quarta-feira, março 20, 2024

Foto da semana



Uma fotografia que tem tudo a ver com esta semana em que se comemora o Dia do Pai, em que as atenções estão viradas para Belém e em que o país se despediu do poeta Nuno Júdice, que morreu no Domingo: o meu Pai, de costas, cumprimentando o Presidente, vendo-se Nuno Júdice imediatamente à direita, na imagem. Mateus, Setembro de 2019, atribuição do Prémio D. Dinis.

quinta-feira, março 14, 2024

APV



Já se passaram alguns dias, mas até pela altura que era, de Óscares e jogos do Benfica (de fraca memória), é de assinalar a morte de António-Pedro Vasconcelos. Podia-se discordar em muitas opiniões e nem apreciar todos os filmes dele, mas era provavelmente o homem que mais sabia de cinema em Portugal, um grande benfiquista e um literato, que não tinha receio em exprimir as suas opiniões (poucos se lembraram que ele foi dos primeiros a opôr-se ao acordo Ortográfico, para além do mais mediático apelo a que a TAP continuasse pública) nem em defender o cinema para o público ou os clássicos portugueses dos anos 40.

Mas dentro da sua faceta de realizador tinha uma qualidade rara: o de descobridor de novas estrelas femininas. Lançou em definitivo Soraia Chaves, "descobriu" Daniela Melchior, que agora anda por Hollywood, lembrou-se de Ana Zanatti para O Lugar do Morto e só não lançou Kristin Scott Thomas, que depois brilhou em 4 Casamentos e Um Funeral e O Paciente Inglês, porque não o deixaram. Confiram lá...
PS: era o último elemento de um grupo que definitivamente desaparece. Espero que na Eternidade haja um balcão do Gambrinus onde ele se tenha reencontrado com os seus amigos Vasco Pulido Valente e Fernando Lopes.

PS2: ver também este texto de homenagem.e de recordação.

terça-feira, março 05, 2024

Não se brinca com o feminismo

Impressionante. Para comemorar o seu aniversário, o Público convidou, como sempre, uma personalidade de fora para ser director por um dia. E de quem é que se lembrou, para também homenagear as mulheres? Maria Teresa Horta, que é simplesmente a primeira pessoa (e única, que me lembre) que se lembrou de exigir um pedido de desculpas ao suplemente satírico desse jornal à época, o Inimigo Público (hoje está no Expresso), por uma piada satírica que tinha "posto em causa a sua dignidade" e por "liberdade não ser licenciosidade". Pois, e feminismo também não é necessariamente liberdade, pelo exemplo dado por Horta e por algumas discípulas. Aparentemente fizeram as pazes, o que é bonito

sexta-feira, março 01, 2024

Napoleão ou Crimeia?

Em resposta aos avisos de Macron sobre a possibilidade de tropas da NATO poderem combater na Ucrânia, os "aliados" (ou seja, subalternos) de Putin já vieram comparar o presidente francês a Napoleão e recordar a desastrosa campanha da Rússia, de 1812.

Tem-nos surgido muitas vezes, da parte de russos ou de outros sectores putinófilos, a sempiterna chamada de atenção para os efeitos nefastos da invasão de 1812 e da Operação Barbarrosa pela Alemanha, em 1941. Mas a sua noção de história parece ser selectiva, que não vindo de quem vem não espanta. Primeiro porque Macron não propôs nenhuma invasão da Rússia. E depois porque se esquecem de outra campanha, essa desastrosa mas para a Rússia, que foi a Guerra da Crimeia, nos anos 1850, em que a França, o Reino Unido e o Império Otomano - hoje todos membros da NATO - impuseram aos russos uma pesada derrota, a devolução de alguns territórios e o seu enfraquecimento na zona do Mar Negro. Macron saberá certamente porque é que há o Boulevard de Sebastopol ou a zona de Malakoff, em Paris. Bem sei que os tempos são outros, mas isso vale para todos, e se é para fazer comparações históricas, vamos a todas.




