiaram a do Iraque. Pois este dia 15 de Fevereiro de 2003, e não só, prova que isso é mentira. É mesmo o contrário. Vai-se a ver e a França, o estado francês, opôs-se-lhe bem mais do que a Rússia e a China e os europeus manifestaram-se em massa contra a guerra, em claro contraste com a inacção de chineses, russos, brasileiros, indianos e do resto do mundo em geral. Houve muito mais indignação popular na Europa e nos Estados Unidos do que naqueles que agora se recusam a condenar a invasão da Ucrânia com a tese da invasão do Iraque (como se uma impedisse a outra, e aí está Sean Penn a prová-lo). E por cá, o PCP bramia contra a invasão de Bush mas vem sonsamente acusar a NATO de ser culpada da guerra na Ucrânia e Zelensky de ser "antidemocrático" e outras coisas que nunca disseram de Saddam. Por isso, quando ouvirem alguém com esta conversa desmemoriada e ignorante (ou de má fé) sobre a "hipocrisia dos europeus" e os "dois pesos e duas medidas" entre a invasão do Iraque e a da Ucrânia, recordem-lhes isto e mostrem que não eles têm qualquer moral para invocar whataboutismos falsos. A memória do 15 de Fevereiro cá está para lhos recordar.
segunda-feira, janeiro 30, 2023
Em memória atrasada de Mikhail Gorbachov
O mês de Janeiro de 2023 já vai a caminho do fim, em que parece que andei nos momentos e regiões certas atrás das intempéries, como a de Ano Novo no Alto Minho, a do segundo fim de semana no Porto e a da terceira semana nas terras altas transmontanas. E apesar disso, ainda fiquei com assuntos pendentes de 2022.
Uma das coisas que se menciona sempre no ano que acaba é o da necrologia. E esta esteve em destaque em 2022. A quantidade de personalidades de relevo internacional que nos deixaram é enorme. Talvez a que mais sensação tenha causado tenha sido Isabel II, que parecia eterna, e já mesmo no caír do ano deixaram-nos Pélé, provavelmente a maior lenda do futebol de sempre, e o Papa Bento XVI, cujo estado de saúde já declinava há bastante tempo. Uma rainha, um rei e um Papa, portanto.
Há muitos anos, na década de noventa, o Expresso lançou um destacável com mil figuras de relevo do século XX para celebrar a sua milésima edição. O primeiro capítulo tinha cinquenta personagens consideradas as mais relevantes do século. Duas delas morreram em 2022. Pélé era uma delas. A outra era Mikhail Gorbachov.
Gorbachov deixou-nos nos últimos dias de Agosto, enaltecido pelas democracias liberais e ignorado ou desdenhado pela sua Rússia. Putin deixou umas palavras de circunstância, apenas porque tinha de ser. O homem que tentou dar um rosto humano à URSS (literalmente, bastava olhar para ele e comparar com as faces patibulares ou caninas dos outros apparatchiks) e um rumo àquele sistema bloqueado e sem saída acabou por derrubar o regime e a próprio União Soviética. Pelo meio, assinou com os EUA o tratado de não proliferação de armas nucleares, o que causou o degelo nas relações entre blocos, aliviando o "equilíbrio pelo terror" e acabando efectivamente com a Guerra Fria. Rasgou a "Doutrina Brejnev", substituindo-a pela "Doutrina Sinatra", escusando-se a intervir nos países do Pacto de Varsóvia, cujos povos aproveitaram a oportunidade para derrubar os muros e respectivos regimes, já sem a ameaça de intervenção soviética. E internamente, também os integrantes da URSS começaram a questionar-se e a declarar a autonomia, começando pelo Báltico. O fim da Guerra Fria permitiu igualmente que do outro lado os EUA deixassem de apoiar certos cães de fila, o que originou, entre outras coisas, o fim da regime do Apartheid na África do Sul e a libertação de Nelson Mandela, a saída de Pinochet dos comandos do Chile e o fim da guerra civil em Angola (por pouco tempo) e Moçambique.
Poucos homens estiveram na origem de mudanças tão drásticas e radicais, mesmo que a intenção inicial não fosse essa. O problema é que internamente elas resultaram na implosão de um sistema que era totalitário, desumano e falhado, mas que deu lugar a anarquia, pobreza e violência extremas. Não era isto que realmente Gorbachov e os russos desejariam, mas acabou por ser o resultado, de tal forma que no fim da década de noventa colocaram um tal Vladimir Putin à frente dos destinos do país.
A morte de um ser desta dimensão nunca é positiva, mas o desaparecimento de Gorbachov ocorreu na pior altura possível, precisamente quando o regime vigente na Rússia está mais tirânico do que nunca desde Tchernenko - ou seja. a URSS pré-Gorby - e representa exactamente o contrário do que o último líder soviético representava: autoritarismo, corrupção, opacidade, militarismo e ultranacionalismo. E a tentativa de reversão das independências obtidas à época, com a brutal invasão à Ucrânia, depois de se ter mutilado a Geórgia e a própria Ucrânia.
Porque a morte de Gorbachov em Agosto levou-me a outro Agosto, o de 1991, em que fora vítima de um golpe de estado dos últimos defensores do regime soviético puro e duro. Recordei-me das imagens dos russos manifestando-se em Moscovo, de Ieltsin em cima de um tanque, com a Duma (a mesma que ele mandaria atacar dois anos depois) em fundo, a conferência de imprensa da junta golpista num anfiteatro de dimensão estalinista (diz-nos José Milhazes, então presente, que o primeiro-ministro Valentin Pavlov estava ausente porque não tinha recuperado de uma bebedeira na véspera), e a cara de fuinha do auto-proclamado presidente, Yanayev, e depois o falhanço do golpe e o regresso de um Gorbachov pálido mas aliviado. Vi tudo isso num mês em que não podia fazer muito mais porque decidi partir uma perna logo no último dia de Julho, o que constituiu um rude golpe nesse meu começo de adolescência.
E também nesse Agosto, aproveitando o fiasco do golpe, o que restava de facto da URRS ruiu. Lembro-me das imagens do anúncio do fim do regime comunista e em simultâneo da restauração da bandeira russa. Pensei até há pouco tempo que tivesse ocorrido no dia dos meus anos, mas afinal é de dois dias antes, 22 de Agosto. Em contrapartida, fiquei a saber há pouco tempo, por causa da guerra em curso, que a Ucrânia tinha como dia da independência precisamente o 24 de Agosto (de 1991). Assim, eu e a Ucrânia fazemos anos no mesmo dia. Como não poderia apoiar a causa da sua independência?
Gorbachov deixou-nos no mesmo mês - mas em ano diferente - em que as suas reformas e a reação às mesmas precipitaram tudo aquilo que era impossível manter. Que a sua memória seja no futuro tão favorável como a dos povos que graças a ele ganharam a sua liberdade.
domingo, janeiro 22, 2023
Dezanove anos