segunda-feira, abril 30, 2012

Ultrapassando um trauma de 75 anos


Confesso que fui pouco patriota na meia-final da UEFA (essa história do patriotismo no futebol também é muito engraçada para embalar crianças de colo), mas não poderia deixar de apoiar o meu clube preferido do outro bocado da península, o Athletic de Bilbao. Os lagartos até se bateram galhardamente, mas o ambiente do público fervoroso que enchia a catedral de San Mamés era demais e não os deixou ir à final. No fim ficou a euforia basca que nem por isso deixou de aplaudir os adversários, mesmo que Sá Pinto já tenha jogado nos rivais de San Sebastian.

Mas o dia do jogo teve ainda um simbolismo que terá escapado à maioria. Exactamente 75 anos antes dava-se uma das maiores tragédias da região. A 26 de Abril de 1937, em plena Guerra Civil de Espanha, a Legião condor e a aviação fascista italiana, aliados dos nacionalistas, bombardeavam a cidade de Guernica, símbolo espiritual dos costumes bascos, com o seu lendário carvalho, à sombra da qual gerações e gerações tomavam as resoluções para a comunidade local, e que sobreviveu ao bombardeamento. O bombardeamento, cujo número de vítimas é alvo de discussão pelas suas disparidades, ficou mundialmente conhecido pelo quadro de Picasso, que retratou o sofrimento provocado por uma guerra atroz e que se tornaria num dos símbolos da Espanha do século XX. A árvore de Guernica manteve-se até há poucos anos, sendo substituída por outra, e é lá que o governador eleito do País Basco, o Lehendakari, faz o seu juramento de tomada de posse. Surge igualmente no brasão do Athletic de Bilbao.













À partida, as bodas de diamante da mais conhecida catástrofe basca não seria a melhor prenúncio para uma vitória marcante do maior emblema desportivo da região. O que é certo é que acabou por ser um dia de alegria para os adeptos biscainhos (talvez não para os da Real Sociedad), como que a mostrar que as efemérides podem ser de sentido contrário. O Sporting que os desculpe, mas dificilmente haveria melhor dia para um triunfo assim, que bem podia ser uma homenagem à martirizada Guernica. Agora só falta mesmo vencerem o clube madrileno a quem emprestaram nome e cores e levar a taça UEFA para Bilbao. Exposta no Guggenheim, ficaria lindamente.


quinta-feira, abril 26, 2012

Miguel Portas


A morte de Miguel Portas não é totalmente inesperada, mas julgava-se que ainda ficaria mais algum tempo entre os vivos. Mas a doença venceu-o, em Antuérpia. Apesar de algum sectarismo e radicalismo de esquerda, era um homem de valor, sincero, afável, idealista e lúcido, como se prova nesta entrevista que deu ao Expresso no Verão passado. Teve uma carreira multifacetada, entre o jornalismo, lançando várias publicações (chegou a haver piadas quanto ao toque anti-Midas de Portas, que não conseguia fundar uma jornal/revista sem que o mesmo falisse em pouco tempo),  a animação cultural e as actividades culturais da câmara de Lisboa (um dos impulsionadores das Festas da Cidade), e a política, participando no catolicismo progressista herdado do seu pai, militante heterodoxo do PCP, de onde saiu para a Plataforma de Esquerda, e por fim como um dos fundadores do Bloco de Esquerda. Era aliás dos mais valorosos dirigentes desta movimento (e dos menos irritantes, por comparação com Louça e Fazenda), e há vários anos que era deputado no Parlamento Europeu, funções em que se manteve até ao fim.
Apresentou e criou também um excelente documentário televisivo, Mar das Índias, onde percorria as Arábias, a Índia e sobretudo a Etiópia. Na única vez em que lhe dirigi a palavra, para lhe falar desse programa, respondeu-me com a sua proverbial simpatia, revelando-me que já estava a preparar outro sobre o Mediterrâneo, que de facto viria a exibir na televisão, mais tarde. Pergunto-me se haverá hipótese de rever esses programas, em reposição na TV ou em suporte DVD...
Outra das razões de Portas ser conhecido era porque a sua família próxima é igualmente afamada. Tanto a mãe, Helena Sacadura Cabral (que aliás bloga no Delito de Opinião), como o pai Nuno Portas, viveram para assistir a isto, a esse acontecimento anti-natura dos pais sobreviverem aos filhos. Hoje, por casualidade, estive em Guimarães, na exposição O Ser Urbano, homenagem a Nuno Portas por ocasião da Capital Europeia da Cultura, com uma colóquio/debate que contaria com a presença do próprio arquitecto, e que por razões óbvias, não compareceu. Terá sido provavelmente na abertura da exposição, em Março, que os três irmãos, Miguel, Paulo e Catarina Portas, estiveram juntos, com o pai. Seguramente que Miguel Portas saberia que não lhe restava muito mais tempo, mas dificilmente adivinharia que resistiria até um  24 de Abril, uma semana antes de chegar aos 54 anos. Um dia que certamente não desejaria para se despedir.

