domingo, julho 31, 2005

Farto

Há uma coisa de que sinceramente estou farto: dos constantes e eternos pessimismos com que dia a dia nos martirizam os tímpanos. Sempre que abro a secção "Diz-se" do Público, por exemplo, apanho logo com meia dúzia de queixumes e afirmações semi-apocalípticas: Portugal não tem emenda, o país é inviável, caminhamos para o fim (ou para o desastre), etc, etc, etc. Já ouvi mesmo alguns colunistas dizer que "Portugal atravessa a maior crise da sua história" - fazendo tábua rasa de oitocentos anos em que tivemos reconquistas, interregnos, revoluções, guerras civis, terramotos e até perdas temporárias da independência.
Seria muito fácil exemplificar logo com Vasco Pulido Valente, mas nem é preciso ir tão longe. Um dos culpados disto é Pacheco Pereira; começou a usar a expressão "pobre país o nosso" e logo um monte de seguidores passou a usá-la como lema. Dos mais insistente saliento um comentador do Blasfémias, que assina anti-comuna, e que depois de umas quantas linhas a verberar o poder político (quase sempre o actual governo, mas justificando o de Santana) e a concordar com cada palavra escrita pelo campeão liberal João Miranda, acaba sempre com o mesmo lamento :"pobre país o nosso! Quem nos acode, quem nos acode?". Há muitos outros, como é óbvio, mas este é um dos mais flagrantes exemplos do choradinho-pessimista nacional; o caso é tanto mais estranho se pensarmos que se está a defender a total iniciativa privada no início, e logo a seguir se começa a pedir socorro a um qualquer salvador imaginário.
Se há defeito que os portugueses têm, mais do que qualquer outro, é o de passarem o tempo a criticar o país. Ora, se o país é criticável, deve-se aos próprios críticos, e a mais ninguém. Mas desde os tempos do nosso Eça e da "choldra"(pelo menos, porque esse hábito já deve vir mais de trás) que é de bom tom bater no país.
Não sou sociólogo e muito menos economista, mas suspeito que haja razões históricas por trás de tanta frustração. A memória da gloriosa saga dos descobrimentos continua sempre presente. Só que considerar Portugal uma superpotência é não ter a noção das coisas. Passa-se o tempo a fazer comparações com os outros, começando por Espanha e acabando na Grécia. Para quem não se deu conta, Espanha tem o quáduplo da população, o quíntuplo do território e uma fronteira com França, o que sempre a torna menos periférica. Sim, eu sei que estamos na cauda da Europa em quase todos os índices de desenvolvimento humano. Mas isso não é razão para se dizer que estamos no "Terceiro Mundo". Temos um povo na sua maioria iletrado e sem qualificações, uma classe política duvidosa, uma administração pública pesada e uma economia dependente. Mas quase todos têm telemóvel, casa própria e automóvel (eu por acaso não). Claro que podemos falar sempre no excessivo recurso ao crédito, mas isso é outra história. E não temos guerras, nem fome generalizada, epidemias graves ou uma criminalidade assustadora. Alguém que chegue do Níger, do Bangladesh ou do Afeganistão e ouça um dos comentadores do costume dizer que "somos um país do Terceiro Mundo" (onde com certeza nunca esteve) tem todas as razões para se sentir ofendido e aviltado. O nosso défice pode estar num nível alto, mas a água é potável e não faltam hospitais, escolas e auto-estradas. Nem telemóveis.
É por isso que estou francamente farto de torpes comentários dos pífios críticos que nos cercam. Tanto queixume é doentio, e se o país não é melhor e há falta de iniciativa também se deve a eles. Portugal pode estar estagnado, acomodado, ultrapassado, mas não é por isso que vai acabar, por muito que seja essa a opinião dos seguidores de Pulido Valente & Cia. E aposto que há muito de financeiro e económico por aí: se a nossa economia crescesse um bocadinho mais, e as finanças estivessem na milagreira linha dos 3%, já as lamúria seriam mais suaves. E daí talvez não. Não faltariam carpideiras (como o anacrónico e estafado Camilo de Oliveira) a falar da "crise", nem que isso significasse a subida do preço do Kilo da hortaliça.

(Para desanuviar um pouco, fica aqui a seguinte questão: porque será que o PS, para a câmara da Póvoa do Varzim, terá resolvido candidatar o apresentador José Carlos Malato?



