sábado, dezembro 31, 2005

Minoria boa - minoria má

O Reino Unido está a mudar. Depois dos casamentos homossexuais, as adopções por casais do mesmo sexo. Se os primeiros, mesmo que causem dúvidas pelas contradições inerentes e pelo folclore "pós-moderno", ainda se aceitam, posto que constituem um contrato entre duas pessoas sem interferência de terceiros, a segunda ideia já revela que os direitos de um determinado casal possam sobrepôr-se aos de uma criança, sem o equilíbrio natural pai-mãe. Já sei que há resmas de psicólogos que dizem que tal acto é perfeitamente normal, mas eu, desculpem lá, ou por ser uma mente tacanha e reaccionária, ou por achar que desde tempos imemoriais, por acção da natureza das coisas, as pessoas têm pai e mãe, e não dois pais ou duas mães, acho tal ideia perfeitamente estapafúrdia.

Uma lei que, como sabemos, já tinha sido aprovada em Espanha. Ora acontece que no país vizinho, a partir de amanhã, passa a vigorar uma norma que proíbe terminantemente que as pessoas fumem em praticamente todo o espaço fechado que não seja a própria casa, e que não prevê mesmo redutos para não-fumadores. Destina-se, parece, a "diminuir o número de fumadores", e também "a proteger os não-fumadores dessa minoria". A lei é mesmo o que parece: um violento ataque aos fumadores, incorporando uma moda que nasceu nos Estados Unidos, atravessou o Atlântico, e se tem vindo a espalhar por diversos países deste lado, tratando os fumadores como pessoas de segunda, agentes imundos que transportam o mal.

Não sou fumador no dia-a-dia, apenas mundano (como em noites como aquela que se aproxima, por exemplo), nem percebo como é que se consegue fumar de manhã. Mas recuso esta perseguição ao fumador e à intromissão na vida privada. Claro que há locais em que compreensivelmente não se deve fumar, como hospitais, escolas, autocarros, e outros. Mas proibir espaços para fumadores é uma prepotência; aposto que o objectivo último desta campanha será um dia interditar definitivamente o tabaco, uma ideia que ocorreu ao cabo austríaco de nome Adolf, e paralela às leis secas que só beneficiaram o tráfico ilegal. O que é paradoxal nos tempos que correm: pretende-se proteger algumas minorias atribuíndo-se mesmo mais direitos do que às maiorias, mas a outras subtrai-se pura e simplesmente o motivo de serem minoritárias. Uma quadratura do círculo que não fica bem aos responsáveis por estas lindas perseguições, sejam eles quem forem. Espero é que não sejam as ideias de criar um mundo saudavelmente perfeito que alguns inconscientes têm de vez em quando. E que são inofensivas até alcançarem o poder.

Alguns posts sobre o velho ano em preparação falharam. Esta semana espero poder deixar mais umas palavras. Até lá...bom ano 2006 para todos!

quinta-feira, dezembro 29, 2005

Obras públicas

Uma vez que nesta inútil e secante "campanha presidencial" se anda a acusar os candidatos de não revelarem as suas ideias sobre a OTA e o TGV, eu deixo aqui as minhas impressõezinhas sobre o assunto, para não me acusarem de inércia bloguística.

Com pompa e circunstância, o governo anunciou o faraónico aeroporto de Lisboa, a ser construído na Ota, ao que parece com grandes "investimentos privados".
Como a esmagadora maioria das pessoas, desconfio muito de tais projectos, e ainda mais da necessidade real do novo aeroporto. Os investimentos anunciados, privados ou não, assustam qualquer um que more num país com grave défice orçamental. Isto, claro, se não contarmos com as inevitáveis derrapagens orçamentais, tão certas como Cavaco Silva ir ganhar as presidenciais. A única razão plausível, e que até há pouco equilibrava a minha opinião, é a da segurança da zona urbana. É verdade que a Portela entra pela cidade dentro, e que um eventual acidente teria efeitos nefastos. Mas não é menos se pensarmos que mesmo que com o aeroporto a 40 quilómetros, a possibilidade prática de tão trágico acontecimento numa zona urbana adjacente permanece real.
Depois vêm as perguntas que ilustres personalidades como Rui Moreira colocam: com o novo "aeroporto nacional", de que servirão os investimentos feitos em Pedras Rubras? Tornar-se-à num mero aeródromo para low-costs? E não terá pensado o governo em soluções mitigadas em lugar de uma concentração de voos no mesmo espaço? E com a ligação entre os dois aeroportos por TGV, de que valerão os voos inter-cidades?

Eis-nos chegados a outra megalomania: o TGV. Um comboio próprio para países mais extensos, de um conforto extremo, como já pude comprovar. Mas ridículo se posto entre Porto e Lisboa, e caríssimo sem necessidade para tal (também para os utentes). As não sei quantas paragens entre as duas cidades, mesmo que não se efectuem em todas as viagens, também não convencem. E as estações próprias para este tipo de comboio, situar-se-ão onde? E as restantes linhas férreas, abandonam-se? E os preços incomportáveis para os clientes, a ser geridos por uma qualquer companhia monopolista (provavelmente os tais "investimentos privados"), nomeadamente quem queira ir para a Ota? Umas respostas poderiam causar sérios embaraços aos promotores destes novos brinquedos.

Um dos mais veementes apoiantes foi o representante de uma grande construtora civil, que se queixou amargamente da falta de obras públicas e das dificuldades por que passa o sector. Quer dizer que não bastaram os estádios do Euro, faraonices como o CCB, dezenas de aldeamentos turísticos, milhares de aberrações arquitectónicas permitidas pelas autarquias, e ainda querem mais! Quem lucrou nos últimos anos com este tipo de "indústria" é afinal que menos pudor tem.

Não sou um expert em engenharia nem em economia. Mas pelo que tenho lido e visto formei a minha própria "opinião construtiva" nos últimos tempos, a saber: não devia ser construído qualquer novo aeroporto de raiz (e caso isso aconteça, antes a Ota que Rio Frio); a Portela devia e podia sofrer reestruturações, e apostar-se-ia mais em Pedras Rubras e Faro, bem como na expansão das estruturas existentes em Bragança e Beja; TGV, só para Espanha, por Salamanca ou Badajoz, a que servisse melhor; entre Porto e Lisboa a via devia ser TOTALMENTE adaptada para pendular (de certeza que com um pouco mais de competência os custos enunciados pelo ministro Mário Lino seriam bem inferiores), assim como a linha Porto-Vigo. E que o metro de Lisboa chegasse enfim à Portela. Ficávamos com mais um par de obras públicas para entreter construtoras, com menos custos, maior rentabilidade e mais descentralizados. Mas o responsável pelas obras públicas no nosso país não sou eu.

terça-feira, dezembro 27, 2005

Magos húngaros

Morreu Lajos Baroti, o nonagenário treinador húngaro de futebol que passou pelo Benfica e pela selecção do seu país. A Federação magiar da modalidade declarou que desaparecera "o maior treinador húngaro de sempre". Não sou que vou contradizer os dirigentes em questão, até porque tenho escassos conhecimentos do futebol do país de Puskas e Feher. Mas convinha lembrar que houve um Mago, de seu nome Bella Gutman, que teve em comum com Baroti a nacionalidade e sucesso no Glorioso. Além do mais, julgo ter sido o único treinador na história do futebol que ganhou a Taça dos Campeões Europeus (ainda por cima como bicampeão) e aTaça dos Libertadores, da América do Sul. Pormenores não irrelevantes da hora de tecer os devidos e justos elogios aos mortos. Ou será que também houve alguma maldição de Guttman sobre a Federação Húngara de Futebol? Talvez isso explique o desaparecimento dos magiares das grandes decisões dos relvados, para aí desde os anos sessenta.



sábado, dezembro 24, 2005

Natal 2005

Estava aqui com um par de posts mais ácidos, pessimistas e críticos sobre algumas actualidades. Mas o espírito da época pesou mais e decidi adiá-los para o período anterior ao ano novo.

Já no ano passado disse que esta época perde o seu encanto a cada ano que passa. O consumismo excessivo, os anúncios sem fim na televisão, os gastos sumptuosos, enfim, tudo um enfado. Além do mais, a gastronomia natalícia não é muito do meu agrado. E também não ajuda viver no mais aborrecido país da europa no que ao clima da quadra diz respeito: os países do Atlântico mais a norte têm neve; os do Mediterrâneo também; e nós andamos aqui neste limbo, num Dezembro ora húmido, ora frio, mas neve, só mesmo nas terras altas, e de quando em quando.
Os Natais da minha infância mudaram igualmente: a crença do Menino Jesus (jamais no Pai Natal), o sapatinho debaixo da chaminé, o convívio em Vila Real (agora única mas imutavelmente na Páscoa), tudo isso o tempo levou. O Porto e a minha casa são agora o centro dos festejos do nascimento do Menino Deus.
Ainda assim, são épocas que têm também uma réstia de serenidade, convívio familiar e boa-vontade. Um Santo e feliz Natal para todos, da melhor forma possível.

terça-feira, dezembro 20, 2005

Estranhas observações ou nem por isso?

Tenho José Ribeiro e Castro como um democrata-cristão de ideias moderadas, que suavizou (ou soporiferizou) o PP de Paulo Portas com umas pitadas de CDS. Por isso só posso estranhar as suas declarações no congresso da Juventude Popular, em Bragança, ao falar do "Império mediático da esquerda, responsável pelos grandes males deste mundo, como o terrorismo", e de "afirmar que todas as ditaduras hoje são de esquerda".
Em relação a este último ponto, fico a pensar se Ribeiro e Castro, qual seguidor de Bernardino Soares, tem dúvidas quanto a regimes como o Irão, a Arábia Saudita ou a Birmânia. É que pensar apenas em Cuba ou na Coreia do Norte não basta. A China, segundo uma das poucas tiradas totalmente certeiras de Soares nos últimos tempos, é um regime de um autoritarismo comunista-maoísta que utiliza o capitalismo mais selvagem. O Zimbabwe é de difícil catalogação. A Líbia é nominalmente socialista, mas com um estranho rótulo de "democracia directa" (belo eufemismo do coronel local). A Indochina está a saír do comunismo mas não dos regimes ditatoriais. E quanto ao resto, são vagamente socialistas, vagamente fascistas-militares.
O mesmo se pode dizer do terrorismo. Se inicialmente o terrorismo surgiu com os movimentos anarquistas do Séc. XIX, que tiveram os seus sucessores nas Brigate Rossi de cada país (a nós calharam-nos as FP-25), não é menos verdade que os movimentos fascistas não lhes ficaram atrás, na Europa e na América Latina. Duvido seriamente que a Al-Qaeda seja propriamente "de esquerda", na sua fúria teocrática, e o mesmo se aplica a casos como o de Timothy McVeigh.

Não se compreende mesmo esta deriva maniqueísta e pouco pluralista do o líder "azul e amarelo". São declarações próprias de um desses estranhos "filósofos" que agora há no Brasil, ou de reaças sem remédio, para quem o pluralismo numa sociedade democrática é uma ameaça. Não de um político europeísta e próximo do centro.
A única explicação que encontro é que Ribeiro e Castro quis empolgar o auditório dos jotinhas populares, ainda com a fresca memória de Paulo Portas na cabeça. É preciso não esquecer que essa importantíssima agremiação de imberbes (mais por opção) tem deixado em cuidado o país pelo facto de não apoiar nenhum candidato presidencial. Muito apropriadamente acaba de reeleger como líder - sem oposição - esse portento das novas gerações parlamentares, o inimitável João Almeida, famoso membro de uma claque do Restelo e cumpridor discípulo Lapalissiano. O grande plano, agora, é o de "conquistar a geração que vê os Morangos com Açúcar e que saca músicas da Internet". Estranho ou redundante? É que ia jurar que a maioria dos JPs se identificava com essas características geracionais.

