sexta-feira, novembro 30, 2012

O risco de Scolari

 
Scolari regressou à Selecção Brasileira, para substituir Mano Menezes e comandar o Brasil no Mundial caseiro de 2014. Um erro das duas partes. Para começar, em obediência à máxima que estipula que "não devemos voltar aos lugares onde fomos felizes". Depois, o actual "time" da Canarinha não é dos melhores que já teve. É certo que até o Mundial há tempo para reunir um bom conjunto com um mínimo de coesão. Scolari até já deu provas disso, inclusive no cargo que ocupa, quando em 2002 reuniu um grupo desgarrado e, com o génio de Ronaldinho Gaúcho e rivaldo, conquistou o título mundial. Mas e se o Brasil falha? Pior, se falhar na final? Dá para avaliar a dimensão do trauma? Felipão tornar-se-à então o primeiro treinador a perder uma final de um Europeu e uma final de um Mundial em casa. Ficaria assim amaldiçoado na história do futebol, o que convenhamos, é injusto. Mas há mais: este é o segundo Mundial de futebol que o Brasil organiza. O primeiro, como os mais estudiosos da matéria devem saber, deu-se em 1950 e acabou com o Maracanazo, a célebre vitória do Uruguai de Schiaffino e Ghiggia sobre o Brasil em pleno Maracanã, provavelmente no jogo com mais espectadores de sempre. Ora se semelhante desastre voltar a acontecer, não é só Scolari que fica amaldiçoado. A partir daí, e supersticiosos como são, nunca mais os brasileiros quererão pensar em organizar mais competições do género em casa. E o Maracanã deixaria de ser o altar desportivo do Brasil para se tornar numa arena funesta e maldita, condenadaa prazo à demolição. Se cuida, Felipão.
 
 

quinta-feira, novembro 29, 2012

Ironias catalãs


A discussão sobre as eleições catalãs e o possível referendo ao estatuto da Catalunha, catapultada pela enorme manifestação de Setembro em Barcelona, é dos assuntos internacionais mais badalados da actualidade. Barcelona reclama aquilo a que acha que tem direito, ao retorno dos impostos que paga e a soluções fiscais mais vantajosas. Como não conseguiu isso, partiu para a ideia de secessão pura e simples, sem sequer passar pela de federação, aliás sugerida pelo PSOE.
 
Nesta pretensão não faltam paradoxos para originar mais discussões. No Delito de Opinião aponta-se para uma questão curiosa: tirando a Escócia, que já tem referendo marcado para 2014 para decidir se quer ser um reino independente ou não, todos os territórios europeus - excepto aqueles estados-fantoche da Rússia no Cáucaso - que acenam com o problema do separatismo são por norma regiões prósperas. A Catalunha, tal como o país basco, é obviamente um deles, e as razões que apontam são, como se disse acima, económicas e fiscais, argumentando que não querem pagar o resto do país "que não trabalha". Tem a sua graça olhar para tantos entusiastas dessa hipotética independência e depois ouvi-los a vociferar contra os países do Norte da Europa, em especial a Alemanha, esses "arrogantes", "egoístas",  "nazis", "agiotas", pelas razões inversas.

A Catalunha terá com certeza as suas razões de queixa de Madrid. É natural que quem é contribuinte líquido a certa altura se aborreça com a situação. Mas vir fazer-se de vítima em todas as dimensões já se torna enjoativo. Ouço a malta da Catalunha queixar-se do centralismo de Madrid e da submissão que a capital espanhola exigirá, e a tomar como referência um condado do século XI. Ora que eu saiba uniram-se pacificamente a Aragão, que por sua vez se juntou também pacificamente a Castela. E já não estamos nos tempos de Olivares, Filipe V ou Franco, esses sim, centralistas e autoritários. Os catalães podem falar a sua língua, apoiar o seu "mes que un club" (esperemos que para a semana não tenham grandes razões para o fazer), trepar aos seus castellers e demais práticas culturais e votar nos seus partidos autonómicos, alguns dos quais republicanos, sem qualquer problema. Ou seja, todas as razões que poderiam justificar uma eventual independência são vazias de sentido. Para mais, caso esse absurdo acontecesse, veríamos um dos estados mais centralistas da Europa, com Barcelona a sugar o resto e a mandar sem oposição, visto que não há outra cidade de dimensão minimamente grande para se lhe opôr (tirando as subúrbios, a maior cidade é Tarragona, com um décimo da população da capital catalã). E ainda há outra pequena ironia: o principal partido catalã, a CiU, é da mesma família ideológica do PP, provavelmente a formação que menos apoia a secessão...e que está no poder em Madrid.

