domingo, dezembro 31, 2017

Fim de ano


Como é costume, A Ágora deseja bom ano a todos os que por aqui ainda vão aparecendo, esperando que em 2018 haja mais posts, entrecortados com os do Delito de Opinião.

Bom ano de 2018 d. C.

sexta-feira, dezembro 22, 2017

O dia seguinte ao 21-D


Se há coisa que não se pode dizer depois das eleições na Catalunha é que alguma é previsível e simples. É a velha questão dos copos: se por um lado os partidos independentistas repetem a maioria absoluta (se juntarmos tudo, claro), por outro é a primeira vez que um partido não regionalista ganha as eleições naquela região. Se o PP de Rajoy leva uma banhada histórica, a CUP anticapitalista e independentista radical leva outra. E se Puigdemont ontem dizia coisas como "a república catalã (qual?) venceu a monarquia espanhola", hoje já vem pedir a Rajoy que se sentem a discutir e diz que não precisa da CUP para nada.

Espera-se que não precise realmente, e que sem os radicais que preferem os jihadistas aos turistas a gritarem-lhe ao ouvido, consiga uma solução que traga benefícios para a Catalunha sem contudo se tornar num novo país. Porque é isso que dizem os votos: a maioria dos eleitores não quer um país independente, mas há um número suficiente para que se procedam a mudanças. E Rajoy, que é um sobrevivente, já esgotou o número de se fazer de morto.

E entretanto, novos protagonistas ganham mais espaço. Contem com eles.



PS: Sábado há Real Madrid - Barcelona. Bom auscultador dos humores no país vizinho.

quinta-feira, dezembro 21, 2017

Os Habsburgos na RTP2


Apesar das séries de TV - ou agora até da net, ou de um híbrido entre as duas - estarem em grande, suplantando mesmo o cinema, não sou grande seguidor. A oferta é imensa, tem inúmeras categorias, e a obrigatoriedade de seguir os episódios, sobretudo quando há várias épocas, implica um esforço de fidelidade que tem os seus custos. 

Quando não são extensas acompanho uma ou outra. E há algumas que não sendo especialmente mediáticas têm o seu interesse. É o caso de uma produção que passou na RTP2 até há cerca de duas semanas, com o título português Maximiliano: Poder e Amor (no original Maximilian: Das Spiel von Macht und Liebe), que narra o encontro do herdeiro do trono do Sacro Império que dá nome à série com a duquesa da Borgonha. Centrando-se na particular relação entre os dois, com as habituais sub-tramas de romances pelo meio, a série mostra-nos um período charneira da história da Europa, entre o fim da Idade Média e o início do Renascimento. Constantinopla caíra poucos anos antes, na mesma altura em que findava a Guerra dos Cem Anos, e Portugal tinha iniciado a expansão africana. A história começa com a notícia da morte de Carlos, o Temerário, na batalha de Nancy, e das atribulações que a sua filha Maria teve de passar, em particular com a burguesia flamenga (a duquesa da Borgonha tinha a sua corte na então próspera Gand), pouco afecta à casa ducal e mais próxima da França de Luís XI, inimigo jurado do Temerário, com cujo filho (quase uma criança) pretendia casar Maria, anexando o velho ducado e seus territórios, que então se estendiam da Borgonha propriamente dita até à actual Holanda, aos territórios franceses. Dando a volta a estas maquinações, Maria casar-se-ia com Maximiliano.

Não querendo fazer demasiadas revelações caso a série volte a passar na TV um dia destes, compreende-se melhor assim o fim de uma potência, a Borgonha, que a ter sobrevivido como estado (e como reino, como pretendia o Temerário) mudaria bastante a geopolítica da Europa como a conhecemos, e a ascensão de outra. O Sacro Império passava por inúmeros problemas, numa altura em que os exércitos eram sobretudo constituídos por mercenários, para cuja manutenção era preciso dinheiro, que não abundava nos cofres dos Habsburgos. Para mais, estavam rodeados de poderosos inimigos - a França a oeste e a leste a Hungria do poderoso Matias Corvino e seus estados vassalos, como a Valáquia do célebre Vlad, o Empalador. Ironicamente, a coroa da Hungria seria mais tarde ostentada pelos Habsburgos. Mas todos esses problemas são retratados na série, onde começa a formar-se a dinastia que dominaria a Europa no futuro próximo. Se então a Borgonha passava por uma crise dinástica, Castela passava por outra, que acabou com o triunfo de Isabel, a Católica, sobre a pretendente apoiada por Portugal, Joana, a Beltraneja. A resolução das duas acabaria por ficar umbilicalmente ligada: o filho de Maximiliano e de Maria, Filipe, o Belo, casar-se-ia com a filha dos Reis Católicos (de Castela e de Aragão), Joana, a Louca, e o filho de ambos, que a História recorda como Carlos V, herdaria os títulos de Imperador do Sacro-Império, Duque de Borgonha (embora a região com esse nome tivesse sido anexada pela França) e Rei de Castela e Aragão, com todos os territórios inerentes e ainda os do Novo Mundo. O seu filho Filipe seria também, a partir de 1580, Rei de Portugal, como se sabe.

Claro que grande parte destes acontecimento não vêm narrados na série, que decorre num período de cinco anos. Nela cabem o romance, a intriga, a traição, a desobediência e a guerra, num ambiente algo pesado e penumbroso. Tem também uma excelente fotografia e alguns aspectos curiosos, como o facto de todos falarem na respectiva língua e em mais nenhuma - o austríaco falava com a borgonhesa em alemão e esta respondia-lhe em francês, ao passo que em Gand se falava flamengo. Nem uma palavra em inglês. Só é pena que não tenha sido referido um pormenor: o de Maximiliano e Maria, que antes do casamento nunca se tinham visto (e casam mesmo por procuração) serem já primos, uma vez que a mãe dele, já morta na altura dos acontecimentos, e a avó dela eram sobrinha e tia, ambas portuguesas, ambas da casa de Aviz (filha de D. Duarte e de D. João I, respectivamente). Tirando a omissão lusa e outras de menor importância, e só lamentando não haver mais cenas de batalha, a série cumpre perfeitamente a função didáctica. Que haja mais.

terça-feira, dezembro 19, 2017

Qatar nos Emirados, entre Madrid e Porto Alegre


Sábado à tarde entretive-me a ver a final do Mundial de Clubes, que, como habitualmente, contou com os representantes da Europa e da América do Sul. Vitória natural do Real Madrid sobre o Grémio de Porto Alegre, com um ainda mais natural golo de livre de CR7, a conquistar o ceptro mundial (e ainda lhe anularam inexplicavelmente outro tento). A equipa gaúcha revelou-se uma desilusão, a anos-luz do excelente Grémio de meados dos anos noventa, com Jardel, Paulo Nunes, Adilson e restante esquadra comandada por Scolari. Só o central Geromel, que até passou os primeiros anos da carreira em Chaves e Guimarães, se destacou da mediania-menos.

Bem menos natural do que o triunfo da multinacional desportiva sediada em Madrid é que numa final em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, apareçam nas placas comerciais à volta do relvado anúncios da Qatar Airways, rival da Emirates, a companhia aérea daquele território (e autêntico embaixador e reserva económica). Ainda por cima a Qatar é patrocinada por um estado que está de relações cortadas com os Emirados e até sofre por parte destes e dos seus aliados um bloqueio económico. É tão bizarro como ver anúncios a uma companha cubana na final da Super Bowl. Seria uma provocação ao Real Madrid (a Qatar Airways patrocina o Barcelona)?