Ainda a ver: a fantástica sátira ao último Eixo do Mal no Esplanar. E podem crer que grande parte daquelas frases não são invenção nenhuma, em particular as tiradas da autobiografada do momento.

domingo, dezembro 18, 2005

Duas despedidas

Tal como estava anunciado, José António Saraiva escreveu hoje no Expresso o seu último "Política à Portuguesa", depois de vinte e um anos de crónicas. Um texto ao seu estilo e à sua medida, não só pelos infindáveis parágrafos mas principalmente pela aparente convicção de que é o supra sumo dos cronistas portugueses. As palavras não deixam dúvidas:"(a minha coluna tornou-se) uma das mais lidas, influentes e carismáticas de sempre da imprensa portuguesa. E a mais atacada(...) Nunca respondi. Sempre pensei que é o fraco quem ataca o forte". JAS é pois uma vítima de crueis ataques à sua pessoa por causa do seu carisma e influência. Atenção: de ataques, não de críticas.
Outra grande característica é a do visionário - ou áugure - Saraiva: "neste espaço houve sempre uma visão de futuro - e muitas vezes antecipou-se o futuro(...) A história confirmou grande parte do que aqui se escreveu e previu". A lista é longa: para JAS, tudo o que aconteceu em Portugal já ele o tinha previsto. A confirmar.
O "Mourinho dos cronistas" e "forte candidato a Nobel", segundo o próprio, "procurou ser claro, rigoroso, etc - no sentido de lhe dar (ao leitor) semanalmente a melhor opinião da imprensa portuguesa". Tudo com a modéstia e desprendimento a que nos habituou. Provavelmente acredita que só não atingiu o céu porque não quis.
Deixemos o arquitecto e os seus planos em paz. Houve outre despedida, este fim de semana, e sem anúncio prévio, de uma das crónicas de opinião mais dos jornais: a de Miguel Sousa Tavares, no Público. De repente, anunciou o fim de uma colaboração de quatorze anos no diário, com um breve enunciado das ideias e causas que defendeu. Isso é facilmente comprovável pelas suas colectâneas "Um Nómada no Oásis" e "Anos Perdidos". Pensei logo que estivesse a dedicar-se à fase mais crucial e trabalhosa de um novo romance, de resto já anunciado. Puro engano: é uma mera troca de periódicos. Sai o Arquitecto Saraiva, entre Sousa Tavares. Em Janeiro lá o teremos ao Sábado, no Expresso.

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Notas da semana

- O orçamento da UE para os próximos sete anos continua num impasse, devido à posição inglesa de querer reduzir os fundos de apoio aos membros recentes sem uma correspondente descida do "cheque britânico". Só a antiga colónia de Malta é que concorda com Blair, Brown, Straw e afins. Como é óbvio. Depois não se venham queixar dos fundos da PAC e da não-progressão da economia europeia. Ao que parece, os senhores comentadores e bloggers que normalmente se atiram à França por qualquer razão (às vezes de forma bem pertinente) deixaram passar em branco esta atitude egoísta e mesquinha. O brilho da Velha Albion continua a cintilar. Quanto a Blair, tinha toda a razão e perdeu-a com este disparate de soberba.

- A revista Cais, de que guardo alguns números interessantes, faz dez anos: parabéns!
Os hipermercados em Portugal fazem vinte: enfim...parabéns, também, até porque não esqueço que o primordial Continente de Matosinhos (o "gigantão") era uma das minhas grandes referências de meninice. As horas que eu passava lá a ler BD no sector da mesma, enquanto esperava que a minha mãe terminasse as compras...

- O primeiro-ministro chinês esteve em Portugal, tendo sido recebido com pompa e circunstância pelo governo em peso, horas antes de Sócrates se encontar com Fernando Ruas no congresso da ANMP (a diferença não seria grande). Mugabe e Fidel não se atrevem a entrar na Europa. Pinochet já sabe o que lhe acontece, e nem na sua terra lhe dão descanso. Mas aos chineses, aquela amável gente que promove o aborto e executa os condenados com um tiro na nuca antes de enviarem a conta da bola à familía têm passadeira vermelha. Percebo que a dimensão do país e as questões comerciais e económicas mereçam um tratamento não dispiciendo. Mas impõe-se um mínimo de decoro. E as manifestações do contra, onde estão elas quando são necessárias?

- DVD musical/álbum ao vivo do momento? O dos No Smoking Orchestra, a frenética e impagável banda de Emir Kusturika ao vivo em Buenos Aires (uma hipótese de sonho: na capital das Pampas com um concerto deste nível). É certo que estou um pouco amuado com esses senhores, já que em duas deslocações este ano a Portugal não se dignaram a fazer um tour pelo Porto. Nada que não se perdoe com uma boa audição. E um desvio aqui pela Invicta em épocas vindouras, de preferência quando eu cá estiver e sem ocupações inadiáveis.

sábado, dezembro 10, 2005

Acalmados os ânimos

Provou-se: o fantasma de Best já não mora aqui. Dedicatória especial a Eusébio, que mereceu a desforra, quase tanto como o miúdo Ronaldo mereceu perder.

Parabéns a todos, aos jogadores, com especial dedicatória a Beto e a Geovanni, que tanto precisavam deste tónico e tanto fizeram para o merecer; a Koeman, que esteve impecável a armar a equipa com os jogadores que tinha à disposição; e ao público, graças ao qual se viu de novo o temido "Inferno da Luz".

Veremos quem nos cai na rifa em Fevereiro. Mas os mínimos já foram amplamente suplantados.

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Exorcizing the Best ghost



George Best teve direito à sua última morada este fim de semana, numa cerimónia em Belfast acompanhada por dezenas de milhares de pessoas. Por ironia do destino, o clube em que se notabilizou, o Manchester United, tem um jogo decisivo daqui a poucos dias no preciso local onde o "quinto Beatle" assinou a sua melhor exibição de sempre, em 1966: o Estádio da Luz; onde, segundo o próprio, "parecia que as bandeiras dos adeptos benfiquistas atingiam o céu". Ainda mais irónico é pensar que Best conquistou o mais importante título da sua vida contra o Benfica, na final da Taça dos Campeões de 1968, igualmente por números expressivos.
Na quarta-feira, os dois clubes, desfalcados de jogadores-chave, voltarão a medir forças no esplendoroso anfiteatro da Luz. Estão obrigados a ganhar se quiserem seguir em frente na prova. Será então a divina oportunidade de saber se o Benfica consegue enfim vencer o MU, como uma suprema vingança, ou se o fantasma de Best ainda paira sobre os ambientes carregados de vermelho, ajudando os Red Devils do outro lado da Mancha.
Face às ausências, estou muito céptico. Mas também não acredito em fantasmas. Nem mesmo nos do futebol.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

A verdadeira iliteracia

Uma noite destas estava a ver um popular concurso da RTP. A concorrente, com algum acaso e interessantes conhecimentos, conseguiu não só chegar à última etapa da prova mas também à pergunta final, sacramental, crucial, para aceder ao prémio de 50.000 €uros. O tema podia ser escolhido; como era formada em letras, e, parece-me, também em românicas, não tenho a certeza, escolheu literatura portuguesa. A pergunta era quem tinha ganho o Prémio Camões de 2004. Por acaso lembrava-me, até porque estou a acabar de ler um livro desse mesmo autor*. Mas a senhora fartou-se de enumerar escritores portugueses até o tempo acabar. Perdeu-se a oportunidade de ganhar a tal quantia. A pergunta, convinhamos, não era fácil. A resposta? Mário Cláudio. Mas a concorrente reagiu desta forma ao saber o nome do premiado: "nunca ouvi falar desse homem". Uma pessoa com formação em letras jamais tinha ouvido falar do escritor Mário Cláudio.
Antes de procurarem a iliteracia entre os jogadores de futebol, as manicures e os economistas, talvez fosse útil fazê-lo nas universidades, em particular nas que se dedicam ao fenómeno e à forma de o expurgar.

*Peregrinação de Barnabé às Índias. Custou-me muito a pegar nele, abandonei-o a meio, e só agora, no fim, é que vejo a qualidade e a beleza da obra.

terça-feira, novembro 29, 2005

Acordar (da mesma forma)

Esta senhora está sempre a acordar de todas as formas possíveis e imagináveis. Este cavalheiro segue-a de perto. Eu não vario assim tanto. Acordo quase sempre da mesma maneira, e com a mesma disposição.



Bom, talvez tenha exagerado. As minhas manhãs serão antes assim:



Digamos que as manhãs não são a minha parte do dia favorita, sobretudo quando não durmo bem (isto é, quase sempre). No Inverno, então, acho que deviam ser suprimidas - para mais no nosso Inverno português, ameno mas sem neve. Devia haver uma lei que proibisse tais horas, pouco católicas e propícias a constipações. Não estarão os senhores candidatos às presidenciais interessados em debater o assunto? O Dr. Soares, por exemplo, é capaz de estar.

Em relação ao primeiro blog linkado encontrei lá um post curioso e familiar. Apenas discordo que Cabo Sounion seja o início: ali, mais do que tudo, a Ática acaba onde o reino de Poseidon começa. Por isso mesmo o veneravam no seu templo, e é exactamente dali que o mar Egeu deve o seu nome, atribuído, como quase tudo na Grécia, pela sua omnipresente mitologia.
Também não concordo que seja quase desconhecido: nos cartazes turísticos helénicos só encontra rival na Acrópole, e na ocasião em que lá estive, que nem sequer era no Verão, os turistas eram aos montes (até portugueses) . Falei certa vez do Cabo Sounion, aqui, no quinto parágrafo, e vejo agora que deixei uma promessa por cumprir: tenho de voltar em força a falar deste lugar mágico. Desta vez, a promessa não será vã.

sexta-feira, novembro 25, 2005

Assim vão os blogs

Definitivamente, a opinião em Portugal passa cada vez mais pelos blogs. Mais uma figura do jornalismo (?) português decidiu escrever fora de um orgão de imprensa. Já não temos de esperar pela sua habitual prosa semanal contra "os terroristas dos palestinianos", "a esquerdalhada", o "governo estatista" ou "este sítio muito mal frequentado": temo-lo aí, diário e pontual. Sim, é verdade: António Ribeiro Ferreira escreve agora no Estado do Sítio, a bélica designação que já utilizava na sua coluna do DN. Não há que enganar: a truculência e o estilo rasteiro são os mesmos.

Se uns chegam, outros partem: o BdE, uma das grandes referências da blogoesfera, que já existia nesta segunda versão há dois anos e que nasceu há quase três, está a fazer as despedidas. Não me revendo politicamente no "estatuto" do blog, é justo reconhecer que a sua paragem representa o fim da primeira geração de blogs (se não contarmos com o Abrupto). Uma saudação aos seus elementos, em especial aos irmãos Silva, inexcedíveis e brilhantes.

Rui Albuquerque e o meu estimado Rodrigo Adão da Fonseca saíram do Blasfémias e decidiram iniciar uma carreira a solo (no caso do primeiro é antes um retorno ao modelo individual, como bom liberal que se preza), com os novíssimos Portugal Contemporâneo e Blue Lounge. Dois projectos a seguir.

Por último: já alguma vez falei deste blog? Talvez valha a visita, sobretudo dos cinéfilos.

PS: estamos a 25 de novembro de 2005. Se os blogs existem, deve-se também a este dia.