E depois, as facilidades que pensam que encontrariam ao virar da esquina são pura ilusão. Só para reentrar na UE, caso quisessem, teriam de passar por novas etapas de adesão. e o que fariam aos que não quisessem ser catalães? Davam-lhes um visto de trabalho para emigrantes? Problemas de sobra, sobretudo para quem os quer criar, que não deixa de ser justo. A Espanha permanece periclitante, e com ela a Europa.


 

segunda-feira, novembro 26, 2012

O futebol une-se para ajudar o Banco Alimentar


Os capitães das principais equipas profissionais de futebol de Portugal vieram apelar ao contributo das pessoas com o Banco alimentar. Em tempo de penúria e fome, em que a solidariedade é mais necessária do que nunca, e depois das feridas provocadas pelos violentos e injustos ataques de que o Banco Alimentar foi alvo e que ainda não sararam, é bom ver que os clubes e a Liga mostraram que no futebol não há apenas rivalidades, ódios e intrigas, e que a modalidade mais popular no nosso país também tem consciência social no momentos que mais importa. E assim justificam a sua qualidade de instituições de utilidade pública. Bem hajam.
 
 

quarta-feira, novembro 21, 2012

Quem vai à guerra dá e leva


Nem ia falar do caso da chuva de pedras protagonizada por radicais em frente ao Parlamento, seguida de carga policial, se não aparecessem agora uns patuscos "activistas" que "repudiam a carga policial injustificável e indiscriminada". Se é certo que houve alguns excesso da polícia e alguma indiscriminação, e seja questionável se tinham de ir até ao rio, já a justificação da carga em si parece óbvia. Um grupo de meliantes de cara tapada arranca pedras da calçada e atira-as às forças do ordem, assim como coktails molotov, e esperavam que a polícia ficasse muda e queda, mesmo depois de lançar avisos prévios por megafone (perfeitamente audíveis nos videos do momento)? Ao ler as razões invocadas pelos tais "activistas" não vejo uma crítica, uma recriminação sequer aos bárbaros que provocaram o caos, o que me leva a crer que na realidade façam parte desses grupelhos e sejam, pelo menos alguns, as mesmíssimas pessoas. No mínimo tentam esconder os seus actos.
 
 
Em relação ao que ouve dizer, que empurraram mulheres com crianças nos braços, que mendigos foram agredidos, já se sabe que em cargas policiais há sempre excessos (e com a raiva acumulada de receber tantas pedradas e insultos...) e que o ideal seria distinguirem-se uns e outros, sem envolver sem-abrigo nem outros transeuntes. Acontece que não vivemos num mundo perfeito - senão os pseudo-anarquistas de cara tapada não existiriam - e quem leva crianças para um ambiente tenso, impróprio e violento como o que se verificou é coisa que não cabe na cabeça de uma pessoa minimamente sensata. Quererão alguns fanáticos que os miúdos aprendam técnicas de desobediência civil desde tenra idade?
 
E como vale a pena recordar a sabedoria popular, "quem vai à guerra dá e leva". Eu também já assisti a manifestações como simples espectador sem opinião e sujeitei-me às consequências. Aliás, nos primórdios desta espelunca, relatei mesmo uma refrega a que assisti em Paris, quando a polícia de choque reagiu com gás lacrimogêneo a um avanço dos bombeiros que protestavam por uma medida relacionada com os escalões da profissão, ou uma questão burocrática do género. como estava a fotografar a cena, apanhei com o gás em cima. evidentemente não pensei em ir inscrever-me numa qualquer associação de vítimas da "violência policial" para fazer birrinha. Lavei a cara, esperei que o efeito passasse e fui para uma zona mais sossegada. E se os activistas se deixasse de mariquices dissessem o que pensam da cena de lapidação, destruição da via pública e de contentores de lixo? Talvez pela resposta se ficasse a perceber se têm culpas no cartório e não estão a desviar as atenções.

