segunda-feira, fevereiro 28, 2011

Acabem com os "mídia"
 
Uma das coisas que mais solenemente me irrita é ouvir falar dos media pronunciado como "mídia". É verdade que os brasileiros, talvez por influência americana, não só falam como escrevem assim mesmo, com "i" (muitos locutores portugueses cometem esse erro, e por vezes outros ainda piores, como referir a cidade francesa Troyes pronunciando /trói"). Simplesmente, a palavra é latina, não anglo-saxónica, e deve ser pronunciada como tal. Parece que finalmente alguém reparou nisso publicamente. Ricardo Araújo Pereira, na sua crónica da Visão Boca do Inferno de há uns dias, recorda isso mesmo, com o humor oportuno do costume.

As queixas de um dos candidatos acerca dos "mídia" vieram reforçar uma espécie de preceito ligeiramente babilónico que estipula que as palavras de uma língua sejam pronunciadas com sotaque de outra. "Mídia" mais não é do que a palavra latina "media" pronunciada com sotaque inglês. Se optasse pela pronúncia correta "media", o candidato estaria apenas a revelar ao eleitorado que sabia latim. Pronunciando "mídia", mostra que sabe latim e inglês - só com uma palavra. É o máximo de erudição com o mínimo de meios, o que pode constituir vantagem política na medida em que documenta uma capacidade extraordinária para a gestão e aproveitamento de recursos.
É isto mesmo. Aprendam, senhores lusófonos.

sexta-feira, fevereiro 25, 2011

O regresso do "cão raivoso"

A repressão dos rebeldes e revoltosos na Líbia, com recurso a mercenários de todas as partes de África e bombardeamentos da força aérea, revela que Kadhafi não deixou de ser o "cão raivoso", como lhe chamou Reagan, que era antes da sua "regeneração" táctica.


Recordemos. Muammar al Kadhafi, filho de beduínos e oficial do exército, chefiou um golpe de estado em 1969 que depôs o velho rei Idris e aboliu a Monarquia. Impôs uma república em que se auto proclamou "guiada revolução líbia", baseada nas "assembleias do Povo", com uma ideologia simultaneamente pan-arabista, socialista e islamita, em que na prática ele era a figura tutelar e inquestionável. Os opositores foram encarcerados aos milhares, e muitos foram publicamente enforcados.
Com os fundos das enormes reservas de petróleo, Kadhafi não apenas se lançou em programas de infra-estruturas e irrigação de campos. Na política externa, apoiou tudo o que era grupo terrorista, dos palestinianos (em operações de grande repercussão, como os atentados nos Jogos Olímpicos de Munique), ao IRA, da ETA aos diversos grupos armados que se opunham a regimes africanos rivais, além de ditadores tenebrosos como Idi Amin. Frequentemente recorria à "prestação de serviços" de gente como Abu Nidal e Carlos, o Chacal. Tornou-se assim um dos principais inimigos do Ocidente, particularmente dos Estados Unidos. A gota de água aconteceu quando uma discoteca em Berlim explodiu, vitimando soldados americanos. O atentado tinha sido ordenado pelo ditador líbio. Os americanos não hesitaram e bombardearam Tripoli e Bengazi, em 1986, neutralizando a máquina de guerra líbia e aterrorizando Kadhafi, que viu o seu palácio ser destruído e desde então passou a habitar exclusivamente em tendas. Esse valente susto parece que produziu os seus efeitos, não sem antes se verificar um último e terrível caso: a bomba que explodiu num avião sobre a aldeia escocesa de Lockerbie, matando todos os seus tripulantes. Depois disso, o coronel líbio apostou numa estratégia de moderação e conciliação, abrindo a economia da Líbia ao mundo e passando a ocupar um lugar "respeitável" entre as nações, como o velho líder excêntrico com trajes típicos e guardado por mulheres oferecendo boas perspectivas de negócio, particularmente do petróleo. Além de se reconciliar com a Itália, a antiga colonizadora, veio a Portugal na cimeira UE-África, em 2007, instalando-se na célebre tenda na forte de S. Julião da Barra. José Sócrates tornar-se-ia então um dos aliados preferenciais na Europa.

Agora, cercado, acossado e ameaçado, Kadhafi regressa à sua faceta mais temida e odiada e reage com extrema violência, o que originou ainda mais tumultos. A Líbia enfrenta uma autêntica guerra civil. Os rebeldes controlam a Cirenaica e a segunda cidade, Bengazi, onde flutua a bandeira da monarquia, e avançam para oeste, para Tripoli, guardada pela guarda pretoriana do regime verde e pelos mercenários. Tudo pode acontecer, desde o esmagamento da rebelião (e os muitos mortos não auguram nada de bom) até ao colapso do regime, cenário em que Kadhafi não hesitaria em rebentar tudo à sua volta, além da divisão do país em duas ou mais partes, dadas as diferenças tribais. Até há pouco mais de uma semana, este cenário era inimaginável.


