domingo, junho 30, 2013

O exemplo dos brasileiros


 O tiki-taka espanhol está a levar uma séria abada da técnica brasileira, em pleno Maracanã. O Brasil está próxima de ganhar a Taça das Confederações (se pensarmos que ganhou as duas anteriores edições, nem é grande augúrio para o Mundial), no renovado Maracanã. Lá fora, e mesmo lá dentro, houve novos protestos.
 
Os brasileiros saíram à rua em força, puseram Dilma Roussef a gaguejar e até conseguiram fazer com que o anunciado aumento do preço dos transportes fosse cancelado. As razões são mais que justas: apesar de todo o crescimento económico, os gastos públicos em estádios e outros luxos em detrimento do que deveriam ser as suas funções primordiais são obscenos e incompreensíveis. É verdade que, como noutras situações semelhantes, aparecem os bárbaros de sempre, com ideia de incendiar, pilhar e destruir; tivemos oportunidade de ver isso em Brasília (que diria o revolucionário Niemeyer?), e noutras "badernas". Nesses é que a polícia deve aplicar a sua vontade latente de utilizar os meios que lhe põem à disposição (e nestes incluo o cassetete). Mas na sua maioria, os protestos têm toda a razão de ser. O Brasil é até dos poucos países que se pode dar ao luxo de organizar eventos destes e ainda acumulá-los com os Jogos Olímpicos de 2016 - nada contra, desde que se aproveitem estruturas comuns e se façam as necessárias reformas urbanas no Rio. Mas também sabemos que são antes de mais uma afirmação de potências emergentes, e que em países onde a corrupção é toda uma cultura, os custos tendem a multiplicar-se, como tem acontecido. Os protestos visam também as altas instâncias desportivas que lucram com tudo isto, como a FIFA.
 
Ao olhar para isso, não posso deixar de pensar que os brasileiros mostram mais maturidade que os portugueses: andámos a fazer caminhadas de protesto de meio em meio ano, com "cantigas de intervenção" à mistura, mas onde andavam os simpáticos contestatários quando trazíamos alegremente para Portugal o Euro-2004 e os dez estádios (lembram-se de dizerem que a UEFA impunha esse número: pois no evento da Polónia/Ucrânia só ergueram oito recintos), quando os custos do CCB e Casa da Música derraparam, quando se construíram autoestradas para pouquíssimo movimento, quando levantaram barragens regiões classificadas pela UNESCO, etc. Agora andamos "intervencionados", pois andamos, mas a culpa é antes de mais de todo, e não apenas da "classe política", que de resto gastou o que gastou porque isso trazia mais votos.
 
Sim, digam o que disserem, mas as razões dos protestos dos brasileiros são uma lição para os portugueses, que não souberam tratar do que era seu na devida altura. E nem ao menos ganharmos aos espanhóis...

quinta-feira, junho 27, 2013

Outros enquadramentos da ponte

 
A Ponte da Arrábida tem um toque vanguardista, mas fica muito bem enquadrada com alguns elementos tradicionais. Mesmo que estes apresentem algumas derrogações coloridas a características que supostamente deveriam possuir. Como dizia um velho anúncio, a "a tradição já não é o que era".
 

segunda-feira, junho 24, 2013

Nos cinquenta anos da Ponte da Arrábida


Parece ser o ano das comemorações de "cinquenta anos" dos monumentos mais visíveis do Porto. Há pouco tempo tivemos a Torre dos Clérigos. Agora, é a Ponte da Arrábida que faz meio século de vida. A obra do Eng. Edgar Cardoso, à época o maior arco de betão do Mundo, continua a manter a mesma elegância, mas a sua utilidade aumentou muito, tendo em conta o trânsito que lá pára em hora de ponta. O toque de modernidade é óbvio, mesmo nos dias de hoje, até pelo pormenor dos elevadores da base ao tabuleiro (que obviamente já não funcionam) ,e só tem como senão o facto dos seus acessos terem cortado metade da quinta dos Andresen. Cinquenta anos já é algum tempo, o suficiente para que a ponte tenha sido recentemente classificada como monumento nacional, mas a mim parece-me que existiu desde sempre, e não consigo imaginar o rio sem aquele arco branco (que alguns tags envergonham). Curioso é que tenha sido inaugurada na véspera de feriado sanjoanino, sendo que a outra ponte do genial Edgar Cardoso, a apropriadamente chamada Ponte de S. João, que veio substituir a de Dona Maria como travessia ferroviária, também entrou em funções no mesmo dia. 