domingo, novembro 18, 2012

O futuro do Bloco de Esquerda


Desde o tombo das Legislativas de 2011 que o Bloco de Esquerda parece vir a quebrar-se. As coisas já não estavam muito sólidas depois do apoio a Alegre nas últimas presidenciais, com os resultados que se conhecem, e da recusa em encontrar-se com o trio de fiscais internacionais, vulgo Troika, mas verdadeiramente a pressão só veio acima com o desaire eleitoral. A queda abrupta e o encolhimento do grupo parlamentar (em especial a não eleição de José Manuel Pureza, que nem sequer era inesperada) ditaram a contestação inédita que a direcção do movimento, e em especial o seu "coordenador" Louçã, sofreram posteriormente. Se os apelos à responsabilização pelos resultados e até para o afastamento já se sucediam, o caso de Rui Tavares, que bateu com a porta em litígio com Louçã, entre acusações de mentiras e falsidades, contribuiu ainda mais para o transbordamento do copo. Seguiram-se as eleições na Madeira, em que o Bloco conseguiu ser o único partido a não eleger um deputado regional (!), e mais recentemente nos Açores, em que ficou com apenas um lugar. No último Verão houve notícias, a propósito da sucessão de Louçã, de querelas e troca de acusações entre o "coordenador" cessante e Daniel Oliveira, e a facção mais radical, correspondente à FER de Gil Garcia, optou por abandonar o Bloco para constituir o MAS. Muitos problemas num espaço de tempo curto para uma formação que teve uma ascensão relativamente rápida e segura, mas que parece estar sem frescura muito por força da insistência nos "temas fracturantes" e que parece não estar a conseguir capitalizar o descontentamente com o Governo.


É sabido que o Bloco é uma aglutinação heterogénea de formações de esquerda radical que decidiram em fins dos anos noventa que a união faria a sua força. Os trotsquistas do PSR juntaram-se então aos maoístas da UDP e aos ex-MDPs e ex-comunistas (por sua vez vindos da Plataforma de Esquerda) do Política XXI, aglutinaram o grupúsculo FER, e formaram o Bloco. Esta miscelânea, com vários líderes mas representada por Louçã, o mais conhecido e de discurso mais eficaz, conseguiu não só aguentar-se como subiu ao longo dos anos nos lugares do Parlamento, e acima de tudo no mediatismo. Não há ninguém no país que não conheça o Bloco, os tiques de Louçã e a sua agenda fracturante, mesmo que no domínio da caricatura.

Apesar desta ascensão, que desmentiu quem achava que o movimento seria um PRD de esquerda, com uma carreira efémera, também havia quem previsse há algum tempo que o radicalismo afastaria algum capital de simpatia e que com o esgotamento da agenda fracturante aceite pelo grande público - porque a certa altura muito poucos estarão dispostos a aceitar mais pretensos "avanços civilizacionais" - o Bloco perderia peso e reduzir-se-ia ao plano da caricatura. Não sendo esse o caso, o facto é que não se sabe qual o melhor caminho. Miguel Portas, uma das mais populares e lúcidas figuras do Bloco, desapareceu há meses, não sem que antes apelasse à renovação dos quadros dirigentes primordiais. Fernando rosas percebeu isso mesmo e afastou-se, Louçã preferiu manter-se no cargo até agora, antes de ceder o lugar à nova liderança bicéfala (ou "paritária", como preferem dizer), não sem antes se despedir da "coordenação" e do Parlamento com a populista tirada sobre  a "caridadezinha", num exercício de demagogia que desgraçadamente sempre o acompanhou, apesar de toda a sua preparação e inteligência.

O novo modelo de liderança do Bloco é claramente inspirado pelo dos Verdes alemães, que começou como um movimento radical até à actual institucionalização quase ao centro, dando ideia que há uma vontade de evoluir para uma maior moderação de forma a poder no futuro suportar um governo com o PS. Ainda assim, o novo tipo de liderança terá as suas desvantagens, desde logo na dificuldade em escolher um rosto que represente o partido (nos debates entre lideranças, por exemplo). João Semedo tem uma imagem de competência e moderação que contrasta claramente com a de Louçã, conseguindo ao mesmo tempo não ser uma figura apagada ou cinzenta, mas Catarina Martins, além de não grandemente conhecida, representa a influência da facção UDP, o que não abona a favor da moderação desejada por muitos. Luís Fazenda, o outro fundador que resta no Parlamento (e precisamente o líder de facto do grupo da UDP), não tem claramente popularidade nem boa aceitação junto de um público menos dado a radicalismos, como se provou no falhanço da sua candidatura à câmara de Lisboa. Com um deputado equilibrado na liderança, mas dividindo-a com uma co-coordenadora oriunda de um sector mais radical, a saída de personalidades prestigiadas e influentes na opinião pública, uma renovação de quadros geradora de muitas dúvidas e a necessidade de disputa do terreno com o PCP e alguns sectores do PS, resta saber se o Bloco caminhará para uma maior moderação de forma a apoiar um futuro governo do PS ou se permanecerá nas suas trincheiras radicais e contestatárias inconsequentes. Pode obter dividendos mas também pode perder: na primeira hipótese, a de uma parte ser engolida pelo PS e outra pelo PCP; na segunda, a de estagnar e definhar, caindo na irrelevância. São caminhos sempre arriscados, mesmo num cenário que lhe é favorável, que a dupla Semedo/Martins terá de trilhar na obrigação de não esconder o que realmente pretende.