Dizem-me que afinal a transportadora qatari é uma das patrocinadoras da FIFA. Talvez assim se compreenda: a grande organização do futebol mundial é de tal forma poderosa que consegue romper bloqueios e tensões internacionais e impor publicidade em países que tanto por razões políticas como económicas certamente a não desejariam. E assim fica um exemplo eloquente de como uma organização mundial não-governamental tem mais influência e poder do que muitos estados, mesmo os mais endinheirados.



domingo, dezembro 17, 2017

O Benfica no Inverno


Não tenho falado muito de bola aqui, e não admira. Com o Benfica a fazer uma época tão modesta e apagada, as minhas atenções futebolísticas voltam-se para os relvados estrangeiros. Mas vale a pena recordar o que têm sido os disparates acumulados nos últimos meses para evitar repetições nos próximos anos.
O Benfica do ano passado já não era uma coisa fabulosa, com jogadores que não renderam o que se esperava, como Rafa e Carrillo, mas servia para vencer o campeonato, como aconteceu, e justamente. Este ano, venderam-se Lindelof, Semedo, Ederson e Mitroglou sem que nenhum dos seus lugares fosse devidamente preenchido. Percebo que o Benfica precise de fazer dinheiro para diminuir o volume de dívida e que tenha de aproveitar as chorudas ofertas que vêm da Premier League e de outros campeonatos abonados. Mas que tenha um pouco de tino no momento de contratar novos jogadores para os lugares em falta. O exemplo da tentativa de substituir Nelson Semedo é ilustrativo: cinco jogadores foram já utilizados no lugar, além dos que foram contratados para a mesma posição e nem sequer entraram em campo, e ao fim e ao cabo, é o "bombeiro" André Almeida que preenche o lugar, nem sempre com bons resultados.

O problema é que os resultados foram ainda piores que os esperados. A (falta de) performance na Europa é aterradora, dando-nos a pior época de sempre, com humilhantes zero pontos, apenas ao alcance das mais medíocres equipas que jogaram por sorte na competição, fazendo do Benfica o pior cabeça de série da história da competição. Para além da vergonha, do dinheiro que se perde e da queda expectável nas tabelas das melhores equipas da Europa, era particularmente importante fazer uma carreira decente este ano nas competições europeias depois da campanha lançada pelos departamentos de propaganda de Porto, sobretudo, e do Sporting (logo a seguir aos responsáveis destas entidades terem reatado relações meio às escondidas). Seria a melhor resposta a uma campanha em tudo poco clara, mas infelizmente correu tudo ao contrário.

Agora fala-se da entrada de novos jogadores e da saída de outros, como os fiascos "Gabigol" e Douglas (este nem chega a sê-lo, de tal forma estávamos avisados da sua fraquíssima aptidão a defender, o que o torna num novo Okunowo, que jogou no Benfica nas mesmas condições, ou num novo Dudic), o que mostra bem a péssima preparação da época, que nem em cima do joelho deve ter sido feita. O campeonato corre menos mal, mas o Benfica está também fora da Taça de Portugal, embora com bastante infelicidade à mistura, diga-se, e não está muito bem na Taça da Liga. Mesmo com mais folga, dificilmente alcançaremos o tal "penta". E diga-se em abono da verdade, não o merecemos muito. Melhor seria começar já a preparar a próxima época, aproveitando alguns dos bons valores do Seixal que jogam na equipa B, além de Rúben Dias.

Mas já que falei em jogadores de saída, não posso deixar de referir um que merece uma palavra: Júlio César. O veterano guarda-redes brasileiro é dos jogadores com mais títulos de sempre no futebol mundial  - só lhe faltou mesmo a Taça do Mundo em selecções - e nos três anos que jogou na Luz sempre defendeu a camisola do Benfica com honra e profissionalismo, até as condições físicas o permitirem. É daqueles jogadores que vejo sair do clube com pena. E nas suas despedidas, o guarda-redes também parece já saudoso. Um abraço, Júlio César.

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quinta-feira, novembro 23, 2017

A espectacular superioridade da candidatura de Lisboa sobre a do Porto


É uma pena esperada que a candidatura do Porto à Agência Europeia do Medicamento não tivesse ganho. Mas não é por isso que se pode dizer desde já que a de Lisboa, descartada em Junho pelo Governo, tivesse sido vencedora. Sim, houve muito quem defendesse a tese "se Lisboa fosse candidata a receber a EMA teria muito mais hipóteses de ganhar do que o Porto".


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Sim, o Porto perdeu, ficou em sétimo e em boa verdade só por muita fé é que se pensaria que podia ganhar. A candidatura tinha alguns aspectos vagos e dificilmente podia ombrear com outros concorrentes. Mas pensar que Lisboa tinha mais hipóteses é outra quimera. Até agora, vi escrito vezes sem conta que Lisboa era uma das preferidas, que tinha muito mais possibilidades de ganhar, etc. Pois bem, não vi um único argumento que me demonstrasse essas tais hipóteses.

O Luís refere por exemplo que a Agência só podia ir para uma capital. Ora a cidade que chegou ao fim com mais pontuação foi Milão, só preterida em sorteio posterior a favor de Amsterdão. O Porto ficou a par de Atenas e à frente de capitais como Viena, Helsínquia, Sófia, Bucareste ou Varsóvia. Se ser capital nacional era mesmo um requisito (e isso não aparecia em parte nenhum, senão não concorreriam cidades que não o são), ou houve distração por parte das entidades responsáveis ou então era apenas uma condição simbólica. O que só mostra que a candidatura do Porto era melhor do que o que se pensava.

O Embaixador Seixas da Costa, também aludido pelo Luís, acha que "Lisboa era a única cidade portuguesa com condições potenciais para albergar" a agência. Mais uma vez não nos são apresentados critérios, excepto o da "visibilidade execional que a cidade está a ter por toda a Europa". Se a razão é essa, recordo que a também o Porto tem neste momento uma visibilidade internacional que provavelmente nunca antes tinha conhecido. Não por acaso, foi eleito, por três vezes em seis anos, "melhor destino europeu". Vale o que vale, mas a votação que lhe permitiu o tri-galardão teve sobretudo votos estrangeiros a favor. Não sendo um argumento de enorme peso, demonstra que também a visibilidade portuense está em alta. E não esquecer, evidentemente, a repercussão que a eleição de Rui Moreira teve, com honras de reportagem e entrevista por parte de jornais como o Le Monde e o New York Times.


O Diogo recorda-nos que os funcionários da EMA preferiam ir para Lisboa. Podia ser um argumento com algum peso. Simplesmente, diz-nos a notícia, tratou-se de um inquérito interno revelado apenas pelo presidente da Apifarma, e sem que os resultados fossem "publicados ou comunicados aos estados-membros". Ou seja, temos apenas a "revelação" do sr presidente da Apifarma, sem qualquer confirmação. Aliás, ouvimos muitos falsos alarmes ao longo deste processo. Ou não se lembram do favoritismo ser atribuído a Bratislava?

De resto, não ouvi quaisquer outros argumento que atestassem as enormes hipóteses de a candidatura Lisboa ser tão melhor que a do Porto. Pelo contrário, ouvi os habituais desabafos de que "era a capital", a maior cidade", "essas coisas devem ficar onde têm mais representatividade (Sic)", etc. Excepto talvez um: o de que Lisboa teria mais linhas aéreas. É um facto. Mas para além do aeroporto de Pedras Rubras apresentar melhores condições, é bom lembrar que a supressão de várias e importantes linhas aéreas do Porto partiu daquela empresa que não sabemos se é pública ou privada chamada TAP, com explicações frouxas e atabalhoadas.

