Quando era pequeno, lembro-me de ter ficado espantado com a fotografia que vinha na enciclopédia geográfica da Readers Digest de um enorme conjunto de colunas que se erguiam no deserto sírio. Ao lado explicava-se que se tratava da antiga cidade de Palmira, que chegara a ser centro de um império e que afrontara as legiões romanas sob a liderança da sua mítica rainha Zenóbia.
Imaginar uma grande cidade da Antiguidade reduzida a um conjunto de colunas e edifícios arruinados rodeados de palmeiras e implantados numa terra cor de ocre tinha algo de misterioso e quase inatingível, e só podia fazer despertar a imaginação. E a imagem de Palmira nunca mais me saiu da cabeça. Muitos anos mais tarde leria outras informações sobre a cidade. E na sua série de documentários sobre o Mediterrâneo, Miguel Portas andaria por Palmira, demarcando a fronteira entre o deserto e o Mediterrâneo. Onde acabavam as oliveiras, acabava a influência mediterrânica. Para diante, estendia-se o deserto sírio.
Agora que o diabólico Daesh, ou "Estado Islâmico", se apoderou da cidade e da região envolvente (coisa que já temia há algum tempo), é de esperar outra destruição patrimonial bárbara como as que têm sido efectuadas na planície de Nínive, ao destruir toda a herança dos povos assírios, medos e babilónios que encontram, em museus ou fora deles. Surpreendentemente, os comunicados do Daesh negam, afirmando que apenas as peças figurativas serão destruídas, deixando intocado o essencial de Palmira. Mas aquilo que poderia ser uma nesga de civilização da organização que agora controla metade do território sírio é absolutamente desmentida pelas notícias da "execução" de centenas de pessoas na região, incluindo crianças, até no recinto do teatro romano. É de esperar de quem mata assim civis desta forma que poupasse as pedras? O "estado Islâmico" só se confirma como a organização mais tenebrosa das últimas décadas, mais nefasta ainda do que os nazis ou os khmers vermelhos.
Palmira era daqueles sítios mágicos que queria conhecer desde que vi as suas fotografias. Talvez ainda seja possível, quando um dia a região estiver pacificada. Mas desconfio que com o que lá se passou agora, por estes dias, vai-me faltar a vontade ou a coragem.