A lamúria nacional atinge todos os sectores da nossa sociedade, quer seja na política, na cultura, na famosa "mentalidade", no desporto (ver posta anterior) e nos serviços públicos na sua generalidade. Nestes últimos, costuma-se criticar amiúde a educação, a justiça, a segurança e a saúde. Se nos três primeiros até concordo com muita coisa - e por alguma razão coloquei a justiça em primeiro lugar, que me parece a mais vilipendiada - já na saúde vejo um bota-abaixismo de proporções exageradas. O nosso sistema, com base no estado social nascido em 76, mas já com antecedentes importantes no marcelismo e herdeiro das misericórdias, não é perfeito, como nenhum é. Há por vezes falhas graves do pessoal médico, insuficiência de meios de transporte e de pessoal, cortes sem fundamento nos orçamentos, problemas que atingem sobretudo o interior e as povoações mais isoladas, como se vê pela demora em criar os Serviços de Urgência Básica (SUBs) por esse país fora.
Contudo, ao lermos nos fóruns e espaços de comentários que abundam sobre todos os assuntos, encontra-se sempre a mesma coisa. "a saúde é uma vergonha", "O governo tem de ir para a rua", "isto nos países civilizados não acontece", etc. A comparação é sempre feita ao nível dos tais "países civilizados", como se ali jorrasse mel e os hospitais funcionassem de forma perfeita, o atendimento fosse perfeito e os doentes ficassem todos em quartos individuais com cama de dossel, flores na mesinha de cabeceira e ecrã plasma com leitor de DVDs.
Quem passou pelos estabelecimentos de saúde "lá de fora" desejou voltar a Portugal o mais rápido possível. Em crónicas recentes directamente escritas do hospital onde estava, Miguel Esteves Cardoso perguntava-se onde é que os hospitais ingleses eram melhores que os portugueses (recordar que o Reino Unido foi pioneiro num sistema de saúde público). As filas de espera na Grã-Bretanha e em França conseguem piores que as nossas. Nos Estados Unidos, conhecidos meus tiveram o desprazer de terem de se deslocar a um hospital público americano, de onde saíram horrorizados; recorreram a um privado, e mais horrorizados ficaram com os custos. E na Noruega, sei igualmente de quem teve experiências traumáticas em Hospitais, a nível do atendimento e de administração de medicamentos e injecções.
No último fim de semana a minha Avó teve de ser hospitalizada no Hospital Distrital de Vila Real, com problemas respiratórios. Nas primeiras horas havia alguma angústia pelo que estaria a passar, e que tivesse de passar a noite no corredor, esquecida numa qualquer maca, dada a enorme afluência de gente neste tempo gelado. Com a neve e o gelo a cortar as estradas, era praticamente impossível chegar à cidade por estrada. Mas com um simples telefonema, soube-se que estava numa enfermaria, devidamente tratada, como andava o respectivo estado de saúde e quais os sintomas. tudo isso em dois minutos. No dia seguinte conseguimos mesmo falar pelo telefone, e pela voz parecia-me satisfeita. Finalmente, quando as estradas abriram de novo, pôde-se lá ir e comprovar o tratamento cuidadoso e a boa organização que nos tinha permitido ficar informados quase de imediato, sem qualquer traço de negligência nem de impaciência.
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Tudo isto num hospital distrital do interior, num fim de semana mais frio do ano, com os acessos bloqueados pela neve, e com uma afluência monstra às urgências. Não constituiu, para mim, uma revelação, antes uma confirmação daquilo a que já tinha podido assistir: que o sistema de saúde português é bom, muito melhor do que o que se diz na rua e na net, apesar das falhas e das negligências que por vezes ocorrem, e já ficou, creio, classificado em 12º a nível mundial. E quando recorrei aos hospitais, tive de esperar bastante tempo por se tratar de casos de pouca monta, enquanto que as prioridades passavam à frente. Por isso, quando vejo as tais comparações que nos rebaixam perante "os países civilizados", rio-me ou passo à frente, na impossibilidade de responder à retórica dos engraçadinhos. Fico com a certeza de que tais pessoas nada, ou muito residualmente, conhecem dessas tais "civilizações", e que se há alguma coisa em que Portugal está cá para baixo, é no amor-próprio.
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