sábado, dezembro 31, 2011

O perigo dos Indignados


Acaba o ano, e eu com tantos posts em atraso, num conjunto de indolência (como nos acusam os chineses de ser), tempo mal organizado e desinspiração. Há um post que já leva quatro meses de atraso, mas que me parece que ainda não perdeu total pertinência. quem achar que vem a destempo, pode sempre ficar-se pelo primeiro parágrafo.
O acontecimento do ano, segundo todas as opiniões abalizadas, foi o conjunto de protestos globais que se fizeram sentir e que em alguns casos derrubaram regimes políticos. Não discordo nem um pouco da escolha. Mas já fico de pé atrás quando vejo meterem no mesmo saco os manifestantes da Praça Tahir, da Tunísia, da Rússia e do Iémen, os rebeldes da Líbia e os insurgentes da Síria, juntamente com os "indignados" de Madrid, os anarquistas da Grécia, os saqueadores de Londres e os "occupy" americanos. Pretender, como ouvi hoje numa rádio pública, que "nem só no ocidente se viram manifestações a favor da liberdade e contra a opressão" é insultuoso para os que verdadeiramente não gozam de liberdade e de um ridículo impróprio de um estação minimamente radiofónica decente. Haverá com certeza algumas razões para manifestações nas cidades americanas e europeias, mas que eu saiba aí não se está sujeito a que tanques de guerra nem a cargas aéreas.

Tudo isto vem a propósito das Jornadas Mundiais da Juventude, em meados de Agosto deste ano. Compareceram em Madrid mais de um milhão e meio de pessoas, ultrapassando as expectativas dos organizadores. Não estive lá, mas do que me contaram, e do que vi por imagens televisivas, o entusiasmo era mais que muito, mesmo quando numa vigília nocturna nos arredores da capital espanhola se levantou uma enorme tempestade e ninguém arredou pé. Mas vi também as imagens das manifestações de alguns "indignados" contra o evento. Fiquei logo abismado pelos dito terem decidido, dias antes, em "conselho", manifestarem-se contra os gastos públicos da visita. Ora esses gastos foram pagos pelos próprios peregrinos e pela Igreja. Ao Estado coube pagar a segurança e a limpeza, tal como faz com os próprios "indignados" e com imensos outros eventos, e nunca aí se viram protestos públicos. Mas as dúvidas desvaneceram-se: grande parte das manifs anti-Papa eram isso mesmo, demonstrações de anti-clericalismo primário, com malta de feições torcidas pelo ódio (não é figura de estilo, nunca vi tanta gente junta de olhos esbugalhados) a gritar, até a empurrar e agredir peregrinos, com cartazes a chamar ao Papa nazi, pedófilo, fascista, etc, bandeiras anarquistas e do PCE, aos pulos cantando "io soy, pecador, pecador...", enfim, toda uma amostra do anti-catolicsmo mais primário e grotesto. Será bom lembrar que a Espanha teve fortíssimas acções e grupos anti-clericais, como a CNT anarquista, sobretudo no período antes e durante a Guerra Civil de 1936-39, em que milhares de clérigos foram mortos, mosteiros e igrejas foram saqueados e queimados e havia quem se divertisse a revolver túmulos e a espalhar os ossos. Aqueles que se manifestavam de forma tão virulenta contra as Jornadas da Juventude eram apenas os descendentes dos "rojos", provavelmente impressionados com os relatos dos seus avós da luta contra os "fachas" e o "clero reaccionário". Os gastos públicos eram um pobre pretexto para espalharem o seu fervor laicista (reparem no -ista) e o seu fanatismo anti-clerical, em claríssima contradição com as exigências anteriores de "mais democracia". Manifestações e democracia sim, desde que sejam as nossas ideias (interesses?) a vingar, parecem dizer. Quando partem de outros, lá se vai o sentimento "democrático" e "tolerante".



Outras manifestações houve em sítios por onde o Papa passou, como Berlim, onde não há grande cultura católica. Custa-me a crer que a Igreja, que apesar da sua influência e dos seus seguidores, não tem propriamente poder político, possa causar tantos pruridos e controvérsias. Os casos de pedofilia em instituições católicas, muitas vezes abafados, são graves, mas não faltam crimes semelhantes noutras circunstâncias. A Igreja tem um passado turbulento, mas actualmente não persegue nem pune civilmente ninguém, e no entanto vemos cristãos, católicos e não católicos, perseguidos em várias partes do Mundo. Pode-se imaginar que protestos como os de Berlim, ou no ano passado, em Inglaterra, tendam a surgir como reacção em culturas fortemente anti-católicas (note-se que até agora o herdeiro do trono britânico não se podia casar com alguém que seguisse o catolicismo). Mas os de Espanha desenterram velhas questões e fazem aparecer em plena luz do dia os fantasmas do anti-clericalismo espanhol mais violento.
É certo que os acontecimentos de Agosto em Espanha não trouxeram grande mossa, e foram em parte exagerados por alguma comunicação social. A diferença de número entre os peregrinos e os "indignados" anti-católicos era abissal (qualquer coisa como cinco mil para mais de um milhão e meio), e serviu para mostrar a força de atracção e mobilização da Igreja, o que talvez enerve algumas mentes com preferência pelo jacobinismo. Mas isto serviu igualmente para revelar que entre muitos "indignados" e demais manifestantes corre uma imensa intolerância, o radicalismo próprio de revoltosos e o populismo que alimenta as massas. Fazer manifestações pretensamente justas e transversais à sociedade e desviá-las para objectivos políticos untados de fanatismo (neste caso, laicista, que não é pior que os religiosos) é um risco que as sociedades actuais correm se acharem que os problemas se resolvem todos na rua. As pessoas devem lutar pelos seus direitos, mas a fronteira entre isso e o revanchismo protegido pelas massas é muitas vezes ténue. Seria bom lembrar isso cada vez que se ouvem vozes apaixonadas por este tipo de movimentos, e pior ainda, a fazer comparações patéticas, como se os regimes políticos fossem todos iguais.
Tentarei na próxima semana actualizar assuntos em atraso (mas não passados). Bom 2012 a todos, ou que não seja pior do que 2011.

Adenda (já em 2012): lembrei-me deste notável artigo de Mario Vargas Llosa, que nunca teve uma enorme simpatia pela Igreja, e que por isso mesmo me surpreendeu. Como se a Fé o tivesse tocado. Ou simplesmente visse naquele espectáculo uma imensa comunhão fraterna e alegre. no fundo, o que as JMJ eram.

sexta-feira, dezembro 30, 2011

Nem oitenta iluminações nem oito

Se há símbolo vísivel da crise que nos caiu em cima nos últimos tempos é a quase ausência de luzes de Natal das cidades. Andando por alguns centros urbanos nem notamos que estamos na quadra. O endividamento dos municípios obrigou a inúmeros cortes, e haverá corte mais fácil do que cortar em iluminação temporária? A medida é compreensível. Antes isso do que a recolha do lixo, o saneamento básico, etc. Mas não deixa de dar um sinal de tristeza e decadência para a época. Já alguém imaginou como seria suportar o Inverno sem a animação natalícia? Novembro, Dezembro, Janeiro, Fevereiro, sem Natal? Para a maioria seria insuportável.

É certo que há casos e casos. Correu a notícia de que os municípios madeirenses nem agora iam poupar nas luzes natalícias, logo lá que nem faz tanto frio. Em muitas urbes as luzes aí estão, espalhadas por ruas e avenidas, como acontece em Braga, do sempre eterno Mesquita Machado. Mas em Lisboa e Porto, e em muitas outras, vêem-se umas lâmpadas tímidas, patrocinadas pelos comerciantes, e nada mais.
Seria insensato criticar as autarquias por quererem cortar logo aqui, sabendo-se que estão apertadas num garrote financeiro complicado. Mas podiam deixar um mínimo, algumas luzes no centro. não falo, por exemplo, dos fios de luzes que transformavam a coluna da rotunda da Boavista numa quase árvore de Natal, criando um efeito surpreendente, muito menos da autêntica árvore que ergueram durante uns anos em Lisboa e Porto. É que os tempos já são tão desanimadores que bem precisamos de luzes extra e um mínimo de animação. Se não temos grandes alegria, ao menos que haja alguma camuflagem.

Por isso mesmo, a câmara de Lisboa escusava de suprimir as luzes e colocar algumas "obras" em algumas praças movimentadas, que não dizem nada a ninguém e pouco têm a ver com a época (no Marquês de Pombal há uma série de placas, supostamente "natalícias", que têm dizeres como "presentes", "Lapónia", "Pólo Norte", etc, mas nem se lembraram ao menos de colocar Belém). Já na semana passada Miguel Sousa Tavares lançou no Expresso várias invectivas contra esta "iniciativa" camarária. Com o dinheiro gasto nesse complemento "cultural", pagava alguma iluminação e sempre dava outro ar à cidade, sem disfarces patéticos. Custava muito?

sábado, dezembro 24, 2011

Natal 2011
E mais do que tudo, hoje, um Santo Natal, o melhor possível. Que dê ao menos para por uns momentos esquecermos agruras passadas e para nos prepararmos para as futuras. Também por isso esta quadra é tão importante. Conjugado com o solstício de Inverno e a passagem do ano, o nascimento de Jesus é também o sinal de renascimento e de um novo tempo.

