Rescaldo (à direita)Esta análise vem com dois dias de atraso, bem sei. Mas gosto de fazê-las com calma, e o tempo é um bem escasso.
Como já tinha dito, estas eleições não trouxeram nada de especificamente surpreendente, tirando a diferença entre PSD e PS. Num ou noutro caso, no essencial, houve algumas surpresas, mas não há eleição que não as tenha. No essencial, nada espantou.
O PSD é o grande vencedor mais pelos números do que pela vitória em si. Como tinha notado na arruada que presenciei em Santa Catarina, os sociais democratas levavam já uma dinâmica de vitória, ao passo que o PS estava já pouco entusiasmado. Tudo isso depois de semanas de "empates técnicos". Até Abril/Maio, o PSD tinha uma vantagem muito confortável nas sondagens. Perdeu-a quando o discurso começou a tergiversar, com vários dirigentes a falar cá para fora a diversas vozes, por vezes em contradição com Passos Coelho. Mais do que o debate (onde Passos não se deixou intimidar por Sócrates e que marcou alguns pontos), o silenciamento de algumas figuras, como Catroga ou Leite Campos, e a união em volta do líder foram fundamentais.
Antes do anúncio dos resultados, o PSD já sabia seguramente que tinha vencido as eleições, mas talvez não por aquela margem. o número de deputados conquistados, que ainda vão aumentar com a emigração, permite-lhe um certo desafogo nas negociações já em curso com o CDS-PP e se for necessário, prescindir dos votos madeirenses para impedir qualquer veleidade chantagista a Alberto João Jardim.
Há números curiosos. Para além das habituais zonas de implantação laranja de Trás-os-Montes, Beira Interior e Leiria, o PSD ganhou em todos os concelhos do Algarve, onde obteve mais um deputado (o meu antigo companheiro de quiz, Cristóvão Norte, filho do deputado homónimo que nos anos setenta era o único deputado laranja do distrito). Em Setúbal, onde em 1975 estava impedido de fazer comícios, o PSD também ganhou. Em Beja recuperou o deputado perdido há vinte anos. E até venceu no "Socraquistão" de Castelo Branco e Portalegre (aqui com apenas mais 14 votos).
Como seria de esperar, em Vila Real, Passos coelho obteve o seu segundo melhor resultado. Num distrito fortemente PSD, a proveniência do líder só podia reforçar as contas. Melhor só mesmo em Bragança. Há que felicitar
o cabeça de lista vencedor. Ainda por cima, o distrito já há algum tempo que não vota tanto à direita como no início, quando se dizia que os comunistas comiam criancinhas e os socialistas roubavam galinhas.
Até por estes números simbólicos, Pedro Passos coelho é um vencedor inequívoco. Apesar de todas as gaffes, confusões e polémicas. Não tendo grande biografia (Cavaco também não tinha, segundo Soares), parece-me antes de mais um indivíduo decente e correcto, ideia que também recolhi de conhecimentos familiares de Vila Real. Claro que o carácter nem sempre é tudo num líder que se quer forte e corajoso, mais a mais numa situação como a actual, mas é sempre o princípio de tudo. O resto dependerá do apoio que tiver.
E o CDS-PP? Conseguiu alcançar todos os objectivos a que se propunha, mas as expectativas nos votos (cheguei a ouvir alucinações de "17%") foram goradas, não há que disfarçá-lo. Não percebi se a relativa calma que se vivia no Caldas e a prudência de Paulo Portas no seu discurso tinham directamente a ver com isso ou se era já o pensamento no dia seguinte, mas parece-me indissociável a água na fervura das expectativas e a placidez dos militantes na noite eleitoral. Em 2009, se bem se lembram, foi um delírio com os "dois dígitos". As sondagens voltaram a enganar-se, mas ao contrário. Agora, a entrada no governo está assegurada e corre os seus termos, e a esquerda radical está lá para trás. Mas os populares fariam bem em dar atenção a um aspecto. É verdade que cresceram em votos sobretudo nas zonas urbanas, e ao que parece, também no voto "jovem". Isso reflectiu-se nas enormes subidas em Setúbal e Lisboa. Em contrapartida, noutros círculos com votações tradicionalmente interessantes, como Viseu, Braga, Leiria e Aveiro, o CDS estagnou ou perdeu mesmo votos - é o caso de Aveiro, por onde corre Portas. Se num escrutínio nacional o partido pode captar mais votos graças a algumas ideias, a um líder carismático ou a razões circunstanciais, já nas locais a coisa tende a cair por terra, como as autárquicas muito bem o comprovam de eleição para eleição. O CDS já teve um bom número de câmaras, incluindo várias capitais de distrito. Hoje está reduzido a Ponte de Lima. As estruturas locais ou são fracas ou não têm capacidade de atracção de figuras de prestígio e eleitores, e o triste facto dos municípios estarem convertidos em agências de emprego. Um partido que pretende ser influente na vida nacional precisa de assentar nalgumas estruturas municipais, regionais ou sociais (o PCP tem os sindicatos e algumas regiões de grande peso). Se os militantes do CDs não pensarem nisso, arriscam-se a ter sérios dissabores daqui a uns anos.
A frase mais badalada da noite, sem a menor dúvida, era o "cumpriu-se o sonho de Sá Carneiro: um governo, uma maioria, um presidente". Formalmente, cumpriu-se neste 5 de Junho, sim. Mas na prática o objectivo do fundador do PSD já tinha sido atingido
post mortem em 1982, com a primeira revisão constitucional, que afastou os generais do poder e transformou o Conselho da Revolução em Conselho de Estado. No Domingo, apenas se cumpriu o
slogan da AD. Saberemos nos capítulos seguintes quais as suas consequências práticas.