quarta-feira, dezembro 31, 2008

Caso não escreva aqui hoje, o que é bem provável, um bom ano de 2009 para todos. Sabemos que não será fácil, mas quem sabe...Alguém há de escapar.
Burocracias judiciais
Vai-se o supremo Tribunal de Justiça, pede-se determinado processo, trazem-no, procura-se o que se quer, tiram-se as respectivas fotocópias, paga-se a vai-se à vida.
Chega-se à Relação, temos de ir à secretaria, daí avisam-nos para ir a outra repartição (a presidência, se não estou em erro), onde nos dizem que para consultar processos só com autorização do senhor presidente, mediante requerimento que se pede na secretaria...
O STJ pode ser aberrante nas suas decisões, mas em termos de burocracia, é bem mais lesto que a segunda instância. São somente diferenças instrumentais? Não, não são. A celeridade é uma componente do bom funcionamento da justiça. Mas fará algum sentido que um tribunal superior seja menos formal nos pedidos de processos que as instâncias abaixo?
Suspiro...

terça-feira, dezembro 30, 2008

Cinema 2008


Há umas semanas que não entro numa sala de cinema, excepção feita a uma sessão da Cinemateca Nacional. Os filmes em exibição não me dizem absolutamente nada, e talvez vá apenas ver Austrália se tiver tempo. Mas apesar das habituais retrospectivas do ano nos dizerem que o cinema esteve péssimo, viram-se algumas coisas memoráveis.

Como por vezes acontece, por pressão dos Óscares ou por simples coincidência, os melhores vieram ao princípio. Jogos de Poder/Charlie Wilson´s War e The Darjeeling Limited poria desde logo no topo da lista. Dois filmes completamente diferentes, uma sátira política, o primeiro, um filme de "estilo"com a eterna questão da orfandade, o segundo, tendo em comum uma essência de ironia e as paisagens do sub-continente indiano. Ainda em Janeiro, O Sonho de Cassandra, de Woody Allen, talvez o menos bom da "trilogia de Londres", e algo previsível, mas que ainda assim se vê bem. Expiação não é uma obra-prima - ao contrário do livro de que é adaptado, ao que me dizem - mas tem momentos de rara beleza e perturbação, que não se resumem a Keira Knightley.


Da vaga dos Óscares não apanhei No Country for Old Men, mas não deixei escapar o outro filme dos Cohen, Apagar Depois de Ler, um misto de Fargo com O Grande Lebowski e injustamente vilipendiado por grande parte da crítica (daqui a uns anos vão elevá-lo a "filme de culto", está-se mesmo a ver). Vi a saga de um amoral e seco Daniel Day Lewis em Haverá Sangue. E dos que queria ver, escapou-me Juno. não tenho a certeza se quereria ver I´m not There, excepto pelas interpretações, embora Cate Blanchett apareça como homem.


Fora destas andanças, fiquei com uma sensação entre o apreço e a estranheza em relação a Youth without Youth, o regresso de Coppolla aliado a Mircea Eliade. Uma segunda revisão por certo deixar-me-à mais esclarecido. E ainda vi um curioso Ponto de Mira, ensaio de um portentoso atentado na nobre Salamanca, que parte de uma ideia interessante, mas que se vai tornando cansativa, tantos são os flashbacks que nos são dados a ver.



O ano de 2008 terá sido o da grande recuperação do cinema francês. Realizadores clássicos, como Rohmer e Resnais, à mistura com "jovens turcos", ou melhor dizendo, tunisinos, no caso de Abdel Kechiche, e sucessos como A Turma ou o êxito da comédia "à francesa" Bem Vindos ao Norte, que atraiu vinte milhões de espectadores. Ou como Asterix nos Jogos Olímpicos, paupérrima adaptação, muito abaixo das anteriores fitas com os gauleses.

De Itália veio também O meu Irmão é Filho Único, tragicomédia passada nos anos setenta com dois irmãos divididos politicamente pelos extremos fascismo/comunismo e por razões amorosas. Valeu bem a pena vê-lo. E ainda há Caos Calmo, o novo de Moretti, e Gomorra, que não vi, mas que dizem ser tão terrível como o livro de Saviano.
 
A memória não me chega para mais. Daqui a uns dias começa novo ano civil, e Janeiro trar-nos-à boas novidades, à partida, a começar com dois filmes de Clint Eastwood. Posto isto, não volto a fazer apanhados do ano, que para isso já bastam os dos jornais.
PS: confesso: aquela fotografia lateral com o Daniel Day Lewis só está ali por causa do fato que ele usa. Aquilo vende-se em qualquer feira ou é preciso mandar fazer?

domingo, dezembro 28, 2008

Luzes de Natal

Os primeiro e o último parágrafo deste post contém passagens indesmentíveis. De facto, as iluminações de Natal no Porto estão uma tristeza (um curto consolo: as de Lisboa também). A rotunda da Boavista parece um buraco negro entre o Brasília, a Avenida e a CdM. Aproveitam-se meia dúzia de ruas na Baixa e pronto. E pelas vistas que obtive há dias da A8, Óbidos estava um espectáculo feérico, admirável, cintilante. Mas também não vi Sintra nem Marvão.

quarta-feira, dezembro 24, 2008

O verdadeiro símbolo


O mais puro e verdadeiro símbolo de Natal: o Presépio, criação de S. Francisco de Assis para recriar a Natividade, tornando-se obra de arte em Nápoles, na Provença, na Catalunha e em Portugal, a partir do Séc. XVIII. Daí o aspecto barroco que as imagens mais clássicas continuam a ostentar. E alguns deles são espectáculos autênticos, fruto de muitas e muitas horas de trabalho.

Um Santo Natal a todos.
O presépio, à moda napolitana

O costume dos protestos gregos





Os distúrbios prosseguem na Grécia. Talvez o Natal consiga aplacar o caos reinante, mas há em terras helenas um rasto de destruição, de feridos, presos e tensão. Para além da morte do manifestante de quinze anos, o detonador de toda esta Intifada à grega, misturam-se os problemas do país, que em grande parte são os do Mundo. Todos têm uma causa para explicar os motins: a crise financeira, o desemprego, a corrupção, a falta de oportunidades, o "autoritarismo" da polícia, etc. Acrescente-se o coração do problema, o bairro ateniense de Exárchia, onde param enxames da extrema-esquerda e de anarquistas, cerne da violência destruidora. É um facto que os ânimos se exaltam com os problemas sociais e económicos actuais, e que prometem aumentar. E nos grandes partidos gregos, sucedem-se, desde antes do regime dos coronéis, os dirigentes das grandes dinastias, como os Papandreou e os Karamanlis, cujo último exemplar preside ao governo grego. O país tem vivido alguns momentos mais duros, como os calamitosos incêndios do ano passado. Nestas condições, um episódio mais grave e a revolta de uns quantos anarquistas podem ser a acendalha para fazer irromper a onda de destruição e protesto que se tem verificado.


Acrescento-lhe, no entanto uma outra: a predisposição natural dos gregos para as manifestações violentas e maciças. Não sei se é um "costume" que vem da altura do regime dos coronéis ou antes, mas o que é facto é que na Grécia não faltam exemplos de exaltações populares, embora as deste ano sejam particularmente violentas. Em 2003, aquando da invasão do Iraque, as primeira manifestações começaram logo na noite do início das operações militares, com apedrejamentos à embaixada americana e iraquianos a perfilar-se com as suas bandeiras (ainda hei de postar uma foto com isso). Dias depois, um gigantesco protesto, com a anuência do governo, praticamente impedia ou dificultava a entrada e a saída da cidade. Quem lá fosse antes das manifestações teria de amargar até que tudo aquilo acabasse. E nos dias que se seguiram, não faltaram novas manifestações, e na Praça Sintagma via-se um enorme lençol pintado de vermelho com caracteres anti-guerra.

Sejam quais forem as razões da violência nas ruas, é altamente improvável que os manifestantes obtenham um resultado vantajoso. Não sendo a Grécia actual uma Tirania, não há razões para a violência dos motins contra um governo com legitimidade democrática. E é duvidosos que a maioria da população goste muito de ver os seus carros e os centros das cidades a arder. Não se percebe bem o que é que a maioria destes anarquistas ou candidatos a isso quer - provavelmente a violência é um fim em si mesmo, para andar à pancada - e se o governo cair, convocam-se novas eleições e o mais certo é a Nova Democracia regressar ao poder. Se é para melhorar alguma coisa a nível económico, depois da destruição de edifícios, bancos e outros estabelecimentos, e da ocupação de universidades, só se a construção civil tiver alguma incremento para algumas reconstruções, porque tais actos só devem ter assustado os investidores e consumidores. O problema é que essa gente não parece ser particularmente inteligente. Talvez nas obras se safem, e dêem o tal empurrão à construção. Quem sabe destruir deve aprender a reconstruir, tal como as crianças pequenas.
PS: as minhas suspeitas tinham fundamento. Afinal, é mesmo anterior aos coronéis. O Guardian também acha:
Rebellion is deeply embedded in the Greek psyche. The students and school children who are now laying siege to police stations and trying to bring down the government are undergoing a rite of passage.

terça-feira, dezembro 16, 2008

O sapato e o correctivo

O episódio do sapato atirado por um jornalista a Bush, no Iraque, provocou risos a uns e indignação a outros. Confesso: estou entre os primeiros, coisa que provavelmente faz de mim um perigoso extremista de esquerda, segundo alguns. Antes isso que um tiros ou uma bomba, coisas muito mais em voga naquelas paragens.

Ficou-se a saber também que atirar calçado é de uma gravidade extrema, não comparável a invadir um país baseado em pressupostos falsos e aí provocar um caos letal, pois que o Iraque é agora "um país muito melhor".

Mas pensam que o jornalista se ficou a rir? Nem pensar. Levou um correctivo que é para aprender a respeitar o pai da democracia iraquiana. Assim é que é!
"Morro bem, salvem a Pátria"*

E entretanto também se passaram noventa anos de outra morte, esta mais violenta, em plena estação do Rossio, do "Presidente-Rei" Sidónio Pais, a que já tinha feito referência, de que a RTP resolveu fazer um documentário, ao que parece um pouco para o fraco.