sexta-feira, dezembro 23, 2011

Obituário recente
Os últimos dias pareceram uma página da necrologia de jornais. As notícias da morte de alguém conhecido sucederam-se
Soube-se da morte de Cesária Évora, aos sententa anos, no fim de semana. A Diva dos Pés Descalços" já se tinha retirado da vida artística por problemas de saúde, por isso a notícia não espantou assim tanto. Mas gostei de ver as homenagens que lhe fizeram, em especial no seu país. Uma espécie de emoção dançante, muito caboverdiana. A cantora de mornas, que viveu em Portugal e em França, deu grande visibilidade ao seu minúsculo país-arquipélago, mais do que qualquer outro na diáspora caboverdiana.
Outra morte que não espantou, dada a sua grave doença; Christopher Hitchens. Confesso que não tinha especial estima por um neo-ateísta militante, praticante da retórica sibilina deste "movimento", que atacou nos seus escritos Madre Teresa de Calcutá. Mas é justo reconhecer que era um espírito inteligente e corajoso, um cronista de imenso valor e um dos poucos que realmente se podia considerar "livre-pensador", sem seguir modas nem lugares-comuns.
Logo a seguir, e com os dias de atraso naturais quando morrem ditadores, o "Querido Líder" Kim Jong Il vagou o lugar para o próximo da dinastia, o mancebo Kim Jong Un. Claro que se viu uma choradeira colectiva previsível num país de paranóicos, mas fiquei sinceramente desiludido por não terem ultrapassado, nem sequer chegado perto, a histeria aquando da morte de Kim Il Sung. Aí é que se viu um magnífico espectáculo de carpideiras, num país habituado a coreografias militares igualmente espectaculares e a tentar obter bombas nucleares, enquanto parte da população tenta sobreviver à fome.
Por fim, Hável. Václav Hável. O ex-presidente checo há muito que não tinha grande saúde, em grande parte devido ao tempo que passou na prisão em tempos do regime comunista. Quando passei em Praga, em 1998, Hável passava por um dos seus inúmeros internamentos hospitalares. Ainda assim, manteve-se na presidência da república Checa até 2003. Antes disso, fora um dos mais combatentes assinaláveis combatentes pela liberdade do seu país, desde a adolescência, em que o proibiram de estudar no liceu por vir de uma família "burguesa". Começou muito novo a dedicar-se ao teatro e à dramaturgia, participou na Primavera de Praga, foi um dos principais signatários da Carta 77, considerada uma afronta pelo regime de então, e na sequência da Revolução de Veludo, em 1989, foi eleito Presidente da Checoslováquia pela assembleia nacional formada após o colapso do comunismo e reeleito em eleições populares. Acabou por ser o último Presidente daquele país e o primeira da República Checa, depois da secessão pacífica da Eslováquia. Curiosamente, aí dois dias antes da sua morte, tive uma conversa em que se recordava o episódio picaresco da sua tomada do poder, em que o único chefe de estado convidado era Mário Soares, mas que se posicionou discretamente para não melindrar outros estadistas, e em que o carro em que seguiu para a cerimónia era um Renault de matrícula portuguesa, porque Hável não queria de forma alguma ir num carro de construção russa. Ficou também célebre a amizade com músicos americanos da sua geração, como Zappa e Lou Reed.
Deixou-nos agora, devido à sua frágil saúde, mas ficou como um símbolo pelo combate pacífico contra as tiranias. E tinha o nome do santo padroeiro do povo Checo, Václav, tal como a praça central de Praga, onde Jan Palak, outro desesperado resistente ao totalitarismo, se imolou pelo fogo em desespero.

quinta-feira, dezembro 15, 2011

Delenda Aleixo!




Se há plano da Câmara do Porto com o qual estou absolutamente de acordo é com a demolição do Bairro do Aleixo, tal como ele existe neste momento. Aquele autêntico gueto onde idosos e crianças convivem diariamente com dealers e drogados injectando-se em pleno dia, onde as pessoas vivem em meia dúzia de torres de betão horríveis em que não raras vezes os elevadores estão avariados, merece ir abaixo sem mais contemplações. Se alguém que não é de lá, por inadvertência ou qualquer necessidade, tiver de entrar no bairro, deparar-se-à com barreiras de gangues fiscalizando quem entra e quem sai (já me ia acontecendo, quando certa vez quis cortar caminho num S. João). Desde as demolições de alguns bairros na zona oriental que o Aleixo piorou e tornou-se no grande supermercado de droga do Porto. A CMP pretende derrubá-las (o sonho é antigo, já Fernando Gomes queria fazer o mesmo), realojar os moradores pela cidade e fazer ali novas urbanizações de luxo.



As críticas ao projecto são precisamente as de que os terrenos, com uma excelente vista para o Douro, estarão reservadas para os mais ricos. Não é mentira. Simplesmente, o bairro é camarário e os seus ternos pertencem à municipalidade. Correspondeu a um projecto dos anos setenta de tirar pessoas da Ribeira/Barredo, à época um lugar infecto e sobrelotado, e levá-las para os campos do Ouro. Como se sabe, o encerramento naquelas torres de betão criou um antro de criminalidade, sem paz nem lei, ao passo que o centro histórico do Porto se desertificava. Agora, a câmara quer corrigir o erro, eliminando o bairro e respectivas metástases, e, com a verba angariada com a venda dos terrenos, realojar os moradores, sobretudo no centro. Não sei se tudo correrá conforme o previsto, se as pessoas se irão integrar nas novas casas, para onde irá o tráfico de droga. Muitos dos que lá viviam tinham apesar de tudo estabelecido laços comunitários em trinta anos de vivência partilhada num espaço difícil. mas, tal como o apresentam, este plano é de longe desejável a qualquer alternativa, e incomparavelmente melhor do que a situação actual.



A primeira torre vai abaixo na sexta de manhã. A quem puder, não perca o início de uma zona finalmente limpa. Delenda o velho Aleixo!

terça-feira, dezembro 13, 2011

Passou o ciclo infernal




No meio do turbilhão de notícias que nos rodeia - a inconsequente cimeira da UE, a crise da dívida eternizando-se, a resistência de Cameron, a fábrica que já não vem para Portugal - vamos ao que interessa. O Benfica encerrou um ciclo infernal de jogos com nota suficiente mais. Um empate no terreno hostil de Braga, uma vitória pela marca mínima contra o Sporting e outra igual no terreno do Marítimo (que tem a mesma pontuação que o Braga), um empate épico em Old Trafford, um triunfo magro sobre o Otelul Galati, uma vitória mínima no terreno, ou melhor, na piscina da Naval, e a eliminação para a Taça em casa do Marítimo, a única mancha neste período e a única derrota da época em todas as competições. Assim sendo, continuamos à frente do campeonato, com os mesmos pontos que o Porto de Vítor Pereira, o que não é grande espingarda. Simplesmente, o nosso calendário está agora bem mais desanuviado: de visitas complicadas temos Alvalade, daqui a meio campeonato, e vá lá, Guimarães que pode dar para tudo.

Na Taça, já se sabe: ausências, poupanças e aqueles golos que aparecem uma vez por ano puseram-nos fora do Jamor, de novo. Começa a ser tempo de lá voltar, antes que a voragem do futebol moderno remeta a final da Taça para uma destas inutilidades de betão feitas e pensar no Euro 2004. De pouco valeu a contenda na Figueira, num campo mais próprio para pólo aquático do que para futebol, em que qualquer equipa podia ganhar.


Claro que houve particular prazer em ver o Benfica ficar em primeiro lugar no seu grupo da Liga dos Campeões. Aqueles que apostaram no Manchester em primeiro e o Glorioso em segundo devem ter ido aos arames. O empate em pleno Old Trafford (onde nunca tínhamos conseguido sequer um ponto) é mais uma página dourada para juntar a outras memoráveis da história do Benfica em Inglaterra. Para mais, a equipa entrou a ganhar, marcou, insistiu e só permitiu veleidades ao adversário a partir dos vinte minutos. E quando o "Unite" carregava e dava a volta ao jogo, perdemos o nosso capitão por lesão, substituindo-o pelo inexperiente Miguel Vítor, e ainda assim soubemos juntar forças e alcançar o segundo golo (e, acrescente-se, o primeiro tento dos mancunians estava em ligeiro fora de jogo). Poder-me-ão dizer que o Basileia também lá empatou e que ganhou aos ingleses em casa. Pois sim, mas o Benfica venceu com dez no terreno dos suíços. E isso valeu o primeiro lugar.

Não é que o futebol praticado encante como em 2009/10, longe disso, mas parece-me que Jorge Jesus está mais "resultadista". Os golos escasseiam, tanto nas balizas adversárias como nas de Artur (também por causa dele). E o espectáculo tem decaído desde o início da época, como se verificou nos jogos contra o Twente. Gostaria imensamente mais de ver o Cardozo a facturar o dobro, o Gaitan a fazer mais obras de arte, o Aimar a espalhar mais magia e o Nelson Oliveira a jogar e a marcar, se possível. Mas a verdade é que o Benfica ultrapassou muitas tormentas no campeonato - com a grande vantagem de que já não tem de vir ao Porto ou a Braga - e na Liga dos Campeões é esperar quem lhe calha na rifa (se não tiver sorte, é o Milan). No fundo, estamos a jogar à Trapattoni, mas com jogadores muito melhores do que a saudosa época em que o italiano passou por cá. Prognósticos? O Benfica ganha o campeonato, por pouco, mas ganha; e acaba a carreira europeia nos quartos de final da Liga dos Campeões. A Taça da Liga dependerá dos humores dos reservas, mas até gostaria que fosse outro clube a ganhá-la, para que este troféu começasse finalmente a ser considerado minimamente importante.

segunda-feira, dezembro 12, 2011

Dos Golpes aos Capitães da Areia

Incompreensivelmente, os Golpes resolveram suspender toda a sua actividade, tal como nos é descrito num comunicado, tendo mesmo cancelado um concerto já agendado. Não sei que problemas é que interromperam a carreira da banda, que estava em clara ascensão, depois do lançamento de um disco e meio, incrementada pelo êxito de Vá lá Senhora. Certo é que cessaram actividades como conjunto e vão dedicar-se a novos projectos. Espero é que sejam bons e que a suspensão não passe disso mesmo,e não de um encerramento definitivo de actividades. Até lá, a editora Amor Fúria brinda-nos como novos sons. Descubram-se os Capitães da Areia, uma malta nova que já me tinha surpreendido no "Dia de Portugal do Rock" (espécie de festival de garagem do 10 de Junho encabeçado precisamente pelos Golpes), com as suas canções estivais e algo nostálgicas. Como esta pequena maravilha que nos chega agora, como uns quatro meses de atraso.


domingo, dezembro 11, 2011

Milagre ou ilusão?