Eis uma questão a pôr ao MFC)

terça-feira, julho 26, 2005

A herança terrorista

O terrorismo continua a ser o assunto mais discutido a nível internacional. Tivemos a quasi repetição dos atentados de Londres duas semanas depois, o caso do infeliz brasileiro baleado pela polícia (mas quem é que o mandou vestir-se daquela forma?), as bombas em Sharm-el-Sheik, e, claro, a matança diária do Iraque, cujos habitantes são autênticos mártires às mãos dos bárbaros locais. A pergunta que mais se faz é: qual será o alvo seguinte? Ou então, e talvez mais pertinente: deve a nossa liberdade ser parcialmente posta em causa em nome da segurança?
De qualquer forma, o fenómeno não é de maneira nenhuma novo. Mesmo a versão fanática islâmica já se tinha manifestado por diversas vezes nos anos 80, com o enigmático Abu Nidal, ou os incitamentos de Muammar Khadafi (hoje um autêntico cordeiro). Mais atrás tivemos o "terror vermelho", das Brigate Rossi e dos Baader-Meinhof, ou dos grupos fascistas que mandaram pelos ares a estação de Bolonha. As doutrinas dos extremos, particularmente as anarquistas, já utilizavam o terror há largas décadas.
Prova disso mesmo é o nosso inevitável Eça, que invocamos sempre que queremos fazer uma comparação entre o Séc. XIX e os nossos dias. Também aqui o então cônsul em Paris nos deixou notas preciosas para percebermos como a violência do terrorismo já na época obedecia a uma lógica impiedosa e fanática. Eis alguns exemplos que encontrei na biografia do escritor, da autoria de Maria Filomena Mónica:
"o propósito de aplicar a doutrina de seita, que tendo condenado a sociedade burguesa e capitalista como único impedimento à definitiva felicidade dos proletários, decretou a destruição desses proletários (razão dada para a colocação de uma bomba no interior do Parlamento) (...) durante um momento, à força de buscas, de prisões, a seita fica desorganizada, desconjuntada; mas para imediatamente se reorganizar além, mais numerosa, mais fanatizada, por isso que vem de padecer mais uma perseguição (...)Tornava-se necessário atirar indiscriminadamente a bomba redentora contra as classes exploradoras, contra a cidade onde se realiza a exploração, contra as próprias crianças que nascem, porque elas já trazem em si o vírus da submissão explorável (...) Se é anarquista, se lançou a bomba, é dele a fama universal, que nem sempre conseguem os santos e os génios." Filomena Mónica dá-nos ainda conta dasduas razões que Eça considerava fundamentais para a divulgação da doutrina: "uma das raízes do entusiasmo pelo anarquista, a boa, viria da comiseração que naturalmente qualquer pessoa sente por quem sofre; mas havia outra, a perniciosa, que derivava do doentio entusiasmo por tudo quanto era monstruoso (...) A culpabilidade dos ricos levava-os ao êxtase do gesto bombista" (Maria Filomena Mónica, Eça de Queirós, Quetzal Editores). Para além disto, Eça faz ainda algumas considerações acerca da estranha atracção de alguns elementos das classes mais altas pela doutrina da seita.
Notório é que muitas das características do terrorismo da altura sejam tão semelhantes ao que deriva do islamismo: a vontade de matar indiscriminadamente, o ódio a uma sociedade inteira, o dogmatismo e a crença na sua missão assassina (e em grande parte suicida, já que os anarquistas sabiam que estas acções provavelmente lhes custariam a vida), um certo sentimento de exploração ou marginalização que deriva para um letal desejo de vingança. Sim, ontem como hoje as razões e as consequências são as mesmas. As novas tecnologias e a globalização tendem a modificar-lhes os métodos, mas o islamismo radical é na sua vertente mais violenta herdeiro directo do anarquismo oitocentista. Que páginas dedicaria Eça ao assunto se vivesse nos nossos dias?

