domingo, janeiro 31, 2010

Os livres pensadores do terrorismo


Gostava de saber porque se intitulam de "livres-pensadores" indivíduos que comemoram assassinatos de adversários como forma de espalhar ou "impor" as suas ideias. Alguém os prende? Alguém os impede de pensar? Ou sequer de defender a liquidação de quem não encaixa nos seus ideaizinhos, ainda que sejam indigentes? E quem pensa de forma diferente, não é livre?
Quando ao rótulo de "livre pensador" um apologista de pistoleiros e bombistas (que acha que o ministério de João Franco, sob o reinado de D. Carlos, era "totalitário") ainda acrescenta o de "historiador", então estamos perante uma mente que urgentemente devia procurar auxílio psiquiátrico. Também há no Conde Ferreira gente que se acha D. Sebastião ou D. Quixote.

quinta-feira, janeiro 28, 2010

Woody e Larry

Por esta altura da estação costuma aparecer nos cinemas o costumeiro filme de Woody Allen. Já me perguntava se haveria algum este ano, e em que cidade europeia, quando de súbito vi um cartaz de cinema respondendo à minha questão. Há realmente novo filme, chama-se Whatever Works, e estreia-se em Fevereiro. Ao que parece, o realizador resolveu voltar à sua Nova Yok. Mas o interessante é o protagonista do filme: trata-se nada mais nada menos do que Larry David, o conhecido argumentista de Seinfeld e da série dele próprio, Calma, Larry. Woody já lançou diversos alter egos nos seus filmes (embora não o faça há uns tempos), mas nenhum terá tantas características comuns como David: é igualmente judeu, novaiorquino, e um pouco neurótico. Um verdadeiro ser da mesma espécie, que trará algo de velho à filmografia do velho Allen, antes que este volte a cruzar o Atlântico para uma qualquer urbe do Velho Mundo.

terça-feira, janeiro 26, 2010

Ideias para subverter modas passageiras
A moda dos vampiros juvenis e apaixonados, popularizada pela saga Twilight, chegou a Portugal. Por toda a parte se vêem cartazes anunciando uma nova série da TVI, de seu nome Destino Imortal, transpondo para Portugal esta mistura de vampiros com Morangos com Açúcar (por acaso, uma criação do mesmo canal). Mas olhando para os cartazes, surgem-nos uma ameaçadora Evelina Pereira, uma Catarina Wallenstein desbotada, tal como os correligionários ao lado, e uma Maria João Luís e um Rogério Samora pálidos mas com ar cândido, quase ingénuo. Ora com essas expressões podia-se criar qualquer coisa com mais nonsense, com mais humor. Há uns anos surgiu o Ninja das Caldas, uma produção nacional de baixo custo com conhecido sucesso. Levando por diante esse modelo, podia aparecer qualquer coisa como os Vampiros de Oliveira de Azeméis, o Drácula de Loulé, o Nosferatu de Espinho ou o Blade do Monte da Caparica. Se as televisões generalistas não pegarem nisto, algum cineasta amador há de o fazer.

segunda-feira, janeiro 25, 2010

Coisas que por vezes passam despercebidas


O mito do "apoio popular" do 5 de Outubro cai perante as evidências. A imagem propagandística e oficial da implantação da república, da autoria de Joshua Benoliel, mostra uma Praça do Município, em Lisboa, a abarrotar de gente, perante os semblantes solenes dos oradores. Mas a foto original autêntica revela o vazio da praça. Também a olissipógrafa Marina Tavares Dias a mostra e refere, no seu último álbum (uma espécie de best of da sua magnífica colecção Lisboa Desaparecida), que o público presente não ultrapassaria as cem pessoas. Mais ou menos o número dos curiosos que costumam assistir à cerimónia anual, no mesmo espaço.


Tendo em conta que o número de manifestantes que na noite de quatro para cinco de Outubro passado ergueu a bandeira azul e branca era de duzentos, fica-se a pensar que a República cairia com mais facilidade do estaríamos à espera...










quarta-feira, janeiro 20, 2010

Este blogue já tem idade para ir para à primária

A Ágora
Por João Pedro Pimenta. Blog de expressão portuense, benfiquista, monárquica, católica e politicamente indeterminada. Pelo menos até ver...

