quinta-feira, dezembro 31, 2009

Desejos

Para o novo ano? Paz, saúde, amor, trabalho, que o Benfica seja campeão, que as comemroações dos cem anos da república não consigam camuflar o que se passou em 1910 e anos seguintes e que este blogue continue activo.
Recordando a maior tragédia do Porto

Em 2009 comemorou-se um trágico acontecimento, que me passou na altura, talvez pela míngua de recordações: a tragédia da Ponte das Barcas, a maior desgraça que aconteceu à cidade do Porto, com a morte, no rio Douro, de centenas ou milhares de portuenses, que fugiam em pânico dos soldados de Soult, na 2ª Invasão Francesa, que entrar no país provindo de Trás-os-Montes, como sempre semeando a morte e a destruição.

A 29 de Março de 1809 entraram na cidade e desencadearam a tragédia. Seriam expulsos dias depois pelas tropas anglo-portuguesas, comandadas por Wellesley, que acabou por comer o almoço preparado para o general francês, que teve de fugir apressadamente. Mas a mortandade estava feita. A Ponte das Barcas, na altura queimada pelos franceses, foi reconstruída, e mais tarde substituída pela Ponte Pênsil e pela Ponte Luís I. Para relembrar esses eventos, o Público lançou quatro volumes de uma colecção intitulada "O Porto e as Invasões Francesas". No seu local da ponte serão erguidas duas obras em metal, de um lado e do outro do rio, da autoria de Souto Moura. Mas há já muito que as Alminhas da Ponte, um baixo-relevo do escultor Teixeira Lopes, são o memorial do desastre. Lá, nunca faltam velas acesas em memória dos muitos que pereceram no rio, há duzentos anos.

quarta-feira, dezembro 30, 2009

Imagens da Roménia - Bucareste


Para finalizar o périplo romeno, eis-nos em Bucareste, a capital da Valáquia, e com a aglutinação da Transilvânia e Moldávia, também capital nacional desde 1859. Segundo a tradição, deve o seu nome a um pastor de nome Bucur, que a teria fundado.


A cidade teve o seu período de esplendor na altura entre-guerras. Depois da destruição causada pelos zeppelins da Alemanha Imperial, ergueram-se sumptuosos edifícios art-deco e art-nouveau, bulevarduls e jardins, palácios e bairros, o que lhe deu o cognome de "Paris do Leste".

Como se sabe, grande parte desapareceu na época anterior a 1989. O regime da altura arrasou boa parte do centro da cidade para construir uma nova centralidade. Assim, o ex-libris de Bucareste passou a ser o enorme palácio erguido por Ceausescu, o segundo maior edifício do Mundo, depois do Pentágono, que domina a capital, com uma imensa avenida à sua frente, que na altura da abertura se pretendia que rivalizasse com os Champs Elysés.


O palácio, inicialmente chamado Casa Poporului, alberga as duas câmaras do parlamento, a presidência e o governo, e tem ainda auditórios, restaurantes, etc, e é visitável pelo público em geral. Ainda assim, não é totalmente aproveitado, por manifesta falta de entidades administrativas suficientes, dado o gigantismo da coisa. há inúmeros átrios, escadarias majestosas e um imensos salão de baile. Das suas varandas, os governantes pronunciavam os seus discursos, numa posição de domínio sobre a multidão reunida defronte. Nelas, Ceausescu assistiu atónito à revolta do seu povo, quando esperava ser aclamado. Nas caves e subterrâneos do palácio, quase com a mesma área dos andares à superfície, diz-se, tinham túneis de comunicação e respectivos transportes para o exterior, a distância considerável. Mas na altura em que mais podiam provar a sua utilidade, as hesitações e medos do ditador fizeram com que não se servisse deles.


A zona onde agora está o ciclópico edifício foi totalmente arrasada, entre bairros elegantes, igrejas, jardins e recintos desportivos, numa fúria demolidora que ficou conhecida como Ceauşima (Ceausescu + Hiroshima). Em casos pontuais, certas construções mais preciosas foram transladadas para outras partes da cidade, que ficou irreconhecível depois desta extensa terraplanagem.


Contudo, entre os edifícios megalómanos e o que restou da cidade pré-2ª Guerra, fervilha uma verdadeira capital europeia, em que o trânsito flui lentamente pelos bulevarduls e pelas largas praças que comunicam umas com as outras através de avenidas longuíssimas. O centro da cidade é dominado pelo Palácio do Parlamento, pelo eixo entre a praça Unirii e a da Universidade (com o grande volume do Hotel Intercontinental) e pelo que resta da zona histórica, que se desenvolve entre a rua Lipscani e a Calea Victoriei. A primeira é a histórica rua comercial da cidade, e deve esse nome aos comerciantes de Leipzig (Lipsia), que desciam o Danúbio para vender os seus produtos, e que dinamizavam uma boa porção do comércio local. Pela via fora espalhavam-se os diferentes artesãos, e a meio, perpendicular, o mercado Lipscani, com as suas portadas de ferro, converteu-se numa zona de galerias de arte, ou seja, depois da venda de legumes tornou-se o Soho ou a Miguel Bombarda de Bucareste. Na rua, agora esventrada para repavimentação, permanecem inúmeras lojas, um teatro de Revista, tal e qual como em Portugal, agências bancárias e um dos restaurantes mais bonitos da cidade, o Carne cu Biere (embora o encanto do estabelecimento seja inversamente proporcional ao profissionalismo de quem serve, mais ocupado a promover espectáculos de danças "latinas"). Numa das extremidades estão as ruínas do palácio mandado erguer por Vlad Tepes, no Século XV, e a seu lado a mais antiga igreja da capital, a Curtea Veche.

A Calea Victorei é uma comprida rua com edifícios em estilo neoclássico, como o do Cercul Militar National, com alguns do período comunista lá enfiados. A meio, a praça da Revolução, antiga praça do Palácio, abre-se em frente ao Museu Nacional de Arte da Roménia, o antigo palácio real, habitado pelos reis até à extinção da monarquia, e à Biblioteca da Universidade. No centro fica um curioso monumento à Revolução de 1989, que teve um dos seus momentos mais quentes precisamente nesta praça. A estranha obra de arte, ou "Memorial do Renascimento", é comparada a uma batata no espeto, pelo que se pode considerar o correspondente ao monumento ao 25 de Abril, de João Cutileiro, que está no alto do Parque Eduardo VII, em Lisboa.
Mais atrás uma das razões porque Bucareste ficou conhecida como "Pequena Paris do Leste": a passagem Macca-Vilacrosse, uma rua em galeria coberta de vidro dourado, com a forma de ferradura, ocupada por cafés e bares, em especial egípcios, como se nota pela numerosa assistência fumando narguilé. A par desta mistura arquitectónica algo caótica, dos grandes parques e do comércio com todas as marcas internacionais, pode ser considerada uma imagem da nova Bucareste, menos carrancuda do que no antigo regime.

sábado, dezembro 26, 2009

Um Natal normal, pensando nos outros.


Um Natal normal, que é o que se deseja. Um Natal em família, com as iguarias próprias da época estendidas numa mesa festiva em toalha de linho, o frio inerente, a árvore e o presépio à vista. Mesmo se já não são os Natais de antigamente, em Vila Real. Ou quando nos lembramos daqueles que já cá não estão e que há não muito tempo estavam também à mesa. E há aqueles que por falta de condições materiais, por situações fortuitas indesejáveis, ou por acontecimentos recentes e dolorosos, não têm um Natal feliz. É exactamente desses que nos devemos recordar. Desses e do essencial, como no lembram aqui:


"José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, a cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, a fim de recensear-se com Maria, sua mulher, que se encontrava grávida. E quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoira, por não haver para eles lugar na hospedaria."

São Lucas, 2: 4-7

terça-feira, dezembro 22, 2009

A última revolução violenta



Há precisamente vinte anos dava-se a última revolução sangrenta da Europa. Foi o culminar da derrocada do Bloco de Leste nos últimos meses de 1989. Depois de todas as outras "democracias populares" ligadas ao Pacto de Varsóvia caírem, só restava a Roménia, paradoxalmente o mais independente regime do bloco face à URSS, e ao mesmo tempo o mais paranóico, megalómano e controlado. Décadas de projectos de expansão industrial com vista à autonomia energética e de obras faraónicas em contraponto com estrito rigor orçamental no que tocava aos bens essenciais, insufladas por um culto de personalidade a Ceausescu, levaram à explosão social e às primeiras revoltas em Timisoara, perto da Hungria, de onde sopravam os ventos de mudança.

As autoridades reagiram com toda a dureza possível, alvejando os manifestantes, o que multiplicou a revolta. A 21 de Dezembro, o ditador convocou um aparatoso comício de apoio na capital, em frente ao Palácio do Povo, o enorme edifício que congregava os vários poderes, símbolo máximo daquele regime totalitário que não hesitou em destruir o centro histórico de Bucareste. Às primeiras palavras que correram na imensa praça fronteira, recebeu aplausos dos apoiantes, sobretudo da Securitate, a polícia política. A pouco e pouco, os manifestantes começaram a entoar gritos de protesto entre a multidão, e como uma bola de neve os apupos aumentaram, até o povo gritar em uníssono "Timisoara" e "abaixo o tirano". impotente, Ceausescu retirou-se do local e ordenou que as forças de segurança ripostassem. As tropas pretorianas leais ao regime dispararam sobre a multidão, espalhando o caos no centro da capital, mas as forças regulares não se moveram. a reacção apenas gerou mais revolta por parte da população, à qual se começaram a juntar unidades militares.