sexta-feira, julho 22, 2005

Primeira saída

Não li o artigo de Campos e Cunha no Público de Domingo, por isso, contrariamente aos entendidos, fui apanhado de surpresa pela demissão do (Ex)titular da pasta das finanças. O gesto é preocupante, e deixa adivinhar um conjunto de questões não resolvidas entre Campos e Cunha e José Sócrates (ou, pior do que isso, o inefável aparelho do PS). As opções do investimento público, como o discutível projecto da OTA, e o discutibilíssimo TGV, que ora parecem obras necessárias para o avanço do país ora nos soam como meras brincadeiras de novos-ricos, serão talvez a chave do problema, o que não parece ser novidade para ninguém. Adivinhas à parte, a saída de alguém que parecia rigoroso e competente (apesar da rocambolesca história das pensões), ao fim de quatro meses no seu posto, não deixará de causar apreensão. Não conheço Fernando Teixeira dos Santos, não duvido da sua preparação, mas temo que não tenha muita corda. De qualquer forma, é possível que com este desaire, Sócrates perceba que não pode pisar o risco muitas vezes de aqui em diante. E que não são umas "meras" autárquicas que farão com que o seu executivo se aguente.

E a propósito: já ouço umas bocas a dizer que "isto é o início do fim", "este governo não dura muito mais", etc. Era bom que as pessoas, sejam quais forem as suas preferências político-ideológicas, tivessem um pouco mais de senso: desde 99 que não temos um governo que cumpra os quatro anos de legislatura. Tivemos dois primeiros-ministros que se demitiram e outro que nunca devia ter sido nomeado. Não podemos andar sempre a brincar aos governos conforme a disposição das analistas, sejam os da TV ou do café. As mudanças custam caro e atrasam ainda mais o já derrapado crescimento do país. E em relação à dissolução da AR por Sampaio, já aqui dei a minha opinião, mas posso voltar a repeti-la: o PR tinha toda a legitimidade para o fazer. Toda. O governo de Santana Lopes era de iniciativa presidencial (e não legitimada em eleições que só formalmente são para escolher o poder legislativo), e além disso havia uma condição base: o novo executivo deveria seguir a mesma política económica levada a cabo até aí por Manuela Ferreira Leite. Tendo seguido a via oposta (com os delirantes "a recessão acabou"), deram a Sampaio a oportunidade para acabar com a legislatura. Perante as confusões que se sucediam, ele não hesitou. Convinha agora um pouco da serenidade que Sua Exª nos pede regularmente. Sobretudo ao governo, que bem tem de pensar no seu rumo daqui para a frente.

PS: o inafastável dinossauro de Braga, Mesquita Machado, amante do betão e da edificação vertical, exprimiu a sua enorme "satisfação e alegria" com a remodelação governamental, já que entendia que Campos e Cunha fora "um autêntico desastre" e que "não tinha sensibilidade para os problemas das pessoas" (em linguagem de autarca deve querer dizer que não beneficiava patos-bravos e urbanizações desregradas). Eis um sinal realmente preocupante do que está a suceder. Espero é que Mesquita Machado tenha razões para ficar igualmente desiludido com o novo titular da pasta. Isto é, se os bracarenses não se fartarem de vez e o puserem a andar do cargo a que se agarra como uma lapa.

terça-feira, julho 19, 2005

Recuperar o atraso

Tento recuperar o atraso de quase uma semana sem posts, por uma mistura de impossibilidade e de inércia. Não é fácil. Mais vale sintetizar.



Lamentavelmente só agora faço menção ao Café Blasfémias. Os nossos liberais portuenses (e portistas, na sua esmagadora maioria) organizaram a sua tertúlia no Café Guarany, em plenos Aliados, com o tema "porque é que a direita quando chega ao poder não é liberal?". Não sendo tão "liberal" como os caros blasfemos, também por lá passei, uns quarenta minutos no início, tendo saído depois por inadiáveis compromissos, e, lamentavelmente, apenas assisti depois aos cinco minutos finais, comprometidos por problemas audio-técnicos. Não pude assim apanhar toda a discussão que se seguiu, versada sobre o estatismo do povo português - contra mim falo, que me reconheço prioritariamente socil-democrata - e um certo reaccionarismo da direita portuguesa, embrulhada em décadas de salazarismo. O grosso dos tópicos da discussão pôde ser visto no próprio blog (sobretudo nos posts do dia treze de Julho). De qualquer forma, compensei a perda do debate com uma interessante conversa com vários blasfemos, sobretudo o LR e o PMF.
(foto da tertúlia no Vilacondense)