Os votos da Frente Nacional vão para quem?


As presidenciais francesas, como se percebeu, vão ser uma guerra até à sua segunda volta, apesar do favoritismo de que goza Hollande. O que fica como maior curiosidade é que o fenómeno Mélenchon acabou por se revelar muito menor do que se previa, e que Marine LePen ficou próxima do que as sondagens há uns tempos lhe atribuíam. conclusão: a Frente Nacional continua a agregar os votos do operariado (ou ex-operariado) que roubou ao Partido Comunista nos anos oitenta e a gerir os receios dos franceses. Desta vez, com a tónica no "perigo islâmico", e aparentemente com sucesso, porque colhe votos entre luso-descendentes e até de africanos subsarianos, quem sabe se com medo do Islão, dados os acontecimentos recentes na Nigéria. Não são votos de direita clássica, nem ideológicos, mas de empregados precários, semi-reformados, operários, pequena burguesia que deixou de acreditar nos comunistas. E é por isso mesmo que muitos deles preferirão votar em Hollande na segunda volta, a não ser que este se exceda em declarações amorosas multiculturais e a mensagem de Sarkozy passe mesmo. E vamos a ver o que fazem os votantes de Bayrou.

domingo, abril 22, 2012

Eleições no hexágono


E agora? Cinco anos depois de ter chegado ao Eliseu com pompa e circunstância, sob um enorme manto de esperança, Sarkozy desiludiu os seus apoiantes e afastou mesmo muitos deles. Não abriu a economia francesa, antes prometeu mais proteccionismo, não consegui levar avante o projecto de "afrancesar" o Islão vigente, apenas proibiu o véu nos espaços públicos, e ficou aquém nas suas promessas reformistas, apenas cumpriu o aumento da idade da reforma, e mesmo assim como um elefante numa loja de porcelanas. Tentou, isso sim, o seu famigerado directório europeu e reaproximou-se dos Estados Unidos. E só. O seu estilo frenético, a sua proximidade com os muito ricos, o modo de vida ostentatório, mesmo a sua filha recente, que soou a jogada eleitoralista, a pressa na invasão da Líbia quando se falava em apoios de Kadhafi na sua campanha eleitoral de 2007, tornaram-no impopular aos olhos dos franceses. Está agora prestes a ser derrotado nas urnas. Será o segundo caso na V república francesa de um presidente em exercício ser apeado eleitoralmente, depois de Giscard D´Estaing.

François Hollande será muito provavelmente o próximo presidente de França, o primeiro de esquerda desde 1995 (se virmos bem, no actual regime, que data de 1958, só houve um socialista na presidência, por sinal o que lá ficou mais tempo). Há cinco anos era o marido de Segoléne Royal, a adversária eleitoral de Sarkozy, e discreto líder do PS francês. Separado de Royal, que falhou a liderança partidária, Hollande conseguirá chegar ao topo graças ao sentido de oportunidade e sobrevivência que muitos líderes sem carisma têm, à imagem de Durão Barroso e Mariano Rajoy. Não arrebata multidões, as suas ideias são duvidosas ou mesmo populistas (o regresso da reforma aos 60 anos, por exemplo), mas o contraste da sua imagem banal com o frenesi de Sarko favorece-o.