Curioso como uma figura popular e que pela primeira vez conseguiu ser eleito em sufrágio popular, coisa que anteriores os demagogos da 1ª República jamais fizeram, passa hoje em dia por "ditador. Não seria um democrata exemplar, mas ao lado dos carbonários que o mataram era um Ghandi.

A popularidade e a o clima de permanente guerra civil que se viviam na altura ficaram bem patentes no imenso funeral de Sidónio, seguido por largos milhares de pessoas, pelas ruas da Baixa lisboeta e até aos Jerónimos, com atiradores a disparar dos telhados da rua Augusta e a provocar o pânico (e a retaliação) consequente.

Ainda hoje estou para saber se os sidónios, os bolos, são uma homenagem ao "Presidente-Rei" assassinado há noventa anos e dois dias.


*Épica frase atribuída a Sidónio antes de expirar, mas que, ao que tudo indica, é falsa; o moribundo teria antes exalado um muito mais natural "não apertem tanto, rapazes".
Alçada Baptista
Reparei que não escrevi nada sobre a morte de Alçada Baptista. Não admira. não o conhecia pessoalmente e nunca cheguei a ler um livro dele (embora tenha oferecido há muito tempo ao meu pai "Tia Susana, meu amor"). Mas era uma figura que me inspirava simpatia. Era um "escritor de afectos", como lhe chamaram, e talvez por isso tenha defendido, num certo 10 de Junho, a substituição da letra do hino, por ser muito "belicista". Um episódio polémico pouco recordado agora, no momento de elogiar quem desaparece. Ficam os registos de quem sabe mais do que eu para o recordar.

sexta-feira, dezembro 12, 2008

Manoel de Oliveira centenário

Já está! O meu conterrâneo Manoel Cândido Pinto de Oliveira chegou aos tão esperados cem anos. Com a lucidez e energia de sempre (até ajuda pessoas mais novas a levantar-se da cadeira!). E daqui para a frente, perguntar-se-à? Ora, é fazer o que tem feito nas últimas décadas, andar para a frente com os numerosos projectos que tem na manga, sempre mais e mais. Dá-me ideia que não será a formalidade da idade a impedir o realizador de o fazer e a pô-lo numa vida de jogar à bisca nos jardins públicos ou de dar milho aos pombos. A continuar assim, ainda o vamos ver como um dos supra-centenários de que agora tanto se fala (sinal dos tempos).

quinta-feira, dezembro 11, 2008

Aparição em Santa Apolónia?

Manuel Pateta vem para mim com os seus passinhos de arame. Soergue o boné, os olhos chorosos escorrem aguardente(...)dou-lhe a mala, ele põe-se a andar adiante, dobrado em compasso, como se lhe doesse o ventre, as calças de ganga pelo meio da canela, os pés sem meias em alpercatas brancas".

Virgílio Ferreira, Aparição

Já quase não se vêem carregadores nas estações de comboio. Alguns subsistem, porém, na estação lisboeta de Santa Apolónia. Acorrem aos comboios que param junto às plataformas, oferecendo os seus préstimos a quem chega dos Alfas e dos Intercidades carregado de malas e malões. Não sei exactamente quem lhes paga e que tipo de gorjeta lhes dão, porque nunca usufruí dos seus carrinhos ferrugentos.

São quase todos homens de idade. Um deles, o mais velho, com o seu boné identificativo de fazenda, tem um andar esquisito e um olhar choroso, ferido, alcoólico. Lembra-me exactamente Manuel Pateta, o apoucado carregador de malas da estação de Évora que aconselha Alberto Soares/Virgílio Ferreira à sua chegada. Com aquela idade, aquele olhar, "a escorrer aguardente", aquele andar estranho, pergunto-me se afinal Manuel Pateta não seria uma personagem real, que Virgílio (que leccionou em Évora) incluiu na sua obra maior, e que por acasos da vida tivesse vindo parar a Lisboa, à centenária e movimentada estação ribeirinha de Santa Apolónia, com o seu trabalho de sempre. É bem possível, é. Para a próxima peço para me levar a mala e dou-lhe uma gorjeta. Talvez lhe faça aquelas perguntas de quem chega pela primeira vez áquele destino, como a de há quantos anos exerce o mester, e mesmo como se chama. Quem sabe se a minha mala não será mesmo carregada pela pitoresca figura imortalizada em Aparição.

terça-feira, dezembro 09, 2008

Links

Novos links para a coluna da direita: entram O Pasquim da Reacção (antes que o Corcunda ma bata), o Ressio, a Esquerda Monárquica, o Risco Contínuo e o Adufe. Sejam bem vindos.
A miséria do STJ - II


A outra decisão aberrante do Supremo reporta-se a um caso de acidente de automóvel, em que uma mulher de vinte anos, passageira do veículo, grávida de nove meses, perdeu o filho. O STJ negou a indemnização à mãe porque "No caso dos autos é impossível reconhecer ao filho da autora um direito à vida susceptível de ser indemnizado, uma vez que faleceu ainda antes de adquirir a qualidade de pessoa jurídica, não podendo, assim, ser titular de qualquer direito". Os doutos juízes, claro está, acharam que não estava ali uma pessoa (nem uma "víscera da sua mãe") mas uma criatura híbrida, sem direitos nem protecção alguma. Um mero objecto, portanto, fundado no Artigo 66º do Código Civil que estipula que a personalidade jurídica só se adquire "no nascimento completo e com vida". Acontece que a interpretação que fizeram é falsa ou apressada, uma vez que os nascituros têm alguns direitos, como por exemplo, os sucessórios.

Felizmente que algum bom senso permaneceu num dos magistrados, que votou vencido porque "A vida que se perdeu foi a de um ser do sexo masculino, no termo da sua gestação, já totalmente formado e saudável, prestes a deixar o ventre materno " (...) "Se, por força da gravidade das lesões, o concebido morre no ventre materno, não há lugar a indemnização; se, por lesões menos graves, resiste à morte e vem a nascer com vida, morrendo uma hora depois, já haverá lugar a indemnização – só por puro preconceito se pode justificar esta diferença de tratamento".


Conciso e directo, esta declaração mata por si só a imbecil decisão do colectivo. Decisão essa que além de revoltante, insensível e insultuosa, caso faça jurisprudência, terá efeitos aberrantes: é que permite que se possa abortar até ao nascimento da criança. Eis até onde foram as insensatas decisões do STJ: a possibilidade da prática do infanticídio apenas porque a criança ainda não saiu do ventre da mãe. A aberração de não perceber que se trata de alguém com vida, de um ser humano em toda a sua completude e personalidade única e irrepetível, é particularmente grave vinda daqueles que tinham a obrigação de aplicar a justiça de forma irrepreensível, tanto quanto possível.


Além do mais, acrescentaram esta pequena pérola: "numa sociedade pluralista, multicultural e constitucionalmente agnóstica", só esta tese pode prevalecer.

Em tal sociedade, sem princípios nem valores que não os convenientes, talvez. Será isso que significa o "pluralismo", assim incluído? Todos têm direito à sua opinião mas a lei pratica a neutralidade moral, guiando-se por formalidades sem procurar o seu sentido nem vincular-se a princípios naturais ou civilizacionais? E o "multicultural"? Mais consequências da mesma neutralidade, em que cada um fica na sua "cultura própria", podendo um mórmon casar-se com várias mulheres, um muçulmano matar a sua filha caso esta seja violada, um papua praticar livremente a pedofilia, etc. E uma criança morrer sem ver reconhecidos quaisquer direitos.

Por fim, a grande mentira, a sociedade "constitucionalmente agnóstica". A sociedade portuguesa, nunca é demais repetir, é esmagadoramente católica desde a fundação da nacionalidade. Faz parte dela, é um traço integrante, por muitos pruridos que isso cause às "minorias". A actual CRP não consagra o "estado agnóstico", no que seria a adopção de uma posição face às religiões, mas a separação face à Igreja - nomeadamente a católica - e a garantia da liberdade religiosa e da não discriminação. Ou seja, o estado é laico, não laicista. Nem poderia ser de outra forma, e aliás, nem mesmo a Constituição de 1911 defendia (formalmente) tal figura. Ora os juízes do STJ provavelmente estariam a pensar na Albânia pré-1990 ao referir-se à sociedade" constitucionalmente agnóstica". Nem a Constituição nem a sociedade são agnósticas, e se a primeira o fosse estaria a violar a liberdade religiosa, uma vez que se afirmaria que "a Constituição de República Portuguesa estabelece que é impossível à sociedade portuguesa provar a existência de Deus, dado que esta não tem provas que permitam aferir da sua existência ou não.” Curioso, como depois de defenderem a neutralidade moral do estado, os doutos magistrados fazem precisamente o contrário face às religiões.


Tanto esta decisão como a do post anterior nos mostram um conjunto de magistrados que, do alto da sua inamovilidade,"independência" face aos restantes poderes e imunidades várias, protegidos pelo seu corporativismo espesso, se esquecem da aplicação da justiça e da sensatez que a deve acompanhar. Os cidadãos procuram os tribunais e confiam nesta derradeira e mais elevada instância para defender os seus direitos, sejam eles materiais ou não. Ao negá-los, a justiça perde a sua utilidade. Estas duas decisões mostram como a cúpula da magistratura perdeu a sua orientação, deslumbrada pelo seu estatuto, ou simplesmente todos os princípios de uma sociedade decente, de que deveriam ser os guardiões. Quando se relativiza a violação de uma criança às mãos de alguém mais forte, ou se nega quaisquer direitos a um ser humano totalmente formado, esses princípios foram definitivamente deixados para trás. O que provoca medo. Afinal, a nossa justiça, individual e colectiva, está entregue, em último caso, aos humores e devaneios das misérias deste STJ.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

A miséria do STJ-I


Deixei passar algumas semanas sobre dois casos recentes, mas graves, e que tiveram pouquíssima divulgação. A sua actualidade e importância fazem com que não seja de forma alguma tarde para escrever sobre eles. Falo de duas decisões do Supremo Tribunal de Justiça, cada uma mais deplorável e revoltante que a outra. Atenção: trata-se da última instância da justiça portuguesa.