PS 2: como seria de esperar, os ex-BdEs não são pessoas para ficar paradas. Vai daí, já arranjaram novos espaços, juntamente com outros parceiros. Aspirina B e a Invenção de Morel (penas de JMS) são os seus nomes. Os escribas são por demais conhecidos.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Elogio à Coimbra dos futricas

Fazendo horas para apanhar o comboio que viria de Lisboa recolher-me para me trazer de volta ao Porto, pensava que era simplesmente indecente nunca antes ter entrado no ilustre café Santa Cruz, pegado à Igreja do mesmo nome (onde respousam os restos mortais do nosso primeiro rei e do seu filho Sancho, o Povoador), na Praça 8 de Maio, em Coimbra. Isso porque já tinha passado algumas vezes em frente ao dito estabelecimento, parado à porta, rondado pela praça e entrado na vizinha igreja, mas nunca tinha sido seu consumidor ocasional. Mas no Sábado vinguei tal afronta, instalando-me nas suas cadeiras de couro austero, tomando um café enquanto mirava o DN e lia a reportagem da GR sobre um outro conhecido blogger, embora com óbvio exagero, como se fosse uma das vozes mais influentes da pátria.
O café, é preciso que se diga, é mais do que um simples "Majestic" ou "Brasileira" conimbricense. Uma pequena relíquia, num espaço anexo à Igreja vizinha, de que já foi parte integrante; era notoriamente uma capela, tendo conservado (e bem) o seu tecto em ogiva, e outros discretos aspectos que denunciam as suas antigas utilidades litúrgicas e clericais. confesso que não conheço bem a história nem os motivos que levaram a que o antigo templo (ou parte dele) tivesse sido convertido em ponto de encontro social. Ainda assim, a junção de algum ambiente sacro, embora dissimulado, com o ambiente de café clássico, o seu mobiliário escuro, os vitrais, os lustres, produz um resultado nobre e encantador, sem deixar de ser sóbrio.
À saída, o ambiente da praça mostra que está em paz com o mundo: o chão está ainda molhado das chuvas, mas o céu apresenta-se de um cinzento suave e metalizado; inúmeros traseuntes cruzam o espaço; uma anciã vende castanhas, e o fumo que sai do fogão ambulante espalha-se pela praça provocando um efeito outonal singelo e reconfortante, embora já se note um certo ar invernal, provocado também pelas (muito precoces) iluminações de Natal. O momento da semana em que mais me senti em paz com o mundo, antes de, em passo acelerado, atravessar a "Baixinha", com as suas ruelas labirínticas, lojas e lojecas vendendo de tudo um pouco, e apanhar a ligação para Coimbra-b.

Praça 8 De Maio, com a igreja de Santa Cruz
ao centro, a câmara municipal à esquerda (com tapumes) e o café Santa Cruz à direita.

Nota: a paz antecedeu a viagem de comboio, em que tive de ficar ao lado de um casal hippie (ela) e sorna (ele), e que volta e meia se punha aos beijos a dez centímetros de mim, com uma indiscrição que por certo teria enfurecido Miguel Sousa Tavares e José António Saraiva. Isso para lá de outros passageiros que ora ostentavam o cabelo do João Pereira (para pior), ora dirigiam aos outros olhares enigmáticos, entre as suas vestes góticas, punham-se a entoar versos em voz alta, como aquele senhor de idade perante o ar enfiado da mulher, ou ainda aqueles que arrastavam pesadas mochilas de interrail, sem grande espaço onde as colocar; pior do que isso, só mesmo aperceber-me da presença no comboio do meu antigo professor de Obrigações (não tanto por causa dele, mas sim das Obrigações).
Para acabar de forma indelével com a tarde que tão bem tinha começado, poucas horas depois o Benfica perdia em Braga no último minuto, num golo em fora de jogo.

quinta-feira, novembro 17, 2005

Ufff (vencemos os helvéticos)!

O jogo não era a feijões, como o da Selecção-A, e por isso todo o esforço era pouco. Sem manuel Fernandes, a coisa era mais complicada. Os helvéticos, diga-se, entraram a todo o gás, o que, alido à sua maior pujança física, provocou os estragos consequentes que se verificavam no fim da 1ª parte. O juíz da partida, é certo, resolveu chatear um bocadinho a partir dos 30´.
Segunda parte, alterações nas Quinas, os alpinos perdem força, o ataque ganha poder de fogo, e dois oportunos golos põem as Esperanças no europeu da classe, que doravante se realizará no nosso país. O público, garanto-vos (até porque também eu era uma componente), jamais deixou de apoiar os rapazes, ainda que a temperatura exterior não fosse a melhor. E a equipa correspondeu. Almeida aplicou uma valente cabeçada no sítio certo, e Varela, o Didier Drogba português, aguentou-se bem à bronca e carimbou o acesso ao campeonato.
Mandava a mais elementar das lógicas, conjugada com a mais pura das justiças, que uma equipa que em onze jogos ganhou...onze jogos, não ficasse pelo caminho precisamente no último e mais decisivo embate. Que acabou por ser superado. E morrer na praia perdendo contra os suíços, o povo mais desinteressante, moralista e usurário da Europa, se me permitem, seria francamente mau. O destino, se é que o há, jogou do lado certo.

terça-feira, novembro 15, 2005

The Constant Gardener

Eis um forte concorrente a filme do ano: The Constant Gardener, O Fiel Jardineiro, obra de John Le Carré agora adoptada ao cinema por Fernando Meirelles, realizador que ganhou o reconhecimento internacional com o muito aclamado Cidade de Deus. Já o esperava há umas semanas, e o que vi há dias não me decepcionou.
Talvez tenha sido antes surpreendido pela crueza de certas situações. Não é, evidentemente, um filme para relaxar, nem para se levar a avó ou o filho de dez anos. Não. A violência, a pobreza extrema, a tremenda desigualdade social, a corrupção a nível governamental tudo o que caracteriza a miséria de África está lá. Uma miséria que não dispensa todavia a cor e a abnegação, mas que é acentuada pelas maquinações que dão origem à trama.
A história, é já conhecida: o pacato diplomata que se dedica à jardinagem, a sua incansável mulher e a sua militância contra as experiências farmacéuticas, o que lhe custa a vida ( e a do seu amigo médico), a revolta que assalta o marido apanhado de surpresa, etc. A mudança brusca no carácter do protagonista Justin Quayle converte-o num novo homem, capaz de interrogar tudo e todos, de se deslocar entre Nairobi e Londres, Berlim e o Sudão (já não os Estados Unidos, como no livro) para descobrir os reais motivos que levaram à morte da sua mulher. Por trás da história de espionagem/interesses obscuros tão comum em Le Carré surge também uma história de amor, de um amor quase póstumo e deseperado.
O Travelling de Meirelles é constante. Não há muitos momentos para respirar durante o filme. a fotografia, essa, é pouco menos que fabulosa. Em relação às interpretações, só tenho a dizer que de Ralph Fiennes, um dos meus actores favoritos e um dos grandes representantes da arte de representar britânica, espero sempre o melhor, e mais uma vez não me desiludiu. Como disse uma qualquer crítica da imprensa, no seu olhar imóvel quando toma conhecimento da morte de Tessa, perpassa uma quantidade enorme de sentimentos em catadupa, quase ao mesmo tempo. Rachel Weisz surpreendeu-me muito, com um registo mais maduro do que o habitual com bastante sobriedade, o que é notável para quem está na pele de uma activista particularmente emotiva e algo desbocada.
Por razões compreensíveis, o filme lembra-me outras duas opus : o já referido Cidade de Deus e O Paciente Inglês, provavelmente por rever Fiennes, com ar perdido, apaixonado e desorientado, errando pelo deserto. Até ao terrível mas comovente epílogo, na paisagem desolada mas irreal do lago Turkana.
O filme continua em exibição. Vão ver, se não estiverem numa de relaxar, pensando que embora não se retrate uma situação real, coisas daquelas deverão suceder com toda a certeza em África. E não desviem os olhos do ecrã. Admirem uma obra arrojada, dramática, tortuosa. E belíssima.

sexta-feira, novembro 11, 2005

A coincidência a 10 de Novembro

Soube por este meio que o grande capitão Águas, o "Capitão dos Campeões", como lhe chamaram, faria hoje 75 anos se fosse vivo. Não fazia a menor ideia, mas deixo aqui o facto. O mais curioso é que, também neste dia, o meu avô materno, que infelizmente nunca conheci, faria cem anos. Curioso porque há uma relação com o facto de eu ser benfiquista.
Apesar do meu avô não ter sido exactamente um grande desportista nem um particular adepto do futebol (ainda que tivesse tido a chatice de presidir a uma colectividade desportiva transmontana por aclamação), tinha uma característica singular: não gostava do Porto nem de nada que estivesse relaccionado com a cidade. Embora esse meu avô seja uma referência para mim - pelo seu espírito livre, apesar de ter sido um conservador à moda antiga, e pela sua convicção na monarquia - neste aspecto eu jamais poderia concordar com ele, visto que nasci e sempre vivi na Invicta. Contudo, o seu passado em Lisboa (depois de uns tempos de diletantismo em Coimbra) acabou por fazê-lo preferir o Glorioso quando se tratava de fazer a (já na altura) sacramental pergunta sobre o clube a que se pertencia. A minha mãe, muito embora sendo do maioritário grupo feminino a quem o futebol nada diz, adoptou a mesma escolha encarnada. Por isso, por influência materna, tornei-me benfiquista, graças aos céus, não tendo seguido as preferências mais esverdeadas do meu pai (apesar de nunca termos tido discussões sobre bola demasiado sérias, além daquele jogo em que o SLB venceu em Alvalade com um golaço de Geovanni e em que os meninos da Juve Leo resolveram passear no relvado).

Ao meu avô materno(morto pouco antes do 25 de Abril, que nada o teria surpreendido) devo assim, não só a minha crença na monarquia e num conjunto de princípios e valores essenciais, como a eterna paixão pelo Benfica. Afinal, se acreditasse nos astros, tudo isto teria uma razão facilmente explicável: nasceu 25 anos antes do imortal Águas (e já agora, cinquenta antes de uma sua sobrinha). Uma coincidência espantosa e feliz. Não querendo, por razões de reserva, postar aqui uma imagem do meu avô, deixo a imagem do Capitão levantando a Tça dos campeões de 1961, se exeptuarmos a Taça Latina o primeiro troféu internacional ganho por um clube português, depois de um jogo épico contra o Barcelona, onde também ele marcou na vitória por 3-2.

quarta-feira, novembro 09, 2005

La France en flammes

É o assunto de que todos falam: a revolta dos adolescentes dos guettos parisienses (e não só), em especial da zona norte, de longe a mais degradada, o ódio à solta, a destruição de veículos, os ataques a cidadãos vizinhos e à polícia, a contestação a Sarkozy, enfim, todo o caldo de violência que invadiu o hexágono. Uma situação parecida com a do Maio de 68, mas sem o romantismo e o espírito livre inerentes aos soixante-huitards.
Pessoalmente não conheço muito bem o fundo da situação, nem os bairros em questão, a não ser alguns a sul de Orly, onde não há nem de longe nem de perto a degradação suburbana nem o clima de violência que se fazem sentir (e o mapa dos distúrbios mostra bem que esta zona foi bem mais poupada). Mas já passei por Saint Denis, em trânsito do Charles de Gaulle, e não fiquei com uma imagem muito positiva do lugar nem da gente que o habita. Mas como disse, não posso escrever muito até haver uma acalmia, e aí sim, se fará o rescaldo e consequente reflexão sobre o que se está a passar. Entretanto, bloggers e comentadores de todas as tendências continuarão a dissertar sobre o modelo social francês, as palavras de Sarkozy, o silêncio de Villepin, a não integração dos emigrantes, a degradação suburbana, o radicalismo islâmico, a arrogância dos franceses, etc.
Aconselho a todos estes textos de Henrique Raposo, no Acidental, ou os do Bom Selvagem, com o seu proverbial optimismo. Em sentido oposto, os do Insurgente, com o habitual wishfull think do "fim do estado social" perante o "superior estado liberal", e uma quase euforia por ver em que estado está a França, são absolutamente de fugir, a não ser para ver até que ponto vai a arrogância ultraliberal.
Até lá, deixemos o sr. Sarkozy actuar. Porque a onda vai necessariamente passar. Só à vista dos escombros é que se poderá relançar o debate e tirar as justas conclusões.

segunda-feira, novembro 07, 2005

O regresso do MFA

Só para completar o post anterior: quem der uma volta por Coimbra, ali para os lados do Penedo da Saudade, com excelsa vista para o Calhabé, ou perto do Jardim Botânico, encontra inúmeras inscrições nas paredes com a sigla MFA. Não se assustem: os militares não decidiram revoltar-se uma vez mais, como prometem regularmente todos os 25 de Abril. Por baixo da sigla pode-se ler o seu significado: Movimento Força Alegre. Há pois uma força silenciosa na Lusa Atenas que, muito apropriadamente, apoia o poeta-deputado. Desde que não usem blindados, acho muito bem.

sexta-feira, novembro 04, 2005

Candidatos, regressos e razões

Passadas as autárquicas, o assunto de que se fala são, inevitavelmente, as presidenciais, em especial o fim longo do tabu (mais um) do professor Cavaco, em confronto com as inúmeras candidaturas de esquerda. Bem sei que não devia falar muito do assunto, uma vez que, para quem leu o pequeno texto ali no cabeçalho, saberá que a minha vontade seria fazer referência a El-Rei de Portugal e não ao Sr. Presidente da República. Mas é neste regime que vivemos, e como o regresso da monarquia ainda não é para já, detenhamo-nos para falar um pouco dos senhores que vão ocupar a chefia de Estado nos próximos anos.

