quinta-feira, junho 30, 2011

Há governo


Agora sim, há governo. Os Ministros e o Primeiro-ministro já tinham sido empossados na semana passada. Faltavam os secretários de estado, para a composição estar completa. Nos dias anteriores, havia um governo amputado, ou uma cabeça sem corpo. Com as tarefas que aguardam os novos titulares das várias pastas (para alguns, são mesmo várias), os secretários de estado eram essenciais para a boa governação. São 35, em lugar dos anunciados 25, mas com tão poucos ministros via-se logo que as secretarias de estado nunca poderiam ser menos.



Tal como sucedeu com os ministros, há muitos independentes, muitas caras desconhecidas e algumas surpresas. Não soube o que dizer à nomeação de Marco António, até que me informaram que ele já tinha tido uma fugaz passagem pelo sector, além de liderar o aparelho laranja do Porto, o que conta muito. Curioso ver Daniel Campelo na agricultura, mas é uma área em que reúne experiência e conhecimentos, que certamente ajudarão a novata Assunção Cristas. Já de Miguel Morais Leitão (que remete para o seu pai, ministro da AD), estranha-se a pasta, mas entende-se a justificação com a necessidade de "diplomacia económica". De resto, Carlos Moedas, Luís Marques Guedes, num cargo que já ocupara anteriormente, e Francisco José Viegas, titular anunciado na cultura, despromovida a secretaria de estado (que deixou os designers do logótipo do Ministério da Cultura indignados), já tinham tomado posse ou sido anunciados.



Continuo a pensar que mais um ministério não era descabido. Acredito na boa é a na capacidade de trabalho de Assunção Cristas, mas entregar-lhe uma catrefada de pastas de áreas em que não tem experiência e que podem até chocar é demasiado arriscado. Mais valia terem mantido o convite - depois retirado - a Jorge Moreira da Silva, já há muito envolvido nas questões ambientais, e entregar-lhe o ambiente, ordenamento do território (um autêntico quebra-cabeças, que envolve barragens, florestas, planeamento urbanístico, etc) e energia, deixando a agricultura nas mãos de Cristas.

Com o governo devidamente em funções, e o programa apresentado, resta desejar-lhe as maiores felicidades. Até agora tem sido coerente. Goste-se ou não do programa governamental, e há pontos em que discordo cepticamente, não há dúvida de que propõem-se a cumprir o que prometeram. Os dois partidos têm maioria parlamentar, escolhida pelo povo português, e têm toda a legitimidade para levar a cabo as mudanças a que se propuseram. Não vale a pena vir com lamentos contra a "regressão neoliberal" ou ameaçar com "maiorias sociais". As medidas vão ser duras, vão causar protestos, mas na sua maioria, serão necessárias. Não se arrancam dentes cariados sem tratamento. Para tragédias sociais, já basta a grega.

sábado, junho 25, 2011

Uma regata de feriado


A juntar aos festejos de véspera, no dia 24 deu-se a tradicional corrida de barcos rabelo no Douro. Este ano resolveram agendar a regata para horas mais católicas, e não às onze ou ao meio-dia, altura em que setenta por cento das cidades (não esquecer que em Gaia também é S. João) dorme. Não haja dúvida de que as velas dos rabelos, com as cores das respectivas companhias, animam a paisagem do Douro, no feriado mais parado da cidade. Os confrades da Confraria do Vinho do Porto, cada um com o seu traje henriquino, encabeçam as respectivas embarcações, que têm de conhecer às águas em que navegam, a mestria das manobras e as as direcções do vento, que não é pouco. Não pude ver quem ganhou a corrida (mas as notícias online ajudam), mas reparei que as últimas foram marcas de nome inglês e alemã - à atenção de futuras queixas de Frau Merkel. Em todo o caso, eis uma tradição que tem o condão de reviver os tempos em que estes barcos de madeira desciam o douro, até aos cais de Gaia e da Ribeira (se bem que em sentido contrário), atafulhados de pipas, e para a qual vale a pena chamar a atenção...desde que se conservem a horas decentes.


(Foto tirada daqui)

quinta-feira, junho 23, 2011

Cem anos de feriado


Nos cartazes relativos às festas de S. João deste ano colocados pelo município surge uma novidade: os cem anos da festividade oficial. Em bom rigor, as festas joaninas comemoram-se há séculos, com a justaposição da homenagem cristã ao Baptista às festividades pagãs do solstício de Verão. No Porto, as fogueiras tradicionais perdem-se na memória dos tempos. Mas até serem oficializadas, tiveram de esperar muito.