terça-feira, fevereiro 27, 2024

Artur Jorge


Recordando Artur Jorge, falou-se sobretudo da sua carreira como jogador e treinador e dos títulos que ganhou, nomeadamente do facto de ter sido o primeiro treinador português a sagrar-se campeão europeu, pelo FCP, e o primeiro a ser campeão noutro campeonato europeu, pelo PSG - e infelizmente, também aquele que iniciou a maior crise desportiva de sempre do Benfica, quando chegou com aura de vencedor, entrando também a sua própria carreira de técnico em declínio. Falou-se menos de outras facetas, como a sua formação em filologia germânica, de ter lançado um livro de poesia nos anos oitenta e a sua colecção de arte e de discos de jazz e ópera.

E ainda havia a dimensão política: foi o primeiro presidente do sindicato de jogadores, com menos de 30 anos, e nas eleições para a Constituinte, em 1975, chegou a ser candidato nas listas do MDP/CDE, um partido sobretudo de intelectuais de esquerda que haveria de ser canibalizado pelo PC (provavelmente por isso é que depois tirou o curso de treinador na RDA, em Leipzig). Eis uma prova disso mesmo: Artur Jorge num comício do Campo Pequeno. Introvertido como era, custa a imaginá-lo a discursar, mas aposto que ao dirigir-se às massas, terá dito qualquer coisa como: "votem no MDP para assim podermos fazer coisas bonitas!




quinta-feira, fevereiro 22, 2024

Sonsos, lunáticos e avençados na morte de Navalny.

A morte de Navalny teve as reacções esperadas da maior parte dos países, que condenaram e pedem explicações, do regime russo, que finge não saber de nada, e de alguns sonsos como Lula de Silva, que pede para não se tirarem conclusões precipitadas ao mesmo tempo que conclui que os acontecimentos em Gaza são comparáveis ao Holocausto. E depois, claro, as tiradas dos habituais idiotas úteis, alucinados ou avençados do regime putinista, que vêm com comparações com Assange, dizem que Navalny era "nazi", como um membro da ala puitnista da nossa tropa fandanga que trata o ébrio Medvedev por "o senhor Medvedev (sem ironia) ou lá, está, pedem que não se tirem "conclusões precipitadas" da morte do mais conhecido opositor de Putin, que estava na Sibéria. Claro que não, já é normal que os adversários de Putin "morram subitamente" no banho ou na prisão, caiam de janelas ou despoletem granadas nos aviões. Na Rússia (ou fora dela, no caso de refugiados políticos, como aconteceu àquele piloto russo em Espanha) é mesmo considerado morte natural. Imaginação têm, agora coragem como Navalny é que nem um pingo.

quarta-feira, fevereiro 14, 2024

O nosso homem em Persépolis

Morreu há dias Rui Patrício. Não o guarda-redes, mas o último ministro dos negócios estrangeiros do Estado Novo. Vivia no Brasil desde 1975, por opção própria. Já tinha 91 anos e pelos cargos que ocupou, viu certamente muita coisa. Há uma que certamente não desdenhou: ter sido o representante de Portugal na chamada "maior (ou mais dispendiosa" festa de sempre", a comemoração dos 2500 anos do Império Persa pelo Xá Reza Pahlavi. Provavelmente despoletou sentimentos de frustração no seu país que contribuiriam anos mais tarde para o seu derrube, tal o luxo, verdadeiramente oriental, de que se revestiu. A atestá-lo havia um documentário , como o nome, precisamente, de "A Maior Festa do Mundo".

