sexta-feira, julho 20, 2018

Vitórias e derrotas simbólicas no Mundial


Acabou há dias o Mundial da Rússia. Vai deixar saudades, até porque o próximo vai decorrer no Qatar, sabe-se lá em que condições. Aparentemente o Mundial correu bem aos país anfitrião. Houve transportes terrestres de graça para os adeptos, tal como prometido quando a Rússia ganhou a organização do evento, grandes festas e animação, e hooligans e pancadaria nem vê-los, como também já se previa. O país ficou mais bem visto e até a equipa russa, envelhecida e sem novos grandes talentos, progrediu para além do que se esperava, tendo deixado a candidata Espanha pelo caminho. O presidente da FIFA disse mesmo que tinham sido "o melhor Mundial de sempre", mas pode ser uma daquelas frases feitas que se usam sempre nestas ocasiões (na altura também disseram que Portugal tinha organizado "o melhor Euro de sempre"). De qualquer das maneiras, Vladimir Putin tem razões para sorrir, mas os fundos gastos por vezes com grande derrapagem orçamental haviam de produzir frutos. Os únicos espinhos foram os mais simbólicos: as quatro selecções semifinalistas foram de países cujos regimes - os de Londres, Paris, Bruxelas e Zagreb - não se dão particularmente bem com o de Moscovo, seja por razões conjunturais, políticas ou históricas. Assim, fico a pensar por quem é que os russos terão torcido, ou querido mais que perdesse. Mas talvez se tivesse havido um Rússia-Inglaterra, tendo em conta o momento presente, essa dúvida seria provavelmente desfeita.

Mas nisto do simbolismo houve um país que ficou mesmo a ganhar - além de reconquistar o troféu principal e voltar a vencer finais: a França. É que depois de tantas piadas à Alemanha pela sua eliminação prematura na fase de grupos (das quais a mais corriqueira era "Pela segunda vez na história, a Alemanha volta a ir mal preparada para a Rússia"), havia que relembrar o óbvio: que a França triunfou enfim em Moscovo, sem precisar de bater em retirada, e fogo, se o houve, foi só o de artifício - aparentemente houve mais chuva. Tinha de ser no Verão, claro. Lá do seu enorme túmulo, Napoleão pode repousar em paz.
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segunda-feira, julho 16, 2018

Os Verdes do Bloco


O frentismo, ou se preferirem, a criação de vários grupos, partidos ou organizações sob a mesma orientação ideológica é, como se sabe, uma das tácticas preferidas do PCP. Desde 1976 que o decano dos partidos portugueses não concorre sozinho, indo sempre à luta eleitoral "coligado" com outras formações, seja o já extinto MDP/CDE, sejam Os Verdes ou a associação política Intervenção Democrática, uma cisão do MDP cujo único membro conhecido é o sempre disponível Corregedor da Fonseca. E depois há as inúmeras actividades extra-parlamentares desenvolvidas pela CGTP, pelo CPPC, e restantes organizações satélite.

Aparentemente, na interessante luta pela hegemonia da esquerda mais radical em Portugal, o BE resolveu utilizar as armas do PCP e recorrer ao frentismo como forma de influenciar a sociedade. Para isso, tem também ele uma espécie de Verdes, que se distinguem da formação de Heloísa Apolónia por sempre terem concorrido sozinhos e porque na sua génese não tinham grandes afinidades com o Bloco. Chama-se ele PAN - sigla de Pessoas, Animais e Natureza - e tem um deputado no Parlamento chamado André Silva.

Nesta legislatura, raras são as ocasiões em que o Bloco e o PAN não votam nos mesmos projectos, ou em projectos próprios similares, como os sobre a eutanásia. Estiveram juntos na aprovação de animais domésticos em cafés, na mudança de género aos 16 anos, na legalização do cultivo de cannabis, e mais recentemente na tentativa de proibição das touradas, entre muitas outras. De facto, difícil é descobrir um assunto em que não tenham estado de acordo. Desconfio que Os Verdes estiveram mais em desacordo com o PCP do que o Bloco e a formação animalista. 

Claro que o PAN corre riscos, apesar da grande vaga actual para os animais: é que as pessoas tendem a preferir o original à cópia, e como tal a novidade PAN pode-se esgotar. Talvez por isso, é notório que o BE é mais assertivo nas questões mais fracturantes e de costumes, ou as económicas, e o PAN manifesta-se mais ruidosamente no que toca aos animais; na prática, estão quase sempre do mesmo lado.

Não sei se tudo isto é combinado ou coincidência, mas a verdade é que quase nada os distingue. É claro que o partido mais antigo e mais abrangente tende a dominar o mais pequeno, por isso o BE ficará sempre a ganhar. Veremos se continuam a concorrer separadamente, mas não me admiraria se para o ano já houvesse um qualquer acordo nas europeias. Se o PAN estagnar, o Bloco tem aqui uma oportunidade de explicitamente juntar mais um movimento ao seu agregado de partidos, substituindo desse modo a ausência da FER, e a formação de André Silva terá sempre alguns lugares assegurados. Cada partido tem Os Verdes que merece. E será mais um motivo para seguir o particular duelo do domínio da esquerda à esquerda do PS.