Fechado no seu "bunker" Ceausescu não se decidia a fugir pelos inúmeros subterrâneos do palácio, quando a situação piorou para o seu lado, e incapaz de aceitar a queda iminente ou sequer de negociar, decidiu fugir de helicóptero com a sua mulher, Elena, e dois ou três fieis. A fuga. No dia 22, foi vista por todos e registada, mas ou por engano, ou por dificuldades mecânicas, o aparelho aterrou na cidade de Targoviste. Prisioneiro, o casal Ceausescu passou uma noite no calabouço, antes de enfrentar um julgamento militar sumário que acusou o ditador de tentativa de genocídio e de "roubar a alma da Roménia". Este ripostou com acusações aos traidores "fascistas e anti-nacionalistas". Lida a sentença de morte, um pelotão de fuzilamento levou para fora e metralhou Nicolae e Elena, que permaneceram juntos no fim, recordando Mussolini e Clara Pettaci. O fim dos Ceausescu foi proporcional ao regime de opressão, miséria e estalinismo que instituiu na Roménia. O anterior Conducator romeno, Ion Antonescu, líder de um governo aliado de Hitler, fora também ele fuzilado após a guerra. Agora, a mesma sorte cabia ao intitulado Conducator comunista, na manhã do dia de Natal de 1989. As imagens dos corpos dos Ceausescu correram mundo, e torjnar-se-iam o símbolo e a prova de toda a violência e fúria que por aqueles dias atravessaram o país.
Seguiu-se um governo nacional com figuras recicladas e vagamente opostas ao ex-ditador. A década de noventa seria conturbada e difícil e só recentemente o país obteve algumas melhorias sociais e económicas, o que lhe permitiu, com reservas, aderir à União Europeia em 2007. Quanto à herança de Ceausescu, basta ir ao centro de Bucareste para se avistar a sua marca mais visível.

segunda-feira, dezembro 21, 2009

Imagens da Roménia - Transilvânia 2

Decididamente a Transilvânia tem uma fama que não corresponde de todo à realidade. Em lugar da precipícios profundos e de gargantas escuras, com lobos de olhar flamejante a uivar, como consta em qualquer lenda vampírica, vêem-se campos de cereais, pequenas colinas e aldeias ao longo da estrada, com casas iguais e por vezes com uma igreja fortificada, herança dos saxões. É o caso de Saschiz (ou Keisd, em alemão), assim como muitas outras.

A Transilvânia era conhecida pelos saxões por Siebenburgen, ou as sete cidades fortificadas. Eram elas Bistritz (Bistrita), Kronstad (Brasov), Hermannstadt (Sibiu), Sächsisch Regen (Reghin), Mediasch (Medias), Mühlbach (Sebes) e Schässburg (Sighisoara), além das supracitadas aldeias.


Sighisoara (Castrum Sex, em latim, Schäßburg em alemão, Segesvár em Húngaro) é uma cidade mesmo no coração da Roménia. Está dividida entre a parte baixa e uma cidadela habitada de onde sobressaem as suas torres, em particular a do relógio, que faz lembrar o de Praga. A "Nuremberga romena" está classificada pela UNESCO como Património da Humanidade. Os seus torreões tardo-medievais protegendo as entradas da cidade, as suas muralhas, as passagens cobertas de madeira e os arcos justificam a distinção. Pelas suas ruas, infelizmente em grande parte com obras e sem pavimento, se nos abstivermos dos inúmeros turistas, podemos imaginar os artesãos e negociantes saxões que aqui habitaram durante séculos (as entradas das casas, com portadas e bancas de madeira, e alguns vendedores ambulantes e de recordações "medievais" também ajudam), ou os que passavam neste próspero centro de comércio, nas rotas entre o Mar Negro, Constantinopla e o Sacro-Império, ao qual veio a pertencer.
As corporações de artesãos dominavam a cidade e a sua economia, de tal forma que as várias torres que formam o seu skyline tinham o nome de cada uma delas: Torre dos Alfaiates, Torre dos Sapateiros, Torre dos Ferreiros, Torre dos Talhantes, etc. Construídas por volta do Séc. XV, chegaram a ser catorze e são o traço mais visível da arquitectura germânica da cidade.


Como não podia deixar de ser, o elemento marcante da cidade é a Torre do Relógio, que vigia a entrada na cidadela com os seus 64 metros. Uma construção possante e de onde, através do balcão a todo o seu diâmetro lá no alto, se vê todo o burgo, tanto a parte velha como a cidade baixa, mais recente, e as colinas que a circundam. Foi construída no Séc. XVI, mas nas várias camadas de reparações acabou por ficar sobretudo com elementos barrocos. Serviu como baluarte, arquivo e de centro do poder municipal. Hoje em dia é um museu de história militar, mas a principal atracção é o seu relógio, instalado nos anos 1600, e retocado ao longo dos séculos. Ao longo do dia, um conjunto de figurinhas alegóricas - anjos, Deuses do Olimpo, entre outros - vão anunciando as horas. O mecanismo pode ser admirado nas escadas que levam ao balcão que circunda a torre, e que liga os seus pisos.




Se as torres são o ex-líbris marcante do burgo, assim como as passagens de madeira e as de pedra, em túnel, sê-lo-ão de forma mais "camuflada", a casa mais conhecida é sem dúvida a amarela, na praça central: ali nasceu Vlad Tepes, o Empalador. Se no Castelo de Bran se fantasiava e forçava a presença do príncipe da Ordem do Dragão, em Sighisoara não é necessário haver subterfúgios: é mesmo a terra natal do inspirador do Conde Drácula. Alvo das fotos dos turistas, a casa é hoje um restaurante, à qual justificadamente não falta clientela. Escusado será dizer que boa parte das recordações prendem-se com o ilustre mas sanguinário filho da terra.


Mais para Sul, chega-se a uma das maiores cidades da região. Sibiu, ou Hermannstadt, como os cartazes recordam por toda a parte, chegou a ser capital do principado da Transilvânia. A cidade velha, na sua parte baixa, está rodeada de muralhas e bastiões fortificados. Mesmo no centro fica a principal praça da cidade, a Piata Mare, dominada pela sua torre do conselho municipal. Quem aqui chegasse e não soubesse qual o país pensaria porventura tratar-se duma cidade alemã ou austríaca, tal o cuidado, o aprumo e a ordem daqueles edifícios construídos entre os sécs. XVI e XVIII, muitos deles barrocos. Uma volta pelos inúmeros restaurantes e excelentes esplanadas do centro revelaria que os preços são bem inferiores aos praticados naqueles países. A razão do cenário tão diferente do comum das cidades romenas, mesmo da Transilvânia, é simples: Sibiu foi Capital Europeia da Cultura em 2007 e recebeu avultados investimentos para a recuperação e conservação dos edifícios históricos. Ainda se vendem muitas recordações e objectos relacionados com a distinção.

A cidade é rica em igrejas, fortificações, casas e ruas medievais, que descem dos largos centrais para a parte mais baixa. Possui uma animada vida cultural e tem duas catedrais, a ortodoxa e a luterana. Apesar da primeira ser naturalmente mais frequentada, é a segunda, implantada num ponto mais central, que domina a cidade com a sua esguia torre gótica. É a herança dos saxões, que apesar de serem hoje em dia uma minoria de resistentes, continuam a marcar a vida de Hermannstadt.

De Sibiu já se avistam de novo os Cárpatos. Tomando a estrada que segue ao longo do Olt, entra-se num desfiladeiro de Turno Rossu, formado pelo vale deste rio, que corta a cordilheira e saí da Transilvânia. Antes, ainda se passa por uma ou outra aldeia, com casas de estilo saxão, como sempre, de telhados inclinados e largo portão de madeira ao lado, povoações compridas dispostas ao longo da estrada, e onde circulam mais carroças do que os omnipresentes Dacias.


sexta-feira, dezembro 18, 2009

Imagens da Roménia - Transilvânia

Em Setembro deixei interrompido um périplo pela Roménia. Retomo-o agora, um pouco tardiamente, a poucos dias dos vinte anos da Revolução romena de 1989.

Da Moldávia para a Transilvânia segue-se por uma planície sem fim à vista, de campos e rectas, até que se avistam os cumes dos Cárpatos. Atravessá-los, de noite, em estradas de curvas e contra-curvas, é tarefa de resistência. Quase não se vêem outros carros, não há iluminação, e a paisagem em redor, formada por montanhas imponentes e barragens lá em baixo, que se distinguem pelo brilho da água, mete respeito. Pela cabeça passam as lendas e histórias maléficas em que esta região é fértil...
Chegar ao fim da travessia e ao planalto onde começa a Transilvânia é por isso um alívio. Daí a pouco, vêem-se as luzes de Brasov. Depois dos Cárpatos, não deverá haver cidade mais acolhedora.