O primeiro é um Acordão de Outubro que passaria despercebido, não fossem curtas notícias em alguns jornais e um artigo de Inês Pedrosa, na revista Única do Expresso, exprimindo justamente a sua indignação. O STJ, com um voto de vencido, comutou os cinco anos de prisão efectiva de um violador para pena suspensa e o pagamento de 10 mil Euros de compensação. O violador era um Sargento da polícia militar, e a vítima uma miúda de 12 anos. Razões para a comutação? Não haver "preocupações de monta ao nível da reinserção social do arguido e que nada se pode apontar quanto ao seu comportamento anterior ao crime, ou posterior ao mesmo". Além do mais, parece que o violador "continua com o registo criminal limpo, mais de oito anos volvidos sobre os factos" e "está inserido familiarmente" e era "socialmente bem considerado.”. Além disso, “as necessidades de prevenção especial não se mostram, muito fortes, no caso". Culpas? Muito poucas. Ah, parece que "O seu comportamento foi altamente censurável e o recorrente não pode deixar de o interiorizar".


Isto não é uma piada de mau gosto: é uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça, e por isso transitada em julgado, que pese embora os factos estarem provados e o arguido não ter apresentado mostras de arrependimento (como se lê no Acordão), deixam-no ir pela "boa consideração social" e outras desculpas semelhantes. A violação de uma criança, que decerto lhe deixou traumas para toda a vida, não mereceu dos supremos juízes mais do que uma repreensão e uma compensação de uns milharzitos de Euros. Provavelmente o estatuto militar da criatura pesou no caso. O "respeitinho" contou mais do que a honra e a integridade física e a vida futura de uma pessoa que pela sua pouca idade, estaria certamente indefesa. Certo é que se a justiça se baixa perante estas tretas, não tem a menor utilidade. Não houve nem acção correctiva nem pena real para um criminoso sem arrependimento: aqueles que supostamente deveriam ser os magistrados mais sensíveis e conhecedores do Direito resolveram fazer uma interpretação literal e sem razão de ser do novo Código de Processo Penal e livrar o violador de mais trabalhos, pouco se importando com a vítima e deixando-a na vergonha e no seu trauma pessoal para toda a vida. Sabendo que o criminoso pouca admoestação teve pela justiça e que qualquer outro violador "respeitável" pouco terá com que se importar se repetir a afronta.
Ou este grupo de magistrados, excepção feita ao vencido, é demasiado incompetente e não merece a posição que ocupa, ou são competem no crime por inacção e merecem eles próprios ser punidos com as regras que se lhes aplicam. Qualquer das hipóteses seria grave num mero Julgado de Paz. No Supremo, são gritantes.

segunda-feira, dezembro 01, 2008

Gorky em Capri



Em 2003, nos seus Diários de Paris, Marcello Duarte Mathias escrevia o seguinte:



Folheando uma revista, dou com uma reportagem sobre a ilha de Capri abundantemente ilustrada por várias fotografias de épocas diferentes.
Numa delas, com data de 1908, vê-se Gorky a jogar xadrez com Lenine ao ar livre. A legenda diz: «Partida de xadrez entre dois revolucionários exilados.»
Um mínimo de informação, um naco de fantasia, e há aqui pano para mangas...


Um livro escreve-se sozinho, antes de sermos nós a escrevê-lo.


Ei-lo, saído há pouco do prelo:



Causa-me sempre alguma inveja ver pessoas que levam os seus pequenos projectos até ao fim e os concretizam.

quinta-feira, novembro 27, 2008

O massacre de Bombaim e o síndrome "Luisinha Carneiro"





Não sei o que hei de pensar: se na violência que grassa desde ontem em Bombaim (que é a palavra portuguesa, e não Mumbai) bem à vista dos olhos, se na indiferença da nossa blogoesfera. Ataques a hospitais, bombas, tiroteios, incêndios em hotéis, dezenas de mortos, centenas de feridos e um número indeterminado de reféns. Um hotel de cinco estrelas está a arder sem que se saiba quantas pessoas estão lá dentro. Um cenário de guerra e de pânico, que deveria colher reacções em toda a parte. Estranhamente, os blogues pouco falam do assunto.



Estou sem televisão e vejo o caso na Net ou nas capas dos jornais. Dá ideia que tudo isso se passa no planeta Marte, e não em Bombaim, a capital económica da índia, cidade com milhões de habitantes que já pertenceu aos portugueses. Lembro-me das reacções e do medo, bem justificado, aquando dos atentados em Madrid e Londres, e das repercussões que isso teve. Será o síndrome "Luisinha Carneiro", do famoso texto de Eça nas Cartas Familiares e Bilhetes de Paris, em que quanto mais longínqua está a desgraça mais indiferente se fica? Ou a ideia que não se diz mas muito sentem, inversa à da culpa do homem branco, que cada ocidental vale por dez ou vinte indígenas, e que não tem grande importância que morram porque "já há lá muitos"? Pois se assim é, fazem mal, fazem pessimamente. É que por acaso não faltam europeus e americanos ali pelo meio (consta que eram os visados), e morreu um eurodeputado húngaro. além disso, a Índia é uma semi super-potência emergente. Tendo Bombaim a importância que tem, os danos sociais e económicos tenderão a agravar-se, já para não falar em nova psicose associada a estes acontecimentos. E se isto acontece numa metrópole desta dimensão, pode muito bem vir a suceder à nossa porta. Que ninguém pense que isto é no outro mundo.

Chinese Democracy, ou o regresso oficial dos Guns



Ao fim de anos e anos de interrupções, cisões e demais problemas internos, os Guns N´Roses editaram o tão esperado novo álbum, Chinese Democracy, cujo título era conhecido há uns dez anos. Para quem não se lembra, os Guns (ou GN´R , em flagrante confusão com o nosso Grupo Novo Rock) foram das bandas com mais sucesso do início dos anos noventa, altura em que chegavam ao alto dos TOPs e enchiam estádios nos seus concertos, que não raras vezes envolviam pancadaria.

Entretanto, o líder, Axl Rose, trocou o tradicional lenço na cabeça por tranças e ficou com aspecto de viking envelhecido, o hirsuto guitarrista Slash, a quem se devia o som característico da banda através dos seus riffs, saiu com os restantes membros (formando os Velvet Revolver, uma espécie de Guns nº2), e teme-se o que possa ser o novo álbum. Os Guns pararam no tempo em que o Grunge dominava e os CDs explodiam nas lojas, Clinton chegava ao poder e Cavaco governava. Saber se Rose, só por si, e depois de tanto tempo, conseguiu fazer alguma coisa que se aproveite é um redonda dúvida. Sendo ele a imagem dos GN´R, calcula-se que a alma tenha ido para os Velvet Revolver - no fundo, também tem nome de armas. Certo, certo, é que dificilmente terão o êxito estrondoso de noventa e pouco, quando todos os adolescentes os trauteavam. Um mau envelhecimento ou a passagem para mitos vivos?

segunda-feira, novembro 24, 2008

O supermercado dos livros fechou


 
A Byblos de Lisboa fechou. Durou menos de um ano, o que é revelador do falhanço do negócio. O conceito de supermercado de livros, com cesto de compras, motor de busca e tudo, acabou por se revelar um passo maior que o pé. Fui lá duas ou três vezes, e na última, há pouco tempo, só consegui encontrar um livro da meia dúzia que procurava. Provavelmente já antecipavam o encerramento e escusaram-se a trazer novas remessas.


 
Não sei qual a causa do flop de um negócio que eventualmente teria pernas para andar, com o aumento do consumo de livros em Portugal. Talvez afinal esse aumento não seja tão acentuado como se pensa, ou, como já ouvi, a localização do espaço, às Amoreiras, numa zona de escassa passagem pedonal, não fosse o melhor. Seja como for, a ideia não pegou. Assim sendo, aumenta a indefinição sobre o futuro do ex-Shopping Clérigos, no Porto. O espaço está há já uns tempos fechado (como a bem dizer sempre esteve, com aqueles muros de betão a rodeá-lo), mas a ideia de revitalização passava pela instalação de uma Byblos. Agora, volta tudo à estaca zero. Terá de se pensar numa nova solução para o local. Quem ganha com isto são as FNACs, que se espalham rapidamente, as Bertrands ou as Leitura/Bulhosa. E a Lello, que para já evita uma rival demasiado forte mesmo à sua frente.

sexta-feira, novembro 21, 2008

Afinal, a Lei é demasiado moderada
Estive, como escrevi várias vezes neste blogue, contra a Lei do Tabaco, que entrou em vigor este ano. Acho uma norma desquilibrada e autoritária, que não dá aos estabelecimentos o direito de permitirem fumo ou não, e que parte de uma moda instituída, o dever de ser saudável. Além de que ver gente a fumar à porta em toda a parte é uma imagem deprimente.