Antes de mais, esclareço: ao contrário da maioria dos monárquicos, eu voto nas presidenciais. Por uma questão cívica mas também pelo simples facto de que não há actualmente bases - populares, leia-se - para haver monarquia em Portugal; assim sendo, e como não quero ver isto entregue aos bichos, voto para que seja escolhido o representante da Nação e da (argh) República, apesar de não deixar de compreender aqueles que se abstêm de ir às urnas.

Como já é tradição acontecer, os partidos mais afastados da função governativa (e mais nas margens do regime democrático) apresentaram os seus candidatos, ou seja, os respectivos líderes, para lhes emprestar uma maior áurea de seriedade. A tarefa não parece colher muito êxito, quer pelas forma despudorada com que fazem a colagem candidato/partido (veja-se a apresentação de Jerónimo de Sousa, em que o próprio anunciou a sua cabdidatura como se de um terceiro se tratasse), quer pelo objectivo único a que se propõem, que é o de "impedir a direita de conquistar a presidência". Outro fim poderia passar por uma desistência para beneficiar um candidato de esquerda melhor posicionado; como ambos recusam esse cenário, fica-se com a impressão de que não concorrem para muito mais e que os seus votos virão do núcleo duro do seu eleitorado. O mesmo se pode dizer de Garcia Pereira, com menos atenções que há cinco anos, embora tenha uma postura mais rebelde e menos "aparelhística". A luta, poré, é a mesma, e o lema é, como sempre, "ousar lutar, ousar vencer".

Agora sim, os pesos pesados. Soares é o que se sabe: "pai do regime", conhece os cantos à casa de Belém como nenhum outro e continua a respirar política. Os argumentos relativos à sua "provecta idade" são um disparate pegado, típico de gente que ainda não aprendeu que Soares é a última pessoa que se deve substimar. Mas será razoável pensar-se que alguém que já ocupou todos os cargos políticos relevantes devia deixar definitivamente lugar a novas pessoas, e por consequência, a novas ideias. A eterna figura de "Pai da Nação" não o favorece desta vez, e além do mais o país é bem diferente do que era em 85. Agitar o fantasma da direita revanchista não leva a lado nenhum, até porque candidato algum pertence a esse segmento político. Atacar esses mesmos candidatos é um tiro pela culatra que atingirá inevitavelmente o pé, sobretudo pela forma desabrida com que o fazem, como de resto é bem visível pelos textos destes senhores, que se lembram de falar de toda a gente envolvida nestas eleições menos do candidato que apoiam. Esta candidatura, em suma, é mais um reflexo do ego de Soares e da infinita admiração que alguns lhe têm do que um movimento de grande necessidade ou rasgo, como em 85, ou de pacífica consagração, como em 91. Soares avança porque se vê como um político imprescindível, porque não confia em Cavaco nem na sua falta de "humanismo", porque apesar de toda a sua astúcia e instinto ainda não entrou realmente no Séc. XXI.

Manuel Alegre é um caso bastante diferente. O nosso vate favorito, com aquela pose meio aristocrática meio republicano de 1910 (no fundo é um cruzamento dos dois), resolveu fazer meia-volta e mergulhar de cabeça nas presidenciais, sem grandes apoios nem partidos embevecidos, proque "é republicano". Confesso que apesar desta última razão quase dei um salto ao ouvirem directo a declaração de candidatura de Alegre, em Águeda, fazendo justiça à sua proverbial frontalidade. Para aumentar a confusão presidencial temos agora um candidato sem grandes tropas mas também sem os costumeiros aparelhos partidários atrás. É o mesmo que dizer que traz uma lufada de ar fresco (quando fizerem a comparação com Zenha, lembrem-se que ele tinha atrás de si o PRD e o PCP) à batalha eleitoral.

Po fim, Cavaco Silva, o professor regressado que acabou enfim com outro tabu, porventura o mais longo. A sua eleição é um dado quase adquirido (embora, como em todos os casos, merecesse alguma prudência, que eu penso que o professor tem). As sondagens atribuem-lh largo favoritismo, a imprensa está com ele, a esquerda moderada adoptou-o, o PSD rejubila, a direita resigna-se ao que há. Parece ser o sucessor mais óbvio de Sampaio. E não admira, não só pela restante oferta como pela maneira messiânica e simultaneamente conciliadora e apaziguadora com que se apresenta, numa estratégia em que nada parece ter sido deixado ao acaso. Entusiastas não lhe faltam, desde aqueles que julgam que Cavaco irá logo dissolver a AR por causa "do governo ilegítimo" e da "armadilha de Sampaio", como é o caso do semper-cavaquista Vasco Graça Moura ( e muito surpreendentemente por Miguel Veiga, a avaliar pelas suas declarações recentes), até aos que acham que será um complemento perfeito do governo de Sócrates, e um garante de estabilidade, caso de Belmiro de Azevedo, entre outros. Espera-se pela clarificação das ideias de fundo da candidatura, das quais até agora só houve um ligeiro esboço.

Os dados estão lançados, e à excepção do muito provável vencedor, tudo o resto (quer dizer, os pontos secundários) será avaliado em Janeiro. Como eu gostaria que isto acabasse? Sim, como os demais, com Cavaco eleito. Mas só à segunda volta, com Manuel Alegre como adversário directo.
Agora espero não voltar a falar deste assunto até ao ano que vem.

Só para completar o que acima disse de Soares: apesar de considerar essa candidatura como o seu maior disparate político de sempre (como aliás lho disseram alguns dos seus fieis amigos de outras tendências), não é por isso que me esqueço que se vivemos em Democracia e temos eleições, a ele se deve, assim como o facto de pertencermos à União Europeia, e tantas outras coisas (como a importância e utilidade do Bloco Central, o governo mais injustamente sub-valorizado de sempre). E também não é nenhum senil nem nenhum pobre velhinho, como alguns pseudo-comentadores de fraca sabedoria andam para aí a ronronar. São atitudes que consigo conceber vindas da extrema-esquerda otelista ou do PC, ou da extrema-direita saudosista do 24 de Abril, mas nunca de sectores pretensamente democráticos. Assim, temos de ouvir incongruências dessa irrelevância política que é Nuno Morais Sarmento, ou daquele lunático fossilizado que volta e meia escreve no DN coisas dignas de uma novela mexicana, um não sei quantas Mendia, admirador confesso da época colonial, para quem "Soares é muito pior que Pinochet". É pena que a memória seja curta, a ignorância tão vasta e a mediocridade tão consentida. Mas é o preço a pagar por vivermos num regime livre, o mesmo que Soares ajudou a construír.

segunda-feira, outubro 31, 2005

Ventos de esperança da Alemanha

Que a Alemanha mudou bastante após a reunificação é um dado assente. Que nos últimos tempos tenha necessariamente de mudar é outro. Que isso caiba à estranha "grande coligação", em vias de a governar, é outro ponto óbvio (há dúvidas é no sentido). Só que ultimamente as conversas sobre os teutões não primam pela positiva nem pela grandeza.

No centro da ex-Berlim Leste, a dois passos da porta de Brandemburgo e da catedral prussiana, nas margens do rio Spree, existe um edifício moderno, fechado e espelhado em tons laranja com graffitis à mistura. Não prima pela estética, como se imagina, mas aí funcionou, durante mais de dez anos, o parlamento da ex-RDA. Depois da reunificação fechou-se o mamarracho por causa das grandes quantidades de amianto lá contidas (quem sabe se a morte cancerígena de Honecker não se terá devido a isso), até há bem pouco tempo. Ao que parece, as autoridades competentes querem destruí-lo, apesar de alguns saudosistas que pretendem mantê-lo devido ao seu interesse histórico e arquitectónico (por aí não devem ir longe). Convém que se esclareça que o edifício está situado na preciso local onde se erguia outrora o Stadtschloss, o palácio onde os kaisers alemães residiam na capital, danificado durante a guerra e acabado de demolir pelo regime comunista. E é precisamente uma réplica de tal palácio que se quer reconstruir no ponto de origem. A polémica está lançada, como se esperava, porque embora o duvidoso edifício laranja possa ser muito útil como centro de congressos ou de outros eventos (poupando uns bons milhões de euros), arquitectonicamente falando o Stadtschloss é muitíssimo mais belo e bate-o aos pontos. Em princípio, será esta a solução a prevalecer, mas muita água (e tinta) vai ainda correr no Spree até à concretização do que quer que seja.




Mas o que me motivou a escrever este post é outro assunto. Hoje, 30 de Outubro, algo mudou realmente no skyline de uma das mais ilustres e esplendorosas urbes alemãs. E com um significado simbólico muito grande.
O bombardeamento de Dresden é um dos episódios mais conhecidos da recta final da Segunda Guerra, e uma das grandes manchas dos exércitos aliados. A "Florença do Elba" ficou reduzida quase toda ela a escombros em Fevereiro de 1945, e tardou em reerguer-se. Mas conseguiu, mesmo no tempo da RDA, voltar a mostrar os palácios legados pelos reis polacos, como o Zwinger, o seu friso com os duques da Saxónia, no palácio Sachsen, a Ópera, e o imponente "Balcão da Europa". A jóia da coroa, porém, a sumptuosa catedral barroca Frauenkirche, da qual só restava um torreão lateral, continuou em escombros durante cinquenta anos. Até que nos anos 90 recomeçou, lentamente, a sua quase total reconstrução.



No Verão de 1998 passei por Dresden, vindo de Berlim. Apesar do ar de limpeza e do despertar da cidade ainda havia diversas ruínas, provavelmente desde a guerra. Subsistiam também muitos aspectos ligados à RDA, alguns deles conciliadores, como os Trabant (não deixei de tirar umas fotos a uns quantos), ainda que se estivesse claramente a viver uma nova era, mais próspera e exaltante. Pude admirar as obras de reconstrução da Frauenkirche. Embora em fotografia não pareça, é uma obra colossal e majestosa. Mesmo entre tapumes e andaimes (com ar muito mais seguro do que os que se vêm por cá), espantou-me a dimensão e a imponência que se adivinhava por trás.
Até hoje. Porque os alemães, particularmente os de Dresden, puderam ver de novo aberta a sua querida igreja, sessenta anos depois da sua queda. Já há muito que se podia observar o resultado final, mas só hoje é que as suas portas se voltaram a escancarar. Um perfeito exemplo para ilustrar a máxima de Lampedusa : "é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma". Neste caso, o centro de Dresden ficou na mesma, como era antes de Fevereiro de 45. A Florença do Elba recuperou o seu esplendor e exorcizou em definitivo todos os fantasmas da guerra. Um bom motivo para lá voltar, um dia destes. Afinal, da Alemanha actual também chegam boas novas.




PS: li hoje nos jornais que a grande fatia das doações veio de Inglaterra, com o beneplácito do Duque de Kent, e de famílias de antigos prisioneiros de guerra aliados. Um excelente exemplo de reconciliação e concórdia, que ajuda a sarar definitivamente as feridas da guerra.
Aproveito para dizer que depois de ter passado por lá não soube mais notícias dos avanços das obras até ao Euro-2004; isso porque vi durante o campeonato de futebol um alemão com camisola do Dínamo de Dresden (a vender bandeiras da Grécia!) e não resisti a perguntar-lhe em que ponto é que ia a reconstrução; ele ficou vivamente surpreendido por encontrar portugueses a par das obras da catedral e interessados no seu avanço, e respondeu-me que este ano estaria pronta. E tinha razão.

quarta-feira, outubro 26, 2005

Notas do dia
Num jogo difícil lá conseguimos ultrapassar o Leixões, equipa aguerrida apoiada pela claque "Mafia Vermelha", mas que a meu ver usou e abusou do anti-jogo. O capitão Simão encarregou-se da passagem da eliminatória, fazendo o que melhor sabe: marcar golos, por sinal espectaculares, fazendo justiça ao resultado. O do Leixões também é bem metido, mas os de Simão são qualquer coisa...hesito em escolher o melhor, talvez o segundo. O público, esse, acorreu em massa. Apesar do vermelho ser a cor comum, hesito em dizer que talvez o Benfica estivesse um pouco mais representado, apesar da barulheira dos matosinhenses.