Por outro lado, há um argumento que se não é exclusivo, joga pelo menos com bastante força contra a candidatura de Lisboa: o facto de já lá haver duas agências europeias. Só uma cidade tem mais do que duas: Bruxelas. Tirando a "capital da UE", e na possibilidade remotíssima de ganhar, Lisboa tornar-se-ia a única cidade com três agências, o que seria uma caricatura chapada do centralismo à portuguesa.

Assim sendo, explica-se melhor a atitude do governo, que depois de escolher Lisboa, mudou subitamente para a candidatura do Porto: sabia-se que nem uma nem outra teriam quaisquer hipóteses. E tentou-se assim dar uma aura de descentralização de fachada. Mais penoso ainda: viram-se deputados, como Catarina Martins, a retorquir que o facto de outras cidades, como o Porto, Braga e Coimbra não serem também candidatas era um ultraje, depois de eles mesmo terem votado em Lisboa.

Mas talvez estas discussões e estas candidaturas tenham trazido algo de bom: tal como aconteceu com o Festival da Eurovisão (que ficou, e muito bem, no Parques das Nações), discutiu-se para que cidade portuguesa determinado organismo/evento internacional viria, embora só depois de se emendar a mão à simples escolha de Lisboa, apenas porque sim, sem mais. É uma atitude saudável que doravante terá de fazer parte das escolhas dos decisores políticos. O resultado final pode perfeitamente ser Lisboa, mas que haja uma avaliação e um debate prévio sobre a matéria em questão. Senão arriscamo-nos a ficar sempre tão centralizados como a Hungria ou a Grécia. Ou talvez nem isso: é que a Grécia conta com três agência europeias e nenhuma delas sequer fica em Atenas. Afinal é bem verdade que Portugal não é a Grécia.

Já agora, se me permitem, ficou-se a saber que a desconcentração de serviços é uma tarefa hercúlea. Não sei se a mudança da administração e de parte dos trabalhadores da Apifarma de Lisboa para o Porto se justifica e a que títulos. Também não acho, nem nunca achei, que desconcentrar fosse tirar de Lisboa e colocar no Porto, como se a grande falha não fosse litoral/interior. Mas ao ver os queixumes e as reclamações com o "triste destino" dos trabalhadores, que, horror, podem até ter que ir trabalhar para o Porto, não posso deixar de pensar nos milhares e milhares que ao longo de gerações tiveram que abandonar as suas raízes e as suas famílias e migrar para a capital e para os seus subúrbios crescentemente lotados, sem que nunca ninguém tivesse elevado a voz para os defender nem para contestar a sua migração quase forçada. Talvez agora se comece a pensar nisso.

segunda-feira, novembro 20, 2017

Os últimos vilões


Este fim de semana morreram Charles Manson e Toto Riina, dois assassinos sinistros (o primeiro um perfeito psicopata, o segundo o mais impiedoso dos mafiosos), sem quaisquer barreiras morais. Ao mesmo tempo, assistimos à morte política de Robert Mugabe, um dos ditadores mais lunáticos das correntes décadas. Os últimos dias foram arrasadores para os grandes vilões que ainda sobravam do século XX.

segunda-feira, novembro 13, 2017

O que me ficou do jantar do Panteão


É claro que fazer jantares no Panteão é patético e de gosto duvidoso. É claro que fait divers destes dão cada vez mais azo a oportunismos políticos, seja do Governo ou da oposição (a última pérola é de Gabriela Canavilhas, uma das mais notórias yes woman do PS). E é claro que é deste tipo de coisas que se alimentam as sempre insaciáveis redes sociais, sendo que esta polémica partiu precisamente de um blogue - o de Seixas da Costa (não sei se também terá publicado no Facebook).

Mas duas coisas me ficaram: uma delas é, como escreveu o Rodrigo Adão da Fonseca, que os nossos governantes e os nossos organismos públicos reagem actualmente sobretudo sob a pressão das tais "redes sociais" e respectivos estados de humor, sobretudo quando estão indignadas, o que nos leva a uma caótica e mesmo degenerada noção de "democracia directa"; a outra é que se os tais web summiters, ou lá como lhes chamam, não perceberam minimamente onde estavam, é porque a sua visão somente apontada à tecnologia, a um certo tipo de empreendedorismo e ao culto da "informalidade" faz tábua rasa de qualquer conceito de sacralidade e de respeito pelo passado e pela memória. Ou seja, um caldo de economicismo e de modernidade a todo o custo baseada na tecnologia, que recorda os "progressistas" do século XIX, que não hesitavam em derrubar traços medievais existentes, como castelos, palácios ou igrejas, para construir as suas particulares visões de futuro e de "civilização". Não admira que as suas reuniões se tenham vindo a fazer em Portugal.

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terça-feira, novembro 07, 2017

A Webb Summit, um evento de "estatistas"


Aqui há uns anos, João Carlos Espada desenvolveu uma imaginativa teoria, segundo a qual o uso de gravata estava directamente ligada à (menor) intervenção do estado na sociedade e a "formas de conduta decente": quanto mais se usava gravata - além de outros acessórios - menos se era a favor da intervenção do estado: quanto menos se usasse, mais se seria favorável ao "estatismo".

Estava hoje a olhar para os intervenientes no palco e nas primeiras filas da plateia do Web Summit, a gigantesca conferência de tecnologia e empreendedorismo a decorrer em Lisboa, e a notar como a maioria usava o padrão dos grandes empreendedores do nosso tempo (leia-se também geeks ou nerds, à falta de melhor tradução portuguesa): óculos de massa, t-shirt, jeans, provavelmente sapatilhas - ténis, para os menos familiarizados. Mesmo os convidados, como Guterres, apareceram sem gravata. No meio disto tudo, o único que estava engravatado, tirando alguns orientais pouco apreciadores de informalidades, era António Costa. Usando-se a teoria de Espada, poder-se-ia considerar que toda aquela aglomeração de gente estava ali para exigir a intervenção do estado, ou seja, mendigar algo do estado. Costa, a máxima autoridade da administração pública, apoiado por toda a esquerda, seria o defensor da sociedade livre e destatizada, o paladino do governo mínimo e da defesa dos cidadãos e consumidores perante uma máquina burocrática e insaciável com o rosto do "monstro" do funcionalismo público. Até que o Primeiro-Ministro, decerto receoso das reacções dos parceiros políticos e de acusações de neoliberalismo, tirou a gravata para parecer menos desenquadrado do ambiente. O Professor Espada ficou certamente desiludido, mas António Costa lá salvou a honra de parecer não só estranho ao que o rodeava, mas sobretudo um defensor do intervencionismo mínimo do estado.
Claro que tudo isto resulta de uma teoria excêntrica e de uma situação casual, que inverte a realidade. Mas podia ser uma boa metáfora do investimento público feito até agora pelo governo mais à esquerda desde 1975.

sábado, novembro 04, 2017

Agradecer aos catalães pela Restauração? E aos outros?


Uma das trivialidades que mais se tem repetido nos últimos tempos, a propósito da situação na Catalunha, é que Portugal "deve a sua independência" aos catalães, em razão da revolta que por lá estalou em 1640 ter permitido que as tropas espanholas se concentrassem naquele território e se desviassem deste rectângulo mais a oeste. Conceitos de independência à parte, os defensores desta tese nem notam que estão a reduzir Portugal a um mero estatuto regional e a colocar uma nação velha de séculos ao lado de regiões que nunca foram estados, e que circunstancialmente têm um grupo grande que o pretende formar um.