Como a maior parte das urbes nesta região, Brasov tem o seu nome romeno, alemão (Kronstad) e húngaro (Brassó). A Transilvânia é uma mescla destes três povos, mas durante centenas de anos foram os saxões que predominaram. Residem aqui desde o Séc. XII, quando os Reis magiares os trouxeram para que povoassem a região. Com o tempo, criaram raízes profundas, adquiriram privilégios, tornaram-se agricultores, artesãos, comerciantes. Esta burguesia próspera ergueu castelos e povoações, e mais tarde desenvolveu grande actividade cultural e literária. Foram maioritários em tempos. Hoje, depois das Guerras Mundiais e do regime comunista, são uma ínfima minoria.

A cidade estende-se pelo planalto, mas protege-se à sombra de um imponente massivo, onde o seu nome está inscrito de forma Hollywoodesca. Não faltam edifícios medievais, do renascimento ou classicistas. A par do edifício da municipalidade, a Casa Sfatului, a construção que domina a cidade é a Igreja Negra, ou Biserica Neagra, templo evangélico luterano de ar austero, com os seus 89 metros de altura, "a maior igreja gótica entre Viena e Istambul". Dentro está decorada com um conjunto de magníficos tapetes turcos, que recordam o domínio otomano nos séculos XVI e XVII, sobre um principado semi-autónomo da Transilvânia. O espaço fronteiro é pequeno para se admirar o templo, e para isso isso há que trepar a uma das elevações próximas, onde estão a Torre Branca e a Torre Negra, sentinelas que vigiam de perto o bastião fortificado que segue ao longo de um pequeno canal. Das torres colhe-se o melhor skyline da cidade velha.

A Torre Branca, uma das sentinelas da cidade

Na fachada lateral da igreja vê-se a estátua de Johann Honterus, um cartógrafo germânico de Brasov que introduziu e difundiu o protestantismo na Transilvânia. À sua frente, do outro lado da rua, a instituição que fundou, o liceu Honterus, ainda hoje a escola alemã da cidade, e uma das referências dos saxões que por aqui permaneceu. Lobriga-se a escadaria do liceu, com um busto do seu inspirador a meio, no patamar.

Estátua de honterus, ao lado da Igreja Negra, e o liceu alemão com o seu nome em frente.

No Verão, o evento mais mediático é o festival de música Cerbul Aur, ou Cervo de Ouro. Já dura há uns anos e realiza-se na praça Sfatului, no coração da cidade, à sombra da imponente edifício municipal. É uma espécie de festival internacional da canção ao ar livre, onde por vezes acorrem músicos mais conhecidos (Scorpions e Kylie Minogue, por exemplo).


Outra das atracções de Brasov é a Colina Tampa, uma formação montanhosa que domina a cidade, e cujo ponto mais elevado fica a quase mil metros de altitude. Um santuário natural, onde até por vezes os ursos perambulam. Um teleférico faz a ligação até lá acima, por sobre o arvoredo que cobre a colina. Dali se avista a cidade, e a região circundante, até aos Cárpatos. O mirante com melhor visibilidade é o que está ao lado das letras hollywoodescas de Brasov. As estruturas de apoio são escassas - pouco mais do que um bar - o que de certa forma impede que o local se torne uma feira turística.

Por trás da colina de Tampa seguem as estradas que conduzem a Poiana Brasov, provavelmente a melhor estância de inverno (e de ski) da Roménia, e que aos poucos vai ganhando reconhecimento internacional, atraindo inúmeros visitantes da Europa Central. No Verão tem uma cor verde invejável. Não faltam vários hotéis e demais estabelecimentos turísticos; há mesmo uma igreja, construída recentemente em madeira, no mesmo estilo das igrejas de Maramures, do mesmo material, e que recorda os templos evangélicos noruegueses. Não sei qual a origem desta arquitectura de madeira nem que relação haverá entre estas igrejas ortodoxas, bem diferentes das de pedra, e as nórdicas.

Mas a maior atracção da região de Brasov é sem dúvida o Castelo de Bran, mundialmente conhecido como "Castelo do Drácula". É uma estrutura impressionante mas longe de ser sinistra, construída pelos cavaleiros Teutónicos, estrategicamente localizada num vale junto à aldeia do mesmo nome. Não se percebe o porquê da ligação a Vlad Tepes, o "Empalador", que inspirou a Bram Stocker a personagem do morto-vivo vampírico. Tepes, um príncipe da Valáquia do Séc. XV, intrépido inimigo dos emergentes turcos, raramente passou por aqui. Terá ficado uns dias, quanto muito, para orientar este bastião defensivo. O Castelo serviu de morada à rainha Maria, viúva do Rei Fernando e mãe de Carol II, nos anos posteriores à 1ª Grande Guerra. Recentemente, os tribunais romenos devolveram a propriedade aos descendentes da família real, que dele tinha sido expropriada pelo regime comunista. De qualquer maneira, é a memória de Vlad Tepes que se lembra aqui. O castelo, profusamente decorado com mobiliário do Séc. XI e algumas relíquias mais antigas, e pintado de branco, atrai incontáveis turistas. À sua volta, uma autêntica feira de bancas e barracas de produtos relacionados com Drácula. Para quem não aprecie tal ambiente turístico e de comércio nómada talvez seja preferível conhecer a fortaleza de Rasnov, mais a Norte, entre Brasov e Bran, e facilmente identificável no alto da montanha...e pelas letras também hollywoodescas que a assinalam.


Brasov: uma cidade interessantísima e cuidada, o que pode levar a algumas megalomanias publicitárias ou cinematográficas.

quinta-feira, dezembro 17, 2009

Falácias catalãs

Algumas localidades catalãs votaram, a título "experimental", a favor da independência da Catalunha. Nalgumas delas a percentagem da aprovação chegou aos 90%, muito embora a abstenção fosse de 70%.


Francamente não compreendo esta obsessão independentista dos catalães. Têm a sua língua e costumes próprios, não têm grandes problemas económicos, e na prática são um estado federal, até com estatuto de "nação". Foram histórica e brevemente um condado independente, praticamente um território feudal depois absorvido por Aragão. Desde a Transicion que constituíram a sua Generalitat, que desaparecera no Séc. XVIII, salvo um breve período na 2ª República. Revoltaram-se em 1640, ao mesmo tempo que Portugal, mas foram mal sucedidos. Tomaram o partido dos Habsburgos na Guerra de Sucessão de Espanha, mas perderam a causa e inúmeras regalias. Perderam igualmente a Guerra Civil. Tornaram-se anti-castelhanos primários e de certa forma chauvinistas, ao menosprezarem a língua castelhana na sua região. Várias forças nacionalistas e radicais, como a Esquerda Republicana Catalã, de Carod Rovira, que em tempos tentou fazer um acordo com a ETA, ajudam a extremar ainda mais esses sentimentos secessionistas.


O argumento que menos colhe é o do "centralismo de Madrid": qualquer pessoa que tenha uma ideia das cidades da região verifica que Barcelona é muito maior do que as urbes que se lhe seguem - tem mais de um milhão e meio de habitantes, além dos da área metropolitana, ao passo que o segundo maior burgo, Tarragona, não ultrapassa os 150 mil. Numa Catalunha independente, Barcelona seria muito mais centralista e eucaliptizaria o "estado". A não ser que se invocasse a história e que fosse Aragão a tornar-se independente, com a Catalunha como parte integrante a Barcelona como principal porto de mar. A capital, essa, seria Saragoça.
Tremeu

Já por duas ou três vezes me peguntaram se tinha sentido o tremor de terra, e eu, admirado, nem dei por nada.
Já era tempo de saber o que é a terra a vibrar. Desd já, posso dizer que é coisa que impõe respeito.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

Ágora, o filme


Passemos a um assunto que tem alguma coisa a ver com o post anterior, embora em diferentes dimensões. Fiquei curioso quando vi o trailer do filme Ágora. Primeiro, porque sendo homónimo a esta pequena tribuna, lhe poderia dar alguma publicidade (eis a minha faceta blogo-capitalista e protestante a exprimir-se); depois, por causa da época, do local, da estética, do grafismo, e pelo facto de ser protagonizado por Rachel Weiz.

 
Ágora passa-se no Séc. V D.C., em Alexandria, a metrópole egípcia fundado pelo Macedónio que lhe deu o nome, uma cidade marcada pelo cosmopolitismo, pela ciência, pela busca do conhecimento, corporizadas pela sua magnífica e desventurada biblioteca e até pela luz emanada do seu farol, uma das Maravilhas da Antiguidade - infelizmente a primeira é (ainda?) um pobre sucedâneo das originais, ao passo que o que resta do farol jaz nas águas circundantes, destruído por terramotos.

A personagem principal, Hepatia, uma mulher "emancipada", e filósofa helénica que gera paixões intensas, faz uma busca incansável atrás do conhecimento científico, gerando ódios e inimizades da maioria cristã, que domina agora o Império Romano e que acaba por vitimá-la. Alejandro Amenabar baseou-se neste acontecimento histórico para metaforizar a luta entre a ciência e a religião, ou se formos mais secos, entre o "obscurantismo" e as "luzes". Alguns críticos chamaram a atenção para esta inversão dos clássicos da Antiguidade, em que por norma os cristãos eram as "vitimazinhas"das perseguições. O realizador espanhol afirma que não quis fazer um filme anti-cristão. Ora eu até acho salutar que se mostre o fim da Antiguidade, a decadência do império do Ocidente, e a ascensão do cristianismo como religião dominante, com a supressão de muitos símbolos pagãos, por vezes de forma violenta e brutal. Fica-se a conhecer uma época e um local específico. De Hepátia só tinha ideia de uma personagem de Corto Maltese, uma alquimista veneziana, seguramente baseada na pedagoga do filme. Para mais, Alexandria é sempre uma cidade sedutora, quase tanto como a actriz que protagoniza a fita.