Pois bem, essa lei, que nos garantiram ser tão "moderada", arrisca-se a ser também ela suplantada. Segundo aqui se diz, um grupo de "especialistas" de Braga propôs à DGS (curiosa sigla) a proibição total de fumo em qualquer espaço fechado e o fim de qualquer excepção. Sim, fumar em espaços interiores que não as casas particulares passará a ser uma memória caso os nossos legisladores acatem esta ideia. O Dr. Francisco George acha que a actual lei está bem como está, mas depois de ver os seus argumentos e as suas prestações, não sei se se descairá. Ainda por cima, alguns burocratas da UE querem propôr o mesmo a toda o território comunitário, não atendendo sequer às legislações díspares, que vão dos mais flexíveis (Espanha e Áustria, por exemplo) aos mais restritivos (Reino Unido ou Itália). Começa a haver precedentes pouco auspiciosos: em Nápoles há parques onde não se pode fumar, e nos EUA a proibição estende-se a certos condomínios habitacionais. E a razão para quererem implementar novas proibições em Portugal? Os sistemas de ventilação "não são totalmente eficazes". Isso não devia ser novidade, mas para os Senhores da Saúde, 99% de eficácia já são suficientes para que a nossa nova polícia de costumes, a.k.a. ASAE, tenha tarefas mais abrangentes, mesmo que não se sinta ponta de tabaco. O mesmo se diga para os que, mesmo com a actual lei, se continuam a queixar de que "estão fartos que lhes atirem o fumo para a cara". É algo improvável, actualmente, a não ser se for feito de propósito, mas há quem nunca esteja satisfeito. Aliás, é um queixume que surgiu há poucos anos, quando apareceu a moda antitabagista. Passa-se o mesmo com qualquer mania que vem "lá de fora" e é "moderna".
Enquanto isso, as cidades continuam poluídas e as nossas avenidas rebentam de dióxido de carbono. Mas isso não apoquenta os censores do fumo. Na Jihad pela saúde, o tabaco é o maior crime e os fumadores meros criminosos. Já a a indústria automóvel, se tem de temer a crise, bem pode fica sossegada quanto à DGS.
O que eu não percebo mesmo é porque é que não se proíbe o fumo definitivamente e se se deixa de hipocrisias. Se querem restringir a sério, façam isso e deixem-se de restrições meramente progressivas. Isso é que era de homem. Mesmo que não tivessem razão com a sua "lei pura".

sexta-feira, novembro 14, 2008

Lisboa - o caso do terminal
Nos dois últimos anos, tenho passado mais tempo em Lisboa do que no Porto. Doravante, passarei a escrever mais posts especificamente sobre a capital.
Começo pela polémica do projecto Nova Alcântara. Só por piada é que se nega que a concessão do projectado terminal de contentores à Liscont, recentemente adquirida pela Mota Engil, sem concurso público é mais do que suspeita. Pior do que isso, quando se aprova um Decreto-Lei permitindo que a empresa a quem se entrega a concessão até 2042(1) não pague qualquer taxa pelo arrendamento à Administração do Porto de Lisboa. Mas pior, pior, é ver o ministro Mário Lino todo contente a gabar o negócio e a dizer que nem sequer vai haver derrapagens orçamentais do processo (só se for um projecto único em Portugal), com o acenar de cabeça de António Costa.
Nem é tanto pela vista para o rio, os espaços ocupados, etc. Como muito bem no-lo lembram, Lisboa é antes de mais uma cidade portuária, antes de ser uma cidade para turista ver (e para isso tem os very tipical Bairro Alto e de Alfama). Mas Lisboa não é apenas um porto na embocadura do Tejo, pertence aos seus habitantes, e ao país, como principal cidade, e a sua frente ribeirinha está quase totalmente ocupada pelas instalações portuárias. Por muito que queiram tecer comparações, Lisboa não é Hamburgo nem Roterdão. Tem outras funções que essas cidades não têm, como por exemplo, ser a capital de Portugal e a sede dos seus orgãos de soberania.
As companhias de navegação podem fugir para Valência caso a obra não vá para a frente? Mas então não há mais espaços? Setúbal, uns quilómetros abaixo? No Tejo há ainda outros locais, como a Siderurgia Nacional, entre o Seixal e o Barreiro, um largo espaço agora com pouca actividade (e sei do que falo porque estudei o PDM do Seixal nos últimos dias), como um blogue de que lamentavelmente não me lembro escreveu. Mas parece que só Alcântara é que serve. Santa Apolónia, em contrapartida, é o futuro ponto de atracagem de paquetes. Opções...
Muitas vozes recordam-nos, e bem, o único verdadeiro porto de águas profundas português: Sines. Tão desaproveitado, depois de ser alvo de tantos projectos rodoviários, ferroviários, petrolíferos, deixa agora de ser opção porque fica mais longe de Lisboa e "era preciso andar para cima ou para baixo". Um argumento tipicamente centralista, em que tudo tem de ficar centralizado nas mesmas limitações municipais, e nem um metro para fora. Podiam aproveitar para criar uma maior pólo portuário e comercial na costa alentejana, mas parece que tinham de andar muito, pobres criaturas. As mercadorias têm de ficar em Lisboa e nem um distrito mais longe. No fundo, vem na linha das opções territoriais mais que discutíveis que todos os governos têm tomado há décadas. E o mesmo se diga para os estivadores que clamam por trabalho: é assim tão danoso trabalhar em Sines ou em Setúbal, um ambiente em que a maioria se reconhecerá? Se querem mesmo trabalho, porque não? Milhares de pessoas são obrigadas a ir para a Grande Lisboa por razões laborais, sem verdadeiramente o desejarem, por isso, o inverso também se aplica.
O que incomoda, para além da precipitação óbvia e dos riscos estéticos, é mesmo a falta de transparência com que o negócio está a ser feito. A forma como Mário Lino trata quem se interroga sobre o projecto e os seus riscos tem a mesma pesporrência da caso da OTA e do patético "jamais". Infelizmente, tudo indica que já se acelerou o plano para que não haja tempo de pronunciar novos "jamais". Seriam furos demais para um só ministro.
Apesar disto tudo, acho que este caso tem sobretudo âmbito local e não devia ser objecto de um programa como o Prós e Contras.

quarta-feira, novembro 12, 2008

Os Oasis de sempre


Depois de terem comparado o novo álbum dos Oasis à música dos Radiohead, Noel Gallagher recusou-a, argumentando com uma pergunta: "os Radiohead não fazem o mesmo disco desde Kid A"? Esse álbum, para os que se recordem bem, data de 2000. E até dou razão ao mais velho dos irmãos Gallagher. O problema é que os Oasis já lançam o mesmo disco desde Be Here Now, de 1997, e até repetem os singles (All Around the World e Go Let It Out são basicamente a mesma coisa, com videoclips diferentes), à excepção de umas derivações Hare Krishna, inspiradas por John Lennon ou pelos Kula Shaker . Só mesmo Noel, mais Liam, o seu irmão de voz fanhosa convencido de que é o quinto Beatle, e o milhão de ingleses que os idolatra à histeria, é que não se aperceberam disso.
Há noventa anos e um dia - a guerra segue dentro de anos
A Guerra que acabou há noventa anos e um dia será apenas de parcial comemoração. Em França, o dia nunca é esquecido, tendo em conta o sofrimento por que passou o país, (muito mais do que na Segunda Guerra), cuja parte Norte ficou literalmente em terra queimada pela metralha, pelo gás, pelas hediondas trincheiras. Acabava-se enfim a matança colectiva da juventude europeia, de todos os desgraçados arrebanhados e postos com um capacete militar e uma espingarda nas mãos, e o "suicídio da Europa", como lhe chamou Bento XV. Acabava esse conflito apenas para estabelecer um intervalo de anos entre a segunda parte da suicídio, ainda mais atroz, desta feita para os civis, em especial os que não eram dos povos "certos". A política de humilhação dos vencidos, com o irresponsável desmembramento do Império Austro-Húngaro, as crises económicas e financeiras e a ascensão das revoluções a isso conduziriam o continente já martirizado. Como marco palpável de ligação entre duas catástrofes ficou a mesma carruagem em que na manhã de dia 11 de Novembro de 1918 se assinou o Armísticio, e onde em 1940, e por expressa imposição de Hitler, a França negociaria a sua rendição perante a Alemanha e Itália.

segunda-feira, novembro 10, 2008

Outro aventureiro: Thesiger


Falando em aventureiros árabes, há que relembrar igualmente Wilfred Thesiger, esse incansável caminhante dos desertos, que morreu há escassos cinco anos. Se tivesse ido mais além faria inveja a Corto Maltese. Deixou-nos as suas memórias dessas expedições no livro Pelos Desertos das Arábias (Arabian Sands), em Portugal publicado na Europa-América.

Recordando Sir John Bagot Glubb, comandante da Legião Árabe
A recordar este autêntico aventureiro das Arábias, Glubb Pasha, faço apenas um pequeno acrescento: a sua demissão deu origem a um mal entendido entre Nasser e Anthony Eden, e à fúria do Primeiro-ministro britânico, o que avolumou as tensões que levaram à crise do Suez, em 1956. Pensa-se também que em caso de ataque israelita à Jordânia, as tropas inglesas (e a Legião Árabe) não actuariam, seguindo ordens do próprio Glubb. Uma exoneração ainda com muitas interrogações por parte do Rei Hussein, mas que nem assim quebrou a amizade entre os dois homens.

domingo, novembro 09, 2008

A Liga e a crise


Segundo todos os testemunhos, a angariação de fundos para a Liga Portuguesa contra o Cancro, através de pequenos donativos, este ano, foi confrangedora. Tirando os exageros que há sempre a falar de "crise", fica-se a pensar se serão efeitos da verdadeira crise económica e financeira que a (quase) todos afecta ou se se tratará de puro egoísmo. Andei vários anos na rua de lata a tiracolo a pedir contribuições e vi um pouco de tudo, desde aqueles que davam tudo o que tinham aos que se desviavam descaradamente (por vezes com uma ostentação revoltante) ou respondiam de forma agressiva e mal educada. Custa-me a crer que as coisas tenham resvalado tão vetiginosamente para a indiferença. Creio antes de mais que o egoísmo não será maior do que aquele que se verificava em anos anteriores. Não, o que fala mais alto é a desconfiança, o medo, mesmo a escassez e as poupanças que emagrecem. Também na diminuição de donativos para as causas mais importantes podemos ver o dedo da crise.
E ainda uma questão no seguimento das eleições americanas

Pergunto-me o que será feito desta rapaziada? Constou-me que andavam um pouco inactivos. Talvez moribundos, mesmo.

sexta-feira, novembro 07, 2008

Ainda as eleições americanas
O top 3 de reacções à vitória de Barack Obama:
- "É um momento histórico na luta pelos Direitos Civis ver um afro-americano chegar à Casa Branca"
- "Aqueles que apoiaram Obama vão ficar muito desiludidos daqui a meses"
-"Os americanos deram uma lição de democracia aos arrogantes dos Europeus"
- "Tudo o que Obama fizer de errado vai ser desculpabilizado por aqueles que o vêm como um santo"
-Aquela Palin é péssima! Se não fosse ela o McCain tinha ganho".

quarta-feira, novembro 05, 2008

Yes, He could!