É bizarro que se considere sequer que os seguidores de Pau Claris tivessem pensado um segundo que fosse em Portugal. Mas e se a tese da gratidão que devemos aos catalães fosse correcta? Nesse caso, pecaria por defeito. É que seria mais fácil escolher quem é que não estava em guerra com a Espanha nesses anos quarenta do século XVII do que o contrário, incluindo (ou sobretudo) nos seus próprios domínios.

A década começou com a Guerra dos Trinta Anos contra a França, as Províncias Unidas (Holanda), um ex-domínio que procurava manter, e os adversários dos Habsburgos em geral, além de algumas batalhas navais com a Inglaterra. Os tercios espanhóis, uma máquina de guerra temível ao tempo, combatiam nos Pirinéus, na Flandres, nos Países Baixos e na Alemanha, e obtiveram alguns êxitos, como a tomada de Breda, imortalizada por Velasquez.

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Em 1640 rebentou a referida revolta catalã, ou "Guerra dos Segadores", que começou por ser uma revolta popular contra os abusos das tropas aí estacionadas, e que acabou por levar a Generalitat a proclamar a República e a aclamar posteriormente Luís XIII como soberano. A revolta e a perda de território para o inimigo levaram a que Espanha deslocasse mais tropas para a região, que seria recuperada (parte dela, já que Perpignan ficou para os franceses) apenas em 1659. É este o pretexto para se dizer que "Portugal deve a sua independência à Catalunha".

Mas ao contrário do que se pensa, a Catalunha não foi a única rebelião ibérica. Uma conspiração andaluza, encabeçada por Grandes de Espanha, começando pelo nobilíssimo Duque de Medina Sidónia  (irmão da já então Rainha de Portugal D. Luísa de Gusmão), impediu que tropas espanholas se concentrassem perto de Portugal. A conspiração acabou por ser descoberta e os seus autores punidos com o cárcere e perdas de bens e regalias, mas ficou na dúvida quais os reais motivos da conjura, havendo quem creia que se pretendia mesmo a secessão da Andaluzia com Medina Sidónia como novo soberano de Sevilha, com o auxílio do real cunhado.

Mais tarde, em 1648, outro grupo de conspiradores, estes em Aragão, veriam também os seus planos desfeitos. Aqui a conjura era ainda mais ambiciosa: pretendia, com auxílio de França e Portugal, separar o velho reino de Aragão de Castela, apoiando a Catalunha, oferecendo alguns territórios aos franceses e a Galiza a Portugal. Infelizmente para os galegos, também esta não conseguiu ir avante.

Por essa altura já tinha rebentado a revolta contra os vice-reis de Nápoles, na época também sob a coroa dos Habsburgos, chefiada pelo pescador guerreiro Manasiello. Num primeiro momento, as tropas no terreno sufocaram a revolta e liquidaram Manasiello, mas pouco tempo depois houve novo levantamento, que levou à proclamação da república "régia" de Nápoles, entregando o título de Doge a Henri de Guise. A situação durou menos de um ano, até que os espanhóis, comandados pelo Infante D. João José de Áustria, tomaram de novo a cidade sem grande resistência, depois de uma estratégia de paciência e de conquista gradativa. Só em fins do século XVIII Nápoles teria o seu primeiro rei nascido em sol italiano.

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Para se ficar com uma ideia mais ampla dos sarilhos com que Espanha se deparava na época, e se não se quiser percorrer grandes calhamaços de história,os livros de Arturo Perez Reverte, nomeadamente os da saga do Capitão Alatriste (que também existe em filme, com Viggo Mortensen a interpretar o vigoroso mercenário, e em série), onde entram figuras reais como Francisco de Quevedo e o Conde-Duque de Olivares (figura contra a qual boa parte destas revoltas se dirigiu) são um bom guia da situação

Ou seja, se queremos agradecer a quem, pela sua oposição desviou as atenções e os recursos da temível força terrestre espanhola, devemos agradecer não apenas aos "nossos irmãos" catalães, mas também aos "nossos irmãos" franceses, holandeses, flamengos, napolitanos, e também a alguns andaluzes e aragoneses. E os que formarem movimentos secessionistas terão todos a nossa solidariedade. A gratidão é uma virtude muito bela e não devemos excluir ninguém.

terça-feira, outubro 31, 2017

Surrealismo na Catalunha


Não sendo marxista, parece-me que aquela máxima atribuída a Marx - "a História repete-se, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa" - se deve atribuir à situação na Catalunha. Depois, de, como fuga para a frente e sem saber o que fazer, rodeado pelos que o acusavam de "traidor", Carles Puigdemont ter submetido um voto ao parlamento catalão, sem metade dos seus deputados, daí resultando uma "declaração unilateral de independência" que logo desencadeou o processo da suspensão da autonomia catalã pelo governo nacional e a marcação de eleições para Dezembro, temos a aparente fuga do ex-presidente da Generalitat para Bruxelas. Para mais, para se encontrar com os "companheiros" independentistas flamengos, e, segundo alguns, para ali arranjar asilo político, coisa desmentida pelo próprio. Mas a impressão de exílio apressado passou pela cabeça de muitos, sobretudo depois de um secretário de estado belga ter lançado a ideia da concessão de asilo a Puigdemont.

Seja como for, é mais um episódio desta história de doidos que se desenrola na Catalunha desde há umas semanas. A declaração unilateral é provavelmente o acto mais estúpido de todo este processo, mais do que as investidas da Guardia Nacional no dia 1 de Outubro. Este passeio de Puigdemont é igualmente ridículo. O Podemos, entretanto, não sabe que posição há de tomar. E Mariano Rajoy parece estar a aprender com os erros recentes e teve uma atitude equilibrada e raciona, que poderá produzir os seus frutos caso não descambe. 

Uma das melhores descrições do que se passa ouvi-a no outro dia, a propósito da exumação de um celebérrimo artista catalão: bastou desenterrar Salvador Dali para que o surrealismo espalhasse logo. 

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terça-feira, outubro 24, 2017

Dias de inferno na terra.