Só que também me deixa algum desconforto. Passa-se o tempo a ouvir dizer que a igreja ou mesmo o cristianismo são contrários à ciência, obscurantistas, "promovem a ignorância", etc. Normalmente tais considerações são um abuso próprio de quem se socorre de lugares-comuns e não faz ideia do que diz, revelando a ignorância que quer atribuir a outros. Se por vezes as igrejas travaram o avanço da ciência, não apenas por intolerância mas também por razões políticas, o conhecimento avançou também por causa delas. Os ensinamentos da Antiguidade resistiram à queda do Império do Ocidente nos mosteiros e demais comunidades monásticas.

 
Temo por isso que Ágora reforce ainda mais essa ideia tantas vezes falsa, e que religião e ciência são coisas antagónicas e incompatíveis. E os cristãos do Médio Oriente já não têm vida fácil, menos ainda se ficarem conotados com fanáticos. Ao menos sempre se fica a saber que o cristianismo no Egipto é já muito antigo, e que precedeu o Islão, apesar de ser hoje minoritário.

Fico a aguardar por um filme em que se mostre que os cristãos forma não só perseguidos pelos romanos, mas por outros povos e outras causas, incluindo aqueles que se reclamavam seguidores da ciência. Houve A Missão e pouco mais. Esperemos por Silence, o anunciado filme de Scorcese sobre os jesuítas no Japão e suas atribulações.


E desde já agradeço a Amenabar a publicidade eventual que o filme trouxer a este blogue.

segunda-feira, dezembro 14, 2009

Uma boa surpresa



D. Manuel Clemente ganhou o Prémio Pessoa 2009, atribuído pelo jornal Expresso. Uma boa surpresa, mas inteiramente merecida, por uma figura que há anos, discretamente, tem realizado um notável trabalho como teólogo e historiador, nomeadamente nas relações entre a Igreja e a sociedade. Ultimamente ganhou notoriedade como Bispo do Porto, tornou-se uma voz difundidas na sociedade (até em questões polémicas, como a ideia do referendo ao casamento homossexual) e é presença assídua em debates e discussões sobre temas tão diversos como religião, ciência, os problemas sociais do Grande Porto, etc. Uma óptima escolha para o próprio, evidentemente, mas também para o Porto, o país e a igreja portuguesa; é que talvez assim se compreenda finalmente a contribuição ética, social e cultural que esta tem dado a Portugal, e que tantas vezes é vilipendidada ou subvalorizada.
PS: ao que parece, ainda nem todos perceberam isso, e continuam a lançar postzinhos em forma de punhais, com o dissimulado mas perceptível pensamento de "como é que vão dar um prémio a um tipo da ICAR"?

quarta-feira, dezembro 09, 2009

Primórdios de uma carreira
Um popularíssimo e divertido anúncio televisivo da Levis, aí de meados dos anos noventa, que deu a conhecer ao mundo a modelo portuguesa Ana Cristina Oliveira, a mesma que logo no início de Miami Vice, versão filme, dizia em boa voz a Colin Farrell de onde vinha. É sempre bom recordar.


quinta-feira, dezembro 03, 2009

Os minaretes helvéticos

O que pensar dos resultados do referendo na Suíça que proibiu a construção de minaretes? Por um lado, o meu temor do avanço do Islão e dos seus tenebrosos seguidores, aqueles que empunham bandeiras verdes e bramam "Allah Akbar" nas ruas das cidades europeias perante a passividade policial, regozija-se por ver enfim um sinal de Stop a uma cultura expansionista e agressiva.

Por outro lado, o necessário sentido de respeito pelas crenças dos outros e pela liberdade individual e de culto, e a minha própria consciência de cristão fazem-me recusar uma medida tão populista e exclusiva, que é além do mais um péssimo precedente. A questão aqui é civilizacional, já o sabemos, mas também me parece improvável que haja grandes clivagens culturais quando a comunidade muçulmana da Suíça é constituída por bósnios e turcos.
É também um bom exemplo de como a democracia directa, se levada ao extremo, como os suíços o fazem com consultas populares por tudo e por nada, pode levar a resultados duvidosos.

Fico apenas com uma certeza, definitivamente confirmada: os helvéticos são um povo estranho.

terça-feira, dezembro 01, 2009

1 de Dezembro




Que estes festejos se realizem uma vez mais, como todos os anos, em Elvas. E que continuem a festejar e a tocar o Hino da Restauração, pelos tempos fora.

segunda-feira, novembro 30, 2009

Pró-governo por inerência


Entre os vários jornalistas ou responsáveis de órgãos de comunicação social visados por uma linha editorial subserviente do governo conta-se João Marcelino. O actual director do Diário de Notícias conta na sua experiência com passagens pela chefia dos jornais Record e Correio da Manhã e pela revista Sábado, sendo que os dois primeiros constituem duvidosos elementos num currículo aceitável. É justamente considerado um "homem de direita", como se pôde avaliar por numerosas opiniões na Sábado, e neste caso, talvez o mais saliente membro do que já se chama a "direita socrática", i.e., aqueles que sendo politicamente mais destros não cessam de elogiar ou de desculpar as políticas do Primeiro-Ministro.
 

Convém no entanto ressalvar um ponto: Marcelino é "socratista" por inerência, não por convicção. Sendo director do DN, não poderia ser outra coisa. Não há publicação mais afecta à "situação" do que o velho diário da Avenida da Liberdade. Foi constitucionalista-liberal até 1910, republicano jacobino até 1926, estado-novista até 1974 (reporta-se a esse perído a construção de raiz da sua sede, na avenida supracitada), esquerdista e comunista durante o PREC, como ficou bem à vista pelas acções de Saramago, e finalmente opinador favorável aos governos da ocasião. Basta lembrar, em tempos recentes, o apoio incondicional à invasão do Iraque em tempos de Durão Barroso, e à defesa quase confessa de Santana Lopes nos meses em que este governou, até na história da mudança de directores. Agora limita-se a confirmar o que se espera dele: que seja o mais ardente defensor do executivo em funções e o defenda até à medula. Num país em que raramente a comunicação social assume as suas preferências políticas, é bom saber que há uma veneranda publicação com a qual se pode contar sempre, adivinhando à partida a sua posição.

domingo, novembro 29, 2009

Cépticos às vezes, crédulos quando convém


A polémica estalou com o "Climategate", há já uns dias. Um pirata informático entrou nos ficheiros da Unidade de Estudos Climáticos da Universidade de East Anglia, em Norwich, Reino Unido, cujos cientistas influenciaram o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, e divulgou boa parte dos mails e documentos que lá constariam, que punham em causa a teoria (maioritariamente adoptada) da responsabilidade humana no Aquecimento Global e de afastamento deliberado de cientistas ou de estudos que a contrariam. A coisa foi espalhada por blogues cépticos ou anti-ambientalistas e correu mundo. Agora, ouvem-se expressões como "descobriu-se a fraude do aquecimento global", "o prego que faltava na mentira ambientalista", ou "provou-se que é uma fraude para os comunistas destruírem a economia mundial".



É certo que estas coisas merecem alguma reflexão e que todas as teorias devem ser estudadas. São questões cuja magnitude deveria afastar radicalismos e promover o debate sério. Já fui bastante mais adepto da teoria antopogénica do Aquecimento Global e da campanha de Al Gore. Todavia, pelo que leio, continua a ser a mais satisfatória. E se os cépticos (ou radicais anti-ambiente) falam em "fraudes", como é que acreditam logo nisto? sabe-se que o hacker que roubou os ficheiros é russo, ou seja, proveniente de um país que baseia em grande parte a sua economia e a sua força no petróleo ; o site ou blogue onde foram divulgados desapareceu depois de confirmar que as tinha divulgado, pelo que se torna mais complicado saber quem foram os autores. Os cientistas vítimas do "furto" já vieram dizer que as mensagens divulgadas estão descontextualizadas e portanto mentem. E os que exultam com a acção falam na "derrota dos que querem impor a Nova Ordem Mundial". Ora eu sou da opinião que as teorias de "novas ordens mundiais" são bem mais falíveis que as do Aquecimento Global por culpa do homem. Além disso, este caso é tudo menos inocente quando é tornado público em vésperas da Cimeira de Copenhaga. Muito conveniente, sobretudo se não há maneira de encontrar os alegres génios a pirataria informática russa.