A rebelião prolonga-se, com um crescente número de vítimas, os estrangeiros fogem apressadamente de barco, o valor do petróleo sobe e o futuro da Líbia não augura nada de bom. O seu coronel "guia da revolução" está disposto a levar o país consigo para o inferno.
PS: perdoem-me a imodéstia, mas ou muito me engano, ou este artigo do Público inspirou-se neste post.

quarta-feira, fevereiro 23, 2011

Trinta anos depois do "23-F"

Passam hoje 30 anos sobre a tentativa de golpe de estado pelos militares comandados pelo tragico e patético Tejero Molina, que tomaram as Cortes espanholas e fizeram os deputados reféns. A 23 de Fevereiro de 1981, a soldadesca aproveitou a sessão de tomada de posse de Leopoldo Calvo Sotelo como Presidente do Governo para raptar o poder legislativo e estabelecer um regime semelhante ao que acabara poucos anos antes. Contava ainda com divisões armadas em Valência e um conjunto de oficiais saudosistas do franquismo.


O sequestro durou todo o dia, mas o Rei frustrou os planos. À noite, Juan Carlos I, trajando o uniforme de chefe supremo das forças armadas espanholas, falou em directo na televisão para o país, mostrando a sua desaprovação ao golpe e reafirmando o seu apoio ao processo democrático. Depois disso, os golpistas desmoralizaram. Não havia mais nada que pudessem fazer. O franquismo esgotava o seu último fôlego, a Espanha consolidava o novo regime e Juan Carlos afirmava-se definitivamente como monarca firme, respeitador das leis gerais e respeitado pelo seu povo.


O mar e as suas razias

As tempestades que na semana passada fustigaram a costa portuguesa, com ondas que chegaram aos dez metros, não pouparam nenhuma região.

As vagas atacaram as dunas de Moledo (que já de si estavam vulneráveis, e que há vinte anos que têm vindo a recuar), derrubaram o passadiço de madeira e a marca das milhas, uma sentinela de pedra que ali estava para lá da memória, e por pouca não fizeram o mesmo ao moinho que serve de abrigo de veraneantes. O mar merece sempre respeito, especialmente no Inverno e em estâncias balneares, mas neste caso, e para quem conhece Moledo, provoca sobretudo temor. As imagens da duna tão frágil e do moinho sobre o precipício são angustiantes. Urge reconstruí-la e devolver a imagem de marca e a dignidade da praia mais setentrional de Portugal.



Fotografias retiradas de A Origem das Espécies.

quarta-feira, fevereiro 16, 2011

Depois de Mubarak

A saída de cena de Hosni Mubarak deixou no ar muitas certezas e algumas dúvidas. As certezas dividem-se em dois grupos de ideias opostas: uns estão certos de que a democracia á ocidental vai frutificar na república árabe, sem sombra de dúvidas; os outros dizem que o Egipto vai ser "o novo Irão", e que lá a democracia com a entendemos é uma ficção. Pela minha parte, prefiro ser prudente. Até agora sempre tinha visto Mubarak como um estadista autoritário mas longe dos piores, e que além do mais travava os avanços do radicalismo islâmico saído da Irmandade Muçulmana, inspirada por Qutb. Aliás, nunca era referido como "ditador" (ao contrário de Ben Ali, por exemplo), talvez por ser o sucessor de Nasser e Sadate. Bastou que o povo viesse à rua para as mais infames classificações lhe caírem em cima.
Certo é que já há muito havia descontentamento, e mesmo muitos do que já estavam acomodados diziam em surdina não gostar do velho militar. Mas tal como ocorreu noutros países, não foram as condições políticas a fazer cair Mubarak, mas a situação económica e a subida dos preços, aliada à corrupção. A revolta atraiu mais e mais apoiantes, perante a placidez do exército. Depois de muitos contorcionismos, Mubarak caiu mesmo. Não nos esqueçamos de outro precedente, também ele num grande país muçulmano controlado por militares: a Indonésia. Suharto governou com uma mão bem mais férrea até a situação económica o derrubar.

A situação está demasiado nublada para que se possam fazer vatícinios sem olhar para o lado. A Irmandade Muçulmana é heterogénea, e tanto tem no seu interior radicais que sonham com o Califado (de lá saíram os assassinos de Sadate, por exemplo, que agora estão na Al Qaeda), como pragmáticos que preferem o exemplo turco de Erdogan. Os principais líderes dizem inspirar-se nesta última linha, mas nem isso afasta as desconfianças. Os liberais do Wafd parecem ser poucos, e El Baradei surgiu de repente, depois de toda uma vida de serviços externos na ONU. Desconhece-se absolutamente o que quer a maioria da população.


