A propósito de arquitectura arrojada
de que já se falou aqui há poucos dias, lembrei-me de outro, francamente original, também respeitante a uma relíquia dos tempos do carvão e aço, à qual querem igualmente dar um destino diferente daquele para a qual estava destinada (embora não já a mudá-lo de lugar).
Londres, para além de ser uma metrópole global, possui uma infinidade de estádios: o Emirates, do Arsenal (de que se falará mais adiante), o Stamford Bridge, do Chelsea (que aqui nos interessa particularmente), o White Hart Lane, do Tottenham, o Upton Park, do West Ham, o Craven Cottage, do Fulham,o Loftus Road, do Queens Park Rangers, o Selhurst Park, do Crystal Palace, e muitos outros de clubes menores, já para não falar de recintos dedicados a outras modalidades, como o rugby ou o cricket, e, claro, o mítico Wembley e o Estádio Olímpico, construído para os jogos de 2012, e de que se diz ser objecto de interesse por parte do West Ham para uso futuro. Uma overdose de recintos desportivos, como se vê, e um pouco estranha para o habitual pragmatismo britânico (nisso, os italianos são bem mais poupados: nas grandes cidades, um estádio serve para duas equipas).
Com o crescimento desportivo do seu clube, Roman Abramovich cogitou que o Chelsea devia jogar num recinto mais nobre e maior do que o velho Stamford Bridge, já que por razões várias este não se podia expandir mais. Havia o problema de construir um novo estádio em local que não se afastasse muito dos territórios do clube. E no ano passado, surgiu a ideia salvadora: a estação eléctrica de Battersea, no centro da capital londrina, junto ao Tamisa, que em tempos alimentara boa parte da energia da cidade, desactivada há perto de trinta anos, era o sítio ideal. O edifício, já considerado um monumento londrino, é também um ícone da cultura pop, sobretudo desde surgiu como cenário do disco Animals, de 1977, dos Pink Floyd, então no auge da popularidade.
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A ideia era original, vanguardista, provocadora: fazer de um venerável edifício industrial e símbolo pop um novo e espaçoso estádio de futebol, para 60 mil espectadores, que provavelmente o tornaria ainda mais icónico. O Chelsea ganharia um novo estádio, dentro da "sua" área, e a Battersea Power Station uma nova vida. Imagine-se David Luiz, Óscar ou Hazard correndo às ordens de Mourinho sob as quatro enorme chaminés industriais que em tempos alimentaram a metrópole britânica. O clube londrino, até agora relevante graças aos dinheiros do multimilionário Roman Abramovic, que o guindou ao mais alto escalão do futebol europeu, tinha aqui uma oportunidade de ouro para marcar a arquitectura de estádios para todo o sempre.
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Só que essa utopia dos relvados terá de ficar no papel e nas imagens virtuais: a oportunidade perdeu-se não por culpa do clube mas porque um grupo de investidores malaios ofereceu umas boas centenas de milhões de libras pelo espaço para construir, na velha fábrica e nas imediações, centros comerciais, escritórios, hotéis, habitação, etc, enfim, o costume. Gorou-se assim a hipótese de se criar um estádio-monumento único, por culpa do habitual investimento asiático, que venceu o russo. Não sei como vai ficar aquela zona, mas o impacto da velha estação não será com certeza o mesmo.
Mas apesar de tudo Londres já marcou pontos na preservação patrimonial respeitante a estádios. O caso do Arsenal, grande rival do Chelsea, é ilustrativo, mas por razões inversas: aqui, o património a preservar era o próprio estádio. Quando os gunners inauguraram o seu moderno e espaçoso Emirates Stadium, em 2006, tiveram obviamente que abandonar o velhinho Highbury, já demasiado acanhado para as ambições do clube, e destinaram o seu espaço para uma área residencial. Mas não de maneira a que se esquecesse a memória do antigo recinto: as bancadas de topo foram demolidas, as laterais convertidas em apartamentos e as fachadas exteriores sofreram alterações mínimas, de modo a conservar o mesmo aspecto que tinham quando ali se jogava futebol (e os símbolos do clube), pelo que alguém pode aparecer à janela ao lado do canhão que simboliza o Arsenal em baixo-relevo. No meio, construíram-se os jardins comuns do complexo residencial a que deram o nome de Highbury Square. Assim, o antigo relvado onde Isaías, Veloso e Paneira se cobriram de glória é um local para a miudagem brincar ou de simples encontro, preservando-se assim totalmente a forma e a memória da histórica casa do Arsenal durante quase cem anos.
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