O paradoxo do caso é que aqueles que se dizem cépticos tornaram-se subitamente crédulos de fontes tão obscuras e suspeitas, aceitando mesmo a pirataria. Além de que se há interessados na teoria da culpa humana, não os há menos do lado dos que querem afastar esta teoria a toda a força. Ou tudo isto parecer-lhes-á completamente inocente?

sexta-feira, novembro 27, 2009

Polémicos ou aberrantes


Também no Delito de Opinião, aconselha-se a série "Arquitectura: os mal-amados", de João Carvalho, que nos mostra um conjunto de obras arquitectónicas polémicas ou de que quanse ninguém gosta. Da Casa da Música ao Palácio da Cultura de Varsóvia, passando por edifícios megalómanos que não funcionam na Coreia da Norte (um bom símbolo do país), há de tudo.

segunda-feira, novembro 23, 2009

Ligações interessantes



No Delito de Opinião, a tomar em devida conta a série "Por estes rios acima", de Pedro Correia., para rever ou travar conhecimento com os cursos de água que nos atravessam. Uma viagem por Portugal através de algumas das suas maiores belezas naturais.

Os cartazes turísticos promovidos pelo SNI, no Blogue da Rua Onze. Pena que as artes gráficas não sejam hoje tão usadas para atrair visitantes.
Do pára-quedismo ao estádio
Já que se falou de guarda-redes alemães, o I de hoje tem uma soberba história sobre um agricultor de Bremen, que combatendo pelas forças alemãs na 2ª Guerra como pára-quedista, passou de prisioneiro dos ingleses a indiscutível guarda-redes do Manchester City, hoje na posse de uns árabes. Chama-se Bert (Berndt) Trautmann, ganhou o prémio de jogador do campeonato inglês do ano em 1956 e invoca os tempos do semi-profissionalismo no desporto.

terça-feira, novembro 17, 2009

Os alemães e a National Mannschaft


O funeral de Robert Enke deu-se há dias, com um velório em pleno estádio do Hannôver 96, uma sentida homenagem presenciada por dezenas de milhares de pessoas. Segundo li, tratou-se do funeral com maior assistência desde o de Konrad Adenauer, em 1967. Só esta revelação é assombrosa. Adenauer era o refundador da Alemanha, o homem que lhe devolveu o orgulho, a dignidade, e que a colocou de novo na cena internacional. Para além disso, foi um dos "pais" da CEE e um dos pacificadores da Europa.

Como se percebe então esta onda fúnebre à volta do malogrado ex-guarda-redes do Benfica? Primeiro, por causa das brutais circunstâncias da sua morte. Depois, porque um homem popular, novo, com mulher e uma filha recentemente adoptada, e que estava a ser bem sucedido profissionalmente, não conseguiu ultrapassar os seus problemas psiquiátricos. O facto de ser um futebolista bastante conhecido (precisamente o tipo de pessoas que ninguém imagina a cometer suicídio) também contribuiu para a onda de choque.



Sem estar muito a par do assunto, julgo que terá igualmente a ver com a importância que a Selecção Alemã tem para os teutões e para o seu amor-próprio. As suas façanhas estão desde o pós-guerra ligados directamente ao próprio percurso da Alemanha (leia-se sobretudo RFA). Não quer dizer que os altos e baixos correspondam sempre à sensibilidade do país, senão o 3-0 que os suplentes da nossa Selecção lhes aplicaram no Euro-2000 seriam um péssimo sinal para eles (muito embora os peritos em simbologia sempre pudessem ver naquela esclerosada equipa um vestígio do envelhecimento dos alemães).


Em 1954, uma laboriosa equipa alemã venceu na final do Mundial de futebol desse ano, na Suíça, os "invencíveis magiares", a super-favorita Hungria comandada por Ferenk Puskas e que até esse jogo tinha atropelado tudo o que tinha encontrado pela frente, RFA incluída. A dimensão épica desse triunfo, que ficou conhecido como "O Milagre de Berna", e que deu até origem a um filme, devolveu muito do orgulho e moral a um país destruído, e contribuiu simbolicamente e em boa parte para a ascensão económica e política na Europa dos anos cinquenta, mostrando que os alemães se podiam erguer das cinzas e alcançar os maiores feitos.

Em 1974, a Alemanha voltou a ser campeã, em casa. Pouco antes tinha havido o caso Günter Guillaume, assessor de Willy Brandt que se descobriu ser um espião da RDA. O escândalo levou à demissão do Chanceler, abalou a sua Ostpolitik e criou certa euforia na RDA. A vitória nos relvados alemães, sob o comando de Franz Beckenbauer, atenuou esse mau-estar político.


Em 1990, o ano da Reunificação, a Alemanha voltou a consagrar-se como campeã do Mundo, em Itália. Estava-se a poucos meses de 3 de Outubro, a data em que dois países voltaram a ser um só. Nessa altura, as duas selecções ainda não estavam unidas, e a da RDA (que nunca se aproximou do sucesso da sua vizinha ocidental, nem de outros países do Pacto de Varsóvia) dava os últimos passos. Mas como já se sabia de antemão o que ia acontecer dentro de meses, pode-se considerar este triunfo como sendo já de toda a Alemanha. Uma taça que coroou desportivamente a Reunificação e que acidentalmente se tornou um símbolo do novo país, espalhando a euforia naquele Verão de 1990.


Ou seja, em momentos decisivos dos últimos 50 anos, a Mannschaft obteve o máximo título mundial, levando o orgulho a um país que dele precisava. Provavelmente as circunstâncias das épocas também terão dado um novo alento e novas forças às equipas, mostrando assim a força de vontade germânica. A união entre a equipa nacional e os alemães em geral solidificou-se. As provas de carinho e as muitas bandeiras desfraldadas no mundial de 2006, também na pátria de Goethe, foram um sinal disso mesmo. A Selecção é um espelho das conquistas e da ultrapassagem de obstáculos que os alemães tiveram de enfrentar, e de certa maneira são uma fiel representação do país e dos seus sucessos. Daí esse pesar pela morte violenta e chocante de um dos seus jogadores, que pesou mais do que a de muitos estadistas e outras figuras públicas.


Isto é obviamente apenas uma opinião de sociólogo de café, que vale o que vale - provavelmente muito pouco. Mas achei interessante fazer as devidas observações e comparações para perceber a onda fúnebre por Enke, que não teve paralelo, por exemplo, com o que os húngaros sentiram por Miki Fehér. Daria azo a outra reflexão entre os magiares e o seu apreço pela bola, muito em baixo desde os anos sessenta. Mas isso seria outra discussão. Por ora, deixemos os alemães chorar Enke. A sua memória dar-lhes-à força para o próximo Mundial na África do Sul?

The Israel Sketchbook



No festival da BD da Amadora tive também oportunidade de conhecer uma obra tão interessante quanto recente, acabada de lançar. Ricardo Cabral, desenhador de BD, viajou por Israel em 2007, e montando base em Tel Aviv, partiu para o resto do país, percorrendo-o do Mar Morto a Eilat, passando por Jerusalém, o Neguev e Gaza (só ficou mesmo a faltar Haifa). Registou cada cidade ou cenário digno de nota, através de desenhos nos vários moleskines que levou consigo. Os mais impressivos são sem dúvida as do Mar Morto, pela alucinante paisagem de um vale de sal, água e rocha, e de Jerusalém, a Cidade Santa, sobretudo o friso onde se misturam soldados a cavaquear, turistas de mochilas e máquinas fotográficas a tiracolo, vendedores ambulantes árabes e frades de mais do que uma ordem. Todo esse trabalho ficou registado no álbum The Israel Sketchbook, obra de grafismo interessante e realista, num percurso que permite ir conhecendo o país do litoral para o interior, e das cidades para o deserto. Uma boa surpresa. O legado dos mestres da BD portuguesa está assegurado.

sexta-feira, novembro 13, 2009

A beleza dos setenta

Não apanhei susto nenhum, quando a vi, com violetas na mão em New York, I Love You, entre John Hurt e o filho de Indiana Jones, e direi mesmo mais, o tempo muda mas não desfigura (necessariamente). Com perto de setenta anos, Julie Christie é a prova de como uma mulher, mesmo sem grandes peelings, pode continuar a ser bonita. Ao contrário do que dizia Helène de Beauvoir, nem sempre a jeunesse é sinónimo de beauté.

quinta-feira, novembro 12, 2009

Robert Enke


A notícia da morte de Enke é daquelas coisas que choca, pelas circunstâncias e pelo surpresa. à partida, um jogador de futebol que joga num campeonato de topo e numa das melhores Selecções do mundo e ainda é relativamente novo, tem poucas razões para querer deixar a vida. O mediatismo que acompanha os jogadores de futebol, os de topo, sobretudo, ainda aumentam a estupefacção.


Lembro-me de quando chegou ao Benfica, em 1999, proveniente do Borrusia Monchengladbach, que descera de divisão. Tinha 22 anos (fazia anos no mesmo dia que eu, outra das coisas que retive) e jogava normalmente na selecção alemã de esperanças. Era uma aposta do treinador Jupp Heinkes, uma das antigas glórias do clube alemão, e nessa altura, a da reforma do grande Michel Preud´Homme, estava destinado a ser o guarda-redes suplente de Gustavo Bossio, rotulado de craque. Mas com as fífias do argentino chegou depressa à titularidade, e nos dois anos que se seguiram, quase não a largou. Parecia discreto mas simpático. Aprendeu depressa a falar português ("está tudo bem, só falta vir namorrado", dizia numa entrevista, ainda sem saber distinguir o masculino do feminino), afeiçoou-se ao país e preparou Moreira (na altura júnior) para defender num futuro próximo a baliza benfiquista.