terça-feira, novembro 13, 2012

A visita da Bismarck de saias


E pronto, passou o grande dia  em que a Pátria recebeu Frau Merkel com pompa e circunstância. O Estado recebeu-a com pompa e os manifestantes com as bandeiras negras (e vermelhas) e os slogans de circunstância, bem entendido.Não sei porque razão é que se protesta tanto com a senhora: nem ela conseguiu ouvir qualquer protesto - de resto, pouco mais que folclóricos e de muito menor escala do que aquilo que se pensava, sobretudo se comparados com os da Grécia (e a que Merkel respondeu bem, dizendo que até era saudável visto que tinha vivido num país em que as manifestações eram  proibidas) - nem os manifestantes, com o habitual merchandising de lenços palestinianos, máscaras anonymous do Guy Fawkes e panos negros conseguiram qualquer reivindicação, excepto que Merkel saísse realmente de Portugal, passadas algumas horas, como exigiam. Mas aí reside o maior pecado desta visita: se era para trocar umas palavras de ocasião com Cavaco e Passos coelho, atirar uns doces aos empresários e almoçar em S. Julião da Barra, mas valia uma conferência em directo. Sempre se tinham poupado uns dinheiros ( ainda que não pudesse ver o Tejo luminoso em S. Julião, hélas). Confirma-se que se tratou de uma visita de ocasião, de chá e simpatia, mais para dar a ideia de "trabalho em conjunto", que efeitos práticos teve pouco ou nenhum. Tivesse durado dois ou três dias e a coisa tinha outra relevância.
 
A propósito, a insistência das manifestantes mais radicais em comparar Angela Merkel com Hitler é, além de profundamente injusta e estúpida, uma prova de falta de imaginação que só comprova a Lei de Godwin apicada aos mesmos. Mas também de estética. A "Chanceler(ou "Chancelerina") de Ferro" só poderia ser comparada, pelo seu cognome, com o original "Chanceler de Ferro" Otto Von Bismarck. Com a bigodaça e o pickelhaube, as caricaturas até ficavam mais corrosivas e engraçadas. Os manifestantes é que não têm conhecimentos nem arte para isso. Até nisso este país está pobre.
 

segunda-feira, novembro 12, 2012

Uma campanha miserável


As reacções que se observaram a umas simples palavras de Isabel Jonet na televisão há poucos dias foram das coisas mais miseráveis que tenho visto nos últimos anos. Há muito tempo que não via tanto ódio injustificado. Ainda hoje estava  ouvir o Eixo do Mal, coisa que já não via há uns tempos (não admira), e a ouvir uma quase que narcotizada e blasée Clara Ferreira Alves a dizer que as declarações de Jonet eram "perniciosas e abjectas". E que disse de tão grave, Jonet, para merecer tais desaforos?
 
Simplesmente que "estávamos já a empobrecer"; que havia pobreza em Portugal, e não miséria, como na Grécia, situação a que não queria chegar; que não poderíamos "comer bife todos os dias"; que a "necessidade permanente de bens era irreal, e deu o exemplo de que "ou íamos a um concerto de rock ou tirávamos uma radiografia"; que muitos jovens iam a concertos quando os país comiam Nestum; que havia um desemprego sem esperança, e que havia gente que nunca mais teria lugar no mercado de trabalho e cuja solução seria montar um pequeno negócio". Basicamente, foram estas as terríveis declarações da presidente da Federação Internacional de Bancos Alimentares, que provocaram o rasganço das vestes a uma enorme matilha de ressabiados. Mas para quem quiser realmente analisar as declarações, aqui fica o video.
 