Ainda não vi as capas dos jornais, mas esta deve ser a frase mais relembrada hoje. Barack Obama ganhou mesmo as Presidenciais americanas e torna-se o primeiro Presidente com alguma cor a subir à Casa Branca (sendo aliás um verdadeiro "afro-americano" tendo em conta a herança paterna), e um dos mais jovens. As esperanças ilimitadas no candidato tenderão a cair ao longo do mandato, com o duro despertar para a realidade. Com problemas terríveis no Médio Oriente e uma crise económica assaz grave, ver-se-à agora do que é capaz o novo eleito.


É extraordinário ver como Presidente um homem que há escassos quatro anos chegava a Senador pelo Illinois, sendo considerado a grande esperança dos democratas para as presidenciais...de 2012. E que há apenas um ano não passava do candidato jovem mas inexperiente que dava luta à já anunciada candidata e provável vencedora, Hillary Clinton. A esperança tornou-se mesmo no tónico que o transportou em alucinante ascensão aos céus. A questão da cor nos Estados Unidos está definitivamente ultrapassada, mas talvez tenha mais importância no exterior do que a meramente simbólica, como já se pôde perceber, por exemplo, por declarações de Chavez: a imagem institucional dos EUA pode disso aproveitar-se e recuperar as simpatias que perdeu clamorosamente no pós-11 de Setembro. Assim saiba Obama mantê-las como Bush as perdeu. Bush, esse nome de que alguns se lembram hoje, o rosto de uma das piores administrações do último século e que nos meses que restam ainda pode cometer disparates. Que se deixe ficar sossegado a aquecer o lugar para o próximo, e que esse próximo consiga ao menos não desiludir.
Uma palavra para John McCain: foi um candidato honesto e esforçado, que tentou ao máximo desligar-se do Presidente cessante, nem sempre com sucesso. Cometeu alguns erros, como a escolha da inefável "Miss Alasca". Ainda assim, não me parece que saia completamente queimado. Mais culpados desta derrota serão outras figuras do Partido Republicano, além de todos os factores económicos e sociais sobejamente conhecidos.

segunda-feira, novembro 03, 2008

Um apoio dos diabos

No meio da lista de honra de apoiantes de John McCain, salta-me à vista, entre alguns ilustres figuras, o nome de Marilyn Manson. Que fará ali o músico de rock industrial satânico? Trará as forças infernais para auxílio do candidato republicano, numa estranha aliança contra-natura? Terão Palin e os guardiões da moral evangélica aceitado esse apoio de bom grado? Eu ainda não ouvi nenhuma polémica sobre isso, portanto deduzo pela afirmativa, embora continue à espera da aprovação de André Pessoa. Não há é dúvida nenhuma de que essa inclusão na lista é um apoio dos diabos.*

* A piada já não é nova e apareceu numa antiga Grande Reportagem

domingo, novembro 02, 2008

"Um ambiente de terrível hostilidade"
Tenho seguido a campanha eleitoral com moderado interesse, embora ele tenda a subir nestes últimos dias, e não com fervorosa curiosidade ou constante busca de novas notícias ou sondagens via net ou televisão. Dentro daqueles que lhe dedicaram maior atenção, destaca-se O Cachimbo de Magritte, talvez o melhor blogue de pensamento pró-conservador que temos disponível. Habituado à qualidade das discussões e da fundamentação das ideias que aí se defendem, tenho estranhado o tom acintoso e demagógico com que alguns novos escribas têm abordado a dita campanha.


Já se tornou quase moda criticar os posts de André Pessoa, mas a verdade é que eles traduzem o que de mais faccioso e exacerbado existe nos redneck portugueses. Desde a colecção de posts sobre " do ódio", até às acusações de que "Obama é a negação da democracia", passando pela "denúncia" de supostas gaffes do candidato que se prova não o serem, mostra-nos que há mais admiradores de Ann Coulter a escrever em português do que eu julgava. Depois, há os inevitáveis comentários, em que alguns anónimos completam a mesma toada com comparações da campanha de Obama com a de Salvador Allende, e até com Hitler (!), afirmações de que o "obamismo" é uma traição à América que só pode ser impedida pela "grande mulher" Sarah Palin, e ainda com acusações de que haverá votos comprados. Desaparecido há alguns dias, o incrível André Pessoa (bastas vezes secundado por Nuno Lobo) brinda-nos no seu último post sobre o assunto com a fantástica ideia que Andrew Sullivan, um dos mais conhecidos bloggers conservadores dos EUA, representa "a loucura da esquerda americana". E mais abaixo deixa-nos outra pérola: "se apoiantes de McCain inventam ataques e precisamente porque o ambiente e de terrivel hostilidade". Estão justificadas todas as invenções possíveis e imaginárias: "um ambiente de terrível hostilidade". Decerto que os comícios onde Sarah Palin acusa Obama de terrorismo e logo surgem alguns apaniguados a gritar "mata", além daqueles que acham que o democrata nem sequer é americano, e que os simples nomes Obama e Hussein o tornam logo num perigoso islamista, não cabem no conceito de hostilidade de Pessoa. Pelo contrário, são plenamente justificadas. O que eu gostava de saber é se algumas invenções da campanha de Bush contra McCain nas primárias de há oito anos também tiveram lugar num "ambiente de terrível hostilidade".

A única coisa que se conclui é que todo este desespero perante a derrota provável (mas não certa) do candidato do partido que levou os Estados Unidos ao atoleiro nos últimos anos revela, parafraseando o notável André Pessoa, a loucura de alguma direita portuguesa.

quinta-feira, outubro 30, 2008


Apologia do francês como língua



Leio a primeira parte deste post e não posso conter o desacordo. É certo que o francês é uma sombra do que era. Na Indochina, poucos são os mais novos que o falam, no Pacífico restringe-se aos "departamentos ultramarinos", na América do Sul contenta-se com a Guiana. Mas ainda é língua de peso na Europa, onde mais a Leste a francofonia tem autoridade, em África, especialmente no Magrebe, e no Quebec. Além do mais, o "soçobrar como língua literária" parece-me exagerado. Para quem pensava isso, eis o Nobel distinguindo Le Clezio. E depois, um idioma que tanto contribuiu para a literatura universal não perde a sua grandeza de um século para o outro. As farsas de Rabelais, os dramas de Corneille, as comédias de Moliére, os ensaios de Montaigne, os pensamentos de Montesquieu e Voltaire, o romantismo de Hugo e Lamartine, o realismo de Zola e de Sthendal, as aventuras dos Dumas, as novelas de Daudet, o universo de Proust, a experiência de vida de Malraux, o existencialismo de Camus e Sartre, tudo isso é matéria sem a qual a Europa e o Mundo não seriam o que são hoje.

É precisamente a "industrialização da cultura" que torna o francês mais rarefeito. Ligado a uma certa ideia de elegância e de allure, nega-se hoje em dia essa língua por não vir acompanhada da desenvoltura fácil do bad english ou do espanhol atamancado, para não falar do "spanglish". À parte epifenómenos culturais como a FNAC, que não exigem qualquer fidelidade linguística, o francês dá-se mal com a massificação e permanece um esteio de selectividade cultural.

Ainda assim, não creio que o francês como língua, assim como referência cultural, esteja enterrado fora de França. Poderá ser a influência que tive desde tenra idade (e que me levou a falar francês antes do inglês) a ditar-me esta ideia, mas há pontas para se lhe pegar. Com a influência da Francofonia em África, será uma língua a tomar em conta a médio prazo. Da mesma forma, com um certo empobrecimento do inglês, tomará o seu lugar dominante na Europa, até pela importância que tem em países como a Roménia. Não será certamente uma língua universal, mas estará acima de toda a subestimação de que tem vindo a ser alvo de há umas décadas para cá, para gáudio sobretudo de anglo-saxónicos militantes, que fora da cultura dominante e do idioma aprendido em versão americana em frente à TV, pouco sabem.

segunda-feira, outubro 27, 2008

E a Vitória não fugiu
Tinha acabado de levantar o bilhete para o jogo que já ia começar e eis que senão vejo um conjunto de pessoas a apontar para um ponto acima das suas cabeças. Surpresa. a águia Vitória não fizera o voo do costume e tinha-se escapulido para fora do estádio. Pairava ao lado dos prédios vizinhos da Luz e por baixo de viadutos sob vias rápidas. Calculo o atarantamento da pobre ave. Mas vi logo um mau prenúncio naquela fuga da Vitória. Que na primeira parte do jogo parecia que se ia materializar.
Um SMS chegado ao intervalo afirmava que o bicho já tinha sido recolhido. Parecia um episódio insólito, uma águia voando perdida em plena cidade (mas não inédito: um tio meu, especialista em aves de rapina no Parque Nacional da Peneda Gerês, teve uma durante muito tempo, até que o passarão escapou pelos céus do Porto, e nunca mais ninguém o viu). Certo é que depois disso se completou o feliz desenlace: o Benfica ganhou mesmo à bem estruturada Naval, embora sofridamente, e chegou-se à frente da tabela classificativa, ultrapassando o Porto, vítima do Leixões de José Mota.
Adivinham-se os títulos dos jornais desportivos daqui a umas horas: "Benfica agarra Vitória", ou "Vitória afinal não escapou", ou também "Fuga da Vitória não tira os três pontos". Aposto que um destes pelo menos vai surgir nos escaparates.

