sexta-feira, julho 29, 2011

Auto-destruição anunciada




A morte de Amy Winhouse surpreende à primeira, mas apesar da "bomba", é perceptível após a surpresa inicial. A cantora já vinha num longo processo de auto-destruição há muito tempo (lembram-se do fiasco no Rock in Rio de Lisboa, há três anos?). O seu desaparecimento é de certa forma um corolário lógico, indiciado pelas tristes figuras, pelas passagens pelas clínicas e pelos apelos da família para que a deixassem. Nunca fui grande fã de Amy nem dos seus despropósitos, mas não posso deixar de sentir piedade por ela. É o caso, já clássico, da incapacidade de fazer conviver o talento (e a voz) com a fama e o sucesso mediático. Amy pagou caro. Mas de certa forma, premonitoriamente, ela recusou o afastamento dos vícios e do caminho para a ruína, quando na sua canção mais conhecida dizia não à reabilitação. Paz à sua Alma, já que em vida teve pouca.

A falta que um pai faz







Um pormenor que me chamou a atenção no caso do duplo atentado mortífero na Noruega: um dos entrevistados foi o pai de Anders Breivik, o terrorista do momento. Ao que parece, o senhor, um diplomata na reforma a viver no Sul de França, separou-se da mãe do autor dos atentados quando ele tinha um ano e não tem contacto com ele há 15. Diz-se agora "absolutamente chocado" e espera que o filho "se suicide".



Mas já que ele aprova o suicídio, talvez estivesse na altura de comprar cianeto, uma corda resistente ou um par de balas. É que um pai que corta o contacto com um adolescente quando este tem dezassete anos tem no mínimo as suas responsabilidades. Sabe-se que os nórdicos têm uma visão dos laços familiares bem diferente da que temos no Sul da Europa. Se a emancipação precoce é largamente fomentada, também a quebra de relações familiares se tornou regra. Não só se pretende que os jovens se "façam à vida" muito novos, como ao que parece, devem cortar definitivamente com as origens. Um caso na minha família, através de um casamento, demonstrou-me como o afastamento das raízes familiares pode ser perverso e doloroso. É dos tais casos em que os sistemas nórdicos nada têm de "civilizados" ou "superiores". O corte e o enfraquecimento das relações familiares representa antes decadência, individualismo extremo, e talvez explique em parte a alta taxa de suicídios na região. A referência paterna, o apoio familiar em ocasiões de crise, a inculcação de valores de pais para filhos é vital para qualquer desenvolvimento são. E nenhum pai que se preze corta simplesmente os contactos com um filho de dezassete anos. Para mais, não parece padecer de problemas económicos. Ao que parece, o progenitor "biológico" não pensou nem pensa nisso. Já que os noruegueses estão em reflexão, recuperando do choque, talvez fosse uma boa ocasião para pensar se não terão falhado no espezinhamento dos seus valores familiares.

quarta-feira, julho 27, 2011

Em que ficheiro está arquivado o Mal?


As notícias bombásticas têm ainda mais impacto quando são recebidas num contexto absolutamente diferente, sem meios de comunicação em redor, por simples aviso. Assim, sem tempo para ver as notícias dos jornais e sem ir à net ou ver televisão, tive conhecimento dos atentados na Noruega ao mesmo tempo, no dia do massacre perpetrado pelo inquietante assassino.


Discute-se as razões, a ideologia, as motivações, o manifesto político anti-marxista, etc. Discute-se demais, mas a inquietação e os números da matança a isso justificam. Mas são tantas as informações ou desinformações que a confusão se torna ainda maior. Fundamentalista cristão (mas sem motivos estritamente religiosos, nem ligações fortes a qualquer igreja), maçon (de que loja?), "neo-templário", inimigo do multiculturalismo, do marxismo, do Islamismo crescente, de extrema-direita...os epítetos são tantos que a principal preocupação é mesmo arrumá-lo num grupo ideológico definido. Desgraçadamente, é quase impossível. São demasiadas coisas e o seu contrário para o podermos enquadrar num grupo "tradicional". A enorme preocupação é essa: saber de onde vem o Mal o perigo, sabermos quem é o inimigo. Mas tal como o próprio Mundo, completamente fragmentado e confuso, a sua origem é ambígua e misteriosa, sem uma conotação precisa. Não, não temos um 3º Reich, uma URSS nem sequer uma Al-Qaeda para identificar o ovo da serpente. O Mal a enfrentar pode ser personificado em Anders Breivick, mas está bem longe de poder ser arrumado numa arquivo com etiqueta. Seria tão mais fácil de enfrentar...e se ele não tivesse partido de dentro.