Anos penosos a nível desportivo, diga-se, coincidindo com o fim de mandato de Vale e Azevedo. Uma das coisas em que se repara é que Enke esteve quase sempre bem por onde passou, mas escolheu os seus clubes na altura errada. No Monchengladbach chegou à titularidade no ano em que o clube desceu. No Benfica, era o guarda-redes do fatídico sete-zero em Vigo, no qual terá sido o menos responsável, e nas piores épocas do clube, em que não se conseguiu sequer chegar às competições europeias. Assinou contrato com o Barcelona, em anos tormentosos do clube catalão, que desde Zubizarreta não mais conseguiu assegurar devidamente as suas balizas, e jogou um ou outro jogo para esquecer. emprestado ao Fenerbache de Istambul, no primeiro jogo sofreu uma goleada em casa e viu os adeptos turcos a atirarem-lhe petardos e a partirem-lhe o carro. Atarantado, recusou-se a continuar a conseguiu ser emprestado ao Tenerife, da segunda divisão espanhola. Por fim, o Hannover, mediano clube da Bundesliga, contratou-o, e lá conseguiu finalmente a estabilidade exibicional, tanto que o chamaram para a Selecção.


A vida de Enke mudou com essa permanente impossibilidade de se fixar, e com a morte da filha de dois anos. Ao que parece, terá começado a sofrer grandes depressões, e do medo de ser internado e de lhe tirarem a filha que com a sua mulher tinha adoptado há meses. Andou em tratamentos psiquiátricos, mas nem a possibilidade de ser o próximo titular da baliza da Mannschaft o terá feito melhorar. Pôs termo à vida de forma premeditada, ao que tudo indica, debaixo de um comboio na linha de Bremen para Hamburgo.


Na semana em que se festejavam vinte anos da queda do muro de Berlim, um natural da ex-RDA, da cidade universitária de Iena, encontrou razões para acabar. Tinha doze anos quando as manifestações começaram ali ao lado, em Leipzig. Não terá sido certamente a Ostalgie a culpada, mas será sempre difícil avaliar as razões do desespero de Robert. E fica-se ainda mais melancólico quando se sabe que, numa entrevista há um ano, tinha dito que gostaria de regressar a Portugal na fim da carreira. Afinal, quando nos lamentávamos das desgraças do Benfica, Enke terá aqui vivido os seus anos mais felizes. Um caso singular de como os azares profissionais por vezes são inversamente proporcionais à felicidade.

terça-feira, novembro 10, 2009

A diversidade da Nona Arte


Acabou no último fim de semana o Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora. Lá me desloquei ao certame, tal como já tinha feito no ano passado, embora com o risco de me perder no meio daquelas fieiras de prédios todos iguais. O pretexto eram os cinquenta anos de Astérix; a razão era a minha velha mas controlada paixão por BD.


Sobre o herói gaulês esperava mais. Uma única sala com memorabilia, os álbuns todos da colecção, e um ou outro autógrafo de Uderzo, mais dois simpáticos sósias de Astérix e Obélix a cumprimentar as pessoas e a animar a miudagem era manifestamente pouco para a importância que os gauleses tiveram para a BD. Se a cultura francesa está em declínio, os "irredutíveis" são a excepção mais óbvia. Tornaram-se personagens conhecidas no mundo inteiro, os seus álbuns deram origem a filmes (animados e não só), o Parc Astérix rivaliza com a Eurodisney. Não admira que o general De Gaulle gostasse tanto do pequeno guerreiro.

Fui e sou um fã de Astérix desde miúdo, quando lia os álbuns que os meus pais compravam, em francês e português (aprendi em grande parte a ler em francês graças à banda desenhada). Os meus preferidos serão talvez o Astérix entre os Godos, Astérix entre os Bretões (o mais hilariante, influência do "british humour"?), A Zaragata, e Astérix Legionário. Todos absolutamente brilhantes, com aqueles anacronismos propositados, como os capacetes dos godos, a lembrar os pickelhaubes alemães da 1ª Guerra, os hábitos dos bretões, as vendettas dos corsos e o modo de falar dos belgas. Com a morte de Gosciny, Uderzo tomou o argumento em mãos. A série tornou-se mais desvairada mas perdeu a subtileza e o brilho anteriores.



Mas havia mais para além de Astérix no certame. De novos talentos a homenagens a Maurício de Sousa (da "Turma da Mónica"), havia de tudo. Gostei acima de tudo das recordações de outras edições anteriores e de outros mestres da BD portuguesa. Não faltavam exemplares do Mosquito e entrevistas gravadas a desenhadores como José Garcês e José Ruy.


Mas acima de tudo gostei de ver a memória de Eduardo Teixeira Coelho, um dos maiores autores de sempre da Nona Arte portuguesa, senhor de uma farta bigodaça que faria inveja a Dali e a Nietzsche e que ganharia com certeza o concurso da modalidade. Era açoriano, de Angra, mudou-se para Lisboa nos anos trinta, trabalhou como ilustrador, tornou-se conhecido no Mosquito e, mais tarde, no Mundo de Aventuras. Viveu em Espanha, em Inglaterra e em França (com o pseudónimo Martin Sièvre), até se mudar para Florença, onde morreu em 2005.



As suas obras eram acima de tudo de aventuras ou acontecimentos históricos, com um traço limpo e simples. O Caminho do Oriente, dos anos quarenta, com textos sem balões, é um dos melhores exemplos disso. A viagem de Vasco da Gama vista pelos olhos de um endiabrado grumete, Simão Infante, contada em banda desenhada a preto e branco. Tenho os seis álbuns da obra, oferecidos num Natal já muito longínquo, teria os meus nove, dez anos. Para se conhecer a obra de Eduardo Teixeira Coelho, é uma óptima iniciação. Reflecte bem o talento do autor em mergulhar o seu leitor num universo de aventuras de outros tempos, e numa dimensão histórica que de outra forma, excepto no cinema e em rara literatura, é quase impossível de recriar. Para além do inevitável escape, a capacidade didáctica e cultural da Nona Arte, num mundo tão tecnológico como o que vemos hoje, consegue sempre surpreender.

segunda-feira, novembro 09, 2009

Vinte anos


O assunto do dia é inevitável: os vinte anos da queda (ou do seu início) do Muro da Vergonha, que dividiu Berlim durante perto de trinta anos e cercou o enclave da RFA, tanto na cidade como na região circundante. Em Novembro de 1989, a queda do Bloco de Leste, provocada pelo degelo das relações com o Ocidente, com a Glasnost e a Perestroika de Gorbatchov, e pela certeza de que os soviéticos já não enviariam os seus tanques para impedir certas "veleidades", era uma realidade em marcha.

Também na República Democrática Alemã os protestos, que começaram em Leipzig (curioso como as vagas que derrubaram os regimes comunistas começam muitas vezes em cidades secundárias), estavam em crescendo. Milhares de alemães fugiam para a Hungria, e daí para o ocidente. A Nove de Novembro, por causa de um"lapso", milhares de alemães de Leste que se concentravam na Alexanderplazt, mesmo no cento da cidade, entre o Palast der Republik e a altíssima antena de televisão, precipitaram-se para troço do muro, junto à Porta de Brandeburgo, onde as forças policiais, impotentes perante aquela multidão, depuseram as armas. Pela primeira vez, muitos alemães viam o outro lado do muro, e muitos outros reviam as imagens de há muitos anos. Ficaram na memória as imagens dos populares a subir o muro, de blocos deste a ser derrubados, da festa imensa entre a multidão.


Passei por lá em 1998. Na maior parte da sua extensão, o muro não existia. Havia alguns quilómetros dele, cobertos de graffitis, como recordação e vestígio histórico, assim como as guaritas de Checkpoint Charlie, mas tanto na cidade como nos arredores (já que a barreira existia também nos bosques circundantes) apenas restava o local. Ao lado da porta de Brandemburgo, dezenas de cruzes, uma por cada vítima morta pelos guardas, recorda aqueles que tentavam fugir desesperadamente daquele cenário cinzento guardado por torres de controle e arame farpado, por metralhadoras e pela omnipresente STASI. A última cruz é a que simboliza a morte do próprio muro.

Hoje vendem-se pedaços do muro como recordação histórica. Os vendedores ambulantes de peças e curiosidades da antiga RDA fazem negócio com a venda desses símbolos de Ostalgie, entre os quais se contam igualmente miniaturas dos Trabants. O muro pode ter desaparecido em grande parte, ou ser mero objecto de fotografias dos turistas, mas um grande risco vermelho, ao longo do seu antigo percurso, mostra-nos o seu traçado e lembra-nos que por ali passou uma das páginas mais sombrias da história da Europa do Séc. XX. Que começou a ruir, e com estrondo, em Novembro, há já vinte anos.

terça-feira, novembro 03, 2009

Benfica a rodos em 2009/10

Ainda pouco falei do Benfica 2009-2010, excepto na partida no Restelo, o único jogo, de resto, a que assisti nesta época. A derrota de Sábado passado, em Braga, a primeira da época, parece-me um bom pretexto para tratar do assunto.