sexta-feira, outubro 24, 2008

A leitura das regionais
As eleições regionais dos Açores não trouxeram grandes novidades de monta. Houve-as, mas a um plano insusceptível de mudar o rumo de governação do arquipélago, como a demissão de Costa Neves e novas entradas na Assembleia Regional. O que me deixa mais expectante são as previsões que daí resultaram. Disse Sócrates que estes resultados marcam "um novo ciclo eleitoral". É aí que residem as minhas dúvidas. Semelhantes interrogações passaram por aqui.
O PS renovou a maioria absoluta sem espinhas, mas caiu uns pontos e perdeu um deputado. O PSD é o grande derrotado: sem a máscara de uma coligação, teve o seu pior resultado de sempre, o que custou a cabeça ao seu líder. Longe vão os tempos em que Mota Amaral obtinha pujantes maiorias sem grande esforço.
Dessas descidas resultou uma polarização de votos e uma balcanização de mandatos que terá poucas consequências visto o PS possuir uma maioria suficiente. Mas os restantes partidos podem dar-se por satisfeitos: o CDS/PP cresceu inequivocamente e ficou perto dos 10%, o BE estreia-se em terras onde não goza de grande popularidade, a CDU regressa à Assembleia de onde tinha saído em 2004, e o PPM ficou em segundo lugar no corvo e ganhou também um mandato.
Se um novo ciclo eleitoral está lançado, isso pode ter diversas leituras. Uma delas, contrariamente à que o Primeiro Ministro pretende fazer passar, é que o PS perderá votos e provavelmente a maioria absoluta no próximo ano; que o PSD não recuperará do desaire de 2005; que o Bloco crescerá ou estabilizará, tal como a CDU; e que o PP, mais uma vez, resistirá à hecatombe anunciada. O PPM foge a estas ideias, não se sabendo ainda como concorrerá. Isto é o que se pode retirar da vitória de César e outros resultados, e que implicaria uma futura AR ingovernável. No entanto, é bom lembrar que os Açores não são o barómetro do país. E que o nome lançado para candidato do PSD à câmara de Lisboa, Santana Lopes (esse gato da política), era o chefe de governo onde se incluía...Costa Neves.
conclusões? Poucas. Estas eleições foram regionais e assim deveriam ser tomadas. Até porque quando César se retirar, todo este cenário se desconjuntará.

quinta-feira, outubro 23, 2008

A estreia num cenário mítico

Amanhã o Benfica terá o supremo privilégio de jogar no Olímpico de Berlim. Sim, o mesmo que albergou os Jogos de 1936, nos quais Hitler levantou-se furibundo para não premiar Jesse Owens, e onde setenta anos mais tarde, Zidane aplicou a Materazzi a mais famosa cabeçada de sempre dos Mundiais de Futebol, hipotecando o título do Mundo no último jogo da sua carreira. O mesmo que já lavou a face várias vezes, mas que nunca perdeu as suas características primordiais. De 1998, quando o visitei, até 2006, o mítico recinto levou uma cobertura e novas cadeiras, mas nem por isso perdeu a sua beleza nem a sua majestade.


É verdade que o SLB já esteve na maioria dos grandes estádios mundiais, mas há sempre novas visitas a registar. Este ano, depois do San Paolo, de Nápoles, seguiu-se o grandioso anfiteatro alemão, em confronto contra o Hertha local (outra estreia). Esperemos que o resultado seja a condizer e que haja algum decoro depois da paupérrima partida contra o Penafiel. Respeito, pede-se. E o recinto do jogo merece-o.

terça-feira, outubro 21, 2008

Jorg Haider



Pedem-me mais atrás para falar em Jorg Haider, desaparecido num acidente de automóvel há uns dias pouco tempo depois dos resultados de peso obtidos pelo seu partido nas legislativas austríacas. Seja.


Estive a poucos metros (e creio que o vi fugidiamente) do líder populista austríaco um ano e tal depois dos surpreendentes resultados que levaram o seu FPOe ao governo do país. Estava-se em véspera de eleições municipais e Haider deslocou-se da sua Caríntia até à imperial Viena para fazer um comício. Como por esses dias estava na capital austríaca, e movido pela curiosidade de ver tal ajuntamento, resolvi, com uns amigos, ir até ao evento, que se dava no Prater. Mal informados da sua localização, chegámos já no fim, quando a multidão começava a dispersar sob a chuva misturada com neve. Uma pouca sorte, mas deu para ver que não faltavam simpatizantes do movimento. Escusado será dizer que não havia muitas faces que não andassem pelo tipo germânico.
Nessa altura, o FPOe partilhava o governo como o OVP, conservador, depois da enorme votação nas legislativas de 1999. Como se sabe, o resultado provocou frisson na UE, na altura sob presidência portuguesa, que de imediato estabeleceu sanções à Áustria. De nada adiantaram, mas também nada digno de nota sucedeu em Viena. E em 2002, em novas eleições, o FPOe dava uma enorme queda eleitoral e saía do governo.

Haider, o rosto de toda essa história, não chegou a encabeçar o executivo. Já estava à frente do FPOe desde 1986 e tinha-o guindado de partido folclórico e pouco expressivo até à casa dos vinte por cento. Preferiu ficar como Governador da sua Caríntia, no sul do país, acima da eslovénia. Aliás, uma das polémicas em que Haider se viu envolvido foi exactamente a proibição do uso do esloveno a nível oficial, contrarinado as instâncias judiciais austríacas, que decidiram que a região tinha mesmo outra língua a par do alemão.
Outra polémica aconteceu quando visitou Saddam Hussein, no Iraque, mostrando-lhe a sua solidariedade quando já se antevia a invasão daquele país. A provocação não deixou os Estados Unidos indiferentes, mas Haider respondeu dizendo inclusivamente que Bush era um criminoso que devia ser julgado em tribunal internacional.
Depois, claro, as célebres alusões ao Nacional Socialismo em tom condescendente e até elogioso, e ainda as suas ideias anti-emigração e anti-Islão. As reuniões com velhos elementos ds SS, essas "pessoas decentes", como lhes chamou, foram o corolário disso mesmo.


Lutas internas fizeram com que abandonasse o seu partido de sempre e formasse outro movimento, o BZOe, com a mesmíssima ideologia. Assim, coexistiam dois partidos com as mesmas ideias populistas e xenófobas, separados apenas por questões pessoais.


A morte de Haider levou logo muitos a falar de "atentado" e "sabotagem". Mas quem se estampou a 14o à hora com 1,8 de álcool no sangue não precisaria certamente de intervenção de outrém para se matar. Este desaparecimento, como alguns dizem, poderá ter esbatido as más relações entre os dois movimentos idênticos desavindos e poderá juntá-los no futuro, sobretudo agora, quando em conjunto obtiveram 28% dos votos nas últimas legislativas, o que até poderá levar a uma coligação contra natura com os socialistas do SPO.


Apesar de todas as suas ideias duvidosas ou até execráveis, não me parece que Haider fosse o monstro que muitos diziam ser. Não expulsou emigrantes em massa, não formou pelotões de execução, nem construiu campos de concentração. A morte dele (que se diria um desastre nacional ao ver todo o aparato e as palavras de pesar da classe política austríaca) não me deixa particularmente trise nem aos saltos. Mas pode ter reunido de novo a direita mais radical da Áustria e servir de exemplo a outros países, passando a ser considerado quase um mártir (ou um aviso aos condutores para não beberem). Se assim for, não haja dúvida de que era preferível que estivesse vivo.
Um silêncio ensurdecedor
Ouve-se em blogues, revistas e cartas aos jornais que o escândalo da atribuição de casas por valores irrisórios, pela CM de Lisboa, a uma quantidade de gente da confiança dos seus responsáveis, está "envolvida em silêncio", ou "é um caso de que ninguém fala". Essas mesmas críticas encarregam-se de demonstrar precisamente o contrário. Aliás, não houve orgão de comunicação social ou blogue que não tivesse falado no assunto (este blogue é uma excepção, reconheço), exemplificando beneficiários, apontando o dedo a alguns "culpados" e bramindo contra o "estado das coisas". Só gostava de saber o que mais queriam. Os responsáveis atirados para as masmorras? Autos de Fé para quem ocupou aquelas casas? O caso merece atenção e diivulgação e revela bem o espírito de compadrio e o sistema de cunhas existente na nossa sociedade, mormente nas autarquias. Mas tenhamos um pouco mais de bom senso: não há aqui homicídios ou violações. Denunciemos o que há a denunciar sem fazer disto um caso de proporções inimagináveis. E acima de tudo, não se use o "ninguém fala" precisamente quando todos falam. Para que a indignção não ande sempre a par do ridículo.

quarta-feira, outubro 15, 2008

Sugestão

Quem estiver em Lisboa, tiver tempo e não lhe apetecer ver o Portugal-albânia desde o início pode sempre aproveitar para ir à Cinemateca, às 19.00 horas, para ver Absence of Malice/A Calúnia, no ciclo de homenagem ao recentemente desaparecido Sidney Pollack. Como o filme é protagonizado por Paul Newman, acaba por ser uma dupla homenagem.

O desvario Republicano


Já que estou numa de criticar Republicanos, aproveito para virar baterias para o outro lado do Atlântico. Ainda não tinha escrito nada acerca do acontecimento maior da estação, as eleições presidenciais americanas que se avizinham. A campanha está ao rubro, e só não se ouve falar mais por causa da crise financeira que nos assola (e que também está no centro do debate pré-eleitoral).

Se Barack Obama já era um candidato com quem simpatizava, desde a sua eleição para Senador do Ilinois, aliás, na fatídica noite de recondução de W. Bush ao poder, agora ainda desejo mais a sua escolha. Não só porque parece trazer um sopro de confiança aos EUA e ao mundo, porque é ambicioso e sabe bem o terreno que pisa (além de ter votado contra a invasão do Iraque), mas também por razões negativas. john McCain é um candidato respeitável, e pena é que os Republicanos não tenham apostado nele há oito anos. Mas a criatura que escolheu para sua-vice provoca calafrios. Não pelas suas posições morais ou conservadoras, totalmente legítimas e de acordo com os valores de grande parte dos americanos. Mas a impreparação, a avacuidade e a ignorÂncia da srª Sarah Palin, que precisa de cábulas e de "cursos intensivos" de relações internacionais em cavaqueira com alguns "líderes mundiais", jamais a recomendariam para semelhante cargo. Acresce que a senhora, que provocou uma orgia nacionalista na sua aparição na Convenção Republicana, surge agora com truques baixos, acusando Obama de ser "amigo de terroristas". Essa conversa de sarjeta tem barbas, mas como demonstra o Herdeiro de Aécio, terroristas podem ter diversas ideologias e motivações, e vir até de uma área política próxima da de Palin. Esperemos é que o tiro saia pela culatra da espingarda da calúnia desta louca, que como não podia deixar de ser promove entusiasticamente o excepcionalismo americano e quer que a Geórgia adira à NATO propositadamente para afrontar a Rússia.