PS: aparentemente, para os maníacos do ateísmo, a culpa está toda na religião e em particular no cristianismo, muito embora o responsável pelos crimes não só não invoque fundamentos religiosos, passagens da Bíblia ou qualquer igreja cristã, e até teça comentários pouco simpáticos para com estas, como apela mesmo a que agnósticos, "humanistas seculares" e ateus de "cultura cristã" se juntem à sua luta. As coisas nem sempre são o que parecem ao primeiro grito.

segunda-feira, julho 18, 2011

As agências nunca se enganam e raramente têm dúvidas.



A última classificação da agência de notação Moody´s da dívida portuguesa pôs finalmente toda a classe política e a sociedade em quase unanimidade contra tal passo, traiçoeiro e de fraca credibilidade. Mesmo as instituições europeias concordaram, falando agora na urgência na criação de uma "agência de notação europeia independente" (mas é a UE que cria?). Escrevi "quase unanimidade" porque alguns zelotas do liberalismo económico destoaram. Não, para eles a classificação da Moody ´s é justíssima e isenta, nada tem de parcial, e apenas reflecte a dificuldade do país em cumprir os seus compromissos, por mais que se esforce. Ou seja, as agências de notação são absolutamente honestas e objectivas e não têm segundas intenções políticas. a fora como se diz isto, e a total crença no auto-regulação e na mão invisível parece-me cada vez mais panglossiana: tudo corre no melhor dos mundos, e as coisas passar-se-iam sempre obrigatoriamente assim. O fado dos mercados que não se enganam não muda. Os ultra-liberais, em termos de fidelidade ideológica, acabam por estar próximos dos comunistas, na barricado inversa, lembrando também uma igreja evangélica. O Mundo pode cair, mas os mercados terão sempre razão e quem os classifica também. A cataláxia não falha. Os mercados são grandes, e os austríacos os seus profetas.



sexta-feira, julho 15, 2011

Que apareçam outras como ela



Às voltas pelo Nordeste Trasmontano, só no dia seguinte é que soube da morte de Maria José Nogueira Pinto. impressionado, diga-se. Na véspera, lembrei-me que a tinha visto semanas antes num debate de opinião, na televisão, e tinha-a a achado com um ar muito estranho. Confirmaram-se os piores receios, e Nogueira Pinto sucumbiu a um cancro no pâncreas.





Devo ter ouvido falar dela pela primeira vez aquando do célebre caso da pala de Alvalade, quando era sub-Secretária de Estado da Cultura, em que depois de ter interditado o estádio do Sporting para concertos musicais, numa altura em que eram aí frequentes, viu-se desautorizada pelo então Secretário de Estado, Santana Lopes que poucos dias depois fazia um acordo com Sousa Cintra revogando a interdição. Não esteve com meias medidas e bateu com a porta.


O episódio mostra o carácter de uma mulher que muitas vezes se incompatibilizou na política. Conhecia ao de leve o seu percurso de vida, a casa de família do Campo Grande, onde nasceu (e morreu), o seu casamento, ainda muito nova, com Jaime Nogueira Pinto, a ida de ambos para África, as fugas à guerra, a vida no campo de refugiados sul-africano, que cimentou essa relação que duraria até ao fim, e que pôde ser revisitada numa entrevista que ambos deram em Outubro, à revista Pública. Depois, o serviço público, executado com competência e dinamismo, no Instituto Português de Cinema, na Maternidade Alfredo da Costa e na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e, claro, na Secretaria de Estado da Cultura. Depois, a aventura política, como deputada pelo CDs a convite de Manuel Monteiro, a candidatura à liderança do partido, que perdeu para Paulo Portas, num congresso em que teve o apoio dos monteiristas e em que protagonizou algumas tiradas inesquecíveis (a da "Rato Mickey" e "eu sei que ele sabe que eu sei que ele sabe que eu sei"). O regresso à política, candidatando-se à câmara de Lisboa, onde seria eleita vereadora, e a posterior ruptura com o partido, com o regresso de Portas, e o regresso ao Parlamento pela mão da Manuela Ferreira Leite marcaram a carreira política.