Mais do que isso, os convidados estavam entre as maiores personalidades políticas do tempo. Não estavam Nixon, Brejnev, Mao ou a Rainha Isabel II, que enviaram os seus representantes (no caso da Rainha era o próprio Príncipe Filipe) e foram boa parte das casas reinantes na Europa ou príncipes, como Juan Carlos de Espanha, ou os líderes do Bloco de Leste, como Ceausescu, e ainda Hailé Sellasié, da Etiópia, o Marechal Tito, Mobutu, Suharto, Rainier e Grace do Mónaco, os presidentes do Brasil, Turquia, Índia, os emires do Golfo, etc, etc. Estadistas, facínoras figuras mais e menos relevantes, havia de tudo. Patrício lá estava, como representante de Portugal, e não deve ter dado o tempo como perdido.




quinta-feira, fevereiro 08, 2024

Trump Carlson em Moscovo

Depois de se dizer que era mero boato, Tucker Carlson, que acabou despedido da Fox por confessar em privado que tinha dito disparates em notíciário, lá entrevistou Vladimir Putin, para "esclarecer os americanos da verdade", como se Putin não a tivesse divulgado em inúmeras ocasiões, embora nem sempre com a mesma base. Escolheu bem o dia: o mesmo em que a candidatura de Boris Nadezhin, o único contra Putin, acabou recusada, como acontece sempre que há um candidato contra o incumbente.

Entretanto, o Partido Republicano continua a recusar-se a enviar mais ajuda à Ucrânia, mas aprovou o envio de 16 mil milhões de euros para Israel.
Claro que não há qualquer ligação entre isto. Podia lá ser...

terça-feira, janeiro 23, 2024

Cenas da pré-campanha.

Estava a ver um apanhado das frases mais marcantes que foram pronunciadas na convenção da AD e entre proclamações, recados, exortações e anúncios (Santana de novo? O homem é mesmo de luas), deparo-me com uma de Paulo Portas que já me tinha passado pela cabeça nos mesmíssimos termos e que era mais ou menos assim: o PS tem de ir para uma cura de oposição; isso será bom para Portugal, para a política nacional e para o próprio PS.

Entretanto, o Chega revela ser um partido cumpridor dos seus intentos. Prometeu que ia "limpar o país" e está realmente a fazê-lo, ao aspirar os resíduos políticos de alguns ainda deputados do PSD colocados em lugares não elegíveis e que, descontentes com as posições, desertam tentando alcançar aquilo que já não iam manter. São todos contra o "sistema" desde pequeninos, como se comprova. Calculo que os elementos do Chega que presumiriam ir para as mesmas listas estejam a dar pulos de contentes com a adição destes novos "quadros".

quarta-feira, janeiro 17, 2024

Vinte anos

Este blogue faz hoje vinte anos. Como não blogava antes, concluo que já blogo há vinte anos, desde que naquela longínqua e fria noite de inícios de 2004 estreei A Ágora, nos então anos de ouro da blogosfera. Bem sei que não tenho sido muito assíduo, mas convenhamos que numa altura em que a maior parte dos blogues da época - e os que vieram depois - desapareceu, escrever, mesmo que pouco, ao fim de vinte anos é obra. É uma data redonda, e faz-me recordar com alguma saudade aqueles anos em que se descobria gente até então anónima a escrever maravilhosamente, sem redes sociais, inteligência artificial tal como é entendida agora e com bem menos notícias falsas. 

Vinte anos de blogue é muito tempo e poucos haverá com a mesma marca. Mas prometo ir passando por cá e se possível escrever mais. Perdoem-me a imodéstia, mas parabéns a A Ágora. Merece-os bem.



quinta-feira, janeiro 11, 2024

In Memoriams

2024 começou como 2023 tinha terminado: frio, húmido e com numerosas mortes. Para além de algumas não públicas, mas nem assim menos dolorosas, registaram-se vários desaparecimentos entre o fim do ano que passou e o início deste.