Entre os medos de que ocorra o mesmo que no Irão em 1979, surgindo ali uma república sunita (que ironicamente seria um rival de peso para os persas), ou a chamada de atenção para os democratas-islâmicos turcos, vem-me à cabeça outro exemplo, igualmente turco: o de Kemal Ataturk. Saiu Mubarak, mas as forças armadas controlam a situação e gozam de grande popularidade entre o povo. Provavelmente farão a gestão da casa, e caso achem que há caminho para um regime com um certo grau de liberdade, permitirão que haja eleições mais ou menos livres. Mas não deverão sair de cena. E não sendo permissivos com islamitas, serão também mais duros nas suas posições para com Israel.

Entre euforias e cinismos, pode-se tirar de tudo um pouco e tentar prever esta situação confusa, que não deixará de influenciar todo o Médio-Oriente e o Norte de África.

Ao certo, e das poucas certezas absolutas que tenho neste momento sobre o assunto, é que o editorial do Público de sábado passado - "O dia em que o século XXI recomeçou", "a Praça Tahrir foi o símbolo das aspirações de toda a humanidade", "uma nova geração rejeitou para sempre o autoritarismo e a ditadura", "o 11 de Setembro acabou na Praça Tahrir" - é das coisas mais estúpidas que li nos últimos anos, em todos os periódicos possíveis e imagináveis.
O adeus do fenómeno


Ronaldo, o Fenómeno, o Ronaldinho que encantou Eindhoven, Barcelona, Milão e Madrid, entre outras, o melhor marcador de sempre de fases finais de Mundiais, campeão de Selecções por duas vezes (em 1994 e 2002), anunciou ontem a despedida dos relvados. Um problema de tiróide, que o impedia de perder peso, obrigou à arrumação das chuteiras. As lesões graves que teve na carreira já o tinham remetido para segundo plano nos seus últimos anos. Curiosamente, ganhou quase tudo mas nunca logrou vencer uma Taça dos Campeões Europeus, chegando ou partindo sempre no ano errado. Para a memória fica um dos mais geniais jogadores de sempre, os seus arranques supersónicos, as suas fintas como quem dança samba, os problemas que teve no dia da final do Mundial de 1998 (onde acabou batido por outro gigante da bola, Zidane), as lágrimas quando sofreu uma grave lesão nos ligamentos, a euforia dos golos da final do Mundial asiático. E golos como este, que correram Mundo nos anos em que encantava o futebol espanhol, e que ficaram para a história do desporto.


segunda-feira, fevereiro 14, 2011

Legado precioso

Os White Stripes decidiram separar-se e encerrar actividades, antes que se tornassem anacrónicos, ou pior ainda, que se "reinventassem" sem ideias. Deixaram-nos no entanto hinos de estádio (literalmente) e algumas obras sonoras e visuais para a posteridade. Nem Kate Moss quis ficar de fora. Vede, confirmai e admirai.


sexta-feira, fevereiro 11, 2011

O triste caso de Augusta Martinho


A notícia da idosa encontrada morta em casa, após nove anos de silêncio, atordoou o país. Desgraçadamente, nem devia espantar muito. O abandono a que são votados os velhos e a enfastiada e emperrada burocracia a que estamos submetidos, os verdadeiros causadores desta descoberta terrível, levam a estes desfechos aberrantes. Não é a primeira vez que ouço falar de pessoas que morrem sozinhas e só tempos depois são descobertas. Mas nunca imaginei que alguém pudesse ficar tanto tempo ignorada para além da morte. O que choca mesmo é a indiferença e esquecimento total a que a idosa esteve votada, tirando uma vizinha ou uma outra pessoa mais escrupulosa.

Nesta nossa sociedade que despreza tudo o que é velho e "do passado" em detrimento do novo e "moderno", que cultiva a juventude esticada ao máximo e a devoção à saúde eterna, os velhos são um estorvo e não ficam bem entre a mobília. Algumas famílias tendem muitas vezes a esquecê-los, e noutros casos nem restam familiares próximos, tendo então de se entregar à sua sorte. Os poucos voluntários que propositadamente os visitam para aliviar a sua solidão não chegam. Muitos vivem no centro das cidades, em casas decrépitas, ou em subúrbios uniformizados e deprimentes, como a senhora deste caso. São apesar de tudo aqueles que vivem nas aldeias e pequenas vilas que recebem mais atenção dos que os rodeiam. Mas com o decréscimo da natalidade e o aumento da esperança de vida, a situação tende a piorar. No futuro haverá um batalhão de idosos a cuidar. Muitos dos que hoje desprezam os velhos muito provavelmente receberão a dobrar o mesmo tratamento. Só se deseja que daqui a uns anos não invente qualquer forma de "eutanásia involuntária" para impedir o colapso da segurança social que restar.
Espero contudo que esta notícia chocante possa servir para alertar para casos semelhantes e para a extrema solidão que acompanha tantos idosos deste país. Quem sabe se a mulher que nem depois de morta teve tratamento condigno possa afinal chamar a atenção pra a indignidade das pessoas mais velhas. E já que (quase) ninguém quis saber dela, ao menos que se recorde que era uma pessoa, e que tinha nome. Chamava-se Augusta Martinho.