O modo como foram proferidas e alguns exemplos dados talvez tenham sido desastrados. Mas na substância dou-lhe toda a razão. Sem querer generalizar, porque sempre houve quem não alinhasse em loucuras, imensas camadas da população se endividaram para consumir brutalmente. Havia quem deitasse ao lixo comida só porque não a queria aquecer. O parque automóvel aumentou enormemente, os i-phones e toda a gama de Steve Jobs venderam-se que nem ginjas, assim como os plasmas, os bares e discotecas proliferaram por toda a parte, gasta-se desalmadamente em bebidas alcoólicas, o índice de possuidores de internet em casa subiu até à estratosfera, e os concertos e festivais de Verão, não exactamente a preços low-cost, estão sempre a abarrotar de gente. Poupar tornou-se sinónimo de "forretice", ou na sua versão política, de "pobreza salazarenta". E isso muitas vezes com o recurso ao crédito e ao "paga-se mais tarde".
 
Ou seja, Jonet limitou-se a falar dos custos desse consumismo desenfreado, e até da perspectiva de que os recursos são escassos, coisa que qualquer criancinha percebe. E a antecipar um futuro de menos consumo e mais dificuldades, que é o que nos espera pelo menos nos próximos anos. E ainda que não se quisesse prestar atenção, ou se discordasse por qualquer razão, eram meras palavras, como as que ouvimos quotidianamente.
 
A chuva de ácido odioso que se seguiu revelou que Jonet pôs o dedo na ferida. Mas também constituiu uma janela de oportunidades para que os detractores do Banco Alimentar e associações similares, mas sobretudo o Banco, que é a mais mediática e representativa, a aproveitassem. A extrema-esquerda mais lunática (não pôr no mesmo saco a esquerda lúcida, que não confundiu o essencial) lançou uma campanha rancorosa, cobrindo Isabel Jonet de insultos, usando a habitual linguagem da "tia de Cascais" que "usa a caridadezinha que dá um caldinho aos pobrezinhos" para se promover". Querem exemplos? Alguns deles do mais rasca possível, outros dos inevitáveis lambe-botas socráticos citando a ex-primeira companheira, e isso para não falar no que passou nas redes sociais e nos fóruns. A dita extrema-esquerda não só desdenhou do enorme trabalho do Banco Alimentar como chegou a passar a ideia de que era uma negociata, que as pessoas que lá trabalham levam comida para casa, e, absurdo dos absurdos, que "enriqueciam com o negócio da pobreza", embora não tenham explicado como é que se enriquece trabalhando como voluntário.
 
A fonte sabe-se qual é. As primeiras atoardas partiram de uma "académica" de seu nome Raquel Varela, escriba no famoso albergue de doidos estalinista que dá pelo nome de Cinco Dias, onde se tecem louvores a tudo quanto é regime tirânico neste mundo e ainda se acredita nos "amanhãs que cantam". Varela enviou uma "carta aberta" onde, entre outros delírios, se diz que "(Jonet) é co-responsável pela fome em Portugal" e que "A fome é um problema cuja origem reside única e exclusivamente no sistema capitalista".  Ficámos então a saber que A Coreia do Norte e a URSS são dos regimes mais capitalistas que a humanidade já conheceu. O Joaquim tomou logo a dita "historiadora" pela pinta. Não sei se por ânsia de protagonismo ou se por fanatismo ideológico, daí partiram os primeiros ataques a Isabel Jonet, numa campanha concertada com outros grupos, como um tal "Movimento sem Emprego", que lançou outra "carta aberta" no mais piroso estilo neo-realista (não gosto de dar publicidade a grupelhos que não a merecem, mas o link tem de ser), ideológico até ao tutano, acusando-a de ser "rica e previlegiada", de "promover a miséria", de "lavar o sangue que lhes escorre das unhas", que os seus pais e avós "lhe aviavam a mesada". Percebe-se pela indigência presente por que é que estão sem emprego (que empresa quereria contratar gente desta?), mas eu tive acesso à "carta" via e-mail e testemunhei a imensa hipocrisia deste movimento: pediam no fim doações para custear a sua "luta", e como exemplificaram, panfletos, manifs, e sabe-se lá que mais. Em lugar de procurar emprego e de constituir uma rede nesse sentido, o grupo prefere gastar o dinheiro em manifestações e insultos, ao mesmo tempo que critica o Banco Alimentar.
 
Mais patético ainda são as petições que pedem a demissão de Isabel Jonet. Pergunto-me como é que se pode pedir que alguém se demita de uma instituição privada sem fazer parte dos corpos sociais, ou pior ainda, quando se ataca essa mesma instituição. E estarão a falar apenas de Portugal ou também de toda a Europa, visto que a coordenadora não só o é em Portugal como também está à frente da Federação Europeia dos Bancos Alimentares? É que não me parece que as pessoas por essa Europa fora estejam dispostas a aturar os desaforos dos esquerdistas radicais e dos"camaradas" aqui da terra. Sorte a deles.
 