Não escrevi muito nos últimos dias. Nesse tempo, meio país ardeu, 45 pessoas morreram, um ministério caiu sem contemplações e houve uma moção de censura contra o Governo, que sem surpresas não passou. Desde as horas tardias de Sábado, dia 14, com uma noite em que a temperatura alta já era motivo de conversa, até terça, às primeiras horas de madrugada, quando a chuva veio finalmente pôr termo ao inferno que tantas populações viviam, o fogo destruiu quase todo o centro e uma pequena parte do Norte do país. É impossível que ninguém tenha notado - excepto nas ilhas, e não sei se no Algarve - quando a coluna de fumo afectou mesmo o Reino Unido. A atmosfera era pesada e cinzenta. De manhã, algumas estradas à volta de Braga ainda estavam fechadas, viam-se colunas de fumo que se levantavam e a estrada para Guimarães ainda tinha amplos espaços a fumegar, com a supervisão dos bombeiros. Sorte a minha, que não tive de passar o que outros passaram. Todo o vale do Dão ardeu, além de boa parte de Lafões, do Pinhal Interior e da mancha verde perto da Marinha Grande conhecido em todo o país como Pinhal de Leiria, essencial na aprendizagem da história na escola. Dezenas de pessoas morreram, outras ficaram feridas, centenas de casas, algumas de primeira habitação, arderam, bem como dezenas de empresas, sustento de tantos municípios. As imagens de desolação e do horror após esse inferno terrestre estão por toda a parte. O rasto de destruição é incomensurável. Para mais, calhou-nos um primeiro-ministro insensível que só soube gaguejar desculpas burocráticas, uma ministra do Interior sem condições psicológicas, sapiência ou competência para o cargo, e uma protecção civil aos papéis, sem dispor de meios nem de aviões para combater os fogos. 
Ficam relatos na primeira pessoas, como o do José Maria Montenegro, que felizmente conseguiu que a casa de família, em Tourais, Seia, se mantivesse. Menos sorte tiveram os meus primos Henriques Simões, de Poiares, que viram a sua centenária casa dos Moinhos, onde ainda havia arquivos dos primórdios do concelho, e onde tinha nascido o meu tio-avô Augusto Henriques Simões, arder quase por completo, restando as paredes, alguns anexos e a capela. Também as velhas casas perecem. Ironia das ironias, Poiares é precisamente o município de onde é originário e ao qual presidiu durante quase 40 anos Jaime Marta Soares, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses. 

Foto de João Pedro Pimenta.
Guimarães, 16 de Outubro de 2017- A estátua do Conquistador parece curvar-se à bandeira a meia haste.

segunda-feira, outubro 09, 2017

Ainda as autárquicas - os efeitos nacionais


Quem ainda acha que as eleições autárquicas são meramente actos municipais engana-se redondamente. Claro que á partida as pessoas votam em função das suas realidades locais. Mas para além dos efeitos nas câmaras (e consequentemente nas áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais), assembleias municipais e freguesias, os efeitos das autárquicas influenciam muitas vezes a vida nacional e os governos.


Na cronologia das nossas eleições municipais, verificamos que depois das de 1976, que repartiram  as autarquias pelos diversos partidos (com larga incidência do PSD e CDS no Norte, Centro e ilhas, do PCP no Alentejo e "cintura industrial" de Lisboa, e o PS mais transversal mas mais estabelecido no Centro e Algarve), os sucessivos resultados foram influenciando a política nacional, algumas vezes de forma imediata. Assim, as autárquicas de 1982 foram o pretexto para que o CDS rompesse com o PSD, determinando o fim da AD, que tinha baixado substancialmente, e o posterior surgimento do Bloco Central; as de 1993 reforçaram a vitória do PS de 1989 (embora depois destas o PSD revalidasse os 50% dos votos da maioria absoluta que já vinham de 1987) e permitiram que António Guterres consolidasse a sua liderança no PS, antes de chegar a primeiro-Ministro; as de 1997 implicaram a demissão de Manuel Monteiro da chefia do CDS-PP e a sua substituição por Paulo Portas; as de 2001 também iam levando à saída do próprio Portas, mas a hecatombe do PS levou antes à demissão de Guterres, do Governo e do partido, e à posterior alteração da situação política; as de 2013 permitiram que António Costa recebesse o suplemento necessário para meses depois se guindar à liderança do PS, além de surpreenderem parte do país desatento com a eleição do movimento independente de Rui Moreira para a câmara do Porto; e finalmente as de 2017 implicaram a saída de cena de Pedro Passos Coelho, após sete anos à frente do PSD, quatro dos quais como Primeiro-Ministro.

Como se vê, as autárquicas têm bem mais implicações do que a mera atribuição dos destinos de uma dada autarquia: permitem estudar a situação política e não raras vezes alterá-la. E também fazem emergir figuras que depois ocupam o centro do terreno, ou servem de trampolim para cargos mais altos, como a câmara de Lisboa tão bem comprova. Os últimos 40 anos da vida política portuguesa foram bastante influenciados por estas eleições que antigamente eram realizadas sob o frio de Dezembro e agora passaram para esta calidez de princípios de Outono. Balsemão, Guterres e Passos que o digam.

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domingo, outubro 08, 2017

Ainda as autárquicas - e os maoístas que recebem dinheiro do estado?


Ainda gostava de saber como é que um partido cujo líder nunca aparece e que escreve missivas ameaçadoras a insultar os adversários e a enaltecer o terrorismo islâmico, não raras vezes sob pseudónimos ridículos, que organiza congressos clandestinos, que nunca atende a chamadas telefónicas nem a toques de campainha na sede, que chama "traidores" a todos os adversários e que, sendo contra a democracia e clamando pela "revolução operária", recebe mais de 180 mil euros anuais de subvenção do estado, participa nas autárquicas sem que ninguém lhes pergunte nada. Não haveria nenhum jornalista que perguntasse aos candidatos do MRPP o porquê de Arnaldo Matos se esconder, quais os seus propósitos para as autarquia, e já agora, o que era feito de tal subvenção que pelos vistos coincidiu com a tomada do poder do partido por dementes?

sexta-feira, outubro 06, 2017

Análise global aos resultados autárquicos


Algumas análises das autárquicas feitas pelos actores políticos pecam pela ligeireza. Não é lá muito rigoroso dizer-se que "á uma vitória dos partidos que sustentam a maioria e uma derrota para a direita" (e menos ainda a lengalenga da CDU do "reforços de posições", que finalmente tiveram de ultrapassar). A verdade é que o PS é o grande vencedor e o CDS o outro vencedor. O PSD e a CDU são os grandes derrotados e o Bloco, se ganha um lugar em Lisboa, fica a milhas de reconquistar Salvaterra e redemonstra não ser um partido com implantação municipal.

O discurso de derrota do PSD constituiu um autêntico pré-anúncio de demissão de Pedro Passos Coelho. O agora líder cessante estava há muito desgastado, o aparelho partidário e os "barões" estavam saturados e o seu prazo de validade já tinha passado. As autárquicas foram o golpe final. Se pensou que os resultados seriam menos negativos, então não lhe restaria mesmo qualquer alternativa. Não só foram péssimos como o PSD perdeu o controlo nas grandes áreas urbanas e a indefinição sobre os candidatos a Lisboa revelaram-se ainda mais desastrosas do que o inicialmente previsto. Nada se salvou. Finalmente percebeu que a saída era inevitável. Entretanto, começou a guerra da sucessão, que poderá ser curta se só Rui Rio, o único confirmado, avançar.

O PCP perdeu muito, em sítios inesperados (Almada acabou por ser a estocada final, já que a sua perda por escassos votos para Inês Medeiros só se confirmou quando a noite já ia avançada). Perdeu câmaras simbólicas, coisa que ninguém apostaria, cerca de dez, perdeu votos, percentagens, vereadores, juntas de freguesia. Desta vez não houve "discurso de consolidação" que lhes valesse. E as reacções não têm sido nada boas. Ainda por cima, quando o PS tanto evitou bicadas aos socialistas. Mesmo Assim, Jerónimo acusa o PS e o BE, ameaça não fazer qualquer acordo nas câmaras que perdeu, e não certamente por acaso já se ouvem ecos de greves anunciadas convocadas pela CGTP.