sábado, junho 22, 2013

A despedida de Pablito


Como há meses era previsível, Pablo Aimar deixou o Benfica ao terminar o seu contrato. No último ano, fruto das lesões, da consequente falta de ritmo e da experiência acumulada, já pouco tinha contribuído. Deixa na memória colectiva do Benfica as suas jogadas dignas do génio que era (sobretudo na parceria com o amigo Saviola), o grande respeito que sempre demonstrou pelo clube, o comportamento exemplar e a empatia que gerou nos adeptos. Só é pena que não tenha ganho mais títulos. Mas Aimar é daqueles que não será certamente esquecido.

segunda-feira, junho 17, 2013

Os telhados de vidro dos herdeiros de Ataturk


Regressado de uns dias a explorar o Sul do país, onde felizmente havia sol, pouco dei pelas actualidades nacionais e internacionais. Entre a greve das professores em dia de exames, a apresentação de Paulo Fonseca como treinador do Porto e as eleições no Irão, parece que o impasse na Turquia continua, embora com algum diálogo à mistura.
 
Falar sobre um país do qual não se tem conhecimento profundo é sempre arriscado. O que eu vi nas enormes manifestações contra Erdogan foram reivindicações aparentementes justas contra a destruição de uma praça ajardinada em Istambul, a agora célebre Praça Thaksim,para a construção de um enorme e kitsch centro comercial, e creio, uma mesquita. A Turquia neo-otomana de Erdogan, próspera e orgulhosa, com pretensões extra-fronteiras, caracteriza-se em boa parte por isso mesmo: centros comerciais espaventosos e mesquitas. Novo-riquismo e religiosidade. São os símbolos da nova burguesia piedosa, proveniente da Anatólia, que apoia maciçamente o partido no poder. Contra eles estão os manifestantes, a tal elite jovem e urbana, devedora do laicismo de Ataturk, e ainda curdos, esquerdistas, anarquistas, comunistas, tudo o que não se revê em Erdogan e o seu partido. Curiosidade maior é ver adeptos dos três grandes clubes de Istambul (Galatasaray, Fenerbahçe e Besiktas) e unirem-se sob a designação de "Istambul United", brandindo os seus símbolos em prol do protesto comum.
 

 Mas o que é irónico é vê-los a protestar contra a falta de democracia, a imposição de algumas normas moralistas, como as que restringem o comércio e consumo público de álcool, e que "se pretendem imiscuir nas vidas privadas". É que a maioria dos manifestantes são "kemalistas", revê-se em Kemal Ataturk; e que se saiba, o antigo líder da nova Turquia, embora a tenha feito dar um enorme salto em frente, não era propriamente um democrata exemplar, bem pelo contrário: era antes um perfeito autocrata, que governou com mão de ferro e teve algumas implicações na matança dos arménios. Além do mais, Ataturk (em português, Pai dos Turcos, nome que adoptou e que mostra bem o seu pendor de "querido líder"), em nome do laicismo e da ocidentalização, proibiu alguns costumes, como o uso do fez e do véu islâmico em público. Também os regimes comunistas dispuseram sempre das vidas de todos aqueles que tiveram a pouca sorte de viver sob eles. Ou seja, aqueles que se queixam de que o governo quer interferir nas suas vidas apoiaram regimes que fizeram isso mesmo. Agora, Erdogan, escudado em sólidas maiorias eleitorais, retribui-lhes com a mesma moeda. Para mais, o perigo "islâmico" não parece fazer muito sentido na Turquia, que cultiva sobretudo o misticismo sufi, pouco dado a extremismos, e que mesmo nos tempos em que era um império e um califado tinha milhões de cristãos e judeus vivendo dentro das duas fronteiras, em harmonia com a maioria muçulmana. Haverá certamente razões para protestar, começando na brutalidade policial, mas os kemalistas e comunistas, que quando puderam dominaram a seu bel-prazer, deveriam ser os últimos a vir para a rua com tais reivindicações.