A confirmação da origem política desta perniciosa campanha contra o Banco e Isabel Jonet veio enfim de Francisco Louçã, que usando a demagogia radical que lhe é característica, perguntou se eles é que eram radicais "quando criticavam as declarações do movimento nacional feminino a brincar à caridadezinha". Além de comprovar todos os tiques e linguagens da extrema-esquerda e de onde partiu o ódio, no seu habitual papel de inquisidor trotsquista, vendo salazarismo em toda a parte , como se tivesse parado nos anos setenta, "brincando à demagogiazinha", Louçã respondeu à sua própria questão.
 
Compreende-se a raiva a quem pratica Caridade (ou "caridadezinha", como eles dizem): um somatório de gente a morrer à fome acirra os ânimos e permite maiores protestos e convulsões sociais, quando não a tão almejada "revolução". Além disso, acha-se que estão a fazer campanha desleal, porque eles é que se preocupam com as "massas" (embora nunca estejam presentes nos bairros sociais) e com as "medidas estruturais" (quais são, já agora?) para resolver os problemas de carência. Haver quem alimente os mais desfavorecidos obviamente só pode causar rancor a esta gente. Além do mais, a liberdade de expressão é acima de tudo um veículo para expressarem a sua ideologia. Quando os outros dizem algo que a contrarie, vêm à tona os instintos totalitários e dá-lhes para isto. Eis a moral de quem provavelmente nunca ajudou os mais pobres para insultar quem o faz.
 
Sou voluntário do Banco Alimentar desde meados dos anos noventa. Fiz campanha em vários sítios, e, tal como os outros voluntários, nunca recebi nada, excepto o pequeno lanche que se dá no fim do trabalho de armazém. As acusações da maralha dos fóruns da net são por isso falsas e próprias de quem nada tem para fazer ou não sabe como expulsar as frustrações, e mostram bem a maledicência e espírito viperino deste país. Nunca conhecia Jonet nem simpatizo particularmente com a sua imagem e com algum do seu protagonismo, mas não lhe nego o enorme mérito de ter encabeçado o Banco em tempos de enorme consumo, quando parecia já não haver gente com fome, coisa de que os críticos se esquecem. É uma instituição louvável, meritória, insubstituível, que merece o máximo apoio. Está impecavelmente organizada, com distribuição à medida dos pedidos das entidades intermédias que requerem ajuda, e faz vigilâncias constantes para verificar se a esta é bem distribuída. Recebe alguns apoios de empresas e da União Europeia para ajudas de custo, armazéns e transportes. Espero que as declarações de Jonet não prejudiquem o Banco. Há quem diga que "depois disto" nunca mais ajuda a instituição. É duvidoso que muitos tenham realmente ajudado, e revela bem que há quem coloque a ideologia à frente de quem tem fome. Se é para isso, não dêem nada, a bem da coerência.
 
A única forma de contrariar o ódio, o egoísmo, a má-língua, a hipocrisia e a demagogia é fazer com que a campanha do Banco alimentar, nos próximos dias 1 e 2 de Dezembro, seja um êxito ainda maior. Para que acima de tudo aqueles que precisam possam manter a sua dignidade.
 
 

sexta-feira, novembro 09, 2012

Dez anos é muito tempo


Há dez anos (e alguns meses), o Sporting de Bölöni, Jardel, João Pinto, Quaresma e Hugo Viana sagrou-se campeão nacional da 1ª divisão, e o Boavista de Jaime Pacheco, Petit, Ricardo e Bosingwa ficava em segundo lugar, um ano depois de conquistar o título. O Porto, com o recém-chegado Mourinho, lá agarrou o terceiro que lhe dava acesso às competições europeias, e o Benfica de Jesualdo, Simão e Mantorras quedou-se em quarto, e pela segunda vez na história não se apurou para os jogos da UEFA. O outro lugar europeu ficou para o Leixões, que teve direito a jogar a final da Taça com o Sporting.
 
Dez anos é mesmo muito tempo. Quem iria imaginar que as coisas iriam estar tão mudadas?
 