Além do mais, deverá beneficiar na segunda volta dos votos de Jean-Luc Mélenchon, o candidato da esquerda radical, uma espécie de Manuel Alegre francês (parece-me a mim, que não o conhecia até há pouco), que deixou o PS para formar o seu próprio movimento de esquerda radical e colher o apoio do Partido Comunista, outrora pujante, que vê aqui uma forma de retomar a antiga importância, perdida com a sangria de votos para a Frente Nacional. Ao mesmo tempo, deverá roubar o voto útil das formações trotsquistas e anticapitalistas que pululam, embora já não contem com Arlette Laguiller, a Carmelinda Pereira lá do sítio.Mais dificuldade terá em captar o voto ecologista, até porque em França não se situa apenas à esquerda.

Ao centro, Bayrou, legatário da antiga UDF, engolida pela UMP de Sarkozy, tenta obter votos para ser o fiel da balança na segunda volta. Consta que poderá ser o primeiro-ministro de Sarko ou ministro de um governo nomeado por Hollande, o que revela bem como se podem vender votos.

À direita, Marine LePen perdeu um pouco do gás que lhe dava possibilidades de passar à segunda volta, à frente de Sarkozy. Nas intenções de voto, passou do segundo para o quarto lugar, mas as últimas indicações dão-lhe agora o terceiro, à frente de Melenchon. Conseguiu virar o discurso mais contra o islamismo do que contra a emigração tout court. Veremos se servirá para ultrapassar os votos do seu pai.
Ainda há direita, um dissidente da UMP, Dupont-Aignan, tenta agarrar as sobras do gaullismo e os votos dos tradicionalistas com dúvidas em votar na Frente Nacional dos LePen. O seu francesíssimo apelido deve ajudar, e será interessante observar se uma franja importante da eleitorado, o das direitas soberanistas e tradicionalistas, aposta nele.

Os habituais campos políticos franceses estão aqui representados, apesar de haver candidatos de ideologia duvidosa. A primeira volta servirá sobretudo para saber que hipóteses terão os dois principais candidatos, principalmente Sarkozy, mais tremido, se a terceira força em França pende para o extremo esquerdo ou direito, e em que ponto está o centro. Porque é destas forças que irão os votos para o vencedor e os acordos para futuros executivos. Em todo o caso, terá sempre muita dificuldade em devolver o Triplo A a França.


sábado, abril 21, 2012

Bizantinices


Duas questões gravíssimas atormentaram a Humanidade (a eurocêntrica, ao menos) esta semana: a saudação de Anders Breivik e a lesão de Juan Carlos I numa caçada.

O assassino em série norueguês entrou na sala de audiência fazendo uma saudação de braço estndido e punho fechado. Logo uma chusma de jornais informou que se tratava da "saudação nazi", vindo de imediato logo um conjunto de bloggers e comentadores contrapôr que se tratava de uma saudação comunista. Na grande discussão que se seguiu, vi referência não só a nazis e a comunistas, mas também a romanos, anarquistas, esquerdistas de vária ordem, templários, etc. Fiquei mais ou menos satisfeito com o esclarecimento de que se tratava de uma saudação nacional-bolchevique. É sempre grato encontrar especialistas em saudações que nos saciem as nossas dúvidas mais prementes. Em Bizâncio também os devia haver.


Entretanto, no país vizinho, e não só, rebentou o escândalo: Juan Carlos, Rei de espanha pela Graça de Deus e aprovação referendária da constituição, partiu uma anca numa caçada aos elefantes em África. A indignação não tinha tanto que ver com os gastos da aventura, que foram pagos por um qualquer amigo árabe, numa altura em que o Reino de Espanha está sob ameaça dos juros e se pede contenção e austeridade, mas mais com a sua natureza, ou seja, ser uma caçada, contra elefantes, pelo Rei. Um acto legal (no Botswana tem o seu carácter ecológico, pelo perigo de aumento do número de elefantes, que a prazo se torna perigoso), de carácter controverso e subjectivo, tem levantado uma vozearia contra o Rei, aproveitando-se os meios anti-monárquicos para denunciar o acto "criminoso" e "contra os direitos humanos" (os elefantes são agora detentores de "direitos humanos"). Juan Carlos pediu entretanto desculpa. Alguns aceitaram e acalmaram-se, outros não, protestando contra a "hipocrisia", esse termo que se tornou no pior dos pecados, embora em boa verdade não haja quem não o pratique. Ou seja, o "crime" estará em caçar elefantes  - e pelo que ouvi, se fossem animais de menor porte, a indignação seria menor - não na exuberância do gasto em tempos de sacrifício. Dá-me ideia que se África Minha fosse rodado nos dias de hoje, a personagem do caçador de Robert Redford teria de mudar de profissão para, sei lá, "agricultor biológico".