O CDS, sozinho, não teve grande votação, mas se juntar uns pontos das coligações com o PSD obtém números razoáveis. Pedia-se que Assunção Cristas tivesse mais de 10% em Lisboa e que mantivesse as cinco câmaras. Conseguiu mais e 20% na capital, o melhor de sempre deste partido (em coligação com MPT e PPM), ainda melhor que o também segundo lugar em 1976 e que permitiu a Abecassis encabeçar a AD depois vencedora, e adicionou Oliveira do Bairro à contabilidade (mantendo, como sempre, Ponte de Lima). O CDS confirma a inversão iniciada em 2013 da queda acentuada na política local que se verificava desde os anos oitenta e Cristas confirma e reforça a sua liderança e eclipsa a imagem de Paulo Portas, cortando as últimas amarras. É doravante a líder quase incontestada do partido. 

O Bloco confirma-se como pequena força autárquica: teve mais votos e mais vereadores, ganhando a aposto Ricardo Robles em Lisboa e tendo contribuído para a derrota da CDU em Almada, mas falhou a entrada na executivo no Porto e ficou a anos-luz de reconquistar a sua antiga câmara de Salvaterra de Magos. Terá de esperar por outros "desertores" de esquerda.

Os independentes deram cartas. Rui Moreira ganhou de novo e com maioria absoluta, Isaltino arrancou Oeiras ao anterior movimento que o apoiava, em Portalegre ou Estremoz mantiveram as respectivas câmaras eme locais como Águeda ou Terras de Bouro conquistaram novas. "Verdadeiros" ou gente que bateu  porta com o ex-partido e regressa para se vingar, as candidaturas independentes vieram para ficar.

E o PS? O PS ganhou. Largamente. Maior vitória de sempre numas autárquicas, maior número de câmaras, de vereadores, de deputados municipais, de juntas de freguesia, manteve concelhos como Lisboa, Sintra, Gaia, Funchal, Gondomar, Coimbra e Barcelos, reconquistou Matosinhos, Beja, e Chaves, entre outros, e alguns municípios onde nunca tinha ganho, como Almada, Mirandela, Paredes e Marco de Canaveses. Só no Minho é que as coisas correram pior, com a perda de alguns concelhos. O problema é que a vitória poderá ter sido demasiado grande e provocado feridas na Geringonça, nomeadamente no PCP, que já vocifera e prepara algumas greves via CGTP. É esperar para ver.


terça-feira, outubro 03, 2017

Tem a palavra o Rei


Na Catalunha assistimos a acontecimentos contraditórios e caóticos: o governo nacional a reagir à paulada, com cargas policiais desproporcionadas e excessivas que não auguram nada de bom; o governo regional a fazer um plebiscito violando a constituição, o estatuto autonómico e as próprias regras da assembleia regional; o dito plebiscito feito em urnas transparentes, com boletins trazidos de casa e eleitores a votar mais do que uma vez; protestos contra Piqué no treino da selecção espanhola, minando ainda mais o ambiente; e o presidente da Generalitat a anunciar uma futura "declaração unilateral de independência" quando a maioria dos eleitores recenseados nem votou (e os que votaram fizeram-no sabe-se lá em que condições), e nem sequer houve observadores internacionais, como se exige nestes casos. No fundo, mais uma vez chocaram o autoritarismo castelhano e o anarquismo catalão; noutras ocasiões em que tal aconteceu, mesmo quando conseguiram resolver o diferendo, houve sangue pelo meio.

Perante isto, e com a cegueira de parte a parte, impõe-se a intervenção do órgão mais livre e mais respeitável de Espanha: a Coroa. Felipe VI tem o dever de falar e de actuar como o obriga a Constituição. Tal como o seu Pai, que em 1981 usou as suas prerrogativas de soberano para acabar com um golpe de estado militar e consolidar a democracia.
PS: O Rei falou, enfim. Teve um discurso duro e não hesitou em acusar a Generalitat pelos acontecimentos que se têm passado. Talvez preferisse algumas palavras de conciliação, mas também tinha que marcar uma posição. Afinal de contas, é o garante da unidade da nação.

segunda-feira, outubro 02, 2017

O grande vencedor?


Ao ver as capas dos jornais, dir-se-ia que o grande vencedor destas autárquicas é Fernando Medina. Que é o PS no seu conjunto não restam quaisquer dúvidas, e só alguém muma dimensão paralela o poderá negar. Que Medina ganhou também não. Mas ser o grande destaque? Medina perdeu a maioria absoluta e 9% em relação há 4 anos, mas parece que todos se esqueceram disso (e Assunção, sem o PSD, apenas juntando o PPM ao CDS e MPT, teve quase tanto como Fernando Seara em 2013). Além do mais, teve todas as facilidades e mais algumas, entre apoios, divisão dos adversários, boas notícias para o Governo, etc. Entretanto, Rui Moreira não só voltou a ganhar como subiu até aos 44% e conquistou a maioria absoluta. Teve um caminho muito mais espinhoso, não tinha os meios nem os apoios que Medina teve, em termos de partidos apoiantes só contava com o CDS e o MPT a seu lado, e para mais, até as sondagens lhe foram adversas - as mais favoráveis ficaram aquém do resultado real. No entanto, parece que a única matéria de destaque é o seu discurso. E o PS, que teve um extraordinário resultado no Grande Porto (tirando a perda de Vila do Conde), fica arredado da governação da cidade por culpa do pecado da gula da sua direcção nacional. Ao mesmo tempo, o PSD, que até há 4 anos governou esta cidade com maioria absoluta, teve um resultado irrisório. E diga-se o que se disser das crí­ticas de Moreira, a culpa não cabe só a Álvaro Almeida, que realmente, e para o bem ou para o mal, não tem um perfil muito político. Por outro lado, os partidos mais à esquerda tiveram também fracas percentagens: a CDU por pouco ficava pela primeira vez fora do executivo. Talvez seja a altura de se ir renovando, pese o bom currículo de Ilda Figueiredo. O BE subiu um bocadinho, mas como sempre ficou fora. Pela 4ª vez, Teixeira Lopes ficou à  porta da vereação. Também aqui deviam pensar em fazer algumas mudanças, até porque dá ideia que o Bloco no Porto só tem actores ou sociólogos.

Ainda sobre as sondagens e seus erros: trabalhei muitas vezes para as sondagens do CESOP da UCP, de urna às costas ou de computador à  ilharga, por terras remotas e por subúrbios que desconhecia. Conheço os métodos rigorosos que utiliza, e por isso é que as suas previsões são as mais certeiras (foram os únicos a prever o triunfo de Moreira há 4 anos, e também os primeiros a prever a revalidação da maioria cavaquista em 1991). Desta vez, ao dar empate com o PS, falharam redondamente. Prova-se que as crí­ticas de Moreira tinham razão de ser. Espero que tenha sido um percalço sem continuidade e que voltem ao rigor e exigência que sempre tiveram.

Foto de João Pedro Pimenta.

sexta-feira, setembro 29, 2017

O fenómeno dos dinossauros municipais


Continuando com o assunto das  autárquicas do último post, há um assunto que não deixa de me espantar, sobretudo pela magnitude que atingiu para estas próximas eleições: o regresso em massa dos "dinossauros" autárquicos. Não são apenas Isaltino Morais, Narciso Miranda (que muito oportunisticamente lançou a sua candidatura em dia do Senhor de Matosinhos, alcunha pela qual era conhecido quando estava à frente da câmara), Valentim Loureiro ou Avelino Ferreira Torres: temos também os regressos de Ana Cristina Ribeiro, a única autarca do Bloco, que volta à arena em Salvaterra de Magos; ou Fernando Costa, que depois de quase 30 anos na CM das Caldas da Rainha e de ser vereador em Loures, se candidata agora a Leiria; ou mesmo o prezado Gabriel Albuquerque Costa, antigo presidente da câmara de Penalva do Castelo pelo CDS e PPM (o último autarca que este partido teve), que depois de ser candidato pelo PS, recandidata-se novamente pelo PSD/CDS.