Há neste momento vários filmes franceses nos ecrãs lusos. O que chama mais a atenção é provavelmente "Les Poupées Russes" (que no Verão, em França, já tinha sido visto por dois milhões de espectadores, segundo anunciavam), a sequela de "A Residência Espanhola", aquele filme de Erasmus que teve tanto sucesso e onde o mundo descobriu Romain Duris. Mas duvido que seja melhor que "Anthonny Zimmer", um thriller bem estruturado, com a habitual mistura entre falsários, polícias locais e tipos de Leste. Um tipo normal apanhado numa maquinação secreta, uma irresistível femme fatale (e logo Sophie Marceau), de nome Chiara (está visto que as Chiaras são indubitavelmente irresistíveis), uma troca de identidades, tudo entre TGVs, modernas vivendas camufladas no maquis, salas herméticas próprias para interrogatórios e o glamour da Côte d´Azur (há cenas passadas nos hoteis Carlton, em Cannes, e Negresco, bem como na Promenade des Anglais, em Nice). Tudo até às revelações (ou não) finais da trama, incluindo a da personagem que dá nome ao filme. Muito aconselhável, apesar de não estar em muitas salas. Se puderem, não o percam.

segunda-feira, outubro 24, 2005

A questão que se (me) impõe

Quando um portuense visita a capital, e vice-versa, já sabe que quando chegar a ocasião de pedir um "fino" terá de trocar o termo por "imperial". Não tem nada que saber. O problema coloca-se noutras latitudes, nomeadamente em terras equidistantes de tripeiros e alfacinhas.
Em Coimbra, por exemplo, o que usar? O pedido não deve ser raro na cidade dos estudantes, que não são propriamente indiferentes à beberagem (e agora com a Latada ainda menos). Mas já ouvi perguntar de duas formas: alguém pediu um fino, e perante o olhar de dúvida da menina que servia, alterou o pedido para "uma cerveja", ao que a dita moçoila acedeu, respondendo "uma Imperial, não é?". Pouco depois, numa tabela de bebidas num local de culto para a estudantada, já vinha o nosso Fino, e até em diferentes tamanhos. Ainda pensei que fosse a expressão "vinho fino", que se usa em Coimbra com o diminutivo fino, mas não, era mesmo a cerveja. Mais confuso se fica. Afinal, que expressão se usa em Coimbra? Serão ambas aceitáveis e oficiais, dado a quantidade de pessoas/estudantes que lá aflui? Ou andarão os beirões a enganar o resto do país enquanto procuram uma fórmula intermédia? Impõe-se uma resposta clara antes que se instale o caos (ou pelo menos um ligeiro qui pro quo à volta de copos).

segunda-feira, outubro 17, 2005

Para lembrar e relembrar



O jogo de ontem (que fui acompanhando sem ver, e do qual perdi o segundo golo) é sem dúvida histórico: pela matança do borrego de 14 anos e que vinha crescendo a cada nova época (com estagnação já no ano passado); pela passagem de testemunho de César Brito para Nuno Gomes, com os mesmos dois golos, ambos marcados com poucos minutos de intervalo, na segunda parte, na baliza do mesmo lado e até perante o mesmo guarda-redes (bonita idade, Vítor, mas com poucos motivos para comemorar); por marcar novo triunfo de Ronald Koeman, que também já marcou a Baía, sobre o seu patrício do "futebol de ataque"; e por simbolizar enfim a ideia de que os tempos negros do Benfica, neste campeonato e não só, ficaram para trás, e tão cedo aqueles terríveis onze anos não se voltarão a repetir. Mesmo que o SLB não seja campeão, mesmo que a Liga dos campeões não corra lá muito bem, certo é que temos mesmo equipa, com união e espírito de sacrifício, e ao que parece temos também um treinador competente e conhecedor do ofício, ao contrário do que chegou a parecer.

Claro que a equipa contrária, em especial a sua deplorável defesa, deram uma ajuda preciosa. Mas as lesões de Miccoli e a má forma de Karagounis também foram problemas acrescidos. Por isso se pode dizer que o triunfo no reduto do adversário é inteiramente merecido, graças a uma defesa sólida, um guarda-redes seguro, um meio-campo operário e um ataque desiquilibrador e oportunista. E bonitos os gestos do matador Nuno (sete golos em sete jogos!), tanto o de relembrar que era o campeão nacional que ali jogava como a dedicar os golos à antiga glória José Torres, vítima de uma doença degenerativa.



Agradecimentos ao sl-benfica.com pelas fotos, sobretudo a Isabel Cutileiro

PS: estava a folhear um jornal de 13 de Setembro e reparei em algumas das frases daquela secção que mostra o que se disse no dia anterior, noutras publicações. Por exemplo: "o Benfica está outra vez em crise" ou "Koeman está a seguir por caminhos já antes trilhados na Luz por Manuel José e Jupp Heynkes". Passou-se apenas um mês. Faz-me lembrar o PS depois das autárquicas. Parece que para além dos ciclos políticos, também os futebolísticos se estão a encurtar.

sexta-feira, outubro 14, 2005

Jornais, declarações e substituições

Se há jornais que estão em franca decadência, ou que desiludem se comparados com o que eram na altura do seu surgimento, o Independente é seguramente um deles. Já se sabia que de independente tem muito pouco, ainda que assumido o espaço político em que se move. Mas pedir a Luís Filipe Meneses que fosse o opinion-maker do destaque do jornal, a dois dias das autárquicas, é um bocadinho demais. Se se acrescentar que este senhor é um autarca com ambições distritais/nacionais e provavelmente a figura política mais incoerente do PSD, então estamos conversados. É que na sua coluna (link indisponível, creio), o autarca do lado de lá prevê a total hecatombe do PS, com derrotas esmagadoras no distrito do Porto (que só ocorreram em Felgueiras), a perda de câmaras de Braga, Vila do Conde, (onde ganhou com maioria) etc, além de outras previsões que, pese a pesada derrota socialista do passado domingo, ficaram bastante aquém dos seus augúrios. Mas do sr.presidente da margem sul pouco mais haveria a esperar.
Pior do que isso só a conversa da sua directora, Inês Serra Lopes, que extrordinariamente declarou que "os casos de Gondomar e Felgueiras são diferentes de Oeiras, porque são bastante mais pequenos que o concelho onde Isaltino ganhou"; isso perante o ar impávido e sereno dos parceiros de mesa. Extraordinariamente porque a senhora sem dúvida ignora que Felgueiras é um dos concelhos mais industriais do distrito do Porto, e, pior do que isso, que Gondomar fica às portas da Invicta, tem mais de 150.000 habitantes e uma área muito extensa, ao contrário da exígua Oeiras. Claro que são concelhos entre o suburbano e o rural, mas daí a serem pequenos vai um passo que a despreocupada e pouco esclarecida directora do Indy certamente não dará.

E já que falamos em jornais, apercebi-me de que as críticas cinematográficas do Público se suavizaram de forma notória. A razão é simples. Saíu Kathleen Gomes e entrou Jorge Mourinha. Pessoalmente não era um adepto do seu estilo, das suas críticas amargas a tudo quanto era um pouco mais "comercial", das suas bolas pretas, só ocasionalmente trocadas por um punhado de estrelas a uma intelectualidade qualquer do novo cinema do Kazaquistão, enfim dos seus ataques sibilinos e ríspidos a 90% da produção cinematográfica e musical - embora não fosse razão para insultar.
Assim, o ingresso do ex-jornalista do Blitz não só enriquece o diário e demais suplementos - leia-se "Y" - como lhe dá um estilo mais leve, menos carregado, mas nem por isso menos profundo. É uma boa notícia saber que o terei como objecto de leitura no comboio de Sexta-Feira.

terça-feira, outubro 11, 2005

Rescaldo

Vitórias. Derrotas. Declarações mais ou menso grandiloquentes. Conquistas. Surpresas. Os ingredientes de umas quaisquer eleições autárquicas.

Leituras nacionais: o PSD é o principal vencedor, mantendo e reforçando a supremacia autárquica obtida em 2001, e engolindo o CDS. Marques Mendes sai também reforçado, apesar das perdas de algumas câmaras importantes e do igual reforço de alguns rivais, como Menezes.
O PS tem uma derrota em toda a linha, talvez a maior de que há memória a nível local, no mesmo ano em que obtém o seu maior triunfo de sempre. É pouco crível que o governo vá mudar o que quer que seja, dado o carácter local do evento (não se vota no excelso presidente da junta de freguesia de Mouçós para castigar as políticas socráticas). Mas de qualquer maneira, é uma derrota para o seu líder, Sócrates, e talvez marque o fim de uma era: a de Jorge Coelho como líder do aparelho PS.
CDU: outro grande vencedor. Inesperadamente, a coligação vermelha e verde (grande eufemismo) não só trava a contínua sangria de cãmaras que se verificava há já alguns anos como ganha novo fulgor, ao tomar o antigo feudo da marinha Grande, Peniche, alguns concelhos alentejanos e principalmente quase toda a margem sul do Tejo, o que lhes permitiu reconquistar a liderança da Junta Metropolitana de Lisboa. Se não fossem autárquicas, diria que é o efeito Jerónimo...
CDS-PP: as coligações com o PSD permitiram disfarçar o inabalável facto de que a nível local já não representam quase nada. Resiste o fiel e imutável bastião de Ponte de Lima, mas é tudo. O Marco caiu, o domínio que chegaram a ter em Aveiro desapareceu, e não lograram conquistar alguns concelhos que lhes dariam novo alento, como Mirandela. Ribeiro e Castro tem todo um trabalho de reorganização e aproximação local à sua espera.
BE: a estagnação. O Bloco mostra que é definitivamente um movimento urbano de protesto, não um partido para governar ou administrar o que quer que seja. E no Porto nem isso lhes valeu.
O resto dos partidos: irrelevantes, como sempre. Nem os irmãos Câmara Pereira conseguiram o que quer que fosse para aquilo a que eles chamam "PPM". curioso é verificar que um partido que julgava extinto, o PSN, ainda se apresentou a uma autarquia, já não sei qual.

Quanto às minhas escolhas pessoais para os resultados...bem...

O melhor: as derrotas de Ferreira Torres, Carrilho e José Raúl dos Santos (Ourique). As vitórias de Moita Flores, Manuel Moreira (Marco), Fernando Seara e Daniel Campelo, em Ponte de Lima.


O pior: derrotas de Alberto Souto em Aveiro (por causa de uma conjugação de votos entre PSD e CDS) e Maria José Azevedo em Valongo; as vitórias de Valentim, Fátima Felgueiras e Isaltino; a continuidade de Mário de Almeida (Vila do Conde), Mesquita Machado (Braga) , Manuel Martins (Vila Real) , Jaime Soares (Poiares) e Isabel Damasceno, em Leiria, a maioria absoluta de Rui Rio no Porto (preparem-se para a terraplanagem da Avenida dos Aliados), e, claro, o pleno de Alberto João nas onze câmaras da Madeira, com todas as inaugurações, intimidações e imensos fundos de campanha.

Pior discurso: ex aequo os de Fátima Felgueiras, Valentim (espanta como é que não lhe deu uma apoplexia), MM Carrilho (patético) e Rui Rio, num estilo demagógico e arrogante que não prenuncia nada de bom.
A maior alegria da noite: ver Ferreira Torres e as suas palavras ressabiadas contra "a comunicação social e a Mota-Engil", justificando "que tinha pena pelos amarantinos", enquanto Armindo Abreu festejava radiante entre um mar de gente aliviada.
Teria pena dos amarantinos, sim, se esse símbolo do pior que o poder local criou chegasse à presidência da "Princesa do Tâmega"; e ver o amigo dos empreiteiros atirar-se ás empresas de construção civil é grotesco e caricato, ao mesmo tempo. É provavelmente o fim da carreira do indivíduo, já que o ex-governador-civil do Porto, Manuel Moreira, conquistou o Marco de Canaveses e derrubou definitivamente o domínio avelinista.