A 1ª República pretendeu, logo no seu início, criar os feriados municipais, acabando ao mesmo tempo com os religiosos, numa tentativa de laicizar e "educar" a sociedade. Assim, os municípios e as suas novas vereações republicanas estabeleceram os que eram mais próximos aos munícipes, ou mais convenientes.

No Porto, as autoridades camarárias não chegaram a acordo, pela que a decisão acabou por ser referendada, numa "consulta ao povo do Porto" levada a cabo pelo Jornal de Notícias. Havia várias propostas, além do 24 de Junho, já muito festejado: 1 de Maio, 8 de Dezembro, 9 de Julho (entrada das forças liberais no Porto), e outras que não vêm à memória. Acabou por ganhar, com grande maioria , o S. João, que era assim, em 1911, instituído como o feriado municipal da cidade do Porto.

Não deixa de ser irónico que, em plena República laicista e com assomos jacobinos, tenha sido o Santo que baptizou Cristo a nomear um feriado criado por iniciativa de um organismo republicano, mesmo que as festividades fossem sobretudo pagãs.

Em todo o caso, é graças a esse referendo municipal de há cem anos que hoje em dia podemos festejar o Baptista e a chegada do Verão, sabendo que no dia seguinte se pode sempre recuperar das mazelas.


terça-feira, junho 21, 2011

Uma aposta que saiu por cima


O tão almejado sonho de Fernando Nobre ficou pelas bancadas de S. Bento. A coisa já se adivinhava à légua desde o início, com todos os partidos, mesmo o CDS, a declarar à partida o seu veto. Uma batalha perdida. Mas percebe-se que Pedro Passos Coelho tenha querido levar a hipótese até ao fim. Deu a sua palavra, não tinha mais que a cumprir, apesar dos apelos sem contrário e do desfecho previsível. Para além de uma questão de honra, a táctica também pode ter jogado a favor, já que não lhe ficava nada bem voltar com a palavra atrás na véspera de tomar posse como Primeiro-Ministro. Deixar cair Nobre seria deselegante e traiçoeiro. Também não me pareceu pior que o fundador da AMI optasse por ficar no Parlamento. Reconsiderou que a sua presença seria mais útil como agente legislador. Está lá pelo voto dos eleitores, não para fazer birrinhas de cargos.


Já sobre a eleição, tenho dúvidas se terá sido a primeira vez que um candidato ao cargo não conseguiu ser eleito. Sei do confronto entre Oliveira Dias e Teófilo Carvalho dos Santos, em que este perdeu para o candidato da AD. O caso não é exactamente igual, mas houve também um derrotado.


Nobre era um erro de casting desde o início, como quase todos reconheceram. Mas levando a candidatura até ao fim, conseguiu sair-se airosamente. A alternativa Assunção Esteves ficou guardada até ao dia seguinte, enquanto todos discutiam se a segunda figura do estado seria Mota Amaral ou Guilherme Silva. Acabou por ser eleita com um grande número de votos e cumprimentos elogiosos de todas as bancadas. Poucas horas depois da tomada de posse do Governo, também o Parlamento tinha quem dirigisse os seus trabalhos.



No mesmo dia, dois transmontanos do distrito de Vila Real assumiram os dois cargos mais importantes da nação depois do chefe de estado.

segunda-feira, junho 20, 2011

A pergunta mais ouvida nos últimos dias

"Quem é esse Vítor Gaspar"?

domingo, junho 19, 2011

Nuno "Gomes"



Previsível mas desagradável. Apesar de ténues esperanças, Nuno "Gomes" deixa mesmo de ser jogador do Benfica. Ainda pretendia jogar mais um ano, mas Jorge Jesus, tal como mostrou na época acabada, não esteve pelos ajustes. É a partida de um jogador que esteve doze anos (entrecortados) no Benfica. Números que já não se usam.

