Aproveitando os recentes Óscares e as recordações dos cinemas do Porto, falemos dos de Lisboa. A capital sempre teve uma quantidade enorme de salas (como eu podia comprovar na já referida programação de filmes que costumava passar no canal 2, Sábado ao fim da tarde). Mas só há poucos anos é que consegui travar conhecimento com algumas delas.
Neste momento, já tenho um conhecimento muito razoável dos cinemas lisboetas (que não dos seus arredores) mais frequentados. Estou em dúvida se a primeira vez em que entrei numa sala de cinema em Lisboa terá sido nesse clássico dos anos oitenta chamado Amoreiras, ou se no mais recente, asséptico e descolorado Alvaláxia. Pelos outros já lá passei, com excepção do Colombo. Assim, conheço a confortável sala do Monumental, herdeiro directo do magnífico edifício que um crime administrativo e burocrático derrubou, além do seu apêndice mais banal do outro lado da rua, o Residence; já passei pelo do Vasco da Gama; o King, mais voltado para um nicho que dificilmente se encontra noutras salas; o mais recente de todos, o Campo Pequeno, muito bem apetrechado e com qualidade, mas com aquela horrível decoração rococó infantil, com bonecada em toda a parte, salas de cor vermelha, etc, coisa que detesto (sala que é sala deve ter uma cor sóbria); e o Londres, o meu favorito, um dos poucos cinemas de Lisboa fora dos multiplexes, com aquelas cadeiras que se afundam, boa programação, intervalos, e um simpático bar-restaurante à entrada, ao qual não faltam poltronas e jornais. Ah, julgo que terei ido uma vez ao Nimas, antes de se transformar em "espaço multifuncional".
Mas as salas de Lisboa foram muitas mais do que as que estão agora circunscritas nos shoppings. Algumas pesquisas na net e alguns passeios permitiram-me saber de algumas. Assim, sei que no jardim do Campo Grande havia um cinema, o Caleidoscópio, perto do lago dos barcos, num bizarro edifício colorido como um mandril, que incluía restaurante e lojas, onde parece que depois funcionou uma discoteca; em todo o caso, está fechado.
O primeiro cinema com várias salas de Lisboa foi o Quarteto, perto da Avenida dos Estados Unidos da América, nos anos setenta. Projecto de Pedro Bandeira Freire, encerrou há dois anos, por deficiências várias, depois de uma série de vistorias; o seu mentor sobreviveu-lhe apenas alguns dias. Tinha ainda outra sala, o Quinteto, perto do Saldanha, que efectivamente ainda exibe filmes, mas apenas porno.
Entre os cinemas de bairro havia o Roxy, na Av. Almirante Reis, perto do Intendente, num edifício de esquina dos anos vinte com uma característica cúpula, hoje em dia algo abastardado, servindo de centro comercial de gosto duvidoso. Toda essa zona, aliás, tem prédios notáveis, mas degradados e corrompidos da sua beleza original.
Em Arroios há um enorme edifício pintado às listas verdes à la Vitória de Setúbal; era o antigo Pathé, que antes se chamou Imperial. Como cinema fechou nos anos oitenta, antes de se tornar discoteca, e de encerrar definitivamente, sem qualquer outro uso conhecido. Segundo me disseram, igual percurso teve o Jardim Cinema, na Avenida Álvares Cabral, que tinha sessões ao ar livre, mas hoje em dia é um espaço comercial. Tem uma interessante fachada que ainda subsiste. Na Graça, o cinema Royal, construído para os bairros vizinhos, é hoje em dia um supermercado, mas os sinais exteriores mantêm-se.
Na Baixa, hoje sem qualquer sala de cinema, há ainda vestígios gloriosos. O Animatógrafo do Rossio, na rua que dá acesso à praça pelo arco, é talvez o mais antigo de Lisboa, e um dos mais interessantes, arquitectonicamente falando; quis o destino que se tornasse numa sex-shop...Mais adiante, e por incrível que pareça, o belo edifício neo-manuelino da estação do Rossio albergou um cinema, o Terminal. Do outro lado, entre as Portas de Santo Antão e a Avenida da Liberdade, pode-se ver o Politeama, hoje o teatro de La Feria, o Condes, transformado em Hard-Rock, e o Odéon, um belíssimo edifício em Art Deco e com posteriores "caixilhos" metálicos, que tinha uma cervejaria no piso térreo, mas que, para não variar, se encontra fechado e sem uso, com os seus materiais a degradar-se (e o interior, ao que parece tão notável quanto o exterior, também, adivinha-se).