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sexta-feira, julho 06, 2018

Maradona e o síndrome de impunidade dos artistas


Não há Campeonato do Mundo de Futebol que não traga estrelas das competições passadas. No que está a decorrer agora já pude ver o dinamarquês Schmeichel, o alemão Lotthar Matthaus, o brasileiro Ronaldo (o "Fenómeno") e os colombianos Higuita e Valderrama. E Maradona, claro. A fumar charuto em locais proibidos, a insultar adversários, a criticar opções dos treinadores ou a entrar em transe quando a Argentina marca um golo (ou a sofrer uma vertigem quando sofre outro), a estrela dos anos oitenta e campeão do México 86 está lá sempre.

Confesso que tenho pouca paciência para Maradona, para a impunidade dos seus actos e para a ideia que transmite de que pode fazer tudo e ainda assim é um injustiçado. Era o maior jogador do seu tempo, sim, e um dos maiores de sempre. Mas nunca vi Zidane ou Beckenbauer, tal como não via Eusébio e Cruyff, a fazer semelhantes figuras (Pélé é outro caso, diferente mas não necessariamente exemplar). Maradona critica tudo e todos, não raras vezes insultando, faz o que lhe dá na real gana, arma-se em entendido na matéria, quando como treinador se revelou um desastre, e para piorar as coisas ainda passa por moralista, quando as suas aventuras com a droga  - não esquecendo que no seu último Mundial acabou afastado por doping - não o aconselhariam. Para mais, não se exime a exprimir as suas ideias políticas, que passam por usar tatuagens de Che Guevara, tendo sido visita frequente de Fidel Castro, ou por oferecer os préstimos a Nicolás Maduro, participando em comícios do protoditador venezuelano ou oferecendo-se como "soldado da revolução bolivariana" para "libertar a Venezuela e combater o imperialismo", isso numa altura de fortíssima repressão do regime vigente, com visível desrespeito por pelo princípio da separação de poderes, e de uma crise económica generalizada. E como não podia deixar de ser há ainda as suas "opiniões" sobre a Guerra das Faklandsl/Malvinas, considerando que a Rainha Isabel II e o príncipe Carlos têm as mãos "tintas de sangue"; curiosamente, do tempo em que jogava, não se lhe conhecem grandes críticas à brutal junta militar que comandava a argentina e que deu origem ao conflito que seria o início do seu fim, e que só por isso haveria que dar elogios aos ingleses. Parece que finalmente Maradona culpou os militares pelo desastre dessa aventura. Foram precisos mais de trinta anos...

Tudo isso adorado por uma patética "igreja maradoniana", com ritos em tudo semelhantes aos da igreja católica mas colocando o nome do antigo craque no lugar dos santos, assim como em Nápoles o seu culto concorre com o de S. Gennaro. As declarações, imagens e situações descritas podem ser vistas no filme Maradona por Kusturica, em que o realizador sérvio faz uma hagiografia ligeiramente envenenada ao argentino, aproveitando para fazer uma crítica ao ocidente.

Toda esta bajulação não é muito diferente da que é feita a boa parte das gentes das artes e das letras, que por mais barbaridades que digam e façam têm sempre uma desculpa, ou no mínimo vêm os seus actos ou declarações sempre atenuados. Se compararmos com os políticos, verificamos que a tolerância para com os primeiros é sempre muito maior, ou, no mínimo, gera sempre menos indignação, esse sentimento tão comum hoje em dia. Nunca percebi bem porquê. Quanto maior é a notoriedade do artista, do escritor ou do desportista maior é a sua responsabilidade. E a ideia estapafúrdia de que um escritor tem de ser um exemplo moral, e que a sua vida reflecte as ideias contidas na sua obra é uma infantilidade que tarda em passar. É a velha discussão do valor da obra Vs a vida pessoal dos seus autores. Artistas há que criaram obras intemporais e magníficas mas que tiveram vidas a todo o título miseráveis. O mesmo se aplica aos vultos literários, e claro está, aos desportistas. Não percebo nada de psicologia, mas a falta de distinção entre obra e autor parece-me dos comportamentos mais irracionais que imaginar se possa. E no entanto é algo tão comum que quase parece natural. Talvez não valha a pena admirarmo-nos com os panos quentes que são passados nestes casos. Maradona poderá sempre proferir barbaridades enquanto fuma em locais interditos e se oferece como "soldado da revolução" que terá sempre um culto qualquer a louvá-lo. Desde que não nos proíbam de os criticar já não é mau.


O Santana de sempre


Este tipo de assuntos desaparece dos radares em poucos dias, mas ainda estou a pensar nas últimas declarações de Santana Lopes e nas suas intenções, pela 145ª vez, de deixar o seu "PPD/PSD" e formar um novo partido. Para quem achava que "o Pedro" tinha mudado e ganho responsabilidade e maturidade, aí está a prova do contrário: é o Santana de sempre. O mesmo homem que ganhou a presidência do Sporting, garantindo que era para ficar, e que dez meses depois já tinha saído para concorrer à liderança do PSD. Ainda por cima a desmentir cabalmente aquilo que tinha negado há poucos meses - a intenção antiga de criar um novo partido. Afinal, aqueles que relembraram esta velha intenção tinham razão. E teve ele 40 e tal por cento dos votos dos militantes para liderar o partido de que diz estar farto. Há coisas que nunca mudam...