Mesmo a terminar, e no mesmo dia, morreram Odete Santos, a inesquecível deputada do PCP pelas suas tiradas e porque seguiu uma carreira teatral (recordo-me de numa entrevista ter dito que os seus autores favoritos eram norte-americanos, acrescentando "eu gosto da cultura, não gosto é de quem lá manda"), Wolfgang Schäuble, o austero ministro das finanças alemão, talvez pelo atentado que o obrigou a mover-se numa cadeira de rodas para o resto da vida; e, sobretudo, Jacques Delors, o maior construtor europeu das últimas décadas, Presidente da Comissão entre 1985 e 1995, precisamente quando Portugal entrou na CEE (e a ele também o deve) e o verdadeiro fundador da UE e do Euro e de coisas hoje em dia normais, como o programa Erasmus. No fim do mandato europeu teve oportunidade de se tornar presidente de França, sucedendo a Mitterand, quando todas as sondagens lhe atribuíam a vitória, mas declinou numa entrevista em directo, abrindo caminho a outro Jacques, Chirac. Socialista católico, coisa pouco usual na França actual, teve direito a uma homenagem nacional, nos Invalides, à qual não faltou Marcelo Rebelo de Sousa.

Já em 2024 desapareceram, com 3 dias de diferença, Mário Lobo Zagallo e o Kaiser Franz Beckembauer. Eram dois dos três únicos homens que tinham sido campeões do Mundo de futebol por seleções tanto como jogadores como treinadores. o outro é Didiers Deschamps, que se queda assim como única pessoa viva com tal estatuto.

E no início desta semana, fui surpreendido pela notícia da morte de Arnaldo Trindade. tinha 89 anos e era bisavô, mas era daquelas pessoas que achava que viveria até aos cem. Tinha uma carreira de mais de sessenta anos que começou como normal empresário do negócio de família, uma loja de electrodomésticos no centro do Porto, mas quis ir mais além. Criou a editora Orfeu, gravando os autores declamando as suas próprias obras. Com alguns, como Miguel Torga, cujo desagrado em ler-se em voz alta era conhecido, teve enormes dificuldades, mas lá conseguiu. Seria ele a lançar e a editar os futuros músicos de intervenção, com Zeca Afonso à cabeça, seguindo-se Adriano Correia de Oliveira, Fausto, Sérgio Godinho ou Jorge Palma. Com engenho e a aura de respeitável comerciante do Porto, recusando músicas demasiado "panfletárias", conseguia ludibriar a PIDE e a Censura. Projectou muitos outros músicos emergentes e de estilos diferentes, como José Cid (que escreveu algumas das suas mais conhecidas letras na sua casa), ou o Conjunto António Mafra, e quando Zeca lhe pediu um bom tocador de concertina para um disco de música popular, apresentou-lhe um jovem Quim Barreiros. Cantigas de intervenção, rock progressivo, música popular: Arnaldo Trindade lançou vários estilos que ficaram para a história musical portuguesa do Século XX.

A Orfeu, como editora, acabou nos anos oitenta, mas Arnaldo Trindade manteve o projecto que reúne a sua discografia. Dedicou-se ele próprio à poesia, tinha editado alguns livros de poesia e todos os dias escrevia um poema que publicava na sua página de Facebook. Era um conversador nato e uma prodigiosa memória da vida cultural portuense e portuguesa das últimas sete décadas, ele que estivera no centro de alguns dos projectos mais arrojados. Não deixava de recordar a viva impressão que tinha tido ao visitar pela primeira vez os Estados Unidos, antes dos vinte anos, para onde viajou de navio e que lhe pareceram tão diferente e tão mais grandioso e avançado do que o Portugal dos anos 50. Ouvi-o em encontros passados referir isso e muito mais (algumas coisas podem ser comprovadas aqui) e testemunhei a sua forma serena e nada histriónica de declamar poesia. Era convidado frequente de lançamentos, programas de televisão ou rádio e entrevistas. Julgava sinceramente que ainda o veríamos por uns bons anos e que voltaria a encontrá-lo. Nada é eterno, e mesmo aqueles que parece que vão estar aqui permanente e intemporalmente acabam por ir.


                                       Fonte: TSF