Veio do Boavista quando era uma das maiores esperanças portuguesas para a frente de ataque. Mostrou logo profissionalismo, pois quando ainda estava ao serviço da turma do Bessa, marcou um golo ao Benfica na final da Taça de Portugal, que lhe ditou a derrota, apesar de já ter assinado. Depois seguiu-se uma média de vinte golos por época e as fantásticas exibições no Europeu de 2000, que obrigaram Vale e Azevedo, apertado pelos credores, a vendê-lo à Fiorentina. Havia esperança que, com Rui Costa ao lado, fosse o novo Batistuta, mas eram expectativas demasiado pesadas. Marcou menos do que esperava, ganhou uma Taça, e a Viola de Florença estourou sob as dívidas. Nuno tinha vários convites, mas optou por regressar à Luz, a custo zero, num dos melhores negócios de sempre do Benfica. Já não era o artilheiro dos vinte golos/época, mas era um avançado que abria espaços e fazia assistências preciosas, sem deixar de marcar os seus tentos. Esteve quase a ser o melhor marcador, em 2006, mas uma lesão grave retirou-o de campo a algumas jornadas do fim. A pouco e pouco, os golos foram diminuindo, outros avançados foram chegando, começou a alternância entre o banco e a titularidade. Não sendo uma escolha absoluta, era no entanto a referência, o "mais velho", o capitão do plantel. Até chegar a era Jesus, e o banco se tornar no seu local habitual em campo.

Na Selecção também deu nas vistas, em vários escalões. Marcou pela primeira vez com as Quinas ao peito no Euro 2000, contra a Inglaterra, um golo que selou uma das mais incríveis reviravoltas em competições internacionais. Marcou muitos mais (à França, nessa competição, pregando Barthez ao relvado, à Espanha, no "nosso" Europeu, levando Portugal à fase seguinte, à Alemanha), 29, ao todo, tendo-se tornado, até ver, no quarto melhor marcado de sempre por Portugal.

Nuno Gomes é o melhor artilheiro português dos últimos vinte anos, com mais golos marcados na carreira do que Rui Águas, Domingos ou Cadete. Mais do que ele, só mesmo o jogador que lhe deu a alcunha, Fernando Gomes. No entanto, durante anos era mal-amado, por causa da carinha laroca, dos cabelos e da bandelete para os prender, etc: era a "menina", o que se preocupava mais com o cabelo do que em jogar, o que se distinguia mais pelos falhanços do que pelos golos, etc, etc. Os adeptos preferem sempre os broeiros aos que têm aspecto mais fashion. O estatuto de "segundo melhor" atrás de Jardel e as comparações na segunda passagem pelo Benfica com os números da primeira também não ajudaram. Assim, Nuno teve de carregar durante anos uma pesada cruz, até se tornar veterano e assumir a barçadeira de capitão, e de, na época finda, provocar verdadeira empatia com os adeptos, entrando raramente e perto do fim, para ainda assinar com alguns golos. Embora tarde, conseguiu fazer as pazes com a "torcida". Depois de doze anos de águia ao peito, não conseguiu a renovação do contrato por parte da equipa técnica do Benfica, mais preocupada em importar sul americanos e júniores "muito promissores" do Varzim, e ele preferiu acabar a carreira noutras paragens, certo de que ainda tem golos a marcar. Provavelmente vai consegui-lo. Menos provável é que se encontra um ponta de lança português tão concretizador nos próximos anos.

quarta-feira, junho 15, 2011

Façam-se apostas


Parece que o fumo branco governamental estará por horas para sair de Belém. Saberemos então quais e com quantos ministros conta Passos Coelho. Não faço apostas. O soundbyte é enorme, com nomes para todos os gostos, desde relíquias do cavaquismo, como Fernando Nogueira (quem diria?), Braga de Macedo e Marques Mendes, até independentes como Vítor Bento e Fernando Nobre, e ex-socialistas tais como Daniel Bessa. Pelo meio ventilam-se Aguiar Branco, Paula Teixeira da Cruz, Eduardo Catroga, Pires de Lima. Prefiro não arriscar. Quase que aposto que boa parte desse nomes é lançada propositadamente ao vento para estabelecer a dúvida e a discussão. Sempre quero ver quais as surpresas que vão passar pelo anúncio da equipa governamental. Aquela que tem um trabalho hercúleo pela frente.

terça-feira, junho 14, 2011

Rescaldo - pequenos






Mais uma vez os "pequenos partidos" não conseguiram entrar no Parlamento. Até subiram, na sua globalidade, mas ficaram de fora. Desde 1991 que nenhuma formação pequena consegue furar os números. Nesse ano, o PSN do professor Manuel Sérgio conseguiu uma proeza improvável, antes de se afundar na irrelevância. Tirando o caso da federação de partidos que, com sucesso, formou o Bloco de Esquerda, nenhum consegue lá chegar.




O MRPP, velho partido de murais épicos e militância estudantil famosa, é sempre o primeiro dos últimos. Até hoje, e apesar da sua história e de ser conhecido, não conseguiu um único representante. Garcia Pereira é persistente, mas tudo tem os seus limites.