Entretanto, na Síria prossegue a mortandade, os líbios dividem-se, o Sudão ameaçar invadir o seu novo vizinho do Sul, os islamitas da nigéria atacam igrejas à bomba, os talibans fazem o que querem no Afeganistão, a crise do Euro agrava-se uma vez mais.
Em Bizâncio, perdão, Constantinopla, também se divertiam muito com questões teóricas, sem dúvida muito interessantes e intrincadas, até descobrirem que os turcos estavam às portas da capital com intenção de a fazerem sua.

terça-feira, abril 17, 2012

Tragédia recriada em tempo real


 
Explosão e incêndio no Porto de Leixões, a semana que passou, provocada pela queda de uma grua quando se mudavam as peças de um dos Titãs, os gigantescos guindastes que construíram os molhes artificiais e que lá se têm mantido há mais de cem anos. As estátuas da praia parecem recriar em tempo real as reacções à tragédia, além das desgraças do mar. Tragédia porque provocou um morto e alguns feridos, além do pânico que instalou na frente marítima matosinhense, antigamente composta por tascas e comércio ligados à pesca, hoje mais por edifícios de classe média alta. O Titã, esse, apesar de danificado, vai ser consertado e continuará a ser o guardião de ferro da entrada do porto. Valha-nos isso.

domingo, abril 15, 2012

Efemérides e lições

As efemérides são sempre um pretexto para se trazer à baila acontecimentos ou personalidades que marcaram determinada época. Os cem anos do naufrágio do Titanic são um bom pretexto para séries de TV, documentários, reposição de filmes (o de James Cameron em 3D é das coisas mais desavergonhadamente divertidas que já vi no mundo do cinema), lançamento de livros com "novas revelações", artigos de jornal, seminários, etc.
Mas é justo reconhecer que não se trata de um evento de somenos: há cem anos, afundava-se boa parte das esperanças na redenção da tecnológica, do progresso imparável, no controlo da natureza pelo homem, do optimismo desenfreado. Uma enorme e orgulhosa construção marítima, considerada "inafundável", acabou engolida pelo oceano na sua primeira viagem, em menos de três horas. Perdeu-se milhar e meio de vidas, assistiu-se a cenas de cobardia e a outras de grande coragem (o comandante afundou-se com o navio), mas a humanidade perdeu boa parte da Esperança ali. Os anos que se seguiram, os da Grande Guerra, só acentuariam essa descrença. Depois voltou o optimismo, por dez anos, até regressar a miséria, o totalitarismo e novamente a guerra.

No entanto, cem anos depois, a maior parte - ou uma grande parte - das pessoas ainda acredita na redenção pela tecnologia e na imparável marcha do progresso tecnológica, que há de tornar este mundo perfeito. Num seu artigo desta semana no Público, Pedro Lomba tecia uma comparação entre o terramoto de 1755 e o naufrágio do Titanic, com referências a Pangloss, essa personagem voltairiana para quem "tudo ia pelo melhor dos mundos", acontecesse o que acontecesse (e fica a ideia de que a orquestra do transatlântico seria o Pangloss de serviço). O pessimismo será comparável, apesar das causas serem diferentes, mas dá-me ideia que continua a haver muitos mais panglossianos crentes na invencibilidade da tecnologia do que seria norma. O que não deixa de ser bizarro.