Três dias particularmente tumultuosos para o Benfica. No Sábado, balde de água fria, com o quase contratado Tomasson a preferir assinar pelo Estugarda, que lhe oferecia melhores condições financeiras. No Domingo, jogo grande com o Chelsea de Mourinho, e aoportunidade de mostrar o plantel. Apesar do resultado adverso, deu para ver que o SLB tem mais soluções no plantel, além de alguns jovens promissores da cantera. só no ataque é que se nota a mesma debilidade finalizadora. E nesta altura não será fácil encontrar um artilheiro disponível. Se Nuno Gomes ao menos regressasse aos seus tempos pré-Fiorentina...
Já na Segunda veio a notícia da rescisão unilateral de Miguel. Motivo? Estar no início do período experimental do contrato de trabalho. Porque, alega o representante do jogador, trata-se de um novo contrato, não de uma prorrogação do anterior. Mas, se assim é, porque é que Miguel ganhava os salários correspondentes a este contrato desde a sua assinatura? E o período experimental dá-se na altura de adaptação mútua do trabalhador e da entidade patronal (por isso mesmo é que é experimental), não com anos ao serviço dessa mesma entidade, contrato renovado ou não. E Miguel já está no SLB há cinco anos.
Trata-se de mais uma manobra de "chico-espertice" do célebre Dias Ferreira, ao que parece jurista, e senhor de anti-benfiquismo doentio, bastante superior ao seu sportinguismo. Depois de afirmar, a 4 de Julho, que o contrato de Miguel não era válido, e que o anterior tinha caducado a 30 de junho - estranho como é que ninguém o contratou logo - e depois que o jogador não tinha "condições psicológicas para continuar no Benfica", surge agora com esta autêntica história da Carochinha do período experimental. Imagine-se: um jogador que há cinco anos está no clube invocar tal facto incorre em absurdo total, já que, mesmo que no extremo a tese pudesse estar certa, Miguel nem sequer se apresentou aos trabalhos, logo não houve sequer hipótese de adaptação.
Por causa disto, o Benfica poderá receber menos do que pedia pelo jogador, e só daqui a uns tempos, já que com certeza jamais voltará a equipar de águia ao peito. Não sei bem como vai acabar esta história, mas desconfio que não vai acabar a favor de Miguel.

Lance Armstrong vencerá pela sétima (!!!) vez consecutiva o Tour? É assustador, mas parece que é o que vai acontecer.

sexta-feira, julho 15, 2005

Post politicamente incorrecto

Eu gosto do povo francês

Poucos acontecimentos foram tão importantes para a civilização como a Revolução Francesa (digo isto apesar de ser monárquico).

O lema "Liberté, Egalité, Fraternité" é uma das frases-chave da sociedade ocidental.

terça-feira, julho 12, 2005

Two days at the races



Autênticas relíquias com motor




É assim que se corre agora (imagens retiradas da Zona Franca)

Os bólides voltaram à Avenida da Boavista, cinco décadas depois. Carros de F1 da altura (anos50/60), carros de rali, preciosidades da década de trinta, todos aceleraram no improvisado circuito. Já tinha visto coisas semelhantes em Vila Real, em tempos idos, mas desta vez a diversidade imperou.
O calor apertava, é certo, os escapes dos carros não ajudavam, nem tão pouco o pó e o sol reflectido no asfalto; mas ainda assim o público afluiu em peso - mais no pião do que nas bancadas, onde se pagava couro e cabelo, e que estavam bem aquém da lotação (a não ser no fim, quando as abriram). Sem ser um espectáculo transcendente, deu uma vivacidade e um travo de nostalgia ao triângulo Boavista - Castelo do Queijo - Circunvalação. Não faltaram sequer disputas entre Porshes e FIATS 600, com a esperada supremacia dos primeiros, claro. Daí a piada do evento. A repetir em forma de bienal. Desde que (e esperemos que sim) o metro na Avenida fique no papel. Se assim for, daqui a dois anos temos as corridas de volta ao circuito.