quarta-feira, fevereiro 09, 2011

Streap tease com os Smiths

 
Curiosa cena, esta, do filme Closer, a que mais me intrigou quando o vi, há já uns anos. Não me refiro à frase de inteligência evidente e bem menos sincera do que parece à primeira (quem viu a fita perceberá porquê). O que me interessa mesmo para além do diálogo e da perfomance dos actores é o som de fundo. Trata-se de How Soon is Now?, uma das músicas mais emblemáticas dos Smiths. E é curioso, porque o líder desta extinta banda, Morrissey, parece ser  - ou dá a entender que é - um ser assexuado, e nada faria prever que alguma vez as canções dos Smiths, que tanto falam de desilusões amorosas (e muitas delas foram expoentes urbano-depressivas dos anos 80), pudessem ser escolhidas como música de fundo de uma casa de streap. Mas, neste caso, as letras angustiadas e a música tortuosa de How soon is Now, com os seus riffs industriais e a voz sofredora de Morrissey, combinam perfeitamente com a cena, e particularmente com o estado de espírito da personagem de Clive Owen, que já não sabe em quem confiar, ou no que acreditar. É uma banda sonora inesperada, mas dificilmente poderia ser melhor apanhada.


quarta-feira, fevereiro 02, 2011

O futuro da república do Nilo


Acompanho a par e passo a situação no Egipto. Hoje, no Cairo, em Alexandria e noutras cidades, ultrapassou-se em muito o milhão de manifestantes previsto. Hosni Mubarak tenta ganhar tempo, mas recebeu um ultimato para se retirar até sexta-feira. Depois disso, ninguém sabe o que se passará. Certo é que os egípcios ja passaram por convulsões, como a revolução de 1952 ou a nacionalização do Sueza, ambos protagonizados por Nasser, até hoje um herói nacional.

A oposição ao seu regime está momentaneamente unida, dos liberais do Waft até à poderosa Irmandade Muçulmana, organização inspirada por Qutb, o teórico do moderno jihadismo. El Baradei, pelo prestígio internacional conquistado, parece ser o rosto da liderança desse movimento remendado. Mas ainda é cedo para saber o que vai emergir. Certo é que este movimento é irreversível e algo vai mudar no país. Há dois cenários que se colocam, e todos fazem os seus vaticínios.

OU
David Luiz
Sabia que David Luiz sairia em breve, mas já pensava que só seria no fim da época. Mesmo em cima do fecho do "mercado de Inverno", o nosso "macarrão" deixou a Luz e mudou-se para a nevoenta Londres e para os Chesea de Abramovic, de novo em grande prodigalidade em jogadores. Se do ponto de vista é satisfatório (restando saber o que vale o trinco Matic que vem envolvido no negócio), desportivamente é uma péssima notícia. Uma das regras de primária dos clubes que querem ganhar é jamais venderem jogadores da espinha dorsal no decorrer da época. Vendendo David Luiz, manda-se qualquer hipótese de ganhar um título às malvas, a começar pela Taça de Portugal, troféu que gostaria tanto que regressasse à Luz este ano. O jogo no Porto está entregue ao gang de Villas-Boas, e bom será se o resultado for menos pesado que o de Dezembro. Agora, com este rombo na defesa, há que dizer adeus aos títulos e segurar o segundo lugar, tarefa menos complicada. Já se provou que Sidney não é o companheiro ideal para Luisão, Jardel só agora chegou e Roderick é mais verde que qualquer comentador sportinguista. O eixo da defesa ficou coxo. Pede-se sorte e reflexos aos guarda-redes.


Quanto a David Luiz, resta-me desejar-lhe boa sorte e agradecer a sua passagem. Um dos melhores centrais que já passou pela Luz, provável titular dos Canarinhos no Mundial de 2014, tem agora a oportunidade de singrar nos azuis de Londres (Fernando Santos sabia do que falava quando o comparava a Ricardo Carvalho). Quando chegou, era promissor e nada mais. Entrou no meio de um jogo em Paris, de má memória, jogou a defesa esquerdo, deixou crescer a melena e na época passada tornou-se um esteio do Benfica. Criou enorme empatia com os adeptos e chegou à Selecção brasileira, mostrando ser de longe o melhor central em Portugal. Era uma questão de tempo até sair. Esse dia, para nossa infelicidade, chegou.