Muitas vezes a sua petulância irritava. Muitas vezes discordei dela. Às vezes achei que exagerava, mas ao mesmo tempo achava-lhe graça, caso típico da sessão em que não hesitou em considerar um deputado que a azucrinava como "um palhaço". Mas era uma mulher corajosa, original, activa, imaginativa, e fiel aos seus princípios (e porque não dizê-lo, uma mulher bonita). A sua morte foi legitimamente sentida, à esquerda e à direita, excepto por meia dúzia de micróbios que vagueiam nos fóruns. O último testemunho da sua vida, no DN, em que demonstrava a confiança de sempre no Salvador, comoveu. Deixa uma extensa família e o homem com quem partilhou quase toda a vida. Que descanse em paz. Embora faça muita falta, o seu exemplo prevalecerá e inspirará outras como ela.


PS. uma semana terrível, realmente; desapareceram igualmente Jorge Lima Barreto, com 61 anos, e Diogo Vasconcelos, de apenas 43, um grande empreendedor e optimista convicto, e que foi o primeira presidente a associação de estudantes da faculdade onde me formei - como nenhum jornal referiu isto, quis lembrá-lo eu.

sábado, julho 09, 2011

A morte de um Imperador


Morreu Otto de Habsurgo. É impressionante: lembrei-me dele de repente, pensei que já devia andar perto dos cem anos, e meia hora depois, descubro na net que ele morreu.

Otto da Áustria nasceu já como herdeiro da coroa dual dos Habsburgos, herdeiro do milenar Sacro Império. Era sobrinho-neto do velho Imperador Francisco José e filho de Carlos I), que seria o último monarca da Áustria-Hungria, em virtude do assassínio do seu primo em Sarajevo, que desencadeou a 1ª Grande Guerra. Com a queda do império, acompanhou a família no exílio para a Madeira, onde seu pai morreria. Sem possibilidades de aceder ao trono da Hungria, devido ao golpe do Almirante Horthy, o "regente sem reino", Otto mudou-se para para Espanha e formou-se mais tarde em ciências Políticas na Universidade de Lovaina. Tornou-se um firme opositor ao nazismo ascendente e ao Anchluss, reivindincando o trono austríaco e fazendo declarações públicas contra a ocupação alemã. Essas posições valeram uma perseguição massiva aos seus apoiantes e a sua condenação à morte in absentia. Quando a Alemanha invadiu a França residia então em Paris, pelo que se viu obrigado a fugir para os Estados Unidos. Conseguiu-o graças a Aristides de Sousa Mendes, com quem entrou em contacto através do seu secretário, o Conde von Degenfeld, e que lhe proporcionou um visto para Portugal, e daí para a América (o próprio Arquiduque esteve envolvido na fuga de milhares de austríacos da invasão nazi). Viveu em Washington durante a Guerra, até ao regresso à Europa, ainda nos anos quarenta, com um passaporte da Ordem de Malta. Só muitos anos mais tarde ser-lhe-ia atribuída a cidadania austríaca, bem como a húngara e a croata.



Católico devoto, europeísta convicto, presidente da União Pan-Europeia, crítico da divisão europeia, chegando a promover acções para desmoralizar os regimes comunistas, Otto serviu ainda como deputado europeu durante vinte anos, pela CSU bávara, já que a partir dos anos sessenta escolheu a Baviera para viver, e onde morreu, há dias, com 98 anos. Se o Império tivesse subsistido, teria reinado durante 89 anos. Mas nunca chegou a ocupar o trono bicéfalo dos imensos domínios dos Habsburgos, e assistiu à carnificina europeia, sem que por isso baixasse os braços e desistisse de conseguir uma Europa unida, livre, tradicional e moderna, ao mesmo tempo. Em grande parte, conseguiu-o. O Arquiduque cumpriu exemplarmente a sua missão numa vida longuíssima e completa.