Era um pouco céptico na exoneração de Quique Flores, tanto pela necessidade de estabilidade técnica como pelas indemnizações a pagar. Provavelmente estaroa influenciado pelas prestações do Benfica no início da época, e por simpatizar com o ar digno e cavalheiresco do espanhol; mas a verdade é que o Benfica não melhorou o seu futebol, pelo contrário, e Quique nunca se incomodou em demasia com os pontos perdidos em empates melancólicos. Veio Jesus.

As aquisições pareceram-me correctas, mesmo tendo em conta os custos de alguns jogadores (Javi e Ramires, por exemplo) em contraste com as escassíssimas verbas que entraram, e que obrigaram o recurso ao crédito. Sou muito céptico em relação a este gênero de engenharias financeiras, porque comportam um risco pesado. Claro que por vezes há que arriscar, mas no estado em que estão as finanças dos clubes, pede-se alguma cautela. Mas no plano desportivo as "peças" adquiridas foram as certas e integraram-se bem nas que já lá estavam.


Na baliza apenas lamento que Moreira tenha sido relegado para terceira opção, apesar de gostar muito de Quim. Júlio César parece-me bom "keeper", mas tenho dúvidas se será um fora-de-série.


Na defesa, manteve-se Luisão, a pedido de Jesus. David Luiz tornou-se um central de primeira água, e terá apenas de aprender a conter um pouco os ímpetos para que os clubes mais ricos da Europa o cobiçem. Sidney e Miguel vítor são uma linha de reserva segura. Nas laterais, Maxi Pereira, com a raça que já mostrou, segura a direita sem grande rivalidade de Luís Filipe (até Ruben Amorim é preferido para segunda escolha). À esquerda a coisa não é tão clara. Shaffer é rápido, centra que é uma maravilha, mas tem algumas fragilidades a defender. César Peixoto tem técnica, mas o mesmo problema, e não me parece que resolva muita coisa. Aliás, teria preferido que se mantivesse Jorge Ribeiro, formado na Luz e com melhor remate, e não se fosse buscar o companheiro de Diana Chaves. Opções...




Depois, o meio campo. Quem pensasse que sairiam Katsouranis e logo depois Yebda imaginaria o desastre para aquela zona. Acontece que os grandes reforços estão aí: Ramires é um corredor incansável, entre a gazela e a carraça, sempre activo, sempre lutador, e ainda tem apetência para golos. Javi Garcia, uma incógnita com músculos à chegada, é essencial à frente da defesa, e além de ser forte e raçudo, tem inteligência táctica, que faz com que lance a bola em jogo e não a atire para a frente de qualquer maneira. Também estes ficarão pouco tempo na Luz. Ruben Amorim, a melhor surpresa da época passada, alterna entre o banco e o jogo, mas está lá sempre.

Aimar parece ter segurado os arames e mostra as qualidades que o tornaram num virtuoso. O único golo que marcou até agora é um portento, e os seus passes e cobranças de falta parecem telecomandados, tais as assistências para golo que têm proporcionado. Convém que simule um pouco menos, porque quando for realmente abalroado ninguém apitará a falta. Entretanto, Carlos Martins também parece de volta aos bons velhos tempos: quando joga, mostra o que vale e provoca sempre estragos. As lesões é que têm sido inclementes... Resta ainda Menezes, um brasileiro que mostrou alguma técnica, mas que ainda terá muito que palmilhar.



Por fim, o sector que mais tem dado nas vistas: o ataque. Oscar Cardozo revela-se cada vez mais um perigo na área, e não só com o pé direito. Saviola, o excelente atacante argentino, é o companheiro ideal, com a sua velocidade e técnica. Menos possante e explosivo que Suazo, compensa isso com outra hagilidade que o hondurenho que regressou ao Inter não possui. No banco, Nuno Gomes é um suplente de luxo, Weldon já mostrou serviço, revelando ser um jogador rápido, inteligente e com sentido de oportunidade. Mantorras tem como função galvanizar as massas, e se possível, marcar um golo, coisa que faz com poucos minutos em jogo. Keirrisson é o caso mais bicudo: com apenas vinte anos, já marcou imensos golos no Brasil, o que valeu a sua (caríssima) aquisição pelo Barcelona e posterior empréstimo, mas até agora não justificou minimamente o negócio.

A alimentar o ataque, nas alas, temos Di Maria, que parece querer mostrar o que dele se esperava. continua a pecar no remate, mas quando se deixa de indivualismos é dificílimo de apanhar. Fábio Coentrão regressou em boa hora, e é talvez a maior revelação: técnica, garra e cruzamentos perfeitos - já leva não sei quantas assistências - são a história deste jogador neste época. Não esperava tanta maturidade nem tanta qualidade, confesso. Do outro lado, e já que se voltou a emprestar Adu, Não se sabe o que dará Urreta este ano. Na época passada deixou muito boas indicações...


Como já disse, Katsouranis e Suazo foram bem substituídos. Quanto a Reyes, sem muito dinheiro para o pagar e sem propostas de outros clubes, restou-lhe voltar ao Atlético de Madrid, onde é suplente de uma equipa à deriva. Gostava do jogador, mas ficou aquém do que sabe e pode dar. E Di Maria ou Coentrão não lhe dariam grandes oportunidades de brilhar. Como o Benfica tem parte do seu passe, ver-se-à se no futuro o espanhol voltará para passear o seu Lamborghini nas ruelas de Alfama.

Mas a equipa parece substancialmente melhor do que em Maio, disso não haja dúvida. Saviola, Ramires e Javi foram os jockers que vieram fazer o complemento a David Luiz, Cardozo e Aimar - neste caso, é um reencontro entre os dois amigos argentinos, que em conjunto tão boa conta deram do recado quando jogavam juntos no seu país, e que refazem uma dupla de renome internacional. Jesus mostra que sabe da poda e do que precisa. O problema serão os abrandamentos de ritmo, os efeitos do esforço físico e uma certa dificuldade da equipa reagir quando se apanha a levar um golo, como já se viu esta época. Mas com talento a rodos e um melhor conhecimento por parte do seu técnico do campeonato português, o Benfica tem tudo para incomodar os adversários e suplantá-los.

PS: o triunfo no Goodison Park terá tirado as dúvidas aos mais cépticos, depois da pesada goleada imposta na Luz. No total, foram sete golos sem resposta a um dos grandes do futebol inglês. Não estarão no seu melhor momento, até por causa das ausências, mas os Toffees tinham alguns nomes de respeito, como Tim Howard, Fellaimi, Saha ou Jô. Mas o Benfica bateu-os inapelavelmente.

Fica uma nota, uma mera curiosidade, mas ainda assim honrosa: revela o clássico Times que o Benfica, com esta vitória, tornou-se a primeira (e até agora única) equipa a vencer nos estádios dos dois clubes de Liverpool; há três anos, a histórica eliminatória em Anfield Road, e agora isto, pelos mesmos números. Uma vez mais, o Benfica a impôr o respeito entre os bretões. Confirme-se. Contra jornais ingleses bicentenários não há argumentos.


A hora do adeus do "lobo"


Com a morte de António Sérgio silenciou-se uma voz inimitável da rádio. O seu tom, entre o grave e o cavernoso, como um mensageiro de desgraças, era um marco radiofónico. Entre os seus pares era o "Mestre". Comecei só a segui-lo com o programa A Hora do Lobo, na Comercial. Já na altura tinha uma carreira de respeito como radialista. Esteve na Renascença, criou o Rotações e o Som da Frente (chegou-se até a editar um disco com as canções mais marcantes que saíram desta rubrica), e passou também pela mítica XFM, essa "rádio para uma imensa minoria", de que era um dos elementos marcantes. Estava agora na Radar - de certa forma, uma das descendentes da XFM - com o programa Viriato 25. Uma referência da rádio em Portugal e da vanguarda musical, marcou uma certa época (anos oitenta e noventa) que para muitos talvez já esteja ultrapassada, mas que legou inúmeras pérolas. Soube também, nas notícias da sua morte, que era um fervorosa benfiquista. Bom seria que outros seguissem o seu caminho. A rádio pode já ser velhinha, mas continua a fazer falta. Não se imagina uma viagem de carro nocturna solitária sem ela e sem aqueles, que como Sérgio, a tornam mágica.

sexta-feira, outubro 30, 2009

Sugestão de fim de semana


A quem estiver por estes dias em Lisboa e arredores: a exposição Encompassing the Globe - Portugal e o Mundo nos Séculos VVI e XVII, uma visão da arte portuguesa ou influenciada pelos portugueses em todos os lados do globo, vai estar aberta no Museu Nacional de Arte antiga até dia 1 de Novembro. É caso para aproveitar, porque já houve uma adenda no prazo. A recuperada Custódia de Belém e os Painéis de S. Vicente vão continuar por lá, para nossa satisfação, mas o resto sai de cena.

quarta-feira, outubro 28, 2009

Os Quais



Além de escritor, dramaturgo, colunista da bola e blogger, Jacinto Lucas Pires é agora também músico, ou mais exactamente vocalista de Os Quais, banda que divide com Tomás Cunha Ferreira, e que lançou este ano Meio Disco, com o selo da AmorFúria. Vi no outro dia na FNAC do Chiado, em Lisboa, a sua performance e os seus gostos musicais (e a sua colecção de vinyl), e achei uma certa piada. Pop simultaneamente etérea e saltitante, mas despretensiosa. Os videoclips, que também os há, são simples nos meios, mas imaginativos e com talento q.b. Em até há "violência gratuita", "romance", e clérigos pelo meio. Saramago bem se podia aproveitar disso.



terça-feira, outubro 27, 2009

Abaixo o Mundial ibérico!