quinta-feira, junho 06, 2013

Não se fazem carroséis ao lado de bibliotecas



Luís Filipe Menezes é pródigo em loucuras e projectos populistas e dispendiosos, mas desta vez exagerou: deu-lhe para declarar que quer "devolver os jardins do Palácio de Cristal ao Porto", e "relançar projectos no espaço público", construindo ali um parque de diversões e uma praça da alimentação. Os jardins do palácio, um oásis urbano, com os seus miradouros, as suas alamedas, a concha acústica, a biblioteca, onde se pode parar um pouco para respirar, e que qualquer mente lúcida pensaria em deixar em paz, estão agora ameaçados pela fúria obreira de Menezes. Devolvê-los aos portuenses? Que eu saiba, ninguém lhos tirou. As portas estão abertas durante todo o dia, o pavilhão Rosa Mota (a maior chaga daquele espaço) tem eventos constantes, no fim do Verão realizam-se ali as Noites Ritual. Esta ideia peregrina não abona nada a favor do conhecimento que Menezes tem dos espaços públicos do Porto.
O modelo a copiar é o dos Jardins de Tivoli, em Copenhaga, que já foram inaugurados com o propósito de jardim público com diversões para a  burguesia emergente. Os do Palácio (cujo edifício original infelizmente já não existe) tiveram alguns divertimentos para tardes de fim de semana, em tempos, com um pequeno jardim zoológico com leões e macacos, lagos com barcos a remos e julgo que também um parque infantil. Os jardins, esses, conservaram-se intactos, apesar dos muitos anos de Queima das Fitas que lá se realizava os deixarem anualmente despedaçados.
Ao que parece, os pavões, patos e outras aves que por lá andam, últimas recordações dos animais que lá havia (com leões e macacos), terão de arranjar outro pouso se Menezes for eleito e cumprir esta nova promessa, que tem o custo anunciado de cinco milhões de euros. Os jardins, esses, não sei que forma irão tomar, nem como vão preservar a concha acústica. E acima de tudo, alguém devia perguntar a Menezes se sabe que actualmente lá se construiu a Biblioteca Almeida Garrett. é que parece-me muito estranho fazer-se um parque de diversões com o propósito confessado de atrair turistas ao lado de jardins e sobretudo de bibliotecas. Deus nos livre desta perfeita loucura.

Adenda: a anunciada candidatura de Nuno Cardoso, a acontecer, é das coisas mais despudoradas que se viram e verão na política por estes anos. Sim, o poço é sempre mais fundo do que pensamos. Um ex-presidente da Câmara, que deixou uma herança de obras paradas, dívidas e negócios pouco claros, apoiou a candidatura de Menezes, que, segundo a Visão, recebeu da câmara de Gaia mais de noventa mil euros nos últimos dois anos com ajustes directos, e que vem dizer que se candidata porque recebeu "um apelo brutal" dos portuenses, ou não tem vergonha na cara ou sofre de problemas psíquicos. "Apelo brutal"? Está-se mesmo a ver. Os portuenses é que não apelaram para ele, com toda a certeza.

quarta-feira, junho 05, 2013

A impossível convergência das esquerdas


Acho muita piada a estas "convergências das esquerdas" que Mário Soares anda a tentar arranjar, na esteira do Congresso das Alternativas, depois de anos de tentativas falhadas, com o propósito de constituir novo governo depois de derrubar o actual. Esquece-se é de uns meros pormenores: o executivo em funções só pode cair ou por dissolução do parlamento por Cavaco Silva, ou se o CDS romper com a coligação e esvair-se a maioria parlamentar. Ou seja, não é pela esquerda que o Governo cai. Mais importante, quem iria ocupar o lugar? O PS? Com certeza, mas sem maioria? E que estas "convergências" esquerdistas são muito bonitas e muito utópicas, mas esquecem-se do magno problema da natureza de cada um dos partidos: como é que um partido como o PS, que assinou o memorando da "Troika" e apoia a NATO, pode convidar para um executivo elementos de um partido que manda condolências pela morte de Kim jong Il ao mesmo tempo que vota contra votos de pesar a Vaclav Hável, e outro que se diz "anticapitalista" e se que divide em facções de esquerda radical? Nem para as autárquicas se conseguem coligar, quanto mais a nível nacional. Se surgir um qualquer movimento mais moderado, como aconteceu na Alemanha, com pessoas como Daniel Oliveira, talvez o PS possa pensar em coligações à esquerda. Até lá, terá de se desenrascar e continuar a acenar discretamente a Paulo Portas.