segunda-feira, julho 11, 2005

Ainda sobre terrorismo

Sobre os graves acontecimentos descritos no post anterior haveria ainda muit a dizer. Fora, claro, dos comentários do costume quando atentados como este se sucedem (o que infelizmente, começa a ser uma estranha normalidade): o Islão, a América, o Iraque, o diálogo com os terrosristas, a guerra contra os estádios-pária, os comentários de Mário Soares, etc.
A propósito das declarações deste último, ouvi as mais díspares opiniões: que ele está louco, que está senil, ou que não deviam permitir que dissesse todos aqueles disparates; disparates ou não, o certo é que essas opiniões só têm lugar porque vivemos num regime livre graças ao mesmíssimo "louco", Mário Soares. Como ao contrário de alguns indivíduos mais revanchistas ou com oportuna falta de memória não o considero nenhum lunático, bem pelo contrário, terei somente de criticar uma certa leviandade com que falou nos diálogos com o terrorismo. Já a questão da pobreza me parece bem mais pertinente: não obstante muitos dos cérebros e financiadores destas células serem bem abonados, a verdade é que é da miséria, da marginalidade e da exclusão que vêm inúmeros jihadistas prontos a amarrar uma bomba à cintura. É em climas de raiva e pobreza que os cabecilhas islâmicos atraem os seus novos seguidores, virando-os contra todos os valores que considerem "inimigos do Islão", na sua visão fanática e deturpada. Por isso, bem podem bradar que "não há razões para o terrorismo, é preciso é reagir". Sim, não há razões válidas ou racionais. E precisamente, o que é necessário é saber porque é que tantos são atraídos para essas trevas de irracionalidade e morte. Aí sim, há que reagir sabiamente, sem meras vinganças a quente, que poderão ser nefastas para a verdadeira guerra ao terrorismo: aquela que não se esgota na cada vez mais ultrapassada via militar, mas que se realiza nas suas vertentes policiais, sociais e políticas. Não ver isto é atirar gasolina para a fogueira do ódio.

Absolutamente aconselháveis os artigos de Jorge Almeida Fernandes e Timothy Garton Ash no Público de hoje. Quem o tiver comprado que os leia.

Ah, já me esquecia: mesmo que já tenha vinte anos, a música que melhor descreve os acontecimentos dos últimos dias no Reino Unido é Panic, dos Smiths, oportunamente recordada pela Cibertúlia. Reparem que até se fala de Birmingham, também com suspeitas de bombas. Morrissey era um visonário, está visto.

sexta-feira, julho 08, 2005

London under attack





E o inevitável aconteceu: a capital britânica sofreu ataques terroristas nos seus pontos mais vulneráveis, mas, um pouco paradoxalmente, mais esperados: os transportes públicos, aqueles que diariamente transportam milhões de traseuntes ao longo da imensa metrópole.
Verdade seja dita que estes atentados não foram propriamente uma surpresa. De certa forma, eram uma horrível invitabilidade, como Jack Straw já o tinha reconhecido aqui há tempos. Pela sua dimensão, importância e cosmopolitismo, pelo facto de ter sido um dos principais intervinientes no Iraque ( o que me parece ser apenas um pretexto), pela cimeira do G8 se realizar em Edimbrugo, e, quem sabe, pela escolha da cidade para acolher os jogos Olímpicos de 2012, - apesar da demora que deve dar elaborar um plano homicida como este - Londres era talvez o alvo mais previsível dos fundamentalistas islâmicos.
O futuro? Provavelmente reserva-nos mais atentados, mas também, como demonstrou Tony Blair, a convicção firme de que o terrorismo islamita está condenado ao fracasso, como todas as tentativas totalitárias de submeter a civilização desde o aparecimento das ágoras. Até lá, há que manter um combate determinado mas inteligente, sem contemplações mas também sem espalhar ódios inúteis, através da coordenação internacional entre os serviços secretos, o fim das mesquitas e madrassas escondidas dos olhares do mundo, e a fiscalização de certos arsenais militares (como os da Ex-URSS), entre outras coisas.
E, claro, prosseguir com o processo de paz no Médio Oriente.

(Para uma descrição na primeira pessoa dos acontecimentos aconselho a leitura dos posts de Fernando Albino, no Quinto dos Impérios).

PS: ao que parece, a Al-Qaeda terá assassinado o embaixador egípcio no Iraque. Um dia proveitosos para facínoras, portanto.

quarta-feira, julho 06, 2005

O que é que tinha que era diferente?