O MEP é a grande desilusão. Com os focos dos debates a incidirem sobre Rui Marques, teve ainda menos votos do que em 2009, e muitos menos do que aquela coisa dos animais. Essa nóvel formação conseguiu surpreender, talvez por causa do apoio de algumas caras conhecidas, ou da mobilização dos budistas, vegans e alguns votos habitualmente bloquistas. Quanto ao MEP, não sei qual o seu futuro, ou sequer se o tem. É que a desolação de resultados levou Marques a abandonar a liderança do movimento, e sem ele, tenho sérias dúvidas que se aguentem.



O MPT, em nome próprio, cresceu, mas terá de ambicionar mais se quiser chamar a atenção para os valores que defende. O PNR também subiu (terá sido o temor e a reacção aos indianos usados pelo PS?), mas por este andar ainda faltará muito tempo até Pinto-Coelho chegar à A.R.



O PPM, apesar da sobriedade de Paulo Estêvão e da graciosidade de Aline Hall, ficou-se por um resultado desolador, nada digno de quem já esteve no governo. De resto, o costume: POUS, Portugal Pró-Vida e Partido Humanista fecharam o pelotão. O Partido do Norte, do tronitruante Pedro Baptista, que se albergou no PDA, essa micro-entidade açoriana (que não é a primeira vez que serve de barriga de aluguer a um partido regional, se se lembrarem do alentejano Movimento Amigos da Planície), saldou-se por números irrelevantes. E já que se fala em partidos regionais, tivemos pelo meio a Nova Democracia, que agora praticamente só aposta na Madeira, e o Partido Trabalhista, do ex-PND José Manuel Coelho, que não chegou aos calcanhares do resultado das presidenciais, há apenas 5 meses. Tivesse ficado no antigo partido de Manuel Monteiro, e as perspectivas para as regionais eram interessantes. Assim, desbaratou os votos que lhe poderiam ser preciosos mais tarde. O pecado da gula é aquele que mais depressa acarreta punição.

sábado, junho 11, 2011

Rescaldo (à esquerda)


A subida do PSD é directamente proporcional à queda do PS. A conversa de que a queda do governo era culpa da oposição não convenceu minimamente o eleitorado. Como aconteceu na Grécia e na Irlanda, o recurso ao FMI, aliado ao desgaste de Sócrates, levou à derrota do partido no poder. O PS voltou a números que não tinha desde Sampaio, no auge das maiorias cavaquistas, abaixo dos 30%, coisa que sondagem alguma indicou. E com graves riscos internos. A união à volta do "líder" secou as vozes internas e as tendências ideológicas. O poder tem destas coisas, e Sócrates ajuda.


Estava bastante combalido, embora o tentasse disfarçar. A sua renúncia motivou muitos "nãos" de aflição, como costuma acontecer aos líderes aditivos, mas não podia fazer outra coisa. Ao menos na sua despedida, o PM cessante mostrou a humildade e o desprendimento que lhe faltaram nestes anos todos. Deixa o seu partido com uma disputa da sucessão pela frente, assumida oportunisticamente minutos depois por António José Seguro, que vê chegado o seu momento, secundado dias depois por Francisco Assis. António Costa, do seu gabinete no Intendente, preferiu ficar como "reserva futura. Veremos se o PS atravessa o vazio desértico pós-socratista, sendo certo que terá umas palavras a dizer no novo ciclo.



A CDU mantém os votos e ganhou mesmo um deputado por Faro. Desde que Jerónimo chegou que a hemorragia inexorável estancou. Bom aproveitamento da crise, renovação da militância, a "genuinidade" de Jerónimo? Não perguntem. Só sei que depois de duas décadas em queda, a coligação vermelha-verde se consegue aguentar.


O Bloco de Esquerda é um dos grandes temas de conversa pós-eleições. Previa-se a descida, apanhou por tabela e teve uma resultado desastroso. Perdeu metade dos deputados, entre os quais José Manuel Pureza, que lhe fará muita falta. Francisco Louçã não quer sair da "coordenação", o que revela bem a sua propensão totalitária, mas já se ouvem vozes nesse sentido. A verdade é que Louçã é o rosto do Bloco desde o início, e o seu afastamento poderia ser ainda pior para o partido. não se vislumbram grandes alternativas, excepto talvez Miguel Portas (como se tratariam doravante CDS e Bloco?)Em todo o caso, conviria pensar em mudanças internas. Mas talvez seja demasiado prematuro fazer já o enterro do movimento. Se aproveitar bem os tempos difíceis que se avizinham, e não cometer demasiados erros estratégicos, como a história da moção de censura de opereta, talvez cresça em escrutínios futuros. Até lá, está confinado ao núcleo duro no parlamento.

quarta-feira, junho 08, 2011

Rescaldo (à direita)


Esta análise vem com dois dias de atraso, bem sei. Mas gosto de fazê-las com calma, e o tempo é um bem escasso.