A Manuel Moreira (até pela difícil herança) e sobretudo a Armindo Abreu envio aquele abraço e o desejo de felicidades nas respectivas autarquias.

sexta-feira, outubro 07, 2005

Autárquicas

São já daqui a poucos dias, as minhas eleições favoritas. Favoritas não apenas pelo teor das questões locais, que sempre me interessaram, principalmente as ligadas ao urbanismo (a construção de uma cidade é qualquer coisa de fascinante), mas pelas centenas de actos eleitorais e respectivas campanhas, que, pela boçalidade aliada à capacidade de imaginação e de improviso tão genuinamente português, são as mais divertidas que temos. Pena é que se realizem em Outubro, e não em Dezembro, como era regra, já próximas da quadra natalícia (o que propiciava novas e bizarras situações). De qualquer forma, para se ter uma ideia de conjunto, basta ver os vários blogues especialmente feitos para mostrar os melhores outdoors. Esses grandes apelos ao voto eram uma raridade apenas existentes nas grandes cidades hámeia dúzia de anos; hoje, a mais recôndtia freguesia não os dispensa, demonstrando que o tradicional cartaz colado na parede não passa de uma raridade e de uma recordação.
O que marca desde já este acto eleitoral são as famosas e muito mediáticas campanhas dos arguidos Valentim, Isaltino, Fátima Felgueiras e Avelino - este último talvez o caso mais chocante. Todos gostaríamos de os ver derrotados, como é óbvio. O problema é que os que restam são exactamente a maioria votante nos respectivos concelhos, pelo que a questão de os derrotar se transforma num bico de obra. Assim, se só um deles perder (preferência para Avelino), já não é mau.
Outro ponto que devia ficar resolvido era o dos dinossauros, tanto a nível pessoal como partidário. Pessoal, por causa dos que se eternizam no cago desde os anos 7o, casos de Narciso Miranda (que finalmente se retira), Mesquita Machado, ou jaime Soares, de Vila Nova de Poiares, que ocupa a cadeira desde 25 de Abril...de 1974. Partidário porque há agrupamentos que dominam as respectivas câmaras desde os primeiros escrutínios mesmo que pontualmente alterem o cabeça de lista (Vila Real, Vila do Conde, Viseu, a maioria das câmaras da Madeira, etc). Por minha vontade, todos estes municípios mudavam de cor no dia 9. Resta saber qual a vontade de mudança dos autóctones.
Não posso falar de muitas candidaturas, porque francamente não conheço bem os problemas e as "soluções" dadas pelos candidatos; tenho uma vaga ideia do que prometem para Lisboa, por exemplo, além dos patéticos debates Carrilho/Carmona, ou do que se passa em Vila Real e Matosinhos, mas pouco mais. As minhas eleições são no Porto.

Rui Rio, o vencedor surpresa de 2001, recandidata-se agora como favorito à vitória. Escudado numa imagem de candidato impoluto e anti-grupos de interesses, esta empalideceu com a surpreendente saída de Paulo Morais das listas para a CMP (e as suas posteriores declarações). Tem a seu favor a imagem de gestor austero, das tentativas de reabilitação dos bairros sociais e da desertificada zona histórica, e de ter concluído algumas obras paradas, como os arranjos da praça Carlos Alberto ou o Túnel de Ceuta - imbróglio não terminado. Contra si tem o nulo investimento na cultura, algumas quezílias inúteis e escusadas, um subtil e leve populismo e uma certa arrogância e sobranceria no tratamento de determinadas questões sociais (por exemplo, ainda não se percebeu se há menos arrumadores ou não).
Francisco Assis, ao contrário do que disseram, não pode ser considerado à partida um perdedor: presidente da câmara de Amarante aos 24 anos, líder do grupo parlamentar do PS aos 32, tendo tido a proeza de derrubar a todo-poderosa distrital socialista do Porto, de Narciso Miranda e de enfrentar populares irados em Felgueiras, não goza contudo de grande carisma nem é uma figura com forte ligação à cidade. Cultiva um certo afastamento do aparelho partidário e goza de credibilidade, tendo o apoio dos agentes culturais e de todos os outros que em geral se queixam de Rio; não especifica contudo qual vai ser a sua política de urbanismo, de atração do investimento (um dos seus cavalos de batalha) ou da "devolução ao Porto da importância que merece".
Rui Sá é uma espécie de "one-man-show" da CDU, tal como era Ilda Figueiredo, e como a agora eurodeputada consegue transmitir uma certa imagem de trabalho e competência. Tendo muitas vezes suportado a maioria na Câmara, não consegue afastar uma certa ambiguidade, além da importância que dá ao confronto directo com o BE. O seu trabalho de safra parece, no entanto, ser reconhecido.
Pelo bloco de Esquerda recandidata-se João Teixeira Lopes, sociólogo (como 70% dos bloquistas) e deputado. Tem algumas hipóteses de chegar a vereador, aposta na cultura e aos assuntos sociais, sobretudo no que toca às ilhas e bairros camarários (o tema mais batido da campanha), mas as suas ideias parecem algo vazias e minimalistas. A excessiva confrontação com as outras candidaturas também não o favorece.
Por último, o estimado advogado João Garrett candidata-se pela Nova Democracia/PPM, mas a sua candidatura parece ter passado ao lado dos eleitores, não se conhecendo os seus projectos nem a sua equipa por falta de informação. O cartaz , enigmático e populista, também não ajuda nada à festa, como se pode ver:



Cortesia do Fumaças

Resta-nos assim esperar pelas confirmações e surpresas de Domingo, que a televisão exaustivamente nos revelará, para não falar nos habituais paineis de entendidos, representantes partidários e jornalistas. O zapping será constante, como sempre. Mas até lá, nas poucas horas que nos restam, ainda temos os últimos cartuchos de um conjunto de centenas de campanhas que vale a pena acompanhar (aqui, por exemplo), sem que faltem os eternos bombos, bandeiras, slogans e comícios jantares/almoços, consoante a hora. A política portuguesa vive inevitavelmente de gastronomia e fanfarra, o que dá outra piada à coisa. E, sinceramente, já não podemos passar sem isso.

sábado, outubro 01, 2005

Inglório



É óbvio que fiquei fulo com a derrota em Manchester. Perder a cinco minutos do fim depois de um jogo tão equilibrado é doloroso e dá aquela famosa sensação da morte na praia. Provavelmente haveria uma sensação de menor frustração se a derrota tivesse sido por outros números. Mas depois desta exibição exige-se mais ao Benfica e pricipalmente a Koeman. Não vale a pena repetir as mesmas críticas e dizer que devia ter tirado o elemento nulo em campo (Beto, cujo lugar não é decididamente nas alas) e conservado Miccoli, para não "convidar a equipa contrária a atacar". Agora há que olhar em frente, com outra confiança, para preparar os próximos embates no campeonato e os restantes jogos europeus. Com alguma sorte, ainda nos desforramos da equipa do sr. Glazer quando vierem à Luz, com ou sem Rooney, Keane e companhia.

De qualquer forma, antes a nossa derrota que os três a dois que tanto Porto como Sporting sofreram em casa por parte de adversários modestos e tecnicamente inferiores. Um problema para os nossos rivais irem reflectindo seriamente.
O Vitória de Guimarães, nosso próximo adversário, está de parabéns pelo triunfo obtido na Polónia. O outro Vitória, o sadino, saíu de cabeça erguida do confronto com a Doria, o famoso segundo clube de Génova (daqui a uns dias explico-lhes porquê). Sem avançados, o Braga caíu na armadilha do golo sofrido em casa perante o velho Estrela Vermelha. E assim se findou a jornada portuguesa na UEFA, sem grandes motivos para rir, excepto em Guimarães.

Como prémio de consolação, deixo-lhes esta imagem de A Praia e o respectivo post do Ivan Nunes. Não é novidade nenhuma que o Benfica tem adeptos em todo o mundo, mas é sempre reconfortante encontrar mais um.

terça-feira, setembro 27, 2005

O adeus às armas




O terrorismo também tem fim

sexta-feira, setembro 23, 2005

A esperança encarnada renasce

O ano começou mal, é verdade, mas depois das últimas vitaminas até já podemos dizer, com um sorriso trocista, que demos oito pontos de avanço aos adversário e que já os apanhámos.

O ídolo do momento é o minorca Miccoli, jogador que não conhecia mas que promete momentos fabulosos de bola nos pés (ou na cabeça, como já mostrou).
Atenção a Karagounis: o grego tem arrancadas explosivas e remates fulminantes. Não se impressionem apenas com o que viram no EURO 2004.
Leo, outro minorca, mostrou ter velocidade e consistência defensiva. Quando ganhar ritmo vai ser um caso sério junto de Simão.
Andersson surpreendeu-me pela colocação, destreza e classe no desarme. Precisa de melhorar no jogo aéreo, porque no resto é simplesmente impecável.
Beto tem desiludido mais, depois de uma excelente pré-época. Não se podia esperar grandes milagres de um médio proveniente do Beira-Mar que custou trezentos mil euros, mas ainda assim acho que, na sua posição original, será um bom e raçudo suplente de Petit e Manuel Fernandes (que até nem têm jogado grande coisa).
Kariaka não teve tempo para se mostrar muito, mas revelou alguns bons pormenores técnicos. Pode ser uma boa alternativa ao capitão, na esquerda, assim como o jovem mas promissor Hélio Roque.
Nelson é uma autêntica revelação. Até costumo acompanhar os vizinhos do Bessa, e ainda há tempos um juvenil dos axadrezados, que torce pelo Porto me tinha garantido que ele seria um novo Miguel; na altura desconfiei; agora, dissiparam-se-me as dúvidas.
Já agora, fica aqui uma pequena nota relativa, num blog recomendável (apesar do nome), não só ao novo e explosivo lateral canhoto mas também ás outras contratações:

Os adeptos do Boavista ficaram desolados com a sua saída. Mais, consideram que o preço pago pelo Benfica foi "ridículo". Também acho. Vender Miguel e Alex, comprar Nélson e ganhar, no fim, 8,5 milhões de Euros, é um negócio da China.
O Veiga terá estado mal?
PS - já agora, se lhe juntarmos um Leo, um Anderson, um Karagounis e um Miccoli, praticamente sem gastar um tostão...


Esperemos que as coisas se confirmem em Penafiel, cujo golo solitário na antepenúltima jornada de Maio passado, que tantos nervos me criou, ainda me está atravessado. Quanto ao teste mais duro, Old Trafford, terá de ser encarado como isso mesmo: um teste à capacidade deste benfica de koeman. Não se esperem milagres, mas ambição e realismo.

domingo, setembro 18, 2005

O fim do Verão

Oficialmente o Verão acaba lá para 21 de Setembro e algumas horas. Para muitos, o término da estação é no regresso das férias (se calharem nessa altura) e nem mais um dia. E há quem trace o limite com as vindimas.
Para os que frequentam as Feiras Novas de Ponte de Lima, em meados do mês, esse é o ponto exacto em que o Verão, o bronze, as conversas até tarde cá fora, etc, têm o seu termo. As tradicionais festas da terra de Campelo são o último suspiro estival, particulamente para quem está na fase de estudo e vê o primeiro dia de aulas chegar (e para os outros também). Naquele caos de pó, frango a fritar, vinho verde, chapéus de palha e entre a praça (e o seu típico chafariz do Alto Minho), a alameda e o rio Lima, com a ponte e as inúmeras igrejas como cenário de fundo, a comunhão entre gente de proveniência absolutamente distinta é já uma tradição que se vai perdendo nos tempos. Comunhão que não evita por vezes cenas de pancadaria entre locais e forasteiros, nomeio das barracas de pano cru e a multidão que ou aplaude ou foge, como é típico nestas situações. Se houver feirantes de varapau é pior.
Certo é que entre viras e chulas (agora com umas resmas de techno pelo meio), que fazem as delícias das novas gerações que invadem as festas todos os anos(não demasiado novas, apesar de tudo), e ao lado dos cavalos que passam a caminho da feira, despedimo-nos do Verão prontos para enfrentar as agruras ou os prazeres de um novo Outono. Até ao amanhecer, raros são os que não ficam, de preferência com um copo na mão, ou comendo um caldo verde à laia de ceia, num banco corrido, com o chapéu pousado ao lado, recordando os acontecimentos da noite e do Verão que terminam.