É oficial: o Barnabé encerrou actividades. O fim já se anunciava há uns tempos, com os posts tensos trocados entre o seu mais mediático (e original membro), Daniel Oliveira, conhecido pelo seu humor corrosivo e por representar as opiniões mais arreigadamente BEs, movimento no qual tem assumido um papel de destaque, e o membro "derivado" e recente, Bruno Cardoso Reis, ex-autor do excelente Cartas de Londres, adepto de uma esquerda menos condicionada pelos ideais revolucionários dos bloquistas (e de inspiração cristã). Muito embora o último se tivesse desviado bastante das premissas mais caras a Oliveira e a Rui Tavares (mas não tanto a outros membros do blog, como Celso Martins, André Belo e Pedro Oliveira), a reacção do primeiro foi insensata e despropositada, como se viu no alegórico post da mosca no mel. Acabou por caír na mema armadilha em que já tinha tombado João Pereira Coutinho, por via de uma piada inóqua do próprio Daniel, e que acabou com a coluna Infame.
Tenho pena. Gostava bastante do Barnabé, e era seu comentador habitual, até instalarem o TypeKey (onde, sabe-se lá porquê, nunca me consegui registar). Gostava particularmente das suas inovações, do seu álbum fotográfico, das suas BDs circunstanciais e do seu sentido de humor. Muitas vezes me irritei, em particular nos posts claramente anti-católicos, muitas vezes discordei, em muitas ocasiões os critiquei, e noutras cheguei a apaudi-los, como em alguns assuntos de carácter internacional. Mas é inegável que tinha imenso valor e potencial. Vai deixar um espaço em branco, que talvez possa ser preenchido pelo velhinho Blog De Esquerda (do estimável José Mário Silva), que os apadrinhou no início e de que de certa forma se tornou rival. Vai deixar alguns "adversários", como Acidental e o Blasfémias, temporariamente sem resposta à altura em certas matérias tão carecidas de discussão. É pena. Porque pelo mancial de ideias, agressividade verbal, humor, impacto na blogoesfera nacional, e, porque não, pela quantidade de pessoas que atraía, o Barnabé era um blog diferente.
Espero que os seus membros continuem a ser bloggers noutros espaços. O seu valor não pode ser sub-aproveitado. Veremos quais os rumos na blogoesfera entre os ex-Barnabés.

sexta-feira, julho 01, 2005

Emídio Guerreiro 1899-2005



Voluntário ao Corpo Epedicionário Português da 1ª guerra Mundial; participante na revolta "reviralhista" de 1927, no Porto; combatente na Guerra Civil de Espanha, de onde fugiu por mar, vendo as tropas nacionalistas entrar em -Vigo; membro da Resistência francesa na 2ª Guerra; exilado político; fundador do LUAR; fundador e presidente interino do PPD; republicano, maçon, anti-fascista e anti-comunista; insigne professor e matemático: eis o currículo de emídio Guerreiro, um combatente da liberdade, generoso e lúcido até ao fim, de uma memória e vivacidade desconcertantes. Um decano que agora desapareceu, pouco depois de outro estimável centenário do nosso regime, Fernando Valle. E é curioso que, poucas semanas depois de a maioria gabar Álvaro Cunhal como um exemplo de resistência e coerência (que era), nos deparemos com a partida deste homem que, além de igualmente resistente e coerente até ao fim com os princípios que advogava, teve ainda outra virtude: o de ter combatido pela liberdade, onde quer que estivesse. Não pela sua nem das suas ideologias, mas pela liberdade de todos, seja quais forem as ideias ou crenças.
É mais uma referência que desaparece. E que nos faz muita falta. Há que por isso honrar a sua memória e seguir o seu exemplo de lutador pela liberdade.