Como já tinha dito, estas eleições não trouxeram nada de especificamente surpreendente, tirando a diferença entre PSD e PS. Num ou noutro caso, no essencial, houve algumas surpresas, mas não há eleição que não as tenha. No essencial, nada espantou.



O PSD é o grande vencedor mais pelos números do que pela vitória em si. Como tinha notado na arruada que presenciei em Santa Catarina, os sociais democratas levavam já uma dinâmica de vitória, ao passo que o PS estava já pouco entusiasmado. Tudo isso depois de semanas de "empates técnicos". Até Abril/Maio, o PSD tinha uma vantagem muito confortável nas sondagens. Perdeu-a quando o discurso começou a tergiversar, com vários dirigentes a falar cá para fora a diversas vozes, por vezes em contradição com Passos Coelho. Mais do que o debate (onde Passos não se deixou intimidar por Sócrates e que marcou alguns pontos), o silenciamento de algumas figuras, como Catroga ou Leite Campos, e a união em volta do líder foram fundamentais.


Antes do anúncio dos resultados, o PSD já sabia seguramente que tinha vencido as eleições, mas talvez não por aquela margem. o número de deputados conquistados, que ainda vão aumentar com a emigração, permite-lhe um certo desafogo nas negociações já em curso com o CDS-PP e se for necessário, prescindir dos votos madeirenses para impedir qualquer veleidade chantagista a Alberto João Jardim.

Há números curiosos. Para além das habituais zonas de implantação laranja de Trás-os-Montes, Beira Interior e Leiria, o PSD ganhou em todos os concelhos do Algarve, onde obteve mais um deputado (o meu antigo companheiro de quiz, Cristóvão Norte, filho do deputado homónimo que nos anos setenta era o único deputado laranja do distrito). Em Setúbal, onde em 1975 estava impedido de fazer comícios, o PSD também ganhou. Em Beja recuperou o deputado perdido há vinte anos. E até venceu no "Socraquistão" de Castelo Branco e Portalegre (aqui com apenas mais 14 votos).


Como seria de esperar, em Vila Real, Passos coelho obteve o seu segundo melhor resultado. Num distrito fortemente PSD, a proveniência do líder só podia reforçar as contas. Melhor só mesmo em Bragança. Há que felicitar o cabeça de lista vencedor. Ainda por cima, o distrito já há algum tempo que não vota tanto à direita como no início, quando se dizia que os comunistas comiam criancinhas e os socialistas roubavam galinhas.


Até por estes números simbólicos, Pedro Passos coelho é um vencedor inequívoco. Apesar de todas as gaffes, confusões e polémicas. Não tendo grande biografia (Cavaco também não tinha, segundo Soares), parece-me antes de mais um indivíduo decente e correcto, ideia que também recolhi de conhecimentos familiares de Vila Real. Claro que o carácter nem sempre é tudo num líder que se quer forte e corajoso, mais a mais numa situação como a actual, mas é sempre o princípio de tudo. O resto dependerá do apoio que tiver.