A todos os que ainda tiverem oportunidade de ir às Feiras Novas, que decorrem em Ponte de Lima até terça-feira, aconselho-os a ir lá, sobretudo aos que não conhecem. Eu já tive a minha conta de 2005. O Verão segue para o ano.

terça-feira, setembro 13, 2005

Post populista-sério (ou "os políticos são todos iguais")

O Bloco de Esquerda candidata Louçã para "impedir a ascensão da direita". O PCP e o "Secretário-Geral camarada Jerónimo de Sousa " idem aspas. Mário Soares avança depois da confiança mostrada pelo PS. Os "notáveis" do PSD e as bases apelam à candidatura de Cavaco para "derrotar a esquerda" e particularmente Soares. Ribeiro e Castro fala na necessidade de "impedir a esquerda de ficar com a maioria das autaquias".
Para quem tinha a menor dúvida de que os partidos e respectivos aparelhos (com as jotas à frente, bem entendido) são actualmente o maior cancro da vida política pode tirar daqui as devidas conclusões. Os grandes objectivos são impedir "os outros", a esquerda ou a direita, de ganhar. Ideias construtivas é que nem vê-las.
Não é à toa que o PS não manifesta dúvidas quanto à OTA ou ao TGV, que Campos e cunha saíu do Governo ou que Vara está na Administração da CGD e Gomes na da GALP. Ou ainda que os barões do PSD recusaram a lei da limitação de mandatos. é tudo claro como à água. Pelo menos à superfície. O fundo, esse, deve ser escuríssimo.

segunda-feira, setembro 12, 2005

Pixies alive


Enquanto muito sonhavam ver Bono e os habituais óculos escuros, ladeado por The Edge de chapéu texano, Clayton e Mullen sob holofotes e neons, cantando o Vertigo entre os azulejos amarelos e verdes de Alvalade, o meu pensamento ia para aquela banda meio esquizofrénico, meio masoquista, proveniente de Boston, e que se tinha voltado a juntar após demasidos anos de separação. Isso mesmo: os Pixies.
 
Esse grupo, chefiado por um alucinado de mais de cem kilos com o estranho nome artístico de Black Francis/Frank Black, e por uma senhora com ar de dona de casa e voz estridente chamada Kim Deal, acompanhados pelo guitarrista filipino Joey Santiago e pelo baterista David Lovering, mudou a face do rock dos anos oitenta/noventa, com o seu noise (menor que o dos Sonic Youth, apesar de tudo) melódico, que influenciou gente como Kurt Cobain - ainda que este nunca lhes tenha chegado aos calcanhares. Músicas cantadas (ou berradas) ora em inglês, ora em espanhol, sobre OVNIs, praias portoriquenhas, mentes a explodir ou bastardias avulsas eram o mote deste quarteto. Claro que a dita influência não se notou assim tão bem a olho nu, já que os seus discos não rebentavam com as platinas da época, e muito injustamente, diga-se (veja-se esta notícia, se ainda estiver online). O que é certo é que a banda espalhou os pós que haveriam de criar o grunge e depois dissolveu-se, por decisão unilateral do seu líder que queria enveredar por uma carreira a solo.
A vida de Franck black não melhorou com isso; Kim Deal conseguiu alguma notoriedade com as suas Breeders; mas sabiam que a sua carreira se devia à mítica banda que fora a sua.
 
Há alguns anos atrás, também eu punha os Pixies como um dos três ou quatro grupos que mais gostaria de ver ao vivo, mas acrescentava sempre um desconsolado "mas isso é impossível, porque eles não se vão voltar a juntar", enquanto ouvia o seu álbum live.
Oh, homem de pouca fé que eu era! Algures no ano passado, os agora distintos quarentões decidiram-se juntar-se e fazer umas tournées, sem esquecer a Ocidental Praia Lusitana. Para meu infortúnio, não pude comparecer na comissão de boas vindas dos Pixies a Portugal, vulgo público do Superbock Superock, e, vésperas do EURO. Prometi a mim próprio que se me fosse dada mais uma oportunidade, não a perderia por (quase) nada. E assim sucedeu. Aí em Maio soube que voltavam para actuar no festival de Paredes de Coura. a 17 de Agosto. Essa data não mais me saiu da memória, até porque sabia que nessa altura ia estar igualmente no Alto Minho. Chegado o grande dia, e mesmo com problemas de óleo no carro (e mais de trinta kms pela frente), ainda sem bilhete e com os meus companheiros de romaria courense a cortar-se à última do hora, rumei ao local escolhido. Curvas e mais curvas depois, ao som do Death to the Pixies no discman da viatura, consegui deixá-la num qualquer campo convertido em parque por uma quantia exagerada. Tal como era a que se pagava pelo bilhete. Mas deu tempo para inspecionar o local, ( hélas, demasiado tarde para ver os Arcade Fire), comer e beber alguma coisa e dar uma vista de olhos à Blitz (a única coisa grátis em toda aquela noite). As rádios e TVs "jovens" andavam todas por lá, mas infelizmente não vislumbrei a Rita Andrade.
O sítio, novo para mim (Paredes de Coura era mesmo o único concelho do Alto Minho que desconhecia), é bastante acidentado, com numerosos altos e baixos e um anfiteatro natural, inclinado para o palco, com o rio Coura - ali quase um ribeiro - atrás. Devo dizer que o seu primo mais velho de Vilar de Mouros é bem mais confortável e menos poeirento, além da proximidade e acessibilidades.
O que é certo é que ainda assisti aos Queen of Stone Age, bem cá atrás, não fosse ser acometido de uma surdez crónica, tal era o som e a potência da banda, mas não desgostei. Com o hiato da praxe, aproveitei para me chegar umas centenas de metros à frente, até que, quase inesperadamente, sem nada que os anunciasse, os Pixies fizeram a sua entrada em palco. Carecas todos, menos a senhora. Frank Black ainda mais gordo e com ar de sono (Kim Deal também ganhou uns kilos), envergando roupas banais, nada de blusões de couro, óculos escuros ou chapéus de texano. O que é certo é desde o início atacaram os clássicos: Wave of Mutilation, Where is my Mind, Here comes your Man, tudo seguido, para pôr o público efervescente, muito embora algumas estátuas de cera no meio dessem a impressão de nunca ter ouvido tal coisa na vida. Estas figuras irritam-me particularmente, quase tanto como aqueles que no seu frenesim musical quase que agridem as pessoas ao lado à cabeçada involuntária.
Claro que depois de semelhantes temas, vieram as menos conhecidas, pontuadas sempre com um ou outro clássico a meio (como a soberba Gouge Away, óptima para se ouvir à noite, perfeita quando tocada sob o luar). Houve um encore e a oportunidade de ver Mrs Deal balbuciar coisas em português, na sua simpatia contagiante, antes de encerrar com o seu Gigantic. Sem grandes rasgos, foram 25 músicas em hora e vinte de espectáculo, mas é sabido que as canções do grupo de Boston não primam pela sua longa duração. Não sendo o concerto da minha vida, a coisa teve a sua piada e dei-me por satisfeito. Embora tivesse sabido a pouco, os lendários Pixies ficaram vistos ao vivo e a cores; mais um para a colecção; mas se voltarem a este torrão ibérico num futuro não muito longínquo, e se tiver uma oportunidade clara, não deixarei de os rever. Porque apesar de tudo julgo que ainda me devem algo; se assim for, considerarei sempre um tal evento como a segunda parte do concerto do qual estive à espera tempos a fio. Caso contrário, não será por isso que me vou chatear com eles.

PS: para provar a minha boa vontade, no regresso vim o caminho todo a ouvir a segunda parte do Death to the Pixies: um concerto ao vivo dado pelos mesmos em Utreque, por volta de 1990. Exactamente o que tinha ouvido antes, só que com mais voz e um pouco mais de "loucura".


quarta-feira, setembro 07, 2005

Com o fim da saison balnear, das respectivas nortadas e brumas (e uma carga enorme de constipação por causa disso) e o regresso definitivo à rotina de todos os dias, confirmo com pesar que o Fora do Mundo , o Aviz e o Jaquinzinhos se acabaram mesmo. É o render da guarda, mas é sempre penoso.
Em relação ao primeiro, sabendo que FJV a uma quantidade de blogs sobre literatura brasileira, e que Pedro Lomba anda arredado da escrita online, só posso concluír que Pedro Mexia se cansou das bloguices durante uns tempos, e, aproveitando a quase ausência dos outros dois companheiros, resolveu parar e consequentemente encerrar o blogue. A questão é saber quanto tempo é que vai estar afastado, mas suspeito que não será tanto como isso. Entretanto, Viegas, apesar deste duplo desaparecimento, já tratou de se estabelecer no seu novo Origem das Espécies. Ainda não sei bem como será, mas é crível que entre outras coisas o seus autor fale de literatura, charutos, cerveja e actualidade brasileira.
No caso do blogue algarvio, sportinguista e liberal, acredito que o fim da sua caminhada se deva ao facto de ter blogado incansavelmente durante mais de dois anos, coisa que, parecendo que não, acaba por fartar. Embora na maior parte das ocasiões tenha discordado de JCD, encontravam-se lá posts - e fotografias - magníficos. Relembro como um dos mais felizes a enorme texto sobre a constituição do Ministério da Agricultura. Já um dos mais indefensáveis talvez tenha sido aquele em que fazia a apologia de Roman Abramovitch e da origem da sua sinuosa fortuna.
Como tudo o resto, os blogues não são eternos nem imutáveis; por cada blogue que acaba, há mais dez a ser criados num qualquer enter. Mas também neste mundo em expansão há referências, e os blogues que agora chegaram ao fim da linha eram-no incontestavelmente. Agora só espero que este volte rapidamente de férias.
E por ora é tudo. Os incêndio continuam a lavrar - ainda estamos em Setembro - e nos últimos dias pude ver bem os seus estragos, em sítios como o alto Minho, Trás-os-Montes, Coimbra, Douro Litoral (Valongo ficou quase totalmente cercada pelas chamas, e por um triz não ardia a biblioteca municipal), etc. Felizmente, a chuva resolveu aparecer. Louvada seja.

É claro que ja voltei de férias há uns dias, mas à excepção do post sobre o solidariedade, não tenho tido grande oportunidade de blogar. Espero agora ter mais disponibilidae para voltar às descrições mediterrânicas.

quinta-feira, setembro 01, 2005

Um quarto de século



quinta-feira, agosto 25, 2005

Há fumo...