Está em marcha a "candidatura ibérica" ao Mundial de futebol de 2009. As federações espanhola e portuguesa já chegaram a acordo, sob o lema "dois povos, um objectivo", e nos próximos dias apresentam o logótipo.


Gostei muito do Euro 2004 e do ambiente do Mundial 2006. Falando do primeiro, lançaram-no com o pomposo e patético subtítulo não-oficial de "grande desígnio nacional". Vivemos em permanente festa durante quase um mês, o turismo e o comércio tiveram uma grande subida e ficamos com estádio amplos e modernos. Simplesmente, os recintos revelaram-se sobre-dimensionados, em especial os de Leiria e Aveiro (agora o do Bessa), a festa passou e o crescimento económico revelou-se pontual. Ficámos com um conjunto de elefantes brancos que endividaram as respectivas autarquias.


Sob pretexto de se aproveitarem os estádios, começou-se a falar de uma candidatura conjunta com Espanha ao mundial de 2018. E a coisa avançou mesmo. Só que agora vêm-nos dizer que afinal de contas a FIFA só aceita estádios com um mínimo de quarenta mil lugares. Resultado: só a Luz, Dragão e Alvalade é que preenchem o requisito de capacidade. O resto, que era o grande pretexto para o Mundial, fica de fora.


Se a palavra "candidatura ibérica" me deixa de pé atrás, a absoluta desnecessidade deste evento, por nada acrescentar ao país, deixa-me absolutamente do contra. Os benefícios irão quase todos por inteiro para os do costume, isto é, os grandes aglomerados urbanos de Lisboa e Porto. Espanha colherá os louros do Mundial e beneficiará de maior visibilidade, já que só havendo três estádios do lado português com certeza que só contarão para a abertura do evento ou uma meia final, e nunca os dois. A Portugal ficará reservado o lugar de parceiro pobre, com estádios a apodrecer por falta de uso (e mais uma mentira sobre o seu aproveitamento), com a benesse única de melhorar o seu turismo naquele ano.


A consequência máxima é uma maior dependência face à Espanha. Depois da económica, viria a desportiva e até a mediática. Daria a impressão de um estado ibérico único, sob a égide de Madrid. Seria bom relembrar que Portugal não só é um estado muito mais antigo que a Espanha e que quando esteve mais próximo de nada beneficiou, em especial depois do desastre de Alcácer-Quibir, sob os Filipes, em crescente caminho para se tornar uma mera província. Há sempre, como sabemos, os "iberistas" locais de ocasião, que nos atiram para cima com os dados económicos dos últimos trinta anos (até o facto de haver melhor futebol já ouvi!). Mas para além dos números de poucas décadas e outros elementos utilitaristas, não ouço grandes argumentos. Pergunto-me porque é que não se mudam para Espanha e adquirem a respectiva nacionalidade, deixando o grosso dos portugueses em paz. Claro que depois teriam de aguentar com os problemas dos vizinhos sem queixumes.

Os algarvios já vieram reclamar, e com razão, que a ausência de uma estrutura como o Estádio do Algarve não faz sentido. Na sua bacoquice habitual, Gilberto Madaíl nada disse de nota. O projecto da sua vida parece ser entrar no Mundial mesmo como figura subalterna, mero talo de apoio a uma Espanha pujante. Pudesse eu decidir pela Federação, e só aceitaria o torneio a meias se entrassem cinco a sete estádios portugueses, nenhum deles dos clubes grandes, que já têm uso que chegue. Se a FIFA e a federação espanhola não aceitassem, passassem bem. De mentiras, projectos faraónicos de baixo uso, deslumbramentos perigosos e subserviência perante a vizinhança já estamos fartos. Nestas condições, só absolutamente contra este projecto de mundial ibérico de futebol, contrário aos interesses de Portugal, e espero que seja outra candidatura a ganhar.
Executivo
O novo governo tomou posse, quatro semanas após as legislativas. Estava outro dia a ver num café de esquina a goleada que o Benfica aplicou ao Everton, quando de súbito a composição do executivo correu em rodapé. Desviei o olhar das corridas de Di Maria e Saviola e atentei na lista. Alguns eram esperados, é certo, mesmo Rui Pereira, mas acho que ver Augusto Santos Silva na Defesa ninguém esperava - pelo menos deu para a generalidade dos blogues fazer a piadinha do "o malhador vai malhar com a soldadesca". Alberto Martins na Justiça? Se quando esteve na Reforma e Plano nada reformou, não se espere agora ver um tipo que transpira burocracia por todos os poros a fazer grande trabalho num sector que é tudo menos fácil. Temos Vieira da Silva na Economia (é sempre gratificante saltar das discussões com os sindicatos para os diálogos com os conselhos de administração) e um conjunto de figuras desconhecidas do grande público à frente de vários ministérios. Fala-se insistentemente da nova ministra da cultura, Gabriela Canavilhas, ao que parece mais pela sua allure do que pela sua carreira de pianista e de da Orquestra Metropolitana de Lisboa. Entre pessoas conhecidas ouço também o nome da nova titular do Ministério do Ambiente, Dulce Pássaro, que a confirmar-se a confiança que Sócrates lhe deposita, não fará melhor trabalho do que o seu antecessor, o invisível Nunes Correia (e era tão necessário, sobretudo nas questões dos PIN ´s e das plataformas logísticas).
A mais mediática é sem dúvida Isabel Alçada, de quem já se adivinhava a nomeação para a Educação. Num ministério sob fogo, talvez o mais contestado da última legislatura, espera-se que a experiência no ensino e nos sindicatos leve a uma maior ponderação de decisões e algum apaziguamento com a classe dos professores, crispada com a inenarrável Lurdes Rodrigues. A autora da colecção Uma Aventura e Viagens no Tempo, referências de literatura juvenil de mais do que uma geração, entre as quais se inscreve o autor destas linhas, tal como Os Cinco eram para os nossos pais, terá de se munir de enorme bom senso; o seu marido Rui Vilar pode ser uma ajuda preciosa. Essencial será também que o grupo de Secretários de Estado respectivo seja substituído, com o indescritível Valter Lemos à cabeça. Talvez assim haja alguma paz no sector.

sexta-feira, outubro 23, 2009

Convidados ingratos




Situada no alto de uma colina entre os rios Sousa e Cavalum, sobranceira à auto-estrada entre Porto e Vila Real, Penafiel é uma cidade que ganhou esse estatuto em 1770, para além do de sede de Diocese, ainda que por meia dúzia de anos - uma ideia do Marquês de Pombal para retirar poder ao bispado do Porto. É atravessada pela estrada nacional 15, que serve de avenida principal, e tem belas igrejas, como a Matriz, a Misericórdia, Carmo, Calvário, e a neo-bizantina Nossa Senhora da Piedade, num ponto elevado. Há ainda ruelas apertadas na malha urbana mais antiga, solares, praças graníticas, fontes, um pelourinho, casas do fim do Séc. XIX cobertas de azulejos e com varandas em ferro forjado, chalets, etc. O quartel militar activo até há poucos anos vem mencionado em Os Grãs-Capitães, de Jorge de Sena. Existem vários miradouros para a paisagem circundante, onde se destacam as vinhas da Aveleda. Mas o que salta mesmo à vista na cidade são as igrejas.


Coisas que em grande parte não existiriam, bem como estatuto da cidade, se as opiniões de Saramago sobre a Bíblia e sobre a religião em geral, proferidas pelo escritor, que era convidado numa sessão literária precisamente em Penafiel, tivessem tido aplicação prática. Isso e muito mais: provavelmente a civilização como a conhecemos. Mas tanto Saramago como os seus seguidores, que dizem coisas como "A Igreja Católica é a maior assassina da história", "só os ignorantes é que são crentes", e que falam da Inquisição, desaparecida há três séculos, como quem fala de receitas de culinária, nunca devem ter pensado muito bem no assunto. Ou então o grau de loucura e de fanatismo ainda é mais grave do que se pensa.

quinta-feira, outubro 22, 2009

Outros vexames (para poupar o argentino)

Como técnico, Diego Maradona é realmente um desastre. Vá lá que classificou o seu país para o Mundial, mas por um triz. Mas pelo meio igualou o record da pior derrota de sempre da Argentina, de 6-1, e frente à mediana (para sermos generosos) Bolívia, num jogo em que Di Maria acabou por ser expulso por agressão a Ronald Garcia, o conhecido craque que se destacou no Alverca. A justificação para o desastre só podia ser "a altitude" de La Paz.

Mas sejamos justos com el Pibe: já houve outros resultados humilhantes para a equipa argentina. O mais conhecido talvez seja a goleada caseira por 5-0 que sofreram em plena Buenos Aires, nas eliminatórias para o Mundial 94, alegremente aplicada pela saudosa Colômbia de Valderrama, Rincon, Valência e Faustino Asprilla (o quarto golo é uma obra prima), essa equipa que dava antes de mais espectáculo e alegria. Recordem esse momento inolvidável.