domingo, abril 08, 2012

Páscoa


Terminado o sábado, ao romper do primeiro dia da semana, Maria de Magdala e a outra Maria foram visitar o sepulcro. 2Nisto, houve um grande terramoto: o anjo do Senhor, descendo do Céu, aproximou-se e removeu a pedra, sentando-se sobre ela. 3O seu aspecto era como o de um relâmpago; e a sua túnica, branca como a neve. 4Os guardas, com medo dele, puseram-se a tremer e ficaram como mortos. 5Mas o anjo tomou a palavra e disse às mulheres:«Não tenhais medo. Sei que buscais Jesus, o crucificado;6não está aqui, pois ressuscitou, como tinha dito. Vinde, vede o lugar onde jazia7e ide depressa dizer aos seus discípulos: ‘Ele ressuscitou dos mortos e vai à vossa frente para a Galileia. Lá o vereis.’ Eis o que tinha para vos dizer.» 8Afastando-se rapidamente do sepulcro, cheias de temor e de grande alegria, as mulheres correram a dar a notícia aos discípulos. 9Jesus saiu ao seu encontro e disse-lhes: «Salve!» Elas aproximaram-se, estreitaram-lhe os pés e prostraram-se diante dele. 10Jesus disse-lhes: «Não temais. Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão.»


Evangelho segundo São Marcos, 28

sábado, abril 07, 2012

Derrotas imorais (ou o contrário de uma vitória pírrica)


 

Há no desporto desaires que geram mágoa, frustração, depressão, vergonha. Outras, pelo contrário, geram revolta, orgulho e determinação para os desafios seguintes. O jogo do Benfica em Londres, frente ao Chelsea, pertence claramente ao segundo grupo. Depois de um desaire por uma bola na Luz, num jogo em que os ingleses pouco atacaram e puderam agradecer a não marcação de uma grande penalidade escancarada, o Benfica chegou a Stanford Bridge sem um único central de raíz, sofreu um golo de penalty cedo, viu Maxi ser expulso sem que se percebesse o primeiro amarelo, ao mesmo tempo que o resto da equipa era corrida a cartões e a equipa de Abramovitch escapava pelos pingos da chuva. Ainda assim, os jogadores do Benfica atacaram sempre que puderam, tiveram tantas ou mais oportunidades de golo que o adversário e chegaram a marcar a cinco minutos do fim, antes de sofrerem o segundo golo nos descontos, em contragolpe. Não é uma "vitória moral", é antes uma derrota imoral
Quando nas aulas teóricas de futebol se quiser dar o exemplo de uma equipa que caiu de pé e lutou até ao máximo das suas forças com o mínimo de condições e entre incríveis adversidades, pode colocar em primeiro lugar o video do bravíssimo Benfica de Stanford Bridge.

quinta-feira, abril 05, 2012

A Dama de Ferro e o regresso da questão Falklands


O filme A Dama de Ferro, tentativa de biopic sobre Margareth Thatcher, ainda se exibe nalgumas salas de cinema. Consegui vê-lo já depois da esperada consagração da grande Meryl Streep na última sessão de Óscares. De facto, e tal como diziam inúmeras críticas, não é tanto uma "biografia filmada" mas mais um filme sobre a caminhada para o topo de uma self made woman, a posterior perda desse mesmo poder e a cruel comparação com a decadência física e mental de quem o assumiu. É um pouco também uma afirmação feminista.
 
Esperava esta obra há já alguns anos. A ideia se fazer um filme sobre Tatcher não era nova e já tinha bastante tempo. A de que o papel principal fosse interpretado por Streep também, e houve mesmo quem visse um ensaio em The Manchurian Candidate, de 2004, onde a podíamos encontrar como uma senadora fria e manipuladora (que no estilo, que não nas intenções, lembrava um pouco Thatcher).