E o CDS-PP? Conseguiu alcançar todos os objectivos a que se propunha, mas as expectativas nos votos (cheguei a ouvir alucinações de "17%") foram goradas, não há que disfarçá-lo. Não percebi se a relativa calma que se vivia no Caldas e a prudência de Paulo Portas no seu discurso tinham directamente a ver com isso ou se era já o pensamento no dia seguinte, mas parece-me indissociável a água na fervura das expectativas e a placidez dos militantes na noite eleitoral. Em 2009, se bem se lembram, foi um delírio com os "dois dígitos". As sondagens voltaram a enganar-se, mas ao contrário. Agora, a entrada no governo está assegurada e corre os seus termos, e a esquerda radical está lá para trás. Mas os populares fariam bem em dar atenção a um aspecto. É verdade que cresceram em votos sobretudo nas zonas urbanas, e ao que parece, também no voto "jovem". Isso reflectiu-se nas enormes subidas em Setúbal e Lisboa. Em contrapartida, noutros círculos com votações tradicionalmente interessantes, como Viseu, Braga, Leiria e Aveiro, o CDS estagnou ou perdeu mesmo votos - é o caso de Aveiro, por onde corre Portas. Se num escrutínio nacional o partido pode captar mais votos graças a algumas ideias, a um líder carismático ou a razões circunstanciais, já nas locais a coisa tende a cair por terra, como as autárquicas muito bem o comprovam de eleição para eleição. O CDS já teve um bom número de câmaras, incluindo várias capitais de distrito. Hoje está reduzido a Ponte de Lima. As estruturas locais ou são fracas ou não têm capacidade de atracção de figuras de prestígio e eleitores, e o triste facto dos municípios estarem convertidos em agências de emprego. Um partido que pretende ser influente na vida nacional precisa de assentar nalgumas estruturas municipais, regionais ou sociais (o PCP tem os sindicatos e algumas regiões de grande peso). Se os militantes do CDs não pensarem nisso, arriscam-se a ter sérios dissabores daqui a uns anos.



A frase mais badalada da noite, sem a menor dúvida, era o "cumpriu-se o sonho de Sá Carneiro: um governo, uma maioria, um presidente". Formalmente, cumpriu-se neste 5 de Junho, sim. Mas na prática o objectivo do fundador do PSD já tinha sido atingido post mortem em 1982, com a primeira revisão constitucional, que afastou os generais do poder e transformou o Conselho da Revolução em Conselho de Estado. No Domingo, apenas se cumpriu o slogan da AD. Saberemos nos capítulos seguintes quais as suas consequências práticas.

segunda-feira, junho 06, 2011

Resultado


A vitória do PSD não terá surpreendido ninguém que estivesse minimamente atento na última semana. Mas não esperava uma diferença tão grande entre os partidos do "bloco central". Um pouco menos do PSD, um pouco mais do PS e do CDS, e que o bloco não ficaria abaixo dos 7%. só acertei com a CDU, que se manteve nos 8%, O seu eleitorado é mesmo fiel.


A diferença nas previsões (e nas sondagens) não altera o essencial: o PS perdeu, o PSD ganhou com maioria relativa e terá de se aliar com o CDS-PP, que aumentou a votação e o número de deputados. a esquerda radical perdeu votos e vozes. Sócrates abandona a liderança mais cedo do que poderia pensar (mas não Miguel Sousa Tavares, que previu que às 21:30 Sócrates já não seria secretário-geral do PS; enganou-se por dez minutos...), e deixa assim caminho livre para um sucessor mais flexível com a oposição, perante as duras políticas que se antevêem e que precisarão de ser negociadas.


Como recordavam alguns, está cumprido o sonho de Sá Carneiro: um governo, uma maioria, um presidente.

Amanhã haverá tempo de se analisar os resultados mais ao pormenor.

domingo, junho 05, 2011

Alcântara e o regresso de um símbolo

 
Quando há uns anos me mudei para Lisboa (mudança essa retrocedida pelo regresso ao Porto), imediatamente iniciei o processo de reconhecimento da cidade onde ia ficar indefinidamente. Vivi em várias zonas, de Telheiras a Arroios, e pelo meio com um desvio para a Linha. Mas à parte as deambulações iniciais, a zona de Lisboa que mais me marcou nos primeiros tempos foi Alcântara, por trabalhar aí e por viver nas proximidades, na Infante Santo. A descida das Necessidades, de cujo jardim se avistava toda a zona, através da estreita rampa até ao largo da Armada, era um prenúncio da zona com eixos viários mais ou menos amplos, irrigados por vielas e becos de onde saíam gatos ou marinheiros para tomar um dos inúmeros bagaços do dia. Não faltavam aí restaurantes, desde snacks e tascos modestos até grandes marisqueiras, de letreiros bem visíveis. Havia casas degradadas, baldios decrépitos, esperando a eternamente adiada intervenção de Siza, e ruelas de idade respeitável, como a Travessa da Trabuqueta, que, a crer nas primeiras páginas de A Cidade e as Serras, existia já em tempos de D. João VI e constituía um perigo para os Jacintos da época.
 