O que admira é que alguns conservadores da nossa praça a elogiem e a defendam, ou porque é "mulher", "sabe caçar e pescar" (qualidades indispensáveis para o exercício do cargo), ou ainda por causa dos ataques dos "esquerdistas" e "progressistas". Ora até se admite que alguns desses ataques sejam injustos e despropositados; mas também me parece que quem a defende o faz mais para confrontar e aborrecer a esquerda e menos por realmente se reconhecer nela. É a tal boutade de direita" de que falava Pedro Mexia, tal como aconteceu em grande parte na discussão sobre a invasão do Iraque, e cujas consequências ainda se arrastam. Mais vontade de contrariar, em suma, do que real convicção. Um birra que se pegada aos americanos teria sérios efeitos. Mas acredito que o eleitorado não repita o erro de há quatro anos. Assim o espero, se a obtusidade não dominar. Definitivamente, Palin só mesmo Michael.



Ainda outra coisa: eu farto-me de ouvir dizer que a senhora é "uma brasa", ou "uma lasca" e outros epítetos mais adequados a Deusas do Olimpo. Tudo porque chegou a Dama de Honor num concurso dos anos oitenta para Miss Alasca. Ainda se tratasse de uma Timoshenko, ou de uma Segoléne, ainda concordaria. Está tudo doido, ou só eu é que a acho uma mulher absolutamente vulgar?

domingo, outubro 12, 2008

Dia chato

De manhã, carta a anunciar recusa de emprego. Depois, notícia de que os fundos de investimento retirados há dias para a conta à ordem desceram ainda mais do que se esperava (mais do que o dia da ordem de venda). À tarde, confusões bancárias e saldo negativo na conta, o que durante meia hora espalhou o desnorte no cérebro até o erro estar resolvido e conseguir enfim comprar o bilhete de comboio para o Porto (a uma Sexta à tarde e com 2 Euros no bolso, acreditem que é desagradável). Finalmente, no Intercidades a abarrotar, sentado num daqueles bancos virados para o de trás, sem mesa ou qualquer objecto a dividir os passageiros, ouço o anúncio de que o serviço de bar "está suspenso". Três horas com fome e sede sem sair do lugar custam, mas já agora, e tendo em conta outros problemas ferroviários, ouso perguntar aos senhores da CP: não se justifica uma ligeira descida dos preços como compensação à falta de serviços básicos? Ou andarão a poupar para a futura alta velocidade?

Toponímia republicana



Dizem as regras da toponímia que se devem conservar os nomes tradicionais dos arruamentos, mormente se consagram uma recordação importante, como a do nome do local que existia nesse espaço numa época passada. Não se deve mudar em prol de um acontecimento ou figura de existência recente, excepto se já houver outra artéria ao lado com o mesmo nome, uma travessa ou um beco, por exemplo.
Essas regras nem sempre foram seguidas em Portugal, como se sabe. Normalmente eram quebradas pelos vários regimes políticos que se quiseram perpetuar no tempo e na memória. Caso exemplificativo é o do amplo terreiro à frente do Mosteiro de Alcobaça, que se chamou Praça Oliveira Salazar no Estado Novo e se chama hoje Praça 25 de Abril. Antes disso, era simplesmente o Rossio. Aliás, o mais conhecido espaço com esse nome, em Lisboa, também mudou oficialmente nos anos setenta, passando a constar das missivas e mapas urbanos como Praça D. Pedro IV. Por sua vez, o Rei-Soldado, que dava nome à antiga Praça Nova do Porto, o largo central da cidade oitocentista, perdeu o nome para Praça da Liberdade, sendo que temos hoje o absurdo de não haver na cidade qualquer artéria com o nome de D. Pedro IV, que até deixou o seu coração na Igreja da Lapa, em agradecimento à cidade que o acolheu durante as Guerras Liberais.



No processo de modificação do nome das ruas, nenhum regime se mostrou tão activo como a 1ª República. Por toda a parte os nomes foram alterados ao saber dos novos donos do país, e velhas ruas e praças das principais localidades viram-se renomeadas com nomes outubristas. Surgiram assim as novas artérias da república, de cinco de Outubro, ou dos "heróis" e propagandistas republicanos. Quem se passear por Lisboa, sobretudo nas Avenidas Novas, encontrará fatalmente os habituais Elias Garcia, João Crisóstomo, António José de Almeida, etc. E isso também explica a razão de praças centenárias, como a de Viana do Castelo, terem ganho "República" no nome. Mas a maior marca do processo de lavagem foram os milhares de "Cândido dos Reis" e "Miguel Bombarda" que nasceram como cogumelos. Duas figuras que, tendo morrido nas vésperas de cinco de Outubro, um porque se matou, outro porque um doente do manicómio que dirigia o assassinou, foram guindados a "mártires" e serviram para dar nome de ruas e avenidas. Não há concelho no país que não tenha uma destas figuras, cuja importância na história portuguesa é residual e datada, a decorar o letreiro da rua. Em compensação, muitas figuras maiores estarão com certeza ausentes da toponímia local. É difícil explicar a quem não sabe porque razão é que os dois sobrevalorizados activistas ocupam espaços tão relevantes - muitas vezes os largos principais de algumas localidades - tendo uma relevância tão pequena. Quantos Padres António Vieira ou D. Diniz, por exemplo, haverá na mesma proporção?
Essa ocupação hiperbólica da República demonstra não somente o carácter quase "santificado" dessa empresa como também uma certa insegurança ao nível da sua própria justificação, o que obrigou a que o regime, quando tomou o poder, tivesse de fazer uma gigantesca lavagem histórica e toponímica para impor os novos "heróis". Sendo "mártires", os dois finados seriam como que os novos "santos" republicanos a que urgia prestar respeito, e que por isso tinham os seus nomes em locais visíveis ao cidadão comum. Assim encontrou a 1ª República uma forma duvidosa de marcar o seu domínio, refazendo a história portuguesa e instaurando novas personalidades, de forma a criar uma sociedade radicalmente diferente, à sua imagem. Assim também a alteração de alguns símbolos, como a bandeira, ou a introdução da figura feminina meia desnudada.
Não houve, como se disse no início, regime algum que não tivesse a tentação de marcar a sua própria toponímia. Mas a República, como em tudo o resto, mostrou-se radical e caiu no ridículo de consagrar duas figuras que as pessoas, hoje em dia, não reconhecem ou ouviram falar vagamente. Lembro-me de uma entrevista de Miguel Esteves Cardoso a Francisco Louçã, em que os dois confessavam não saber quem era o Almirante Reis que dá o nome à avenida lisboeta. Não sei se não sabiam mesmo ou se não lhes ocorreu, mas o certo é que deu uma amostra da pouca importância de dois vultos usados para que um regime que não tinha o apoio da maioria do povo se impusesse de forma mais dominadora.

quarta-feira, outubro 08, 2008

Os sapos da Diplomacia
Portugal reconheceu a "Grande Albânia". Algum dia tinha de acontecer. Mas aceita-se a decisão do governo em reconhecer a independência do Kosovo, muito embora esse processo seja um disparate pegado no seu todo. Face às circunstâncias e com um processo que parece irreverssível, Portugal pouco podia fazer para contrariar o absurdo da 2ª Albânia. As razões demonstradas reflectem o pragmatismo por vezes cínico, mas indispensável da Diplomacia, e não é à toa que a portuguesa sempre se mostrou eficaz. Mas repare-se que há um tom de cedência por causa de um faco consumado e porque pouco se ganharia em recusar, mas não uma aceitação de bom grado ou por causas morais. Ao mesmo tempo, pisca-se o olho à Sérvia, com compreensão, como quem diz "nós não queríamos, mas não tivemos alternativa". O difícil jogo da Diplomacia obriga por vezes a engolir sapos e à tomada de decisões como esta.

terça-feira, outubro 07, 2008

Centenário em marcha
Continuando com a data a que atrás se alude, o Centenário da República, blogue e plataforma, depois de um início algo parado, está definitivamente em marcha. Um grupo sólido de escribas, com cultura, argumentário eficaz e conhecimento de causa, e que vai da área do PS até ao miguelismo, demonstrará nos tempos próximos, como o tem vindo a fazer, a natureza negra e autoritária da 1ª República. O mesmo regime que a actual 3ª República pretende homenagear daqui a exactamente 2 anos, louvando-o como causa e produto de actos heróicos (dos quais o primeiro foi, como se sabe, o Regicídio). E a imprensa já começou a despertar para a sua actividade. Há que desejar-lhe a melhor sorte na sempre necessária desmistificação da história.

domingo, outubro 05, 2008

Inspiradoras


A cinco de Outubro, nunca é demais trautear as canções inspiradoras de Portugal, ou rever a legítima bandeira





E ainda:

http://www.imeem.com/hertzonline/music/aFwwlKiQ/vitorino_maria_da_fonte/

Bom Domingo

Dinis Machado 1930-2008



Depois de Paul Newman, outra morte de certa forma anunciada. Digo isto pela evidente debilidade física que Dinis Machado apresentava numa entrevista que deu há coisa de ano e meio ao Público.