 
 

terça-feira, novembro 06, 2012

Sim, também gosto mais de um candidato, mas quem vota são os americanos



À hora a que escrevo ainda se vota nos Estados Unidos para se saber qual será o inquilino da Casa Branca dos próximos quatro anos - e parece que por causa da tempestade Sandy ainda se vai votar mais uns dias em Nova Jérsia.
Em Portugal e presumo, na maior parte das nações mundiais, Barack Obama já teria sido reeleito por larguíssima vantagem. Claro que o voto cabe aos americanos, que por razões culturais, sociais, ideológicas, e tantas outras, dividem o país nas cores azul e vermelha, deixando as migalhas aos outros candidatos, quase sem expressão. É estranho que há oito anos, no dia das eleições, Bush Jr tivesse a sua reeleição praticamente assegurada, e que agora Obama esteja no fio da navalha. é verdade que o actual presidente americano chegou a Washington quase como um Messias que iria resolver os problemas da América e daí consertar o Mundo. O carisma, o talento oratório e o especial facto de enorme simbolismo de ser o primeiro presidente não-branco dos USA potenciaram essa imagem, que acumulou com um estrambólico Nobel da Paz de carácter "preventivo" ou ilusoriamente antecipatório. Como se descobriu depois, Obama não vinha do Olimpo, mas de Chicago, e é um mortal, apesar de excepcionais qualidades. Chegado ao topo no início da terrível crise do subprime, jamais poderia fazer milagres.
 
Conseguiu provavelmente salvar o grosso da indústria automóvel sediada em Detroit injectando-lhe largas somas, lançou as bases de um sistema público de saúde, preparou a saída das tropas americanas do Afeganistão até 2014 e abateu o inimigo nº 1 da América, Osama Bin Laden, numa operação digna de filme de acção. Mas a "revolução conservadora" de Reagan conquistou boa parte dos Estados Unidos, e os americanos, como é sabido, não ligam tanto a questões externas, ou não tivesse Clinton derrotado Bush Sr. (que tivera um grande Êxito no Iraque) com o bordão It´s the economy, stupid. A economia continua com crescimento débil, e parece que a velha máxima de que "o que é bom para a General Motors é bom para a América" já estará desactualizada, menos na decrépita Detroit. Lembremo-nos ainda que muitos americanos acham que Obama é um infiltrado muçulmano, um socialista, e outras vilanias mais.

É notável que Roomney tenha chegado ao ponto de se bater taco a taco com Obama. Mórmon, governador do Massachussets, olhado com desconfiança pelos evangélicos mais fundamentalistas e pelo Tea Party, por não ser especialmente radical e usar um discurso que se aproxima do neoconservadorismo, teve uma árdua luta para vencer adversários mais conhecidos e "mais conservadores". É visto na Europa como um milionário que só tem os votos da gente "fundamentalista", "ignorante" e "rural", como se tal simplismo não fosse também sinal de ignorância.  Agora está a poucas horas de saber se vai ou não viver para a Casa Branca.
 
O meu desejo? Obama, pois claro, porque gosto do homem de que ouvi falar pela primeira vez na noite da reeleição de W. Bush, em que ele próprio conseguiu o lugar de senador, e porque sem necessidade de ser reeleito fico à espera de saber o que faz. Mas eu sou português. Sei lá em que é que votaria se vivesse no Kentucky...
 

PS: Yes, He could again. Hardly, but he could.

segunda-feira, novembro 05, 2012

Uma mentira pouco notada


 
Uma das polémicas periféricas e condenada a ser esquecida numa questão de dias é a das declarações do Embaixador de Israel, Ehud Gol, na Gulbenkian, esta semana. O diplomata israelita disse que "Portugal tem uma nódoa que os judeus não esquecem", mesmo que "hoje não seja o mesmo do passado". E em que consiste principalmente essa nódoa? Na história de que " Portugal foi o único país que colocou a sua bandeira a meia haste durante três dias", quando soube da morte de Adolf Hitler". E sublinho "história" porque de facto não corresponde à verdade. Sim, é certo que o governo português ordenou que se pusesse a bandeira a meia-haste quando se soube do morte/suicídio do Fuhrer, como aliás manda o protocolo em relação a todos os países com quem se mantém relações diplomáticas. Mas esteve longe de ser o único. Recordando o sempre oportuno Herdeiro de Aécio (que está de parabéns, por chegar ao sétimo aniversário), constata-se que as bandeiras a meia-haste não foram içadas apenas em território português: também a Espanha (neutral mas pró-eixo), a Irlanda, a Suécia e a Suíça o fizeram, e Éamon De Valera, o chefe de governo irlandês (Taioseach) e um dos fundadores da República da Irlanda, visitou mesmo a legação alemã e assinou o livro de condolências.
 