Alcântara está dividida pela Avenida de Ceuta e pelo movimentado cruzamento entre essa parte que acompanha o eixo da Prior do Crato e a que se estende à volta do Largo do Calvário. A homenagem toponímica nessa zona ao pretendente ao trono é de fácil explicação: precisamente nesse local, as forças mal armadas e treinadas que apoiavam D. António, comandadas pelo refugo do refugo de Alcácer Quibir, enfrentaram aí os poderosos Tercios do temível Duque de Alba, e claro está, foram obviamente desbaratadas, permitindo a entrada dos castelhanos na capital e a consequente subida de Filipe II ao trono português. Na altura, havia uma ponte que atravessava a ribeira de Alcântara, que separava Monsanto da cidade, e assim permaneceu até ao Século XX, altura em que se encanou o curso de água.

A arquitectura industrial, com maioria de fábricas abandonadas, e as casas oitocentistas (podendo-se ver uns poucos exemplares de art nouveau) convivem agora com as Docas, espaços ribeirinhos cuja noite já teve melhores dias, e novos projectos como o Alcantara LX, uma construção moderna e claramente destacada da envolvente de antigas fábricas. A sucursal lisboeta do Twins fica por ali, e do outro lado o Garage deu cartas durante uns tempos. A frente do edifício industrial que o acolhia era meia tapada por uma estrutura metálica que ligava a estação de Alcântara-Terra a Alcantâra-Mar, da linha de Cascais, vizinha da Gare Marítima e do Museu do Oriente, já ao lado do rio todos com arquitectura modernista dos anos quarenta e com recordações de Almada Negreiros.

A principal marca desportiva de Alcântara é o Atlético clube de Portugal, fusão do Carcavelinhos e do União de Lisboa. Jogou inúmeras vezes na primeira divisão, chegou a finais da Taça, e até aos anos setenta era um habituée do escalão principal. Afastado desde aí dos grandes jogos, o Atlético teve um momento de glória quando eliminou o Porto da Taça de Portugal, em 2007, em pleno Dragão. Os alcantarenses festejaram efusivamente o feito, e o periódico da colectividade até emitiu uma edição especial. Mesmo os Gato Fedorento se lembraram de parodiar esse jogo. O seu estádio, a Tapadinha, fica nos altos de Alcântara. É um recinto envelhecido, um pouco à imagem do clube, sem cadeiras nem cobertura, mas com uma bela vista sobre o Tejo. As suas assistências são até satisfatórias para as divisões secundárias


Cheguei a assistir a um desafio com outro histórico do futebol português, o Barreirense, pouco tempo depois desse tomba-gigantes protagonizado pelo Atlético nas barbas de Jesualdo e Pinto da Costa. O confronto com os vizinhos da margem Sul, de onde saíram várias lendas do nosso futebol, teve muitos episódios na primeira divisão, em tempos que já há muito lá vão. Hoje são dois clubes semi-profissionais, que vivem das memórias, dos sócios e de alguma publicidade local.


Segundo os alcantarenses, uma das razões que ditou o declínio do Atlético foi a construção da Ponte sobre o Tejo, que passa por cima da zona, aliás mesmo ao lado da Tapadinha. Talvez porque se tornou um mero atravessadouro, e perdeu o movimento dos passageiros que seguiam de cacilheiro, e toda a indústria local, relacionada com o rio. Não sei se é a verdadeira razão ou não - com a profissionalização, os clubes de bairro tenderam a decair, e as receitas não devem abundar.


O que é certo é que o Atlético teve mais um momento histórico há dias: depois de ficar em primeiro lugar na 2ª divisão B-Sul, venceu na liguilha de subida o Padroense e subiu à divisão de Honra, agora Segunda Liga, ou seja, aos campeonatos profissionais. Fará companhia o União da Madeira, aquela agremiação quer era normalmente composta por Dragans, Miltons Mendes e Simics naturalizados, mas não já pela turma do Padrão da Légua, por causa das estúpidas regras que regem estas promoções. Assim, além do Benfica-Sporting, haverá outro derby lisboeta, na divisão inferior: o clube de Alcântara contra o seu rival (e antigo "Grande") Belenenses. Saúda-se este regresso do Atlético Clube de Portugal, e sobretudo, a animação que não será na Tapadinha a recepção aos vizinhos de Belém e da Ajuda. Os alcantarenses já mereciam.

sábado, junho 04, 2011

O bloco central em Santa Catarina



Na quinta-feira, pretextando uma volta pela Feira do Livro, de novo na placa cinzenta dos Aliados, assisti às duas arruadas dos partidos do Bloco Central. Se à volta dos aliados as jotinhas laranjas, montadas em autocarros de dois andares, já ensaiavam as bandeiras e megafones, em Santa Catarina desfilava o cortejo socialista, com Sócrates acenando no meio. Uma fila extensa, com bandeiras de várias cores (já não apenas o rosa e branco), o mulherio da Sé em transe com o ainda primeiro-ministro, tentando beijá-lo, ou em alternativa a fotografia, e com a secção do PS de Santo Ildefonso a aplaudir à varanda.