terça-feira, junho 04, 2013

Centralismo clerical

 
D. Manuel clemente será o próximo Patriarca de Lisboa, e seguramente mais tarde, receberá a distinção cardinalícia. Confirmou-se o que já se adivinhava desde a sua nomeação para Bispo do Porto. Tenho ouvido nos últimos dias muita gente a referir-se à sua nomeação com regozijo e elogios. Talvez se tenham esquecido de um pormenor: é que sendo o novo Patriarca de Lisboa, o Porto perde-o como Bispo. Não sabemos quem irá ocupar o Paço Episcopal, mas não vi ninguém a lamentar esta saída. E pronto, cá temos mais uma vez Lisboa a levar o que de melhor há no Porto.  Não me digam que o centralismo (via Vaticano9 agora também se manifesta na forma eclesiástica.

segunda-feira, junho 03, 2013

Park(da Cidade)live

 
Com a passagem dos anos, vai-se encurtando a lista dos grupos musicais que há muito queria ver em concerto. Até porque não tenho visto novidades interessantes, ou quando as encontro já não são novidade. Assim, os que marcaram a minha adolescência, particularmente nos anos noventa, vão sendo avistados ao vivo quando surge a oportunidade.
 
Na última semana, o festival Primavera Sound regressou ao Porto e ao Parque da Cidade, magnífico espaço, bem diferente dos estádios de betão e arenas poeirentas. Três palcos entre lagos e arvoredo, tendas de música, espreguiçadeiras e mantas, tudo sobre o relvado do parque, que descia para os palcos em anfiteatro. Só a "praça da alimentação", onde estavam representadas algumas das mais conhecidas casas do Porto, assentava no asfalto do "queimódromo".
 
Muitos elementos da chamada "música indie" passaram pelo festival, apoiados por alguns veteranos como Nick Cave e os Bad Seeds, Breeders ou My Bloody Valentine, e outros, como Swans e Grizzly Bear. Mas na Sexta aterraram no parque os grandes atractivos e razão maior da minha ida: os Blur. Os criadores da Britpop, os rivais de morte dos Oasis, os mestres da ironia british dos anos noventa em forma de música, ali, no Porto, entre o mar, a avenida e a circunvalação. Apareceram com pontualidade londrina, e entraram em grande, com uma Girls and Boys de rajada. Depois começou o desfile de grandes canções dos anos noventa do grupo de Londres, com as mui british e irónicas Parklife e Country House (que os levou ao auge da fama, em plena "guerra do Britpop"), o futurista The Universal, a magnífica balada gospel Tender, com o respectivo coro de vozes negra, a primordial There's No Other Way,  e a desopilante Cofee and TV, cantada pelo guitarrista Graham Coxon, e onde não faltaram no meio do público duas embalagens de leite gigantes a imitar as ternurentas personagens do respectivo e fantástico videoclip. Pelo meio, Damon Albarn cantava, tocava, erguia os braços e os olhos ao céu como se fosse um profeta e chegou a "navegar" nos braços do público, saindo de lá com uma das muitas grinaldas de flores que as senhoras usavam naquela noite. Tudo num ritmo alto devidamente acompanhado pelo público, que saltou em coro no final com a apoteótica Song Two. 
 
 
Ficou um pequeníssimo travo de insuficiência, mas olhando bem, tirando Charmless Man e a belíssima e romanticíssima To the End, estava lá quase tudo o que se pedia. Talvez o ambiente do parque nos tornasse mais exigentes. Os velhos Blur cumpriram com o que se lhes pedia, felizmente, e consegui finalmente ver ao vivo um dos grupos por que esperava há mais anos, enquanto eles andavam dispersos entre a música africana, a agricultura e a advocacia, já esquecidos do Britpop. E a propósito, como se lembrou no fim do concerto, para o ano podiam convidar os Oásis, se eles se voltarem a juntar. Ou talvez os Pulp (que até já vi). Até porque os Suede (também já tive a honra de os vislumbrar), que o último Ipsilon diz que acabaram e foram esquecidos "felizmente", o que não só é injusto como falso, estiveram no Primavera Sound do ano passado. Mas assim, o festival deixava de ser a meca da música alternativa para passar a ser o revivalismo do Britpop. E não se pode conciliar tudo?