A Itália depois das eleições está ingovernável, diz-se. Grande novidade. Quando é que a Itália teve uma fase de estabilidade governativa (desde Mussolini, perceba-se)?
A 1ª República italiana distinguiu-se pelo seu sistema proporcional e por uma infinidade de governos, todos com a Democracia Cristã à frente. O outro grande bloco era o Partido Comunista, que durante alguns anos se manteve fiel à URSS, tanto que o slogan dos democratas-cristãos nas primeiras eleições do pós-guerra, tirado dos livros de Guareschi, era: "no segredo da cabine eleitoral, Deus vê-te, Estaline não". A DC invariavelmente ganhava as eleições com maioria relativa, a pouca distância do PCI, e recorria a alianças com outros partidos, como o Socialista, o Liberal, o Republicano ou o Social-Democrata. Ainda assim, os governos raramente duravam dois anos, e este estado de coisas manteve-se até ao escândalo Tangentopoli, ao referendo eleitoral e ao desmoronar de uma partidocracia apodrecida, dando origem à 2ª República.
Aí surgiram novos partidos dos cacos dos anteriores. O PCI tinha acabado, entretanto, dando origem ao PDS, de ideologia social-democrata, que ocupou o lugar do desacreditado PSI, de Craxi, e do PSDI, enquanto a minoria mais radical originava a Refundação Comunista. Berlusconi, até aí ligado ao seu império da comunicação social e ao futebol, surgiu em cena na política, largando a sua Força Itália, que juntamente com pequenos partidos centristas, engoliu o voto da extinta DC. A direita votava na Liga Norte, do populista Bossi, e na renovada Aliança Nacional, de Fini, que deixara para trás o neo-fascismo, num movimento semelhante ao do PCI/PDS.
Berlusconi dominou esse período, ora assumindo o governo, com apoio de Fini e da Liga Norte, ora revezando-se com o bloco constituído à volta do PDS. Sucediam-se as coligações, listas em torno de uma personalidade ou pequenos partidos efémeros.
Este estado de coisas acabou com a ascensão de Mario Monti ao governo. A sua governação parecia agradar aos italianos, mas quando estes foram chamados às urnas, há dias, deram um resultado desconsolador à aliança política centrista que sustentava Monti, uma parca confiança ao Partido Democrático, de centro-esquerda, herdeiro do PDS, recuperaram Berlusconi, considerado há meses politicamente cadavérico, e deram uma enorme votação ao movimento cinco Estrelas, do comediante populista Beppe Grillo.
Agora, Bersani tem maioria na câmara dos deputados, mas não no Senado, nem sequer coligando-se com monti, que seria o objectivo principal. Beppe Grillo, o maior fenómeno destas eleições, com comícios de centenas de milhares de pessoas em autêntica tourné por Itália, teve um resultado estrondoso. Munido das suas novas armas eleitorais, brama contra o sistema e considera que os adversários são "cadáveres políticos": não se alia a Berlusconi mas também não viabiliza um governo com Bersani à frente. O seu movimento elegeu desempregados e trabalhadores precários para os órgãos legislativos; vão poder renovar a classe política, e ao mesmo tempo saber o que custa fazer parte da mesma. Se vão mudar alguma coisa ou ganhar vícios políticos é coisa que se verá daqui para a frente. Mas se Grillo persistir em fazer meramente de travão e impedir qualquer solução governativa, o apoio popular de que gozou esvaziar-se-à mais rapidamente do que o do velho PRD.
Um novo governo italiano, sustentado no Partido Democrático e na coligação que apoiou Monti, terá de se sustentar num equilíbrio instável para aguentar o país e tentar algumas reformas. Mas já se sabe que nunca durará assim tanto tempo. Berlusconi, como se viu, tem mais vidas que um gato, e mesmo abandonado por antigos aliados, como Fini, mantém-se à tona, o que mostra que os italianos votam mais depressa em projectos populistas do que em partidos de quadros qualificados. Grillon é a grande incógnita. Bersani tem a batata quente, a meses da saída do velho presidente Giorgio Napolitano.
Aconteça o que acontecer, manter-se-à essa grande instituição italiana chamada "instabilidade governativa".