Meia hora depois, a caravana laranja, com os mesmos adereços, as jotas em êxtase, mais ainda quando chegou Passos coelho, que mal se via entre as câmaras e os microfones entre os quais se desdobrava-se freneticamente. Deu-me ideia que os cortejos tinham uma extensão mais ou menos semelhante, mas o do PSD era mais compacto, coisa que os jornais no dia seguinte confirmavam. No resto, poucas diferenças. As caravanas lembravam uma claque de futebol, com bandeiras gigantes, os militantes a envergar as camisolas do partido e alguns chefes de secção com microfone a entoar slogans para a turba repetir.






No artigo de Sexta, Vasco Pulido Valente acertava em pleno. De facto, Sócrates anda em campanha rodeado de seguranças, só permitindo alguns furos ocasionais de fãs histéricas. Tudo dentro do profissionalismo eleitoral da "máquina rosa". Como também recorda VPV, Mário Soares andava alegremente no meio da multidão, até na praia fazia campanha, entre os campistas, e por causa disso aconteceu o episódio da Marinha Grande, que lhe deu um élan inesperado nas presidenciais de 1986. Ao colunista só lhe faltou um pormenor: é que tal como Pinto de Sousa, Passos Coelho também anda rodeado de um cordão de forças e de guarda-costas profissionais, que pouco o aproxima dos transeuntes, e que não fica bem com a sua bonomia. Até nisso, as campanhas do centro-esquerda e do centro-direita do bloco central são idênticas.

sexta-feira, junho 03, 2011

Os não representados

 
As campanhas dos partidos com assento parlamentar não fogem muito à rotina habitual, ao contrário do que esperava, tirando aquela renúncia aos outdoors, que sobraram para os pequenos. Estes fazem o que podem. O debate na RTP é uma migalha, mas sempre serviu para ver quem é que tinha ideias para discutir. O MPT de Pedro Quartin Graça , o MEP de Rui Marques, o PPM de Paulo Estêvão e mesmo o MRPP do "veterano" mas sempre activo Garcia Pereira foram os que expuseram ideias mais claras, e acima de tudo mais soluções concretas, por vezes coincidentes. Nem todas serão exequíveis, mas nenhum vende gato por lebre. Ouvi um pouco Paulo Borges, do Partido dos Animais, mas perdi um pouco a paciência com a conversa da união entre todos os seres vivos e que todos os valores dos outros candidatos eram relativos em comparação com o ideal que defendia (estava a ver que ia propor que os animais tivessem o direito ao voto). José Pinto Coelho não deixou de culpar os emigrantes pelos estragos do estrito conceito que ele tem de Nação; quanto ao outro Coelho, o da Madeira, começou logo desde o início a sabotar a conversa com o seu lençol de slogans, ao qual chamava"os ideais de Abril" (calculo o que Quartin Graça não terá aguentado).


As sondagens dão números interessantes aos pequenos partidos, o que pode indiciar que entrem no Parlamento. Garcia Pereira estaria na calha para isso, mas a incompreensível decisão de deixar todos os outros candidatos à sua espera em vão depois de ganhar uma providência cautelar que obrigava as televisões a transmitir debates entre eles pôs seguramente em risco a sua eleição. É pena, porque tanta persistência merecia um lugar ao velho MRPP em São Bento, mas estas atitudes pagam-se caro. Diferente posição teve o MEP, que ganhou idêntico direito ao debate, e Rui Marques não perdeu a sua oportunidade. É possível que tenha marcado pontos. quem sabe se não teremos o verde do MEP e do MPT no parlamento, levando algum ar fresco aos Passos Perdidos.


Quanto a José Manuel Coelho, duvido que a transferência para o invisível Partido Trabalhista, liderado por um senhor chamado Amândio Madaleno, sirva para segurar os surpreendentes votos das presidenciais. No fundo, os candidatos independentes à presidência nunca seguram a sua votação. a prestação no debate também não ajudou.




Ps: a Nova Democracia está transformada em partido regional madeirense, ou a passagem de José Manuel Coelho deixou o vírus da paródia no partido? É que ouvir aqueles tempos de antena, metade eles ocupados por musiquinhas pretensiosamente satirizantes, sem apresentar uma única ideia, tira logo a paciência a um santo.