Quando se fala neste escritor nado e crescido no Bairro Alto vem logo à memória o inclassificável O que Diz Molero, dos anos setenta. A obra ganhou algum fôlego anos mais tarde numa recriação teatral de José Pedro Gomes e António Feio (brilhantemente interpretada, aliás), a cuja última representação assisti, no Teatro S. João, e onde no fim chamaram ao palco o próprio Dinis Machado. Mas o autor não se ficou por aí. Trabalhou toda a vida como jornalista, desportivo e não só, e sabe-se como o microcosmos do Bairro Alto era em tempos idos o cenário ideal para essa actividade. Escreveu outros livros, entre os quais, por pressões editoriais e necessidades materiais, um punhado de romances policiais, com o pseudónimo Dennis McShade, dos quais se reeditou recentemente, via Público e agora Assírio e Alvim, A Mão Direita do Diabo. Estão já prometido que os outros dois sairão do prelo até ao fim do ano. Sem o saber, a editora estava já a preparar uma futura homenagem a Dinis Machado. Ler os seus policiais noirs será outra boa forma de recordarmos esta riquíssima autor que agora nos deixou.

sábado, outubro 04, 2008

Campânia fora da UEFA



Custou, cansou, mas valeu a pena e o bilhete. Já era tempo. Vinte e dois anos sem eliminar equipas italianas era demais, mas quebrou-se enfim a "maldição". Lembra-me 2005-06, em que exorcizamos consecutivamente Manchester United e Liverpool, outras bêtes noires. Se assim é, que venha o Milan, então.
Dez cidades de Espanha

...que gostava de conhecer e ainda não tive oportunidade:

-Cádis
-Toledo
-Granada
-Leon
-Córdova
-Zamora
-Ávila
-Alcalá de Henares
-Santander
-Segovia

Também nunca estive em Barcelona, ou Valência, mas dessas fala-se tanto que acaba por se perder toda a curiosidade.

segunda-feira, setembro 29, 2008

O trabalho e a família
Na semana passada entrevi as linhas de um artigo de Rui Ramos, no Público, já não sei em que dia, que ia ao encontro de uma coisa em que andava a pensar: O BE, e mais ainda, o PCP, reclamam continuamente contra as alterações ao Código do Trabalho, argumentando que irá tornar o emprego mais precário e pôr os trabalhadores mais à mercê da entidade patronal. Poderão até ter as suas razões. Mas não deixa de causar espanto toda esta preocupação ao mesmo tempo que apoiam uma norma que irá por sua vez causar mais precariedade no casamento (e na família). Se no contrato de trabalho há direitos e deveres para as partes (obediência, remuneração periódica, etc), também os há na instituição familiar, estabelecidos no Código Civil. Ao relativizar esses direitos/deveres, dá ideia de que consideram mais difícil encontrar trabalho do que formar uma família, ou então a estabilidade desta não tem grande importância. Será?

domingo, setembro 28, 2008

Paul Newman 1925 - 2008


Hollywood é madrasta, e frequentemente esquece-se de premiar os seus mais zelosos servidores. Outros são lembrados tarde e más horas, mas são lembrados. Scorcese é um deles, por exemplo. Outro era Paul Newman, que ganhou o Óscar de Melhor Actor à sétima nomeação, por sinal numa cerimónia em que nem se encontrava presente.

Sim, como todos conheço a figura semi-mítica (a partir de hora sem o prefixo) de Paul Newman, a sua dignidade, a sua integridade, o seu casamento de cinquenta anos, uma agulha no palheiro do mundo do cinema, sobretudo tratando-se de alguém com uma figura que certamente atrairia as atenções do sexo oposto. Era mais uma das raras personificações do Homem no cinema, na linha de um James Stewart, de um Peck ou de um Brando, de que hoje resta George Cloney e pouco mais.

Mas como tantos outros, desconheço a sua obra maior nas telas. Nunca vi o Veredicto, filme aconselhado por qualquer lente de Direito, nem Gato em Telhado de Zinco Quente, ou Butch Cassidy and the Sundance Kid, ou ainda Malice. Lembro-me de A Cor do Dinheiro, sequela com a qual ganhou a tal estatueta dourada, de Êxodo, dos recentes Message in a Bottle e Caminho da Perdição (com o qual ganhou ainda uma nomeação pelo seu papel de chefe de clã mafioso irlandês), e poucos mais. Não basta, claro, mas é o que se arranja até agora.
Ao contrário de outros, a morte de Newman era mais que anunciada. Morreu com a dignidade que sempre teve, rodeado dos seus, sem querer prolongar artificialmente a vida. Uma vida, diga-se, totalmente realizada, coisa que ainda ontem era discutida pelos especialistas cinéfilos. Uma estrela maior entre todas as que o cinema viu desaparecer este ano, que se já estava a ser particularmente sombrio nessa matéria, mais negro ficou.

terça-feira, setembro 23, 2008

Sic transit gloria urbi
Agora são Samora Correia, Borba e a Senhora da Hora que querem ser cidades. A vila ribatejana até pode ser populosa, ali em plena lezíria, com a já suburbana Vila Franca por perto, mas a alentejana tem pouco carácter citadino. Sobre a freguesia dominada pelo NorteShopping, não compreendo como é que tendo o Porto e Matosinhos à frente e do outro lado da estrada precisará de ser cidade. Sempre vi a Senhora da Hora como pacato subúrbio residencial, atravessado pelo comboio (agora metro), jamais como uma urbe em si.

Esta moda de ser tudo cidade pegou de há vinte anos para cá, como se pode verificar. Se até ao fim da Idade Média só um determinado grupo de burgos era cidade (mais concretamente, as dioceses), o seu conceito começou a alargar-se a partir do momento em que Bragança, importante referência defensiva no Nordeste e pertença da Casa com o mesmo nome, adquiriu esse estatuto. Depois vieram as algarvias Tavira, Lagos e Faro, que substituiu Silves como centro de diocese, as açorianas, o Funchal, e entre os Sécs. XVI e XVII surgiram mais algumas dioceses e respectivas cidades, normalmente por razões estratégicas ou políticas, tais como Miranda, Pinhel, Elvas ou Penafiel. Nos anos de oitocentos, algumas atingem dimensão para se elevarem a essa categoria, como Santarém, Guimarães, Tomar ou Setúbal. Com a República vêm mais algumas (Vila Real foi a última capital de distrito a tornar-se cidade, apenas em 1925!), mas o Estado Novo mostrou-se mais avaro e só Almada, Póvoa de Varzim e Espinho é que lá chegaram, e só nos anos setenta. A 3ª República começou por ser prudente, mas em meados dos anos 80 surgiu nova fornada de cidades, mais no interior. Nos anos 90 e 2000, perdeu-se todo e qualquer sentido de urbe, mesmo que a Lei só permita, salvo condições especiais, que as cidades necessitem no mínimo de 8000 habitantes e de um conjunto de equipamentos equivalente. Mas por razões que me escapam ou por qualquer excepção, vilas houve que foram elevadas a cidade sem se perceber porquê. Tarouca, por exemplo, construiu uns prédios, uns arruamentos e alcançou assim o mesmo estatuto que a sua vizinha, a antiquíssima e nobilíssima Lamego, na sombra da qual esteve durante séculos. Na Beira vamos ainda encontrar Meda, Sabugal, Santa Comba, etc: tudo cidades, mesmo que algumas nem no concelho inteiro comportem habitantes suficientes para um burgo minimamente aceitável. Temos além disso cidades no Algarve que muito me espantam (Quarteira, e Lagoa), ou na Madeira, em que até um sítio de que nunca tinha ouvido falar, chamado Caniço, foi elevado a cidade! À febre também não escaparam as pacatas Porto Santo e Santana, que com aquelas casinhas engraçadas lembra antes uma aldeia de conto de fadas.
Aveiro também é pródiga, e só Santa Maria da Feira tem 3 para amostra: além da própria Feira, há ainda Lourosa e Fiães. Na Bairrada, está feito o pleno, com Anadia, Mealhada e Oliveira do Bairro, e a Gafanha da Nazaré é uma imensa cidade-bairro de pescadores e marnotos.
O distrito do Porto, então, bate tudo: concelhos que não são cidade temos apenas Lousada e Baião, Deus assim as conserve. Há depois uma infinidade de freguesias-cidade, como Lixa ou Freamunde. O exemplo mais burlesco vem do concelho de Paredes (também cidade, claro está): quando quiseram elevar Lordelo à categoria superior, Rebordosa e Gandra, de tamanho semelhante, também quiseram. Salomonicamente, ficaram as três com a graça urbana. A Gandra, aliás, ganhou população depois da instalação de um pólo de faculdade de medicina dentária. Alguns estudantes começaram a ficar por ali, construíram-se casas, depois prédios para a população, vieram alguns bares para animar a estudantada, e agora bem se pode considerar um "cidade universitária". Pitoresco. Será que têm tradições académicas próprias?
Fora os casos em que pela dimensão e importância social o mereceriam, tudo isto revela um imenso sentimento de provincianismo: querer ser cidade a todo o custo mostra uma ansiedade em ser urbano, em dizer que se é da "cidade de tal" e "ser moderno", em distanciar-se do campo e de qualquer ligação à ruralidade. Essa ideia imbecil que "a cidade é que importante" é uma das causas da suburbanização e falta de sentido estético que hoje se vê em Portugal (e não só, sejamos justos). Além de ser perigosa: reduzir o mundo rural a quase nada, ou a uma mera atracção turística, terá consequências graves no futuro. A alimentação ainda não vem dos laboratórios. E as cidades arriscam-se a ficar sobrelotadas, não já no miolo mas nos seus arredores, e a tornar-se de novo centros infectos de doenças e epidemias várias.
Tivesse eu poder sobre estas categorias e umas cinquenta cidades passavam a ser vilas. Aliás, nem acho que freguesia alguma devesse ser cidade. A distinção entre esta, a vila e a aldeia deve estar correctamente feita, sem que isso represente qualquer sentimento de inferioridade para as duas últimas categorias. Que olhem para os exemplos de Ponte de Lima, Cascais e Oeiras: à questão de saber se queriam ser cidades, puxaram dos galardões e recusaram liminarmente. Bem hajam!