A meio da mesma Avenida da Liberdade situa-se o Tivoli, da autoria de Raul Lino, outro encantador edifício, com a marca visível do arquitecto, mas que deixou de exibir filmes; mantém-se contudo como teatro.
Depois, há os grandes cinemas erguidos durante o Estado Novo. Já falei no malogrado Monumental, sucedido pelo monstro de vidro que hoje se pode ver no Saldanha. Em frente ao Tivoli surgiu o enorme S. Jorge. Depois de alguma decadência, a câmara de Lisboa comprou-o. Tem tido uso frequente, nomeadamente festivais e mostras de cinema. Ainda hoje o tamanho da sala principal impressiona, com a sua majestosa plateia, ainda que tenha sofrido reduções. contas ainda com uma cafetaria e uma larga varanda sobre a avenida.
Umas centenas de metros abaixo, dominando os Restauradores, fica o sumptuoso Éden, inaugurado em 1937, com projecto de Cassiano Branco. Um edifício que impressionava quer pela sua localização, que pelo seu tamanho e beleza. Durante cinquenta anos, exibiu filmes, até que chegou o declínio, nos anos oitenta, e o abandono. Quando a câmara de Lisboa teve de decidir se mantinha o Coliseu dos Recreios ou o Éden, optou pela primeiro. A jóia dos Restauradores transformou-se num hotel, mas do mal o menos, conservou a majestosa fachada.
Outra exemplo do género era o Império, inaugurado em 1952, na Alameda D. Afonso Henriques, com o seu famoso café-restaurante na base, e uma outra sala, mais pequena, no topo. Era (e é) um prédio enorme, mas começou também a perder público, até deixar de ser cinema e ser adquirido pela IURD. Transformou-se assim em templo evangélico para catarses colectivas. O café tremeu, mas recompôs-se e tem um aconchegante café e um dos melhores bifes da capital, além do piso inferior manter a mesma decoração dos anos sessenta. Só faltam os bilhares que em tempos o tornaram famoso.
Na praça de Alvalade havia também um cinema, da mesma altura do Império. Seguindo mesmo percurso, acabou por ser demolido nos anos 2000, para aí se construir um bloco de apartamentos. Contudo, surgiu no mesmo local um novo complexo de cinemas, que do antigo só mantém o nome e o painel da entrada, de Estrela Faria, conservado com alguma dificuldade mas reposto no lugar que lhe cabe por direito histórico. Do outro lado da praça, o Centro comercial de Alvalade também tinha duas salas, mas com o declínio destes espaços comerciais de média dimensão também essas encerraram.
E no meio da Avenida de Roma há o antigo cinema com o mesmo nome. a exibição de filmes é irregular e pontual, já que a função desta auditório é hoje a de servir de Assembleia Municipal de Lisboa. Uma função nobre, mesmo não sendo a original.
Para acabar com esta exaustiva volta, os cinemas de Campo de Ourique. Entre este bairro e a Estrela havia o Paris, uma bela casa que hoje em dia é uma ruína com paredes, num estado de degradação pungente. Muitos o querem salvar, mas o edifício dos anos trinta lá está, a cair aos poucos.
A meio de Campo de Ourique está o cinema Europa, de fins dos anos cinquenta, e que esteve activo menos de trinta. um belo exemplo modernista, mas cuja sorte é incerta. Houve várias tentativas de reconversão do imóvel em "espaço cultural", mas as
últimas notícias dão conta da sua demolição para breve, ficando apenas de pé a parte mais relevante da fachada. Se é esse o não o seu destino, ignoro.
Mas para um guia mais seguro e completo,
podem sempre ver aqui e ficar com uma ideia mais clara do que é, ou era, a vida cinéfila de Lisboa