Não me lembro de um ano tão chamuscante como este, mas com a seca que tivemos, não era de esperar outra coisa. Por toda a parte se vêm colunas de fumo e até labaredas, que se transformam em sinistros clarões atrás dos montes quando cai a noite. Em todas as localidades das imediações, Cerveira, Valença, Vilar de Mouros, Caminha, Viana, os sinais de devastação são bem visíveis; as matas queimadas, ainda a fumegar, estão aí, a poucos passos. Na capital do distrito por pouco não evacuaram o hospital central, e as festas da Senhora da Agonia, habitualmente tão afamadas, foram ensombradas por uma sinistra nuvem de fumo que subia do monte de Santa Luzia, em labaredas.
A única névoa que se vê é precisamente a do "smog" incendiário: nem sinal de humidade no horizonte. Pelos media vejo que a situação não é melhor no centro e em Trás-os-Montes, onde numa aldeia cujo nome prefiro não divulgar a populção ficou embasbacada a olhar para os fogos dos vizinhos, antes de voltar para a sua festarola e para o respectivo lançamento de fogo de artifício - apesar da expressa proibição do governador civil, a quem ia dando um ataque. Depois, claro, a culpa é toda dos governantes e dos político, a quem se pedincha subsídios quando o mal está feito.
Acho que hoje completo mais um ano, mas sinceramente nem me lembro muito disso. E depois, o dia de hoje devia ser feriado, por razões evidentemente extra-pessoais : a lembrança da Revolução Liberal de 24 de Agosto de 1820, no Porto, célula embrionária do regime constitucional. Poucos se lembram disso, injustamente. É mais fácil lembrar um banal aniversário através de um telefonema ou de um sms. De qualquer maneira, fica uma pontinha de orgulho por ter nascido em tão importante efeméride.
A continuação do post anterior e das diversas localidades mediterrânicas continua em breve.

sexta-feira, agosto 05, 2005

Um novo dia no Mediterraneo

O primeiro jornal que tiro da banca, La Gazzetto del Sport; anima-me logo o inicio do dia: segundo os transalpinos, a Juve quer mesmo Miguel, apesar dos disparates. Se isto se confirmasse é que era...
Falando ainda em futebol, a noticia desportiva aqui é mesmo a do regresso de Zizou à equipa francesa; escrevo sem todos os acentos porque estou precisamente na cidade que descobriu esse grande jogador para o futebol: Cannes. Mas como é evidente, as atracçoes aqui estao longe de se relaccionarem com o futebol. A Croisette, ladeada pelo Palàcio dos Festivais e as marcas digitais das estrelas de cinema, pelo Vieu Port e pelos Carltons e Hiltons da enseada, impressiona pelo requinte e beleza.
Por estranho que pareça, nem era minha intençao parar em Cannes, mas um incendio perto de Marselha cortou as comunicaçoes e obrigou-me a passar aqui a noite. Em boa hora. De qualquer forma, o problema parece resolvido, e seguirei ainda hoje para a Provença.
Resumindo, venho de Nice, e antes disso de Génova (proveniente de Milao). Tem sido um percurso interessante ao longo da Riviera e da Cote d Azur, apesar do sol impiedoso. Sigo agora para Oeste, e tentarei dar noticias sempre que possivel.

segunda-feira, agosto 01, 2005

Adeus?

A pior notícia possível para a imprensa portuguesa tornou-se realidade: O Comércio do Porto (o mais antigo periódico ibérico, nascido em 1854) e A Capital fecharam as portas.
Como repararam, não coloquei os respectivos links. Não vale a pena. É que as edições online já não estão disponíveis. Infelizmente, as contigências de um mercado que se desinteressa da diversidade jornalística e da longa história e tradição de autênticas instituições levam a resultados destes.
Não era leitor assíduo de nehum dos dois, mas lembro-me bem de ver o Comércio em cima da mesa metálica da sala do meu avô, um sólido e empedernido portuense (apesar de bastante conservador e pouco republicano), que não o dispensava por nada, e que, julgo eu, terá passado até por um dos seus orgãos de direcção. A Capital conhecia-o menos, talvez por se restringir mais à área de Lisboa, mas lembro-me de ler e reler um número especial sobre o festival de Vilar de Mouros de 1996, e de descobrir com emoção o relato dos concertos a que eu também tinha assistido (os meus primeiros).
Um texto do Barnabé já com uns meses largos tinha um carácter vagamente premonitório. Querem ver que daqui a pouco é o Primeiro de Janeiro? Ao menos, deixem-nos ficar com as ruas (para quem não sabe, há na cidade do Porto ruas com o nome dos três jornais: a do Comércio fica atrás da Bolsa, a do Primeiro é onde está o Bessa, e a do JN, ao contrário do que muitos pensam, fica em Aldoar).
Esperemos é que estas abruptas interrupções sejam apenas um intervalo e que as duas publicações voltem às impressoras.

PS: amanhã parto para férias, para um destino ainda nebuloso antes dos costumeiros dias de praia numa conhecida localidade do Alto Minho. Tentarei escrever dentro do possível, mas sempre com irregularidade. Boas férias, a quem as gozar agora.

domingo, julho 31, 2005

Farto

Há uma coisa de que sinceramente estou farto: dos constantes e eternos pessimismos com que dia a dia nos martirizam os tímpanos. Sempre que abro a secção "Diz-se" do Público, por exemplo, apanho logo com meia dúzia de queixumes e afirmações semi-apocalípticas: Portugal não tem emenda, o país é inviável, caminhamos para o fim (ou para o desastre), etc, etc, etc. Já ouvi mesmo alguns colunistas dizer que "Portugal atravessa a maior crise da sua história" - fazendo tábua rasa de oitocentos anos em que tivemos reconquistas, interregnos, revoluções, guerras civis, terramotos e até perdas temporárias da independência.
Seria muito fácil exemplificar logo com Vasco Pulido Valente, mas nem é preciso ir tão longe. Um dos culpados disto é Pacheco Pereira; começou a usar a expressão "pobre país o nosso" e logo um monte de seguidores passou a usá-la como lema. Dos mais insistente saliento um comentador do Blasfémias, que assina anti-comuna, e que depois de umas quantas linhas a verberar o poder político (quase sempre o actual governo, mas justificando o de Santana) e a concordar com cada palavra escrita pelo campeão liberal João Miranda, acaba sempre com o mesmo lamento :"pobre país o nosso! Quem nos acode, quem nos acode?". Há muitos outros, como é óbvio, mas este é um dos mais flagrantes exemplos do choradinho-pessimista nacional; o caso é tanto mais estranho se pensarmos que se está a defender a total iniciativa privada no início, e logo a seguir se começa a pedir socorro a um qualquer salvador imaginário.
Se há defeito que os portugueses têm, mais do que qualquer outro, é o de passarem o tempo a criticar o país. Ora, se o país é criticável, deve-se aos próprios críticos, e a mais ninguém. Mas desde os tempos do nosso Eça e da "choldra"(pelo menos, porque esse hábito já deve vir mais de trás) que é de bom tom bater no país.
Não sou sociólogo e muito menos economista, mas suspeito que haja razões históricas por trás de tanta frustração. A memória da gloriosa saga dos descobrimentos continua sempre presente. Só que considerar Portugal uma superpotência é não ter a noção das coisas. Passa-se o tempo a fazer comparações com os outros, começando por Espanha e acabando na Grécia. Para quem não se deu conta, Espanha tem o quáduplo da população, o quíntuplo do território e uma fronteira com França, o que sempre a torna menos periférica. Sim, eu sei que estamos na cauda da Europa em quase todos os índices de desenvolvimento humano. Mas isso não é razão para se dizer que estamos no "Terceiro Mundo". Temos um povo na sua maioria iletrado e sem qualificações, uma classe política duvidosa, uma administração pública pesada e uma economia dependente. Mas quase todos têm telemóvel, casa própria e automóvel (eu por acaso não). Claro que podemos falar sempre no excessivo recurso ao crédito, mas isso é outra história. E não temos guerras, nem fome generalizada, epidemias graves ou uma criminalidade assustadora. Alguém que chegue do Níger, do Bangladesh ou do Afeganistão e ouça um dos comentadores do costume dizer que "somos um país do Terceiro Mundo" (onde com certeza nunca esteve) tem todas as razões para se sentir ofendido e aviltado. O nosso défice pode estar num nível alto, mas a água é potável e não faltam hospitais, escolas e auto-estradas. Nem telemóveis.
É por isso que estou francamente farto de torpes comentários dos pífios críticos que nos cercam. Tanto queixume é doentio, e se o país não é melhor e há falta de iniciativa também se deve a eles. Portugal pode estar estagnado, acomodado, ultrapassado, mas não é por isso que vai acabar, por muito que seja essa a opinião dos seguidores de Pulido Valente & Cia. E aposto que há muito de financeiro e económico por aí: se a nossa economia crescesse um bocadinho mais, e as finanças estivessem na milagreira linha dos 3%, já as lamúria seriam mais suaves. E daí talvez não. Não faltariam carpideiras (como o anacrónico e estafado Camilo de Oliveira) a falar da "crise", nem que isso significasse a subida do preço do Kilo da hortaliça.

(Para desanuviar um pouco, fica aqui a seguinte questão: porque será que o PS, para a câmara da Póvoa do Varzim, terá resolvido candidatar o apresentador José Carlos Malato?



Eis uma questão a pôr ao MFC)

terça-feira, julho 26, 2005

A herança terrorista

O terrorismo continua a ser o assunto mais discutido a nível internacional. Tivemos a quasi repetição dos atentados de Londres duas semanas depois, o caso do infeliz brasileiro baleado pela polícia (mas quem é que o mandou vestir-se daquela forma?), as bombas em Sharm-el-Sheik, e, claro, a matança diária do Iraque, cujos habitantes são autênticos mártires às mãos dos bárbaros locais. A pergunta que mais se faz é: qual será o alvo seguinte? Ou então, e talvez mais pertinente: deve a nossa liberdade ser parcialmente posta em causa em nome da segurança?
De qualquer forma, o fenómeno não é de maneira nenhuma novo. Mesmo a versão fanática islâmica já se tinha manifestado por diversas vezes nos anos 80, com o enigmático Abu Nidal, ou os incitamentos de Muammar Khadafi (hoje um autêntico cordeiro). Mais atrás tivemos o "terror vermelho", das Brigate Rossi e dos Baader-Meinhof, ou dos grupos fascistas que mandaram pelos ares a estação de Bolonha. As doutrinas dos extremos, particularmente as anarquistas, já utilizavam o terror há largas décadas.
Prova disso mesmo é o nosso inevitável Eça, que invocamos sempre que queremos fazer uma comparação entre o Séc. XIX e os nossos dias. Também aqui o então cônsul em Paris nos deixou notas preciosas para percebermos como a violência do terrorismo já na época obedecia a uma lógica impiedosa e fanática. Eis alguns exemplos que encontrei na biografia do escritor, da autoria de Maria Filomena Mónica:
"o propósito de aplicar a doutrina de seita, que tendo condenado a sociedade burguesa e capitalista como único impedimento à definitiva felicidade dos proletários, decretou a destruição desses proletários (razão dada para a colocação de uma bomba no interior do Parlamento) (...) durante um momento, à força de buscas, de prisões, a seita fica desorganizada, desconjuntada; mas para imediatamente se reorganizar além, mais numerosa, mais fanatizada, por isso que vem de padecer mais uma perseguição (...)Tornava-se necessário atirar indiscriminadamente a bomba redentora contra as classes exploradoras, contra a cidade onde se realiza a exploração, contra as próprias crianças que nascem, porque elas já trazem em si o vírus da submissão explorável (...) Se é anarquista, se lançou a bomba, é dele a fama universal, que nem sempre conseguem os santos e os génios." Filomena Mónica dá-nos ainda conta dasduas razões que Eça considerava fundamentais para a divulgação da doutrina: "uma das raízes do entusiasmo pelo anarquista, a boa, viria da comiseração que naturalmente qualquer pessoa sente por quem sofre; mas havia outra, a perniciosa, que derivava do doentio entusiasmo por tudo quanto era monstruoso (...) A culpabilidade dos ricos levava-os ao êxtase do gesto bombista" (Maria Filomena Mónica, Eça de Queirós, Quetzal Editores). Para além disto, Eça faz ainda algumas considerações acerca da estranha atracção de alguns elementos das classes mais altas pela doutrina da seita.
Notório é que muitas das características do terrorismo da altura sejam tão semelhantes ao que deriva do islamismo: a vontade de matar indiscriminadamente, o ódio a uma sociedade inteira, o dogmatismo e a crença na sua missão assassina (e em grande parte suicida, já que os anarquistas sabiam que estas acções provavelmente lhes custariam a vida), um certo sentimento de exploração ou marginalização que deriva para um letal desejo de vingança. Sim, ontem como hoje as razões e as consequências são as mesmas. As novas tecnologias e a globalização tendem a modificar-lhes os métodos, mas o islamismo radical é na sua vertente mais violenta herdeiro directo do anarquismo oitocentista. Que páginas dedicaria Eça ao assunto se vivesse nos nossos dias?