Talvez fosse conveniente ao representante hebraico não enveredar por mitos históricos antes de fazer quaisquer críticas ao país onde apresentou credenciais. Além de deselegante e petulante, não lhe fica nada bem dizer mentiras em público, mesmo que poucos o soubessem. Até porque falando em nódoas, não há nação que não as tenha, e Israel não escapa à regra.

sexta-feira, novembro 02, 2012

Dedicado aos dias antes de Novembro


Lisboa antes do Terramoto de 1755



Ver também aqui o projecto em 3D que nos permite saber como era a zona ribeirinha de Lisboa antes do cataclismo de 1 de Novembro de 1755. Foca-se sobretudo na área do antigo Paço da Ribeira, com a Igreja Patriarcal e a Ópera do Tejo, inaugurada poucos meses antes, no Terreiro do Paço e na Ribeira das Naus. Um excelente trabalho de divulgação e tecnologia do Centro de História de Arte e Investigação Científica da Universidade de Évora.

quinta-feira, novembro 01, 2012

Fim de uma era?


 
Muito se tem falado na crise da imprensa, em Portugal e no mundo, e o caso não é para menos. As últimas semanas não têm poupado os jornais tais como os conhecemos. Em Portugal tivemos as greves na Agência Lusa e no Público, uma por causa dos cortes salariais, a outra devido aos despedimentos anunciados de dezenas de funcionários e jornalistas, cuja escolha dependerá, dizem as más línguas, das boas relações que mantêm com a direcção do jornal. Fala-se mesmo na sobrevivência a curto prazo do Público, que desde 1990 só apresentou resultados positivos num ano, e que só existe graças às contribuições do proprietário/mecenas Belmiro de Azevedo.
 
Entretanto, Joaquim Oliveira resolveu vender a sua Controlinveste a um grupo angolano, de que ninguém sabe sequer o nome, a não ser provavelmente o próprio Oliveira. Recorde-se que no grupo empresarial português estão o Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Jogo, o Jornal do Fundão e o Açoriano Oriental, o mais antigo título de imprensa publicado em Portugal. tudo isto pode ir parar às mãos de um grupo angolano sem rosto. O negócio ainda não se concretizou porque as garantias financeiras ainda não foram enviadas ("Não há graveto, não há negócio", terá dito Oliveira), mas a confirmar-se, depois do Sol, é praticamente metade da imprensa portuguesa que passará a ser negociada em kwanzas. E com que objectivos?
 
A juntar a isto, a pior notícia nem vem de Portugal. A histórica revista Newsweek, que em tempos cheguei a assinar, um dos grandes nomes da imprensa norte-americana, a rival de sempre da Time, anunciou que a partir de 2013 só vai existir em formato digital. Acabou a Newsweek nas bancas, na caixa de correio, nas bibliotecas. Agora, só por computador e sobretudo, só por assinatura.
é todo um mundo que acaba? Esperava que a invenção de Gutenberg perdurasse, mas receio que outros imitem o gesto da revista norte-americana. O Guardian esteve quase a fazê-lo, mas recuou.
 
 
Mas para além da questão da radical mudança de hábitos, de razões ecológicas inerentes, dos custos das edições em papel e dos despedimentos que tudo isto acarretará, sobram ainda outras questões. Pensará tudo que o conhecimento vai ficar arquivado na net, passe a expressão? Acabaram-se as bibliotecas em detrimento de um kindle ou de um i-qualquer coisa? O conhecimento ficará sempre robotizado? E será isso um prenúncio do novo "homem biónico", como alguns já profetizaram?
Ainda que tais mudanças não sejam tão radicais, e possamos viver com os modelos em papel e digitais lado a lado, como seria um mundo em que os jornais só existissem em formato digital? Imagine-se que faríamos uma pesquisa a um número de há muitos anos, para um estudo científico, uma investigação jornalística, ou por simples amadorismo ou passatempo. Haverá a possibilidade de chegarmos a números antigos, ou o perigo de que qualquer artigo melindroso possa ser apagado é real? No formato em papel, podemos sempre guardar o que nos interessa, via recorte ou outro. E com o formato digital, guardamos numa pen? Os meus conhecimentos técnicos destas questões não me permitem respondê-las, mas não me sinto muito seguro num Mundo em que os jornais percam a sua base palpável e passem a meros sites de informação.