Esquecer-se de um aniversário importante é sinal de memória fraca e desleixo. Que diria uma mulher de quem o marido ou namorado se tivesse esquecido dos seus anos? Ou um filho de um pai? Não se sentiria bem, por certo. Pois deixei, uma vez mais, passar, o aniversário de A Ágora. No dia 16 de Janeiro, este blogue completou seis anos de actividade. É verdade, meia dúzia. Não posso deixar de dizer que é assinalável. Mas é estranho este esquecimento, quando em 2009 acabou por ser o ano mais produtivo. Ainda assim, não cheguei aos mil posts, consequências de um blogue escrito a duas mãos. Mas falta pouco. Será em 2010, seguramente. A única forma de ser perdoado por este lamentável lapso de memória é continuar a blogar .

segunda-feira, janeiro 18, 2010

Ciganos, ursos dançantes e cisnes assados.




Escrevi muito sobre impressões romenas nos últimos tempos, e das suas minorias germânicas e húngaras. Não me lembrei de falar sobre aquela que mais dores de cabeça tem trazido, a mais óbvia: os ciganos. Já todos terão visto ciganos romenos a pedir ou a tocar música na rua e nos transportes públicos (às vezes com um cãozinho ou um macaco para enternecer), ou em certos casos a vender revistas como o Borda d´Água ou a lavar vidros dos carros nos semáforos. Não são pessoas que se olhe sem franzir o sobrolho ou de forma paternalista, dado o seu aspecto muitas vezes hirsuto, os modos duvidosos, e a fama que sempre acompanhou este povo, tanto por preconceito como por razões mais válidas. O seu nomadismo e os seus ancestrais hábitos de comunidade fechada, que não se rege por leis externas dos estados onde se acolitam, tornam-nos visitas incómodas.

Mas na Roménia, ao contrário do que cá se pensa, são também uma minoria. Raramente são bem vistos e frequentemente são discriminados. Tal como noutros países, vivem à margem da sociedade. Acredita-se que sejam provenientes da Índia e que tenham vindo da Ásia com os guerreiros mongóis da Horda Dourada. Espalharam-se pela Europa toda no Século XV, mas permaneceram sobretudo no leste do continente. Até ao nascimento do moderno estado romeno, em meados do Século XIX, permaneceram num regime de servidão e semi-escravatura. Com o regime pró-eixo do Conducator Ion Antonescu, muitos foram deportados para a Bessarábia, e grande parte morreu em campos de concentração. Depois, Ceausescu deportou muitos deles para a inóspita planície de Barragan, onde seriam menos visíveis. Mesmo após 1989 a sua situação não mudou logo, se bem que os mais recentes relatórios da União Europeia testemunhem progressos no seu tratamento. Ainda assim, não se sabe correctamente o seu número: os dados oficiais romenos dizem 500 mil; mas a UE estima que sejam perto de dois milhões d ciganos. Claro que a sua Diáspora torna todas as estimativas muito mais complicadas. Também já ouvi dizer, a pessoas que conhecem melhor o país, que não passam de duzentos mil; outros afirmam que os viram por toda a parte, a começar pelo aeroporto. E o incómodo com esse povo continua, como testemunhou Madona, há pouco tempo, em Agosto, poucos dias antes da minha passagem, quando num concerto em Bucareste ouviu vaias do público ao referir-se à discriminação dos ciganos.

Sendo os mais pobres dentro da pobreza romena, espalharam-se pela Europa e causaram aí sérios embaraços ao governo romeno, que estava em negociações para a adesão à UE. Alguns primam pelo caricato:



Entre outros acontecimentos estranhos desse êxodo, alguns grupos de ciganos capturavam cisnes dos lagos de Viena para os assar e comer, à vista de todos. A coisa provocou pânico entre os negociadores romenos, mas, como se sabe, tudo acabou em bem e a Roménia aderiu à UE. Um dos efeitos imediatos, aliás, recaiu sobre uma ancestral e mítica prática cigana: a UE proibiu as exibições de ursos dançantes, treinados pelos seus donos, os ursari, que desde há séculos os levavam a dançar em feiras, circos, cerimónias religiosas e até políticas, da era do Império Bizantino (e também na Europa ocidental até certa altura). Agora, com os tempos modernos e os defensores dos "direitos dos animais", graças ao qual a Playmobil não lançou um boneco representando estes bichos, não mais se verão saltimbancos a exibir ursos a dançar nas feiras. Em compensação, as memórias burlescas mas deprimentes dos cisnes a assar no espeto nos parques vienenses são mais duradouras, e são ilustrativas de um povo que vive num enclave permanente, onde quer que esteja, e que é quase um conjunto de zombies por onde quer que passe.

sábado, janeiro 16, 2010

Haiti: sobre a miséria, o apocalipse


Só na noite de quarta-feira é que soube da catástrofe haitiana. E só no dia seguinte é que pude ver as suas proporções. Mais do que uma catástrofe humanitária, viu-se o colapso de um estado, já de si pouco seguro e corroído pela sua instabilidade, violência e estranhas tradições.

