domingo, julho 04, 2004

A Sophia


Quando me iniciei nas primeiras letras, a minha mãe comprou-me um livro quadrado de folhas macias, que tinha como título "A Floresta". Nele descobri os prazeres da leitura, entre casas misteriosas, anões, tesouros, poetas e personagens de fábula. Tudo numa escrita cristalina e fortemente adjectivada. Seguiram-se outros: "O Rapaz de Bronze", "A Fada Oriana", "A Menina do Mar" (lindíssimo, comovente!), "O Cavaleiro da Dinamarca" (o meu favorito)e "A Noite de Natal", de onde se adaptou a peça nos meus longínquos tempos da catequese dos Dominicanos, em que participei com um papel menor. De esses todos só me faltou, creio eu, "A Árvore".
Um dia uma senhora apareceu a falar na televisão. Disseram-me que era a autora de todos esses contos que eram a base da minha leitura da época. Fiquei pois a imaginar aquela pessoa a escolher os adjectivos para adaptar a cada situação, a entoar cada sílaba e a chegar ao fim da história com uma magia renovada. Jamais me esqueci do seu nome: Sophia. Mais tarde conheci a sua poesia, tão marítima e helénica, os "Contos Exemplares", e as "Histórias da Terra e do Mar". Soube do seu percurso social, familiar, intelectual e político, que era portuense, como eu, do casarão dos Andersen, no actual Jardim Botânico, tão próximo da minha própria casa. Pude conhecê-la melhor por este texto - cortesia do BdE - do seu filho Miguel, que a admirava infinitamente. E soube que fora casada com outra personalidade "bigger than life", Francisco de Sousa Tavares.
Desapareceu agora, lamentada por uma nação latentemente em estado de euforia. Deixando-nos a todos orfãos. Mas em vão: a sua poesia entranhou-se incontornavelmente em nós. E todos os seus contos continuarão a ser lidos por gerações sem fim. Foram eles a base da minha aprendizagem literária. Onde quer que ela esteja, no Mar, no Céu ou no Olimpo, não esquecerei Sophia.

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