Exemplos não faltam, de norte a sul, de antigos presidentes de câmara que regressam, quase todos
pelo município que governaram, de Montalegre a Almodôvar, passando por Pombal, Covilhã e Golegã (há excepções, como Fernando Seara, Joaquim Raposo ou o antigo autarca de Castelo de Paiva que concorre agora ao Marco), e casos até de presidentes até 2013 que defrontam os seus substitutos (o referido caso de Salvaterra de Magos, Caminha, Elvas, etc). Normalmente concorrem pelo partido a que pertenciam, mas há, claro, a questão dos independentes. São esses os casos mais bicudos: postos à margem pelo partido, concorrem por listas próprias, muitas vezes com o seu nome e com alguns fiéis seguidores que trouxeram dos seus mandatos. Usam vulgarmente expressões como "muitos cidadãos anónimos têm-me vindo prestar apoio na rua", ou "ponderei durante largos meses e decidi candidatar-me", ou ainda aludem às famosas "ondas de fundo" (muitos surfistas há entre os dinossauros autárquicos).

Mas afinal qual é a razão de regresso destes representantes do Jurássico municipal? Uma real vontade de resolver os problemas da terra? O serviço de missão ao partido? Uma séria indignação com os sucessores? Ou o vício do poder e a vaidade própria de quem se julga um quase proprietário da terra e quer continuar a ser amado/temido no seu quinhão? A avaliar por algumas declarações de representantes da espécie, que falam da gestão municipal como "uma paixão" ou "um vício", a resposta deverá estar aí mesmo. O poder inebria, vicia, por vezes corrompe. Pode ser um "afrodisíaco" mais forte que o dinheiro. E depois, muitos destes antigos autarcas já não sabem fazer muito mais coisas quando se afastam da respectiva ex-câmara, ou simplesmente, como são normalmente pessoas de acção e de execução, não têm espírito para ficar parados. Daí que a possibilidade de regresso cative muitos. Para felicidade de muitos munícipes, mas nem sempre a bem do supremo interesse da terra.

quinta-feira, setembro 28, 2017

Catarina Portas e o Livre, uma hipotética candidatura para Lisboa


A campanha das autárquicas caminha para o fim. Temo-nos debruçado sobre o que se passa em Lisboa e Porto. Observemos a capital: um sem número de candidatos, de todos os partidos e coligações possíveis, que só não ultrapassa Oeiras em número de candidaturas por aí haver três listas "independentes". Em Lisboa há várias senhoras na luta, a começar por Assunção Cristas, do CDS (mais PPM e MPT) e Teresa Leal Coelho, a escolha tardia do PSD. Há ainda a candidata do PAN e a frenética Joana Amaral Dias, que avança desta vez pelo Nós, Cidadãos, numa das escolhas mais estranhas destas autárquicas, sendo que ela provém da esquerda radical e o movimento tem a encabeçá-lo elementos ligados aos sectores monárquicos.

Mas talvez ainda houvesse espaço para mais uma candidata. Reparei que Fernando Medina, além de ser apoiado, obviamente, pelo PS e pelos movimentos de Helena Roseta e Sá Fernandes (já agora, o que será feito deles?), conta também com o apoio do Livre. Bizarro, numa câmara longe de ser transparente, mas pode ser nova tentativa do movimento de Rui Tavares de conseguir futuras alianças com o PS à esquerda, caso a "Geringonça" gripe. E talvez o Livre tivesse outras opções melhores.

Aqui há ano e tal, numa extensa entrevista ao Público, Catarina Portas criticou várias escolhas da actual CM de Lisboa. Depois de elogiar opções passadas de António Costa, considerou Fernando Medina "uma desilusão", que Lisboa estava "num momento crítico", com um decréscimo da "qualidade da vereação" e com uma "preponderância do urbanismo", cujas opções "não eram as mais inteligentes a longo prazo". E reafirmou-se tendencialmente mais de esquerda, ainda que diferente da que fora do irmão Miguel Portas.

Se o Livre estivesse para aí virado e tentasse um golpe de audácia, e caso Catarina Portas se resolvesse a experimentar a política autárquica, seria uma candidatura alternativa interessante. Ao contrário de Amaral Dias, Portas não chama freneticamente as atenções nem procura o mediatismo como um fim em si mesmo, e tem um projecto interessante e coerente baseado no artesanato e na produção portuguesa dos últimos cem anos. Sendo conhecida do grande público, e com os quiosques, A Vida Portuguesa e os recentes programas televisivos sobre marcas portuguesas tradicionais a trazerem ainda mais atenção, talvez conseguisse votos suficientes para ser eleita vereadora e ter alguma actuação na câmara de Lisboa. Nesse caso, ficaria a curiosidade de ser a terceira Portas a candidatar-se à capital, sendo que Nuno Portas chegou a ser uma forte hipótese para o PS em 1989, que, como se sabe, acabou por avançar vitoriosamente com Jorge Sampaio em coligação com o PCP. Para isso, seria preciso que ultrapassasse as suas hesitações, que como se vê pela entrevista, eram imensas. E que o Livre pelo menos tentasse, em lugar de se juntar a Medina. Eis uma boa oportunidade desperdiçada, e uma hipotética candidatura que seria mais interessante do que a maioria das que são apresentadas aos lisboetas.
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terça-feira, setembro 26, 2017

Rescaldo das eleições na "Germânia".


Nas eleições alemãs de Domingo materializaram-se nas urnas algumas tendências recentes, como a subida da AfD e o regresso dos liberais ao Bundestag, mas a CDU e o SPD desceram a níveis ainda mais baixos do que se julgava. Merckel voltou a ganhar, mas com um baixo score. Com toda a confusão eleitoral,  já se prevê uma inédita e atribulada coligação "Jamaica" entre CDU-Verdes-Liberais (do velho FdP, uma sigla que pode vir a ser muito usada nos próximos tempos em Portugal se o seu líder vier a ser ministro das finanças). Dando azo a grandes euforias no início, o efeito Schultz no SPD esvaziou-se com a passagem dos meses e revelou-se um enorme flop, acabando num resultado que seria inimaginável há algumas semanas: "apenas" o pior resultado eleitoral de sempre dos sociais democratas.

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Entretanto, a comunicação social deu grande atenção aos resultados dos radicais da AfD e aos protestos nas ruas contra estes. Eis uma das modas nos últimos tempos que me escapa: aparecerem logo uns quantos furiosos a manifestar-se contra os resultados de um partido legal com um número elevado de votos. Pergunto-me o que quererão tais manifestantes: que as eleições sejam anuladas? Que os seus potenciais eleitores sejam proibidos de votar? Nunca votaria em tal partido, mas ver malta a vir para as ruas "contra o resultados das eleições" mostra bem que os inimigos da democracia não estão num só extremo. Não tenho ideia de ouvir semelhantes protestos quando ex-elementos da STASI foram eleitos para parlamentos estaduais. Além de que, e como já vários (comentadores) políticos tão díspares como Paulo Portas e Rui Tavares disseram, é sempre melhor ver extremistas no parlamento a obedecer às regras da democracia e do primado da lei do que a tomar conta das ruas e dos humores das multidões. E ainda por cima já começaram as divisões na AfD, pelo que o sucesso pode ser efémero.