Os sismos não raras vezes desencadeiam cataclismos imensos, como aqueles que assistimos normalmente na Ásia nos últimos anos (China, Paquistão, Irão, Malásia, etc), e deixam marcas profundas. Por aqui, o Sul do país também para sempre ficou marcado pela terramoto de 1755, do qual nos lembramos em momentos em que a terra se lembra de mexer um pouco, como aconteceu em Dezembro último, com uns abanõezinhos que puseram imensa gente a aderir a grupos no Facebook com nomes como "eu sobrevivi ao sismo de Dezembro", como se uma grande peripécia se tratasse.

Neste caso, à magnitude dos estragos junta-se a visibilidade de um país e suas estruturas de governação literalmente por terra. As ruínas do palácio presidencial e da catedral ilustram isso na perfeição. O que não sucederia aos frágeis bairros de lata ou às casas alcandoradas nas colinas de Port-au-Prince.


O Haiti é uma das terras mais estranhas e miseráveis do globo. Dividindo a ilha da Hispaniola, a segunda maior das Caraíbas, com a vizinha República Dominicana, este estado montanhoso, onde a população é negra ou mulata e fala francês e crioulo é o país mais pobre das Américas. Quando há uns anos, na faculdade, tive de fazer algumas pesquisas para a cadeira de Direito Internacional Público sobre as acções de peacekeeping em 1994, na altura da eleição de Jean-Bertrand Aristide, vi imagens da miséria profunda daquele povo: os bidonvilles com lixeiras à mistura, onde sobressai a enorme Citée du Soleil, onde por vezes se queimam pneus com homens presos lá dentro, as pessoas a tomar banho nos esgotos, as gaivotas penduradas no Porto, antes de servirem de refeição, etc.


A metade francófona da Hispaniola tem um história trágica e violenta. Era a colónia francesa de Saint-Domingue, preciosa e fértil, movida pela força dos escravos trazidos de África, mas estes revoltaram-se em 1803, chefiados pela intrépido Toussaint Louverture. O líder negro conseguiu grandes feitos, mas acabou por ser preso pelos franceses, e morreria numa fortaleza do Jura. Mas a revolta triunfou e o Haiti proclamou a independência. Seguiu-se um século de auto-proclamados imperadores, como Dessalines, tiranetes vários, uma prolongada intervenção norte-americana, até à chegada, em 1957, de François Duvalier, o célebre Papa-Doc. Este impôs um sinistro regime, brutalizando e aterrorizando a população com a sua milícia pessoal, os sinistros Tonton Macoutes, e com práticas vodu, que a população segue, a par do cristianismo. Depois da sua morte, sucedeu-lhe o estouvado filho, Baby-Doc, até que uma revolução em 1986 o expulsou. Depois de anos de instabilidade, Aristide foi eleito presidente, prometendo uma nova era de prosperidade e justiça social, em que os paupérrimos negros teriam as mesmas oportunidades que a elite mulata, que vivia nos seus bairros desafogados nas colinas. Teve de fugir por causa de um golpe de estado, mas com a ajuda dos Estados Unidos voltou ao Haiti em 1994. Mas o seu governo nada resolveu, caracterizou-se por opressão e corrupção, e também Aristide acabou por deixar o cargo no seguimento de revoltas. René Préval seguiu-se na presidência, até agora. Com um pouco mais de estabilidade, mas na miséria de sempre.



É este país de mulatos remediados e negros miseráveis, montanhoso, pobre, com uma larga história de violência, imerso no vodu e no culto a figuras como o Baron Samedi, que está agora a atravessar o caos. Mais de cem mil mortos, mais de um milhão de desalojados (o epicentro deu-se na capital, Port-au-Prince), corpos amontoados, todas as estruturas estatais destruídas, falta de hospitais para os feridos, doenças, fome, e provavelmente, tumultos e pilhagens. O desespero, em suma. E neste país, que apenas nominalmente o é, podemos ver o inferno dos que não tinham quase nada e que mesmo isso perderam. Escombros, lama e ajuda humanitária, é tudo o que resta num território, que de facto, já não é um estado. Ou talvez seja apenas o estado pós-apocalíptico.

