Escrevi muito sobre impressões romenas nos últimos tempos, e das suas minorias germânicas e húngaras. Não me lembrei de falar sobre aquela que mais dores de cabeça tem trazido, a mais óbvia: os ciganos. Já todos terão visto ciganos romenos a pedir ou a tocar música na rua e nos transportes públicos (às vezes com um cãozinho ou um macaco para enternecer), ou em certos casos a vender revistas como o Borda d´Água ou a lavar vidros dos carros nos semáforos. Não são pessoas que se olhe sem franzir o sobrolho ou de forma paternalista, dado o seu aspecto muitas vezes hirsuto, os modos duvidosos, e a fama que sempre acompanhou este povo, tanto por preconceito como por razões mais válidas. O seu nomadismo e os seus ancestrais hábitos de comunidade fechada, que não se rege por leis externas dos estados onde se acolitam, tornam-nos visitas incómodas.
Mas na Roménia, ao contrário do que cá se pensa, são também uma minoria. Raramente são bem vistos e frequentemente são discriminados. Tal como noutros países, vivem à margem da sociedade. Acredita-se que sejam provenientes da Índia e que tenham vindo da Ásia com os guerreiros mongóis da Horda Dourada. Espalharam-se pela Europa toda no Século XV, mas permaneceram sobretudo no leste do continente. Até ao nascimento do moderno estado romeno, em meados do Século XIX, permaneceram num regime de servidão e semi-escravatura. Com o regime pró-eixo do Conducator Ion Antonescu, muitos foram deportados para a Bessarábia, e grande parte morreu em campos de concentração. Depois, Ceausescu deportou muitos deles para a inóspita planície de Barragan, onde seriam menos visíveis. Mesmo após 1989 a sua situação não mudou logo, se bem que os mais recentes relatórios da União Europeia testemunhem progressos no seu tratamento. Ainda assim, não se sabe correctamente o seu número: os dados oficiais romenos dizem 500 mil; mas a UE estima que sejam perto de dois milhões d ciganos. Claro que a sua Diáspora torna todas as estimativas muito mais complicadas. Também já ouvi dizer, a pessoas que conhecem melhor o país, que não passam de duzentos mil; outros afirmam que os viram por toda a parte, a começar pelo aeroporto. E o incómodo com esse povo continua, como testemunhou Madona, há pouco tempo, em Agosto, poucos dias antes da minha passagem, quando num concerto em Bucareste ouviu vaias do público ao referir-se à discriminação dos ciganos.
Sendo os mais pobres dentro da pobreza romena, espalharam-se pela Europa e causaram aí sérios embaraços ao governo romeno, que estava em negociações para a adesão à UE. Alguns primam pelo caricato:
Entre outros acontecimentos estranhos desse êxodo, alguns grupos de ciganos capturavam cisnes dos lagos de Viena para os assar e comer, à vista de todos. A coisa provocou pânico entre os negociadores romenos, mas, como se sabe, tudo acabou em bem e a Roménia aderiu à UE. Um dos efeitos imediatos, aliás, recaiu sobre uma ancestral e mítica prática cigana: a UE proibiu as exibições de ursos dançantes, treinados pelos seus donos, os ursari, que desde há séculos os levavam a dançar em feiras, circos, cerimónias religiosas e até políticas, da era do Império Bizantino (e também na Europa ocidental até certa altura). Agora, com os tempos modernos e os defensores dos "direitos dos animais", graças ao qual a Playmobil não lançou um boneco representando estes bichos, não mais se verão saltimbancos a exibir ursos a dançar nas feiras. Em compensação, as memórias burlescas mas deprimentes dos cisnes a assar no espeto nos parques vienenses são mais duradouras, e são ilustrativas de um povo que vive num enclave permanente, onde quer que esteja, e que é quase um conjunto de zombies por onde quer que passe.