Por vezes, os milagres humanos acontecem. Outras vezes, as ilusões prevalecem. A melhor notícia da semana é sem dúvida a da ameaça da UNESCO retirar a classificação do Douro Vinhateiro como Património da Humanidade caso a barragem na foz do Tua vá avante. Será mesmo possível? Conseguirão os responsáveis governamentais evitar mais um mamarracho de betão (que a construir-se, seria irreversível), de duvidosa utilidade e que jamais traria os empregos e o "desenvolvimento" que alguns crédulos apregoam - é ver as enormes "valias" que tais construções trouxeram à região do Barroso - além de ser de custo elevado? Poderá o sector do betão, essa indústria que monopoliza e destrói o país, levar finalmente um golpe, convencendo-se a apostar mais na reabilitação do que no construção ex novo? Será que depois do Sabor desaparecer em grande parte no sítio onde um divertido Sócrates comentava com António Mexia que só faltava o cimento, poderemos ainda ver a salvação do Tua, quiçá da sua linha férrea única no gênero, e daquele pedaço de Douro Vinhateiro? Tudo isso poupando centenas de milhões de euros, que seriam mais bem empregues na melhoria da conservação das reservas de água e no aumento da potência de produção de electricidade das actuais barragens. A salvação do Tua - e consequentemente, do douro - pode ser ainda uma ilusão, mas quem sabe se não acontece um "milagre"...

quarta-feira, dezembro 07, 2011

Sócrates e a sombra sobre o Corinthians



O Corinthians, talvez o clube mais popular de S. Paulo, que compete com o carioca Flamengo pela maior "torcida" do Brasil, sagrou-se campeão no passado domingo. Sem grande craques, mas com uma equipa unida, para a qual muito contribuíram os golos de Liedson. Na madrugada anterior morrera Sócrates, uma das grandes figuras da equipa brasileira que espantou o mundo pela beleza do seu jogo no Mundial de 1982 (já não tenho memórias disso, logo não é das "minhas" equipas favoritas) e desse mesmo Corinthians, em especial do tempo que ficou a ser conhecido por "Democracia Corinthiana". Fiquei um pouco espantado por não ouvir grandes referências entre a morte de Sócrates e a conquista do título, nem homenagens, nem minutos de silêncio, nada. Honras, só mesmo na net. A ser assim, quereriam os corinthianos não estragar a festa do título com tristes notícias? É possível, mas então ainda é mais lamentável: os clubes vivem dos seus heróis, que até escasseiam fora do desporto. O esquecimento voluntário de um ídolo é a negação da própria alma de um clube, tal como uma família ignora o desaparecimento de um dos seus entes. Mais valia que a festa fosse menos alegre e mais contida. E que se sentissem alguns momentos de silêncio sepulcral em honra ao Doutor Sócrates. Seria a melhor homenagem.


Claro que a não ser assim, fica a coincidência triste do clube alcançar um título de campeão no dia em que morre um ídolo. Um bom exemplo de como nas horas de grande alegria também podem surgir sombras, e de como aquelas, tal como as tristezas, não são totais.

segunda-feira, dezembro 05, 2011


Quando os republicanos perdem o patriotismo


A princípio ainda pensei que fosse um qualquer exagero, mas é mesmo verdade: para Mário Soares, o 5 de Outubro é (laicamente, pois claro) sagrado, "tão sagrado para os portugueses como o 25 de Abril", porque "a maior parte da população portuguesa é republicana", mas que o fim do feriado do 1 de Dezembro "não é tão grave".



A comparação com o 25 de Abril já de si é disparatada (quem é que ficou livre a 5 de Outubro de 1910?), mas um ex-chefe de estado a afirmar que o dia da independência é menos importante que datas instituidoras de regimes com forte conotação ideológica é particularmente grave. Soares coloca a sua república à frente da existência de Portugal. Afirma claramente que prefere a "república portuguesa" a Portugal. Nem nas suas ideias federalistas tinha ido tão longe. Além do mais, como pode dizer que os portugueses se identificam com a república se esta nunca teve a coragem de se auto-referendar, e ninguém liga às comemorações do 5 de Outubro?


A lamentável ideia de que o 1 de Dezembro é um "feriado monárquico" talvez tenha influenciado esse disparate. Crio-se a ideia de que o 5 de Outubro é o feriado dos republicanos. Na realidade, e dada como certa essa data como a do reconhecimento de Portugal como reino em 1143, até faria sentido que fosse objectivamente comemorado. Assim, o 1 de Dezembro assumiu-se como o dia da Independência.


Reconheça-se que os republicanos deram enfâse ao patriotismo numa certa época, que começou com as homenagens a Camões, em 1880, e tiveram continuidade depois com o Ultimatum. É verdade que mudaram as cores e os símbolos em prol da "república portuguesa", mas também não se esqueceram de dias fundamentais da História. Até agora...

Se o 1 de Dezembro é visto como um "dia de monárquicos", então isso só significa que os republicanos perderam todo o sentimento patriótico e recolhem-se agora às suas velhas "glórias". Bem sei que não são todos assim, mas Soares é um dos últimos representantes do original republicanismo. As suas declarações têm um peso que não têm as de Manuel Alegre ou Almeida Santos, por exemplo. Ao erigir o 5 de Outubro num pedestal acima do 1 de Dezembro, mostra que a Independência é coisa menor do que golpes de radicais. Cai assim o mito, outrora verdade, do "patriotismo" dos republicanos.



O dia da Independência é conotado com a monarquia? Muito bem. Devia ser geral, mas já que assim o querem, que os monárquicos desta país mostrem que são dignos do papel manter Portugal como nação independente e de não deixarem que a memória do glorioso 1 de Dezembro esmoreça.


Ideias para comprar português


Vale a pena ler a revista Pública (acompanha o jornal Público) de hoje. Descobre-se que se pode comprar inúmeros produtos portugueses que nem se imagina que haja no mercado, desde alimentação até tecnologia, livros, e outros. Cabazes de Natal cem por cento feitos em Portugal. E ainda uma reportagem na Majora, a clássica fábrica de brinquedos portuguesa, de que ainda nesta semana, e precisamente a propósito de uma conversa sobre a produção nacional, me perguntava se ainda existiria (a resposta não demorou, bastou-me passar na Via Rápida e olhar para o lado). Se puderem, leiam a revista, tirem ideias e aproveitem para dar a vossa ajuda à economia nacional, que bem precisa.

quinta-feira, dezembro 01, 2011

Não se comemora a Independência?


Estaremos a passar o último 1º de Dezembro como feriado? Grande número de pessoas desconhece a data e a sua importância, e a comunicação social também não lhe dá grande importância. quando figuras políticas de relevo a menorizam, pondo em destaque o 5 de Outubro, e quando não há comemorações oficiais, fica tudo dito. Esperemos pela confirmação - ou não - da "passagem para o Domingo". Apesar de tudo, se o Estado se voltar a lembrar de comemorar a data condignamente, será menos mau. Os conjurados que puseram em risco a vida é que muitas voltas devem dar nos túmulos.

terça-feira, novembro 29, 2011

Fado


Não sei bem se a distinção do Fado como Património Imaterial da Humanidade será assim tão boa. À partida é, mas depois dos festejos, o que restará? E não poderão estas distinções feitas "em série" acabar por nivelar tudo, retirando-lhe importância? É uma questão que terá resposta daqui a uns dez anos. Até lá, saudemos a qualificação e ouçamos.


domingo, novembro 27, 2011

Já neste fim de semana


Por muito que alguns adeptos da burocracia não gostem da "caridade", reconheçamos que os temos são mesmo para olhar para o próximo e fazer alguma coisa. não é dar um amoeda ao "pobrezinho" que pede na rua e desviarmos o olhar. Há formas bem mais eficazes de o fazer. Tanto com o dinheiro como com o nosso voluntariado.




PS: temia-se uma diminuição drástica nas doações, mas a coisa compôs-se, e no cômputo geral, 2011 acabou por superar 2009, embora não tivesse atingido os números excepcionais de 2010. Resultado global positivo, tendo em conta as circunstâncias. O número de voluntários, esse, não cessa de crescer. Bons sinais, quando a solidariedade e caridade são mais necessárias.



sexta-feira, novembro 25, 2011

Dúvidas paradoxais


Carvalho da Silva, João Proença, Ana Avoila, Mário Nogueira e outros exercem profissionalmente a actividade de sindicalistas a tempo inteiro, há já longos anos. No entanto, estiveram ontem em frenética actividade profissional, furando a greve geral que eles próprios convocaram e publicitaram. Não haverá um insanável paradoxo entre a profissão de sindicalista e a (não) participação numa greve? Ou em solidariedade para com as colunas de grevistas que comandam de megafone em punho, prescindem do seu vencimento nesse dia?

Mudança num vinte de Novembro

 
Como acontece fatalmente em qualquer país europeu ameaçado pela crise financeira, também o partido do governo em Espanha acabou por cair. Era tão previsível que Rodriguez Zapatero já tinha dado à sola, entregando o problema a Rubalcaba, um bom ministro do interior que ainda teve a compensação de ver a ETA renunciar à luta armada a um mês das eleições. Mas a Espanha deve estar mesmo em baixo, porque esse êxito não lhe serviu de nada: o PSOE foi corrido sem apelo nem agravo do poder, com o pior resultado desde os anos setenta.