Se a ideia era mostrar as fragilidade dos que em tempos assumiram um poder que parecia inexpugnável, então o resultado é satisfatório. Uma Thatcher de terceira idade, trôpega e semi-esquecida, atormentada pelo fantasma do marido Dennis, mas que ainda conserva parte da lucidez, necessária para as recordações de tempos idos e as comparações. Interessante, nesse ponto, para quem gosta do género da "biografia psicológica". Mas eu prefiro as clássicas, e nesse sentido senti-me um pouco defraudado pela insistência na "velha Thatcher", que aparece tantas vezes no filme como o restante percurso. Não que haja qualquer problema em construir uma biografia filmada com recurso a flashbacks e recordações, mas a insistência na senilidade da dama de Ferro, e sobretudo na obsessão com o marido torna-se cansativa.
Esperava, confesso, que o filme se debruçasse mais sobre a vida de Thatcher, em especial os anos oitenta. A política económica, que marcou o seu governo, quase nem aparece, assim como a crise social que se gerou (desemprego, hooliganismo, etc), e entre a Guerra das Malvinas e a saída provocada pelos adversários internos, ou seja, oito anos, limitam-se a colocar algumas fotografias e nada mais. E depois da demissão, passa-se directamente para o período da "Thatcher velha", num enorme salto sem que se perceba o que lhe aconteceu nos anos subsequentes aos seus governos. A minha semi-desilusão com o filme deve-se a esses saltos não explicados, às omissões graves e à escassa explicação dos factos. Para mim, uma verdadeira biografia não deve deixar buracos nem cenas que só lá estão porque sim (e que na realidade têm mais relevância do que aparentam). Preferiu-se enveredar pelos intrincados caminhos psicológicos do poder e da sua passagem. São opções...
 
Meryl Streep ganhou o Óscar pela sua interpretação da baronesa. Houve quem dissesse que era "o papel da sua vida", mas discordo, porque a maior parte das interpretações da actriz americana seriam a "da vida" de quase todos os actores de cinema. Este é soberbamente interpretado, de acordo, e mereceu o galardão, mas Streep já o merecia noutras ocasiões. Madison County, "I had a farm in Africa", só a título de exemplo.
 
É interessante verificar que o filme chegou aos cinemas em 2011 e 2012, e que precisamente por estes dias comemoram-se os trinta anos do início da Guerra das Malvinas, em Abril de 1982, um dos principais momentos de A Dama de Ferro (e no ano em que Streep recebia o primeiro Óscar de melhor actriz). Justamente, a Argentina, pela voz da presidente Cristina Kirchner, vem de novo reivindicá-las, com um discurso nacionalista e populista, apostando agora não na guerra militar mas na diplomática, apoiando-se nos vizinhos sul-americanos. O argumento é o da contiguidade territorial e a pouca distância das ilhas do continente sul-americano. Mas parecem esquecer-se do princípio da auto-determinação dos povos, e que a população das ilhas é exclusivamente composta por ingleses e escoceses que não têm a menor vontade de ficar sob domínio argentino.

É claro que Londres já respondeu que quanto à soberania das Malvinas/Falklands não havia qualquer conversa. Mas para além da onda de nacionalismo populista, Kirchner sabe que os mares a área à volta das ilhas escondem inúmeros recursos, incluindo petróleo e gás natural. As razões são mais compreensíveis do que em 1982, quando a junta militar, para fazer subir a sua popularidade, invadiu as ilhas, certas de que o Reino Unido não reagiria. Enganaram-se, e depois de semanas de combate, os britânicos afundaram o cruzador General Belgrano (as imagens constam do filme), cercaram as forças argentinas, na sua maioria compostas por soldados inexperientes, em contraste com os ingleses, habituados às emboscadas no Ulster, e forçaram-nas à rendição, hasteando de novo a Union Jack no território. A humilhação da derrota conduziu a grandes revoltas e à queda da junta, levando ao regresso da democracia no país das pampas. O grande jogo da Mão de Deus, no Mundial de 1986, entre os dois inimigos de 1982, tinha por isso uma carga política enorme.

Evidentemente que ninguém espera um confronto militar, nem Kirchner será tão obtusa e audaciosa como o ditador Galtieri, apesar de Londres estar a cortar nas despesas militares. Mas poderá ser um caso a seguir com interesse no futuro. Irónico é ver manifestações esquerdistas em Buenos Aires, queimando bandeiras britânicas em frente à embaixada, como se estivessem ao lado do brutal regime ditatorial e pró-fascista que então vigorava, durante o qual foram mortas e desapareceram milhares de pessoas, e que caiu precisamente graças à derrota militar. Nesse aspecto, os argentinos que não fossem apoiantes da ditadura deviam estar gratos à Dama de Ferro.