terça-feira, janeiro 12, 2010

Sunday, silly sunday



Planear ficar em casa a trabalhar num dia de chuva e esquecer a chave numa curta saída até que os vizinhos que têm uma cópia cheguem é o cúmulo da distracção conjugado com a falta de oportunidade. No dia em que mais devia evitar sair, tive de andar a evitar poças de água e goteiras, com um frio glacial à mistura. Sempre deu para entrar num livraria e folhear uma volumosa biografia de Bruce Chatwin. A certa altura, saltou-me à vista uma passagem, sobre uma curta visita do escritor-viajante a Lisboa, em 1977, em trânsito do Brasil para Inglaterra: "Cidade triste, cartazes comunistas por todos os lados; um com metralhadoras portáteis, enxada e chave inglesa. Que curioso terem escolhido o emblema de Caim".
A referência é evidentemente ao PRP-BR (que ainda tem um site a navegar), esse partido-movimento armado que deu brado no PREC. Estranho é que em 1977, tal força oficialmente já não existisse: ou os cartazes estavam muito usados, ou Chatwin, na sua prosa com fantasia misturada, falava de murais de rua. Não impede que seja uma descrição deprimente e pouco abonatório de um período mais infeliz da vida portuguesa. E curiosa, a referência a Caim. Ficariam aborrecidos os PRPs com tal comparação? Ficariam contentes, dada a sua actividade violenta? Saberiam ao menos quem era o irmão de Abel? Certo é que a alusão do escritor era premonitória, já que alguns elementos do movimento transitariam mais tarde para as FP-25.
Resta acrescentar que escrevi esse trecho ilustrativo num Moleskine, um caderno também muito publicitado graças a Chatwin.

terça-feira, janeiro 05, 2010

Inspirações no Danúbio


Revi o Concerto de Ano Novo da Orquestra Filarmónica de Viena, emissão que tento nunca perder mesmo que tenha de gravar. É verdade que é sempre igual, do edifício à narração de Eládio Clímaco, com os eternos japoneses a assistir, mas já se tornou um hábito de estimação de boas vindas ao novo ano. Quando a orquestra atacou o Danúbio Azul, a intemporal valsa de Johann Strauss (a que Kubrick emprestou uma memorável cena espacial), viram-se imagens do percurso do rio, desde o começo, a Floresta Negra, até ao seu termo, o Mar Negro, desdobrando-se na teia do delta. Só aí reparei no contraste entre as "cores" dos extremos do rio, e a da valsa que o imortalizou. Curiosa a razão porque terá invocado Strauss a cor azul, mas deve ser porque em Viena atinge por vezes uma coloração magnífica - quando não está cinzento. E provavelmente para dar um tom de encantamento à então capital do Império dos Habsburgos.


Danúbio é também o nome da opus magna do italiano Claudio Magris. Da(s) nascente(s) ao Delta, o professor de literatura alemã da Universidade de Trieste percorre todo o curso do rio e regiões circundantes, mesmo algumas mais afastadas, estudando a sua história, os seus povos, o seu espírito, entre a ocidental Alemanha e a margem leste da Europa, isto numa altura em que o Muro de Berlim ainda não tinha caído. É talvez o guia que melhor expõe a Mitteleuropa e a herança dos Habsburgos. O meu recente percurso na Roménia não levei guias, porque não os encontrei. Assim, socorri-me de Danúbio, tanto para ficar com uma ideia mais clara do país como para deixar as minhas impressões. O que aprendi da Transilvânia deve-se em muito a Magris.


Na parte referente à Roménia, falando do Banato, região cuja capital é Timisoara e que até há uns anos tinha uma colónia germânica apreciável, Magris referia-se a vários novos autores suabos de língua alemã. Entre eles, estava uma jovem escritora apenas conhecida localmente chamada Herta Muller. O italiano, que é todos os anos colocado como um dos grandes aspirantes a ganhar o prémio Nobel, dificilmente poderia imaginar na altura que aquela jovem e obscura romena de etnia alemã vivendo sob o regime de Ceausescu iria, mais de vinte anos depois, suplantá-lo na corrida para o prémio. É a lógica da atribuição do galardão a autores menos conhecidos, mas que têm a "sorte" de representar num determinado ano o povo certo ou de escrever no idioma indicado.





sábado, janeiro 02, 2010

Entrar em 2010 com preciosidades de 1928
Para começar bem o ano, um desenho animado histórico: Steamboat Willie, de 1928, o primeiro filme sonoro de Walt Disney, com um rato Mickey primordial e muito engraçado. Lembro-me de o ver na televisão (salvo erro num programa de Vasco Granja) quando era muito pequeno, aí com uns sete anos, e de nunca me ter esquecido de alguns acordes da música que é tocada mais para o fim, de seu nome Turkey in the Straw, como se vê pelas pautas devoradas pela cabra. Agora descobri-o e pude revê-lo e ouvir de novo as suas músicas inesquecíveis. E deixá-lo aqui em baixo, porque este tesourinho pioneiro do desenho animado sonoro deve ser dada a conhecer a todos. Divirtam-se e bom 2010.