Mariano Rajoy, um incrível sobrevivente político (lembra-me por isso mesmo Durão Barroso, o que não é grande cartão de visita), chega ao poder oito anos depois deste lhe ter escapado entre os dedos por causa dos atentados de Atocha e das estúpidas autorias com que o PP então as justificou. Ganhou com larga maioria, em quase todas as províncias, mesmo nos bastiões socialistas da Andaluzia e das Astúrias, numa altura em que a Espanha está sob o turbilhão dos juros crescentes, do desemprego assustador e da convulsão social. Não é decerto a melhor altura para se assumir a presidência do governo. Depois, Rajoy tem um ar simpático (é galego e tudo, o que para mim aumenta a simpatia) e até conhece e aprecia o Norte de Portugal, mas tem uma imensa falta de carisma e não se lhe conhecem ideias para comandar a nau espanhola, limitando-se a balbuciar descidas de impostos sobre as pequenas empresas. Não parece ser, manifestamente, o líder mais capaz de que os nossos vizinhos precisam nesta altura, mas por vezes podem vir dali surpresas. E além da crise financeira e económica, podia já agora desfazer algumas das medidas "fracturantes" que Zapatero, por irresponsabilidade ou canalhice, implementou para afrontar a Espanha mais conservadora. Aquela incrível lei do aborto, em que meninas podem abortar livremente sem autorização dos pais a partir dos 16 anos, ou as aulas de "educação cívica", em que censores ensinam aos alunos que dizer que fulano é "gordo" ou "feio" pode ser motivo de punição, ou ainda aquela treta do baptismo cívico e laico, um acto formal para rivalizar com os baptizados católicos, bem podiam ir à vida, até porque desenterram velhos fantasmas e lembram as tensões pré-1936.

Outra razão para a vitória clara do PP podem ser as recentes manifestações dos "indignados". Desde o Maio de 68 que grandes acções de rua mais ou menos ligadas à esquerda radical levam o eleitorado, por temor e necessidade de ordem, a votar à direita. Verificou-se isso mais uma vez, o que não impediu a Izquierda Unida (misto de PC e Bloco) de crescer bastante, assim como a União para o Progresso, de Savater, que quer quebrar o bipartidarismo. Outra subida esperada: a coligação Amaiur, que reúne a esquerda nacionalista basca, que tolerava ou representava mesmo a ETA, parece que beneficiou do fim do terrorismo e conseguiu interessantes resultados no País Vasco, ultrapassando em número de votos o tradicional Partido Nacionalista Vasco. Uma curiosidade, que provavelmente terá a sua resposta sociológica: os radicais nacionalistas de esquerda ganham na província de Guipuzkoa, ou seja, na bela, aristocrática, cinematográfica San Sebastian, cuja municipalidade tinham igualmente conquistado há meses (e onde começaram com escândalo, retirando o retrato do Rei). E na mais operária Biscaia, sediada na laboriosa Bilbao, ganhou o PNV, partido de ideologia conservadora e católica.

Toda esta macedónia partidária não afectará o futuro governo nas Cortes, mas pode tentar influenciá-lo na rua, como agora parece ser moda. Será interessante verificar o choque entre o novo governo conservador, resguardado numa sólida maioria parlamentar, e as acções dos "indignados".

A Espanha permanece politicamente fracturada, também por culpa de Zapatero, embora longe da tensão dos anos 30, quando só se podia ser facha ou rojo. Os mais extremistas ainda usam essa terminologia felizmente ultrapassada pela maioria. Para a esquerda radical, o PP é ainda um agrupamento de fachas e de franquistas. Ora muitos não deixaram de reparar na coincidência destas eleições se terem realizado num dia vinte de Novembro, que por sinal é uma espécie de dia santo para os falangistas e saudosistas do Caudillo. A vinte de Novembro morreram precisamente José António Primo de Rivera (1936) e Francisco Franco (1975). A data em questão, agora temperada com a vitória dos populares, não deixará de ser invocada em novos "No pasaran" de rua por todos os que quiserem impedir reformas mais dolorosas no Reino de Espanha. Aí sim, saberemos do que Rajoy é capaz.

quinta-feira, novembro 24, 2011

Feriados


Bem sei que ainda não se decidiu que feriados suprimir, e que só se sabe que serão quatro, dois religiosos e dois civis. Se sobre os dois primeiros há pouca discussão, já que a Igreja tomou a dianteira e lançou o corpo de Deus e a Assunção como candidatos principais, não parece haver acordo fácil sobre os outros. Fala-se no 5 de Outubro, o mais óbvio, para fúria dos velhos "republicanos", da maçonaria e dos jacobinos existentes. Mas também o 1º de Maio e o 1 de Dezembro vierem à tona. Com a ignorância que por aí corre sobre a data da Independência, e pelos srs iberistas-niilistas que falam sempre de "patriotismos bacocos", não ficaria demasiado admirado se optassem por essa data. Já o dia do Trabalhador será complicado suprimir. Mas sejamos claros: tendo em conta que 5 de Outubro é a provável data do Tratado de Zamora, não seria uma metáfora dolorosa e de mau prenúncio pensar que os feriados relativos às duas datas da independência de Portugal desapareceriam? Deixo uma sugestão: deixemos-nos de radicalismos e medidas drásticas e acabem-se apenas com dois feriados, Corpo de Deus (o dia mantém-se só para efeitos eclesiais e mudam-se as comunhões para o Domingo seguinte) e 5 de Outubro, o menos significativo. não será por se poupar mais dois que a produtividade do país irá arrancar para níveis imparáveis.

quinta-feira, novembro 17, 2011

Assobios


A tão badalada selecção bósnia, com o temível Dzeko à cabeça, acabou por ser despachada da Catedral da Luz por expressiva goleada, e assim a Selecção Portuguesa lá irá a mais um Europeu de futebol, evento que não falha desde 1996. Mas desagradou-me ver o público português assobiar o hino da Bósnia-Herzegovina. Por pior que fosse o estado do relvado do recinto em que nos acolheram (quando havia melhor em Sarajevo), o volume dos insultos com que brindaram a Selecção, as provocações a Ronaldo, a intensidade dos laseres para os olhos e os seus próprios assobios, os hinos devem ser sempre preservados. Representam todo um povo, incluindo os respectivos bárbaros, mesmo que sejam a maioria, e são a expressão musical da sua alma. É um dos raros símbolos com que os nacionais de um país ainda se identificam. Por isso, as assobiadelas não fizeram sentido, ao contrário da goleada e de algumas brincadeiras supervinientes. Um povo antigo como o português jamais devia descer ao nível dos balcânicos e do seu atabalhoado e artificial estado com menos de vinte anos. O insulto tem atenuantes, mas não desculpas.

terça-feira, novembro 15, 2011

Aniversário no Coliseu

 

No concerto que os GNR deram no último Sábado, no Coliseu do Porto, para comemorar os seus trinta anos, notou-se a arriscada aposta em tocar alguns clássicos alterados do seu último Voos Domésticos, um álbum aconselhado para ouvir com headphones nos ouvidos (e em viagem, segundo me disseram). Pronúncia do Norte, por exemplo, acabou com um ritmo chill out mais digna de Hall de hotel do que da melodia poética telúrica que emociona plateias(que saudades de Isabel Silvestre!). Podia ter sido uma sessão desenxabida, que não ficaria na memória, e pena seria, já que a banda comemorava três décadas entre os "seus". Mas o final salvou tudo o resto, Dunas pôr milhares de pé, e mais um punhado de clássicos antigos e modernos deixou o público em comunhão com a Rui Reininho e companheiros, que despediram-se a brindar com espumante. Daqui a dez lá estaremos para comemorar os quarenta (com direito a nova placa no átrio do Coliseu?), mas esperemos que as músicas de sempre não estejam travestidas. Os GNR, esses, pela energia que mostraram, provavelmente estarão iguais.


(Fotografias recolhidas graças a uma Zona Franca)

sábado, novembro 12, 2011

O tonto do costume

Desde que esteve na mesa das operações que levaram ao efectivo derrube do Estado Novo, permitiu-se tudo a Otelo Saraiva de Carvalho: promoções à pressa na carreira, ídolo da extrema esquerda, capa da Time (como membro da "troika vermelha"), candidato à presidência pelas "massas populares", terrorista ligado às FP-25, solto da prisão por amnistia presidencial, etc, incluindo todos os disparates e bravatas que lhe passaram pela cabeça, desde a sinistra referência aos fuzilamentos no Campo Pequeno até a uma certa complacência para com Salazar (há quem diga que Otelo era um dos militares que transportou o caixão do ditador), passando pelos habituais desejos de "fazer um novo 25 de Abril". Começa a ser demais. Agora, acha que se os limites dos direitos dos militares forem ultrapassados a tropa deve fazer um golpe de estado contra o actual governo.

Para quem ainda tinha ilusões sobre qualquer traço de credencial democrática de Otelo, as ilusões perderam-se em defnitivo. O "capitão de Abril" revela que afinal os seus interesses são, como eram em 1974, meramente corporativos. Quais liberdades, quais quê. E que as espingardas podem ir contra a vontade de milhões de eleitores. Pouco lhe importa que o actual executivo tenha toda a legitimidade democrática: o que o incomoda são os tais "direitos dos militares".