A jogada de Azeredo Lopes


Apertado entre o caso de Tancos e o ricochete que as suas desastradas declarações provocaram, fragilizando ainda mais a sua situação, José Alberto Azeredo Lopes teve agora uma intervenção discreta mas surpreendente. Depois de ter sido o porta-voz da candidatura de Rui Moreira em 2013 e seu chefe de gabinete até ir para o Governo, o Ministro da Defesa vem agora apoiar Manuel Pizarro, recandidato do PS à câmara do Porto, com a desculpa apressada de que "algo mudou". Azeredo Lopes, nitidamente pouco à vontade, ainda esteve numa acção de campanha de Pizarro, tentando passar despercebido e sem dar mais explicações.

Pode parecer estranho que um Ministro sem filiação partidária, que fazia parte do núcleo duro de Moreira, que era um dos rostos da sua campanha, e que aparentemente saiu sem zangas, venha de repente, e de forma inesperada, apoiar o candidato do PS contra o actual inquilino dos Aliados, tendo ainda por cima de ouvir o adjectivo "cata-vento" atirado por forças políticas como PSD ou Bloco. Mas há uma explicação plausível: Azeredo Lopes vê a sua posição de tal forma fragilizada que se agarra agora a uma candidatura do PS para ganhar as boas graças do partido do governo e assim conquistar algum apoio. Apoiando Pizarro, pode ser que o aparelho socialista o tente segurar por mais uns tempos. Mas é uma jogada de eficácia duvidosa, e só demonstra o quanto a sua situação é delicada. Se Azeredo não resistir no cargo a seguir às autárquicas, não voltará certamente a conquistar a confiança de Moreira, e tão cedo também não será chamado pelo PS, pelo que ficará com a sua carreira política e institucional seriamente comprometida. O mais provável é ter de regressar a reger a cadeira de Direito Internacional Público e que tão cedo não saia de lá.

sexta-feira, setembro 22, 2017

D. António Francisco dos Santos

 Como não tenho escrito muito nos últimos dias, não posso deixar assinalar, e ainda sobre o Porto, a morte inesperada e abrupta de D. António Francisco dos Santos, Bispo do Porto. Esteve apenas três anos e meio à frente da diocese, tempo suficiente para deixar a sua marca. Ainda me lembro da sua entronização, com o terreiro da Sé coberto de gente, com as cores de todo o tipo de ordens e confrarias, e D. António Francisco a vir às portas da catedral cumprimentar as pessoas. Entre outras medidas que implementou, há uma particularmente visível e bem vinda: a abertura do Paço Episcopal ao público. Visitá-lo será sempre gratificante e uma forma de aproveitar um legado que nos deixou. Não teremos é de novo a oportunidade de nos cruzarmos com ele nos corredores do Paço, como era usual. E assim a antiquíssima Diocese do Porto permanece em sede vacante.

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PS: entretanto outro antigo bispo relacionado com a Diocese do Porto deixou-nos. D. Manuel Martins, o primeiro bispo de Setúbal, entronizado numa altura crítica, em 1975, enfrentou grandes adversidades políticas (e não necessariamente com os comunistas) e sociais. Nunca deixou de denunciar a fome e a pobreza da sua diocese em momentos críticos, e ganhou grande notoriedade por isso. Recordo que depois da sua resignação ao cargo, já bispo emérito, serviu durante algum tempo o cargo de pároco da ilha do Corvo, segundo ele próprio, por espírito de missão mas também por grande curiosidade em conhecer aquele meio tão isolado.

quinta-feira, setembro 21, 2017

Debates no Porto


Começou a campanha para as autárquicas. Outra vez a animação de 308 concelhos e uns milhares de freguesias a votos. A guerra eleitoral, as promessas repetidas, os problemas de cada município, candidatos mais ou menos pitorescos, coligações pouco naturais e os habituais "casos de campanha". E os debates.

Não disse ainda nada sobre os debates entre os candidatos à câmara do Porto que passou na TV nas últimas semanas. Não vi o primeiro, que não contou com a presença de Rui Moreira (fica sempre a ideia de que seria bom estar presente, mas com imensos debates em pouco tempo e em vésperas do fim de semana dos aviões da Red Bull Air Race e da visita dos inspectores para a Agência Europeia do Medicamento, razões bem mais atendíveis do que o Portugal - Ilhas Faroé, a disponibilidade não era a maior), mas assisti ao segundo, no incrível cenário do salão árabe da Bolsa, e a partes do terceiro, na Alfândega.

No essencial, deu para ver que Moreira e Pizarro, tirando umas ligeiras picardias para não perder a face, quase não se hostilizaram e tentaram passar o episódio da ruptura das candidaturas de forma rápida e indolor. Os restantes adversários pouco exploraram a questão, ao contrário do Caso Selminho, em que tanto Ilda Figueiredo como João Teixeira Lopes, os regressados candidatos da CDU e o Bloco, exploraram até à exaustão. É pena, porque questões importantes da cidade ficaram por discutir, como a cultura, por exemplo (talvez porque seja uma área cuja actuação municipal nestes quatro anos não mereça reparos). Rui Moreira perdeu um pouco a tramontana, mas a verdade é que a insistência num assunto entregue à justiça (e até ver arquivado), que só terá real importância se a Assembleia Municipal do Porto alterasse o PDM na escarpa da Arrábida. Falou-se na mobilidade e no trânsito, um dos maiores problemas do Porto, com algumas propostas interessantes sobre os parquímetros, sobretudo por parte de Álvaro Almeida, e de alguma discussão sobre o traçado de futuras linhas do metro. Houve ainda algumas propostas sobre habitação e formas de evitar o Êxodo da população, turismo e pouco mais.

Não me alongarei muito sobre Rui Moreira, que como sabem apoio. Esteve entre o razoável e o bom, e se nalguns capítulos se pedia um pouco mais de calma, no geral passou o teste. Pizarro conseguiu evitar toda e qualquer agressividade, apresentou propostas e ideias, e no geral esteve bem. O problema da candidatura do PS não é o seu cabeça de lista, mas o tenebroso aparelho socialista do Porto e os que da cúpula do partido levaram ao romper do acordo com Moreira.
Álvaro Almeida mostrou que não está muito à vontade na política, mas provou não ser um mero bonzo ser bem melhor do que a patética candidatura do PSD Porto. Outro candidato que vale mais do que aquilo que o segmento do partido que o suporta.
Ilda Figueiredo pareceu-me combativa no pior sentido da palavra: inoportuna, tagarela, repetitiva - a célebre cassete do PC. Dá para ver que já teve tempos melhores.
Teixeira Lopes continua igual a si mesmo: irritante até à medula, populista quando lhe conveio. Atirou propostas que outros partidos já tinham feito, explorou o caso Selminho enquanto pôde, e disse banalidades falsas ("a câmara não teve qualquer medida para regrar o turismo", por exemplo). Espero sinceramente que tenha o mesmo resultado das anteriores tentativas: que fique à porta da câmara.
Quantos aos restantes, demasiado folclore e poucas ideias: simpatiza-se com Orlando Cruz, mas tudo espremido pouco tem a dizer. O mesmo se diga da exótica senhora do PAN e do folclórico recandidato do PTP, Costa Pereira, que não se percebe o que quer. Ah, e a candidata do PNR desfiou a cassete da extrema-direita: "primeiro os nossos", "refugiados não", etc.

As ideias estão aí, pena é que se tenha desperdiçado tanto tempo em quezílias dispensáveis. Venha a decisiva semana de campanha.