Um Marco do nosso poder local



Aqui há coisa de duas semanas, a Pública trazia uma extensa reportagem sobre o Marco de Canaveses e o longo consulado do seu conhecido dinossauro, Avelino Ferreira Torres. Era o retrato de um concelho onde imperam o abandono escolar, a falta de estruturas tão básicas como o saneamento e a água canalizada, enquanto o betão e a construção civil às três pancadas continuam a crescer. Mostrava-se gente do campo, idosas analfabetas ou jovens a trabalhar na agricultura ou nas oficinas. Expunham-se testemunhos vários, desde apoiantes do "homem de fibra" que transformou o Marco em cidade, aos críticos, políticos ou não, mostrando o vazio cultural do concelho, o descalabro das contas e a prepotência do presidente. Só faltou mesmo a entrevista com este último, que despachou os jornalistas aos berros.
O conhecimento que tenho da terra data de há uns anos. Num dos Invernos mais amenos de que tenho memória, andei quase uma semana pelo concelho todo, num trabalho de identificação e entrevista de todos os artesãos que encontrasse, para uma pesquisa de artesanato encomendada pelo centro de sondagens da Universidade Católica.
Entre cesteiros, tanoeiros (talvez o último de Portugal), bordadeiras, tecedeiras (provavelmente visitei a idosa que surge na Pública) e outros cujo ofício não me vem à memória mas que nos seus vasilhames de estanho e chapéus de palha verdadeira arte, ouvi um longo rol de queixas. Muitas delas dirigiam-se ao total desinteresse da Câmara no seu trabalho, à ausência de um mínimo de divulgação por parte da autarquia. Dei-me conta disso logo à partida: assim que cheguei ao Marco dirigi-me à câmara municipal, onde funcionava o turismo local, para obter informação sobre o artesanato concelhio. Não me souberam dar qualquer informação, e só me deram um mapa do concelho e respectivas freguesias. Enquanto esperava, vi numa sala ao lado, através da porta envidraçada que a isolava, uma reunião colegial, presidida por, claro está, Ferreira Torres. Uma das minhas primordiais visões do Marco era o seu todo-poderoso presidente.
Além dos artesãos, outras pessoas, como alguns comerciantes, queixaram-se dele: desde as costumeiras ameaças físicas aos adversários, até à utilização de máquinas (e trabalhadores) camarários nas suas terras, sem falar na sua fortuna que cresceu desmesuradamente desde que está à frente da autarquia. A única pessoa que vi elogiá-lo foi uma tecelã, na freguesia de Várzea e Aliviada, que tinha no tear um autocolante do autarca , e que dizia com um sorriso tímido, baixando os olhos : "coitado do homem, lá faz o que pode"... Na altura em que lá estive houve um caso que teve honras num qualquer programa da SIC, estilo Praça Pública, em que um comerciante oferecia flores à entrada do mercado municipal para chamar a atenção de uma situação marginalizadora que lhe tinha sido criada pela câmara; no mesmo programa surgia, Avelino, verociferando no ecrã contra "a comunicação social".
A cidade do Marco é caracterizada por um urbanismo descuidado e o trânsito é a puxar para o caótico. Destacavam-se a câmara municipal, num ponto elevado, a célebre igreja de Siza Vieira, a meio de um descampado, e o Estádio Avelino Ferreira Torres. Curiosamente as pessoas da cidade olhavam para os "forasteiros" com uma desconfiança que não se via nas freguesias mais pequenas.
De resto, o concelho tem belas paisagens, sobretudo em Alpendurada (onde me lembro de comer um frango divinal por mil paus da altura, a refeição inteira), sobre o Douro, uma estação arqueológica, algumas igrejas, solares e pelourinhos merecedores de atenção, e pessoas simples e afáveis. dos artesãos trouxe como prendas um chapéus de palha e um vasilhame de estanho, que guardo na cómoda do quarto. Mas também uma certa pena por aquelas pessoas ignoradas pela edilidade presidida pelo homem que se prepara para assaltar Amarante, talvez para fugir de algo.
Esse homem, Ferreira Torres, com inúmeros casos judiciais de irregularidades e desvio de fundos à perna, promove a sua campanha à câmara amarantina através de viagens de helicóptero, mega-jantares e outdoors omnipresentes. Que não hesitou em auto-promover-se na grotesca "Quinta das Celebridades" (mas aquilo promoverá alguém?), metendo férias a meio do mandato. Esse homem, não nos esqueçamos, diz que "sabe quem é que matou o irmão" mas recusa-se a dizer - irmão esse, aliás, um famoso bombista que, tendo sido vendedor ambulante, tornou-se milionário depois de três anos em África, ninguém sabe como. Esse homem é o rosto do que pior as nossas autarquias têm: o cacique local, que vence eleições graças à "obra feita", bate nos adversários, perpetua-se no poder e caracteriza-se por um boçal nepotismo e por gastos sumptuosos com o acessório, além, claro, de favorecer tudo o que é construtor civil.
E é precisamente esta criatura que, depois de vinte e três anos a controlar - é o termo - o Marco, pretende fazer o mesmo em terras de Amarante. E o povo, ou parte dele, aplaude. Não conhecesse um pouco da sua obra, e diria que se merecem um ao outro.