Otelo é um tonto do regime com pretensões messiânicas insuportáveis, a quem ninguém deve nada, é ele que deve o perdão dos seus dislates e crimes. Como tal, devia guardar algum senso. Não sei se a sua posição na reserva implica que não possa ser punido disciplinarmente, ao menos com uma reprimenda. Mas se pudesse, era tempo de as autoridades militares lhe abrirem um processo por insubordinação. Já chega de ouvirmos constantemente as ameaças e bravatas deste logro vivo que meia dúzia de lunáticos erigiram como referência moral sem que ninguém lhe diga nada.

sexta-feira, novembro 11, 2011

E os mercados derrubaram Berlusconi




Nem os inúmeros processos por crimes fiscais e incompatibilidade com o cargo, nem as histórias de festas indecorosas e relações com prostitutas menores de idade, nem as inúmeras manifestações de rua, nem a traição a Kadhafi, nem as campanhas de Nani Moretti, nem as declarações politicamente incorrectas, nem sequer a perda substancial de boa parte seu grupo parlamentar, que seguiram a cisão de Fini, conseguiram derrubar Berlusconi. Sua Emittenza perdeu duas eleições, mas conseguiu sempre voltar a ganhar, e nos últimos dezassete anos ocupou o poder durante dez. Só os "mercados", essa entidade sem rosto mas de cujos humores dependem os juros dos empréstimos necessários à sobrevivência de qualquer entidade nos dias que correm, seja o estado ou uma família, levaram à queda do Cavaliere. Esta adivinhou-se ao longo dos anos, mas ele sempre se aguentou, o que num país de comediantes e líricos como é a Itália, que inventou um Mussolini e acolheu uma Cicciolina, nem devia espantar. Agora, acabou-se. Aos 75 anos, envolvido em escândalos, com o partido dividido e sem credibilidade internacional, Berlusconi acaba a sua carreira política deixando a Itália num caos financeiro, económico e político. Não deixa de ser irónico que um empresário de sucesso e supostamente liberal seja derrotado pelo seu estrondoso fracasso económico.

sexta-feira, novembro 04, 2011

Tudo ao molho pela "nova ordem"


Que os extremos se tocam é uma verdade lapalissiana que volta e meia ganha novo incremento. Um colunista do Avante conseguiu acentuá-la ainda mais, ao invocar, no vetusto jornal comunista, os Protocolos dos Sábios de Sião, para afirmar que uma "nova ordem mundial" se prepara. E quem vai erigir essa "máquina da morte"? Nada mais nada menos que "os jesuítas e os Illuminati" que "repartem ligações entre a Santa Sé, a Maçonaria, o Pentágono e Wall Street, além dos "sionistas", que calçam "a botifarra nazi". Catolicismo, judaísmo, maçonaria, americanos, tudo no mesmo saco, juntamente com calçado nacional-socialista. Tenho ouvido falar dos tais apócrifos "Protocolos", que foram também usados por Hitler e pelos anti-semitas do último século, mas dificilmente imaginaria que fossem invocados no Avante, que em 1948 saudou a criação do Estado de Israel (a concretização do sionismo) contra "as monarquias feudais árabes". E daí talvez pudesse apelar à imaginação, já que a partir daí, e com o lento declínio do sistema dos kibbutzim colectivos, os comunistas começaram a virar-se contra Israel, e tornaram-se dos mais virulentos anti-semitas. O anti-semitismo, recordemo-lo, chegou a ser uma das diferenças mais vincadas entre esquerda e direita na altura do caso Dreyfus. O comunismo e o esquerdismo mais lunáticos insistem em parecer-se cada vez mais com a extrema-direita. Que o digam nos países do ex-Pacto de Varsóvia e os nacional bolcheviques. e o pior é que as suas teorias coincidentes não têm graça nenhuma, a não ser que não saiam de artigos como os do Avante.

quarta-feira, novembro 02, 2011

A caminho do abismo ou de evitar novos coronéis?


Não sei se é dos ares de Atenas e da inspiração da Democracia (se bem que o que lá vigore actualmente seja mais a anarquia), ou se de ter nascido nos Estados Unidos, uma democracia ininterrupta desde o século XVIII, o que é certo é que a decisão de George Papandreou de levar a proposta de ajuda e reestruturação da Grécia que já havia sido aprovada em cimeira a ser referendada pelos helenos deixou tudo de boca aberta e mãos na cabeça. Não haja dúvida que depois de promessas de referendo não cumpridas (sim, estou a pensar em Sócrates) e de vermos constantemente decisões relevantes da UE ou da Zona Euro tomadas ao telefone pelos Srs Sarkozy e Merkel, como se o resto fosse paisagem, tivemos finalmente o assomo de uma decisão verdadeiramente democrática, e não também de uma "democracia real", como exigem os "indignados", até porque a "rua" não se pode agora queixar de que as decisões não são tomadas pelo povo.




A aposta é muito arriscada, e as dúvidas são compreensíveis. Se ganhar o referendo, Papandreou legitima o seu governo e a sua política e ganha nova consideração entre os homólogos europeus. Se perder - e é para aí que as sondagens apontam - falham os planos de resgate do país,, e na melhor das hipóteses, faltará o dinheiro para coisas tão simples como pagar salários; na pior, a Grécia sai do Euro, com todas as consequências que daí advêm, a banca é arrastada e será o princípio do fim da Moeda Única




A demissão das chefias dos ramos das Forças Armadas pode também não ser estranho a isso. A decisão foi tomada de rompante, o que indicia um certo temor de que houvesse uma acção das altas instâncias militares. Seria facto inédito na UE, embora não na Grécia. Apesar dos desmentidos, tudo leva a crer que não se tratou de mera coincidência burocrática. Se realmente os militares tivessem dicidido passar à acção, seriam mais da tendência "junta dos coronéis", ou mais "Vasco Lourenço", e a sua promessa anual de "se for preciso fazemos um novo 25 de Abril"? Certo é que Papandreou, contestado pelo seu próprio partido, vituperado pela rua grega, tratado de forma condescendente pelo "directório" e agora ameaçado pelos militares, tratou de pôr cobro à ameaça mais imediata através de uma cartada muitíssimo arriscada. E vale a pena recordar que a Grécia tem um arsenal de respeito - enquanto aqui se discute pela compra de dois submarinos, os helenos compraram seis - e muitos dos gastos dos últimos anos foram em armamento bélico, o que de certa forma ajuda, entre outras coisas, a explicar como é que caíram no abismo financeiro, e agora político.




domingo, outubro 30, 2011

Questão que me ocorreu neste tempo outonal

O que é feito de João Coração e do seu neo-trovadorismo?

quinta-feira, outubro 27, 2011

Uma sobreposição de acontecimentos simbólica




Depois de cinquenta anos de malfeitorias, assassínios, raptos, extorsões através de "taxas revolucionárias" dignas da Cosa Nostra e outras ameaças, a famigerada Euskadi Ta Askatasuna renunciou à luta armada. Parece ser um momento histórico, mas será bom desconfiar, não só porque os terroristas bascos não são de confiança, mas também porque mesmo que a declaração das cúpulas seja sincera, poderão sempre subsistir alguns grupúsculos violentos, como aconteceu com o IRA, isso para não falar da marginal Kalle Borroka. Mas não deixa de ser curioso o timing em que a ETA anunciou a renúncia à luta armada: no dia a seguir à morte de um seu antigo admirador e patrocinador (sim, Kadhafi, o próprio, que apoiou os nacionalistas bascos e tudo quanto era organização terrorista). Coincidência? Provavelmente não, porque a organização já estava enfraquecida e debilitada, e já teria decidido o novo rumo em Julho. Mas não haja dúvida de que a sobreposição de acontecimentos tem o quê de simbólico. Alguns dos pesadelos dos anos oitenta acabaram esta semana. Duvida-se é que os actuais sejam melhores. E as previsões para o futuro político do País Vasco já começaram, com as habituais interrogações sobre se este gesto fortalecera ou enfraquecerá o nacionalismo da zona.

segunda-feira, outubro 24, 2011

Tiranicídio anunciado




Kadhafi, o "cão raivoso", decidiu entrincheirar-se na sua cidade de Sirte e aí pereceu, da forma que todos vimos. Fugiu de Tripoli, que jurara incendiar, e estava incógnito desde então. A sua tribo protegeu-o até à entrada dos guerrilheiros do CNT na cidade. Daí até à sua fuga numa caravana, aos bombardeamento desta pela NATO, ao refúgio num cano e posterior descoberta e morte, demorou poucas horas. Fica a dúvida sobre a versão real da morte do ditador e os videos incómodos e pouco tranquilizadores sobre os furutos poderes do país.

Aceita-se o tiranicídio em inúmeros casos, é não é difícil crer que muitos líbios quisessem enviar o homem que os oprimiu durante mais de quarenta anos para os infernos, mas não pode deixar de incomodar que tenham tratado daquela forma como um cão alguém ferido e que pediu que não disparassem. As imagens mostram um homem ferido e ensanguentado, de olhar perdido, entre guerrilheiros gritando Allah Akbar, antes de o porem numa ambulância e de um deles lhe desfechar o "tiro de misericórdia" (nunca esta expressão soou tão mal). Por uma vez tive alguma comiseração por aquele homem em tempos todo-poderoso, agora em farrapos. Não que esperasse qualquer cumprimento de Direitos Humanos, Convenções de Genebra quanto ao tratamento dos prisioneiros, etc, daqueles bandos, coisa com que aliás o coronel pouco se importava, mas ao que parece houve muito boa gente sinceramente admirada por crer que ceras normas tinham chegado à Líbia, trazidas pelos ventos da NATO.

Em boa medida, esta gente não é melhor do que os carrascos do regime verde, e muitos provavelmente também o serviram. Kadhafi colheu o que plantou: um regime brutal, centralizado na sua pessoa, uma opressão violenta de décadas e um enorme culto de personalidade. Com a pulverização do seu regime, teme-se o que o possa substituir, dada a anarquia reinante e o provável aproveitamento pelos islamitas radicais. Mas com a sua morte, a jamahiriya nele corporizada acabou definitivamente. Pudessem os Senussis que ele destronou regressar e talvez o problema da autoridade se resolvesse...



O fim violento de ditadores e outros chefes de facção não é exactamente uma novidade. As imagens de Kadhafi ensanguentado e do seu corpo estendido não são muito diferentes do de Mussolini, pendurado na Piazza Loreto, do de Ceausescu, de olhos abertos, ou de Savimbi, atraindo as moscas. São despojos de um regime e de uma guerra que prolongaram até ao limite. Do tirano da Líbia sempre se pode dizer que não fugiu do país, combateu até poder e morreu na sua cidade. Os seus crime ficaram assim lavados, tanto os internos - aí estão as valas comuns para o comprovar - como os externos (Lockerbie, a discoteca em Berlim, e os que resultaram da ajuda que prestou a tudo quanto era grupo terrorista). Talvez só se sinta a falta dos seus trajes e costumes excêntricos.

PS: pior que a ingenuidade de tanta gente em descobrir que afinal os "direitos humanos" ainda não chegaram à Líbia, foram as reacções de júbilo à morte de Kadhafi de vários estadistas que em tempos posaram na fotografia com ele. O facto das relações internacionais se pautarem pelo realismo não significa que tenham de cair na mais despudorada hipocrisia. Ao menos Berlusconi, que se encontrou por diversas vezes com o coronel e cujo governo tinha muitas relações com a antiga colónia, limitou-se a suspirar um conclusivo Sic Transit Gloria Mundi. Talvez antecipasse o seu próprio fim político. Teve alguma sobriedade nas declarações, ao contrário do habitual, mas duvido que ele próprio, e menos ainda pessoas como Sarkozy ou Cameron, tivessem a capacidade de resistência de Kadhafi.

quinta-feira, outubro 20, 2011

O Borrusia expiatório

Ontem viveu-se um dia agitado em Atenas - um pleonasmo nos últimos tempos - com dezenas de milhares na rua em protesto, anarquistas a incendiar objectos e a meter-se em refregas com a polícia, uma greve geral de dois dias, enquanto o parlamento, com os uivos que se ouviam da Praça Syntagma, aprovava novas e duras medidas de austeridade. Apesar de greve geral, que incluía os transportes, nem por isso o estádio do Olympiacos (o clube do Pireu e tradicionalmente das "classes trabalhadoras") deixou de encher para o jogo da Liga dos Campeões. Não sei como o fizeram, com a míngua de transportes públicos e de Euros nos bolsos, mas o certo é que o jogo serviu como excelente e simbólica catarse: o Olympiacos ganhou por 3-1, e logo frente ao campeão alemão. Certamente que a rapaziada do Borrussia de Dortmund não estava à espera que fosse a sua classificação no grupo a servir de bode expiatório ao momento conturbado dos gregos e às indecisões e declarações da Chanceler do seu país.

segunda-feira, outubro 17, 2011

Coisas que realmente indignam



Olho as imagens dos "indignados". São exactamente as que esperava: uma mescla de militantes do PCP (alguns deles com boinas que passaram seguramente pelo PREC) com o discurso na ponta da língua, uma data de gente com fisionomia de votantes do BE (piercings, tranças, roupas de saltimbancos, etc), e os habituais anarcas dos nossos dias, de bandeira negra e capuz. Pelo meio, algumas pessoas com ar normal, provavelmente funcionários públicos ainda atónitos pelas contas que têm de fazer.


Percebo que haja muita gente preocupada com o seu futuro e os seus empregos - eu também estou. Que haja funcionário públicos inquietos é óbvio. E percebo igualmente que as crises tragam a necessidade de alguma catarse. As manifestações podem servir para isso.


O que eu não admito é que venha um punhado de gente aparentando fobia à higiene falar em "democracias reais", organizar "assembleias populares" e dizer que representa "99% do povo". Mas quem é que deu àqueles aprendizes de artistas de circo legitimidade para representar o povo português? Eu não sou, não quero nem me sinto minimamente representado por aquela gente. Sim, isso a mim indigna-me. Já agora, por onde andavam eles quando as taxas de juro eram baixas e se consumia a crédito a torto e a direito? Julgarão eles que a culpa se resume apenas aos bancos e ao sistema financeiro? Pergunto-me que drogas circularão por ali quando vejo gente a falar num "novo 25 de Abril", como se este regime não fosse produto do original, ou numa "revolução mundial" (em Pequim também?). A representação popular está dentro do edifício que cerca, o palácio de S. Bento, e para os colocar lá houve eleições em Junho. Os partidos que apoiam estes "indignados" tiveram no total pouco mais de 15% dos votos. Agora querem ganhar na rua o que não ganharam nas urnas, falando em "maioria social" (ou seja, a maioria dos que andam nestas marchas). Acharão que os restantes eleitores, aqueles que fizeram outras escolhas e não se abstiveram, não se indignarão?

Entretanto, aparece um mancebo de grandes tranças, roupas largas e coçadas, tocando viola e "sonhando com outro futuro". Inquiro-me se aquele indivíduo trabalhará, se andará á procura de trabalho e se se atreverá a ir a alguma entrevista de emprego naqueles modos.

Depois, vemos as televisões a falar do "protesto global popular", e quando passam por Roma, vêem-se os habituais agentes do Black Block a incendiar carros, prédios, até a vandalizar uma igreja do século XVII. Encapuzados de cara escondida, como de costume. São referidos pelos locutores como "alguns jovens que protestaram de forma mais violenta". Porque raio não chamam os bois pelos nomes? De selvagens, membros da extrema-esquerda do submundo, ou mais precisamente, anarquistas? Ou terá a comunicação social medo de lhes chamar o que realmente são? Isto sim, é de deixar uma pessoa indignada.

segunda-feira, outubro 10, 2011

Pequena leitura das eleições madeirenses


Afinal as sondagens não eram produto de nenhuma conspiração do continente, da Internacional Socialista ou do que quer que fosse: o PSD Madeira obteve o seu pior resultado de sempre em eleições regionais, abaixo dos 50%, e conseguiu à risca a maioria absoluta na assembleia regional. A descoberta da tramóia das contas públicas tirou inevitavelmente votos ao PSD. A partir de agora, com a obrigatoriedade de se fazer um plano de austeridade severo, e sem verba para os inúmeros subsídios e obras a torto e a direito, será bem mais complicado governar o arquipélago. Pode-se dizer que é o início do fim do jardinismo: há quem aposte que Jardim não ficará até ao fim do mandato, e mesmo o discurso de vitória, de pólo, a ler uma folha escrita sobre o joelho, sem óculos, e pleno de acusações delirantes aos "socialistas do Ministério das Finanças" e ao "capitalismo selvagem", parece ser uma prova de resignação.



Mas houve mais derrotados: note-se que o PS conseguiu perder votos na maior derrota do jardinismo, o que demonstra bem a fraqueza de uma campanha sem a menor chama, em que se viu o candidato socialista a desejar absurdamente que houvesse maioria absoluta no parlamento regional, deixando todos a pensar o que quereria o PS deste acto eleitoral. A declaração oficial do partido em Lisboa deu-se numa sala em que até se ouvia o eco das palavras do anónimo porta-voz, o que diz tudo sobre a importância que o partido deu às eleições. Mereceu a despromoção a terceiro lugar. Seguro que se cuide.


O CDS aproveitou bem as fraquezas e teve um fantástico resultado, passando a liderar a oposição madeirense. Uma campanha mais vincada e um líder que, talvez por ser deputado na AR, já tem alguma notoriedade, levaram ao salto para o segundo lugar e a quadruplicar o número de deputados. O partido liderado por Paulo Portas tem tido um ano em grande: cresceu nas legislativas, voltou a fazer parte de um governo nacional e passou a segunda força política na Madeira.


Em sentido oposto está a esquerda mais radical. A CDU perde um deputado e cai para o quinto lugar. O Bloco de Esquerda continua o descalabro iniciado nas legislativas, e desta vez de forma humilhante: conseguiu ser o único partido concorrente a estas eleições a não eleger um único deputado e quedou-se no último lugar. Convirá recordar que em tempos que já lá vão, a UDP, um dos movimentos que formou o BE, era uma força interventiva que conseguia sempre lugares na assembleia regional. Longe, muito longe vão essas eras.


Os votos que esvaziaram o BE e a restante esquerda foram directamente aproveitados por outros partidos. José Manuel coelho não repetiu a incrível votação das presidenciais, mas ainda assim a sua notoriedade desbragada serviu para conquistar três lugares e quase 7% para o minúsculo Partido Trabalhista. Ficou a perder a Nova Democracia, que se mantivesse Coelho teria tido uma votação de respeito. Ainda assim, manteve o lugar e cresceu em votos, graças às suas acções, mais de sabotagem dos símbolos jardinistas do que de campanha própria. O Partido da Terra, de Quartin Graça e João Isidoro, manteve o lugar in extremis. O Partido dos Animais voltou a surpreender e entrou também na Assembleia, provavelmente às custas do Bloco, que ficou, como se disse, com zero representantes.


E assim ficou o parlamento regional fraccionado em oito partidos, com o PSD em maioria, como sempre, o CDS muito reforçado, o PS enfraquecido e desorientado, um José Coelho que promete animação e o resto a disputar as deixas a que tiverem direito. Com a austeridade severa que se avizinha e um Jardim a pensar na reforma, os tempos que se avizinham prometem ser turbulentos.

domingo, outubro 09, 2011

Free Amanda




É verdade que a decisão do recurso do caso da morte de Meredith Kercher deixa imensas dúvidas. Há quatro anos, a primeira sentença considerava os acusados culpados do sórdido assassínio da estudante em Perugia, um crime que toda a Itália e boa parte do Mundo acompanharam febrilmente, dada a violência do crime e a juventude dos réus. Agora, a americana Amanda Knox e o companheiro italiano foram absolvidos do crime por erros durante o processo (coisa comum cá na terra) e consequentemente libertados, depois de mais de três anos de prisão - que se reflectiram no seu aspecto físico. É bem possível que sejam inocentes, mas certo é que Kercher foi morta com requintes de malvadez e de tara sexual. O outro condenado, um estudante marfinense, continua preso. E a beleza, ora angélica, ora com uma pontinha de perversão e fatalidade, de Amanda Knox, fazia dela uma suspeita em potência, digna de um film noir. Certo é que já voltou aos Estados Unidos e não deverá tão cedo colocar os pés em Itália. E convenhamos que há razões de fundo para se desejar que ela não seja mesmo culpada...



sexta-feira, outubro 07, 2011

E mais uma vez não houve comemorações oficiais do nascimento de Portugal


A propósito das comemorações do 5 de Outubro, onde acham que houve mais entusiasmo? No casamento da Duquesa de Alba, Grande dos Grandes de Espanha, com os seus 85 anos? Ou nos discursos da Praça do Município de Lisboa, ouvindo Cavaco e aquela pueril estudante da Maia que "convidou os jovens a abraçar os ideais republicanos" (deviam estar imensos a ouvi-la)?


O Nuno Castelo Branco criou um heterónimo/homónimo e colocou-o na Lisboa de Outubro de 1910. Leiam, que vale a pena.

quinta-feira, outubro 06, 2011

A Pluma Caprichosa na sua torre de marfim



A propósito de Meia Noite em Paris, o último de Woody Allen (que vale todas as estrelas que lhe derem, mais o preço do bilhete, e é pura magia inserida no quotidiano prosaico, sem cair no realismo mágico), Clara Ferreira Alves escreveu na revista do Expresso de 24 de Setembro uma das páginas mais pretensiosas que tive a oportunidade de ler desde algumas crónicas de José António Saraiva (no mesmo jornal, antes de se agarrar ao Sol). Aqui ficam algumas partes esclarecedoras: "Comíamos cinema clássico e filmes russos e alemães com sete horas (...), papávamos Bergman ao pequeno-almoço, e ninguém podia chegar à puberdade sem ter lido pelo menos um romance de Tolstoi e Dostoievsky, de Stendhal e Flaubert(...)Tínhamos de saber distinguir entre a sonoridade melancólica de Chopin e a alegria cantante de Mozart, entre quintas e nonas fossem as de Beethoven ou as de Mhaler (...)Tínhamos de saber as subtilezas de Nietzche e Schopenhauer..." O resto do texto é todo ele assim, e termina com lamentos de que a tecnologia e os economistas extinguiram a cultura europeia.

"Tinham"? Mesmo achando que há aqui um grande exagero nas obras e autores citados, imagino que Clara Ferreira Alves tivesse apenas um limitado número de amigos com os quais pudesse competir. Mesmo entre os mais eruditos, dificilmente se consumiriam todos estes autores e obras na juventude (até durante toda a vida é duvidoso). E depois, a ser exactamente assim,em que mundo vivia Ferreira Alves? Imaginaria que nas nos bairros pobres urbanos, periferias nascentes das cidades, nos campos, nas aldeias piscatórias, nos bairros de operários, as pessoas seriam mais ávidas de leitura, de música, de discussões sobre a origem do universo? Ou mesmo nas universidades, nos liceus, nos cafés? Não passaria de uma ilusão de um grupo absolutamente restrito?


É que além da pretensão a abarcar toda a "Alta Cultura", há ainda uma crítica explícita às "novas gerações", que não são como a de Clara, muito naquele tom de "no meu tempo é que era". Eu bem sei que o ensino para os resultados produz muitas aberrações e uma quantidade infinda de ignorantes, mas será porventura porque mais gente tem acesso à escolaridade e ao conhecimento do que há trinta ou quarenta anos, quando as distinções sociais estavam bem vincadas e a instrução não era massificada. Mas o número de leitores (de livros) cresceu, por exemplo, e crê-se que os padrões não diminuíram assim tanto. Estão é mais indistintos.

Eu também tenho alguns pruridos contra o total domínio da sociedade pela pura economia, e mais ainda pela tecnologia, que parece insaciável, não dando tempo para recuperar o fôlego. Mas também é graças ao crescimento económico (R.I.P.) que este país teve durante uns anos, e aos avanços tecnológicos, que o conhecimento e a cultura chegaram a muito mais gente. Sim, há variados perigos, mas também inúmeras oportunidades. Hoje, qualquer pessoa pode tirar uma dúvida factual na Wikipédia, ao passo que há poucas décadas essa mesma dúvida subsistiria por mais tempo.

Mas o que é realmente irónico é que Ferreira Alves focou-se na catadupa de artistas que figuravam em Meia Noite em Paris e passou ao lado do filme de Allen. Um cidadão americano do século XXI gostaria de ter vivido na Paris dos anos vinte, onde por sua vez havia quem de bom grado os trocaria pelo último quartel do século XIX, e aí surgem Gauguin e Degas suspirando pelo Renascimento. A moral (chamemos-lhe assim) que se extrai do filme é que por muito que não apreciemos o nosso presente, e achemos que houve uma qualquer era passada muito superior, quem viveu nessa era dourada achará sempre que antes disso é que se vivia, numa cadeia constante. E o que Clara Ferreira Alves faz é suspirar por uma qualquer época em que todos liam os mais complexos autores, ouviam os músicos mais eruditos e discutiam os pensadores mais profundos, antes da "imbecilização" do Mundo. Eu, que ate sofro de nostalgias e revivalismos vários, sempre prestei mais atenção ao filme, ao passo que a autora da Pluma Caprichosa não achou nada melhor do que usá-lo numa coluna para mostrar às massas o quão culta é, ela e a sua geração. Que diria se soubesse que Woody Allen tem como passatempo favorito ver futebol americano na televisão?

domingo, outubro 02, 2011

Quatro anos de Estado Sentido


O Estado Sentido, para o qual já tive o prazer de colaborar, está de parabéns: faz hoje quatro anos. O que quer dizer que para um blogue já atingiu uma idade de respeito, aí entre a maturidade e a "sabedoria".

segunda-feira, setembro 26, 2011

O Benfica regressa à Roménia


Amanhã o Glorioso volta à Roménia, que já lhe trouxe boas recordações. Nunca perdemos nesse país, já lá tivemos reviravoltas históricas e empates que nos levaram a finais europeias. Terá o Benfica de Jesus capacidade para triunfar fora de casa na competição rainha entre clubes? Tudo indica que sim. Os últimos jogos foram auspiciosos. O empate no Inferno da Luz com o Manchester, que antes do jogo seria motivo de satisfação pela força como os mancunians têm arrasado tudo o que lhes aparece à frente, acabou por saber a pouco. Já a igualdade a dois em casa do Porto é um resultado positivo, dado que tivemos de recuperar duas vezes de situações de desvantagem, perante um adversário que acabou sem ideias e a queixar-se, em estratégia claramente combinada para ver se convencia a maralha, que não ganhou porque o árbitro não se deixou ir nas suas ridículas teatradas. Um Benfica inteligente ganha perfeitamente aos romenos.


Acresce que o jogo é em Bucareste, no novíssimo Stadionul National (julgo mesmo que é o primeiro jogo oficial que recebe), o que poupa os jogadores a uma viagem maçadora até aos confins da Moldávia, para burgos banhados por rios que nem ponte têm e só se atravessam de barcaça (ver o fim deste post). Sempre é um descanso, mas traz o risco de vermos um estádio semi-despido; tudo depende da força de vontade das claques de Galati. Mas com dificuldades ou não, é um jogo a sério a ser encarado com tanto respeito como contra o Manchester. Saiba Jorge Jesus explicar isso aos jogadores, para manter a tradição de resultados positivos na Roménia.
It´the end of REM as we know it



Os REM anunciaram oficialmente que se vão separar. Sim, os REM, a banda de Michael Stip, Mike Mills e Peter Buke (e outrora de Bill Berry), a que nos deu Losing My Religion, Daysleeper, Radio Free Europe, the One I Love e Imitation of Life vai encerrar actividades, legando como seu último álbum Collapse into Now. 31 anos que fizeram parte da história da música pop-rock acabam agora. Talvez poucos tenham a mesma apreciação, mas os REM foram a maior banda do Mundo nos anos noventa, a par dos U2, (durante curto tempo também os Oasis e Smashing Pumpkins) e dos Rolling Stones, estes porque a idade é um posto. Com o tempo perderam mediatismo, que nunca procuraram, em detrimento de grupos menores. Passaram por Portugal duas vezes, ambas no Pavilhão Atlântico, em Lisboa, e em ambas os pude ver (só não vieram antes por causa de uma série de desventuras). Fechou-se uma era na música moderna norte-americana. Talvez um dia se reúnam de novo.


quinta-feira, setembro 22, 2011

Júlio Resende 1917-2011




A morte de Júlio Resende não me surpreendeu, dada a sua provecta idade, mas comoveu-me. Um dos grandes antistas portugueses do último século, cujas obras, ora expressionista, ora com um travo neo-realista (embora não tanto como alguma imprensa o tenha classificado), não deixam de continuar a espantar. Isso e a sua generosidade e paciência.


Tive um encontro com o Mestre quando tinha os meus oito ou nove anos. Como acontecia muitas vezes nas férias, a minha mãe levava-me para o liceu onde dava aulas, e eu percorria tudo, pavilhões, salas, bibliotecas, campos de jogos, etc. Júlio Resende encontrava-se lá uma tarde, com a sua mulher, a convite dos alunos de educação visual; sem saber quem era aquele senhor de bigode branco, entabulei conversa com ele, e falei-lhe do meu enorme gosto em desenhar (coisa que ainda conservo um pouco, mas a que tenho votado tempo a meno). Não sei se fui eu que propus ou se ele é que me desafiou, mas o certo é que o Mestre posou para que eu lhe desenhasse a cara a giz no quadro negro de uma sala de aula; consegui acabá-lo antes que a minha mãe chegasse e demonstrasse o seu embraço, perante o visível divertimento do artista. A "obra", essa, não durou muito, mas nunca me esqueci dela.


Só lamento não ter conhecido ao seu Lugar do Desenho, em Valbom, como várias vezes planeei, e onde morreu ontem. Deixou-nos a suas obras e a mim, pessoalmente, aquela memória do dia em que um pintor ilustre posou para que eu o desenhasse. E legou-nos aquela fabulosa Ribeira Negra, cujo original viu ainda ser exposto permanentemente no edifício da Alfândega, e que nos interpela à saída do túnel, antes da Ponte, de forma inquietante e sentida.


sexta-feira, setembro 16, 2011

É desta?




Parece que depois de tantas reclamações, desabafos, rezas, alguém vai mesmo pôr travão aos desatinos de Alberto João Jardim e da sua trupe. A brincadeira que a Madeira tem feito ao longo dos anos com os dinheiros públicos, gozando com contribuintes e autoridades nacionais, parece estar com os dias contados. Em tempo de eleições regionais, são declarações (e actos, espera-se) corajosas da parte de Passos Coelho, que olha por cima das vantagens eleitorais. Pena é que precisemos de ter chegado a este ponto e de receber puxões de orelhas "lá de fora" para que alguma coisa fosse feita. Depois, bem pode Jardim vociferar contra os "cubanos", a" maçonaria", "a Internacional Socialista" os os "fascistas do contenente", que de nada lhe adiantará. Espera-se é que os madeirenses percebam de uma vez por todas a situação em que ele e os seus correligionários os meteram.

terça-feira, setembro 13, 2011

Cais de Verão


Os velhos GNR voltaram com um dos temas em destaque neste Verão. Não chegaram às tabelas como as dezenas de versões da Lambada, ou as centenas de "Dançar kuduro" que proliferaram em tudo quanto era bar, discoteca ou casa de alterne. Mas alcançaram uma notoriedade discreta, com a sabedoria e o desprendimento que os anos lhes deram. A música, Cais, nem sequer é inédita: é antes um rearranjo tirada do álbum Mosquito, de 1998, incluída num disco de versões regravadas com outras sonoridades e tons, de sua graça Voos Domésticos, que chegou ao número um do top de vendas. A música inspiradora e suave, o videoclip tem uma elegância clássica, e ainda nos traz a curiosidade de ver Rui Reininho como sósia de Billy Bob Thornton.


domingo, setembro 11, 2011

10 anos do 11




Este é daqueles dias em fatalmente se pergunta "onde estavas tu no 11 de Setembro"? Acho que todos se lembrarão do contexto e do que sentiram (provavelmente a maioria olhou com inquietação para os edifícios mais altos que tinha por perto). Em todo o caso, a importância do fatídico acontecimento revela-se na identificação que se faz com o dia. Tirando as de revoluções, muito poucos cunham o nome da data em que ocorreram. O 11 de Setembro é daqueles momentos que serão recordados mais pelo que aconteceu naquele dia, com aquele espectáculo e aquela violência, em Nova Yorque, a mais marcante cidade do século XX e sede da ONU, do que pelas suas consequências. Poderia agora desatar a falar nelas, mas disso se encarregaram os media, até à exaustão. A recordação, essa, não nos sai da cabeça. Assim começou o século XXI. Esperemos que os atentados de 11 de Setembro de 2001 sejam apenas um acto inicial, e não aquele que marcará indelevelmente o século.

segunda-feira, setembro 05, 2011

Estrunfes, Smurfs e a sua utopia estalinista



A silly season deste ano justificou amplamente o nome. Fosse porque era preciso abstrair da crise, fosse porque o executivo mudou, houve discussões que circularam entre o disparate e o humor. A medida da ministra Assunção Cristas, por exemplo, de dispensar os funcionários de levar gravatas durante o verão para os ministérios que tutela, exceptuando situações mais formais, levou a uma intensa discussão sobre se a gravata estava na moda, se estaria em declínio, ou se era um símbolo fálico que anunciava uma decadente masculinidade. Aproveitando este último mote, houve mesmo uma ex-secretária de estado da "igualdade" que aproveitou a deixa para exprimir o desejo que aquelas simples orientações se traduzissem "na emergência de novas masculinidades", que seriam "fundamentais para mudar de paradigma" e para uma "nova civilização", para além das "diferenças reprodutivas e biológicas". Que alguém que ache que entre homens e mulheres não deva haver diferenças (ou que se transformem em seres hermafroditas) chegou ao governo provoca alguns arrepios. Espero que não tenha muitas seguidoras, ou veremos nova vaga de feminismo radical, e do histérico.


Um dos casos mais curiosos da estação foi a indignação, seguida de uma vaga de saudosismo, com a estreia do filme Os Smurfs. Devo dizer que partilho de ambos, ou não tivesse tido uma imensa dificuldade em escrever o nome dos duendes azuis com aquela designação anglo-saxónica, usada também no Brasil, tão longe do original, e que ao que parece se deve ao facto dos detentores dos direitos dos bonecos quererem "uniformizar" os nomes em cada língua, o que significa que em Espanha eles têm mais do que uma designação, como nos conta Ricardo Araújo Pereira . Por azar, impingiram-nos a designação que os brasileiros usam, como se já não bastasse o famigerado Acordo Ortográfico, em lugar de fazer o contrário, isto é, pôr os brasileiros a usar o nosso Estrumpfe, que ao fim e ao cabo segue o original francês Schtroumpfs. Chamemos-lhes estrunfes, já que ainda podemos usar a nossa língua.


A afronta pode-se medir pela quantidade de artigos em jornais (além do supracitado do RAP) reclamando contra a nova designação e sobretudo contra o ataque à infância de toda uma geração, que por acaso também é a minha. Confesso: ver os estrunfes de sempre serem agora apelidados de smurfs revolve-me as vísceras. Seria como mudarem-me o nome de João para Jeremias. Se alguém acha o exemplo exagerado, pode sempre imaginar os nomes de Tintin, Astérix ou Lucky Luke alterados e ver a diferença. Ou ver o cómico exemplo da Estrunfina, agora chamada...Smurfina.


Mas a polémica desta nova versão é apenas mais uma num ano atribulado para as criaturas azuis. Não sei se por coincidência ou por estranho golpe publicitário em ano de filme, em Junho surgiu um pitoresco estudo de um ensaísta francês, de seu nome Antoine Buéno,que concluía que os bonecos azuis representavam uma "utopia estalinista e totalitária", além de exprimirem "anti-semitismo". Tudo porque "cada um se veste da mesma maneira, tem uma casa igual à do seu vizinho, e exerce a profissão mais adequada às suas habilidades, não sendo conhecidos pelo seu nome mas sim pela sua função na sociedade. Eis o velho jargão de Marx "de cada um as suas capacidades..." usado para caracterizar a aldeia dos estrunfes, juntamente com a homogenia arquitectónica e das vestes. Sempre pensei que as casas-cogumelos fossem um delicioso pormenor da série, mas afinal há quem pense que não. Assim como seria complicado desenhar as criaturas de forma diferente (é verdade que eles nem se distinguem), mas apanhar nomes para cada um deles seria tarefa complicada e desnecessária. A única coisa que noto vagamente aparentado com o marxismo é algum utilitarismo.

Outras comparações que o estudioso faz é a do Grande Estrunfe (com as suas barbas e o seu barrete vermelho) com Estaline, ou a dos Estrunfe dos Óculos com Trotsky. Aqui, a pressa é visível: o Grande Estrunfe é tudo menos um tirano, apesar da sua autoridade e dos seus poderes alquímicos, e o dos Óculos está longe de ser um opositor, sendo antes um seguidor até ao limite do primeiro da aldeia, seguindo à risca (e de forma particularmente graxista) as suas ordens. A ausência de propriedade e de iniciativa privada, bem como de "mercados", é outra coisa que não faz espécie à maior parte dos mortais, mas alguém se lembrou disso, como se os autores não tivessem mais nada que fazer.

As acusações de anti-semitismo são mais compreensíveis. O inimigo mortal dos estrunfes, Gargamel (na antiga versão, Gasganete), tem nome e fisionomia judias, com o típico nariz adunco, e o seu malvado gato chama-se Azrael. Poderiam ser reminiscências sub-conscientes do anti-semitismo que atravessou a Europa até aos anos quarenta? É possível. Hergé também sofreu acusações semelhantes. Mas nunca, na minha infância, ao ver os seus desenhos animados e os álbuns dos estrunfes, essa ideia se me introduziu no espírito. Já as acusações de racismo e colonialismo por causa do álbum Os Estrunfes Negros é mais palha para alimentar a discussão do que outra razão qualquer. Numa história centrada numa epidemia com elementos vampíricos (ou da mosca tsé-tsé), teria o mesmo impacto se se tornassem brancos? Ou vermelhos? A juntar a isso, a pobre da Estrunfina leva por tabela, por ser loura, ou seja um modelo "ariano". Em criaturas azuis, convenhamos que louro sobressai mais. Uma estrunfina morena jamais teria semelhante impacto.



O filho de Peyo, o criador belga dos bonecos, já veio desdramatizar a polémica. Ao que parece, o pai nunca esteve ligado à política, nem demonstrou grande interesse. Mas os editores com quem trabalhava, em especial o co-autor Yvan Delporte, tinham algumas simpatias anarquistas, que como se sabe nunca se deram bem com a disciplina estalinista (vide a Guerra de Espanha). Em todo o caso, o livro colheu alguma polémica, que poderá até ser um veículo para o filme. Mas pensar que os estrunfes seguiam aquele modelo de sociedade e que Peyo tinha secretas intenções de construir na BD a sua utopia colectivista e totalitária já parece demasiado rebuscado. Lembra aquelas desconfianças em relação a Vasco Granja, de que ele estaria a doutrinar as criancinhas com os seus bonecos do Leste. Bom seria retirar essa hipotética (e absurda) carga ideológica e as teorias da conspiração que se levantaram e considerá-los os bonecos divertidos e desastrados que sempre foram. Se quiserem, atribuam-nas aos "smurfs". Mas nunca aos estrunfes.

terça-feira, agosto 30, 2011

O início da nova Líbia


De súbito, o regime verde da Líbia caiu como um castelo de cartas. Seis meses de guerra civil, que começou com a revolta a partir de Bengazi, prometendo sucesso rápido, seguida da resposta das forças do regime, que quase aniquilaram os rebeldes, não fosse a intervenção da NATO e a destruição do armamento pesado das tropas leais a Kadhafi. Depois, tímidos avanços dos revoltosos, de tal forma que a Líbia deixou as primeiras páginas e em breve quase nem se falava do conflito que minava a antiga colónia italiana. Até que de súbito os rebeldes fizeram notáveis avanços. Aproveitando o enfraquecimento das forças do regime e seus mercenários, minadas pelos ataques cirúrgicos vindos do ar, abriram caminho e entraram em Trípoli. O cenário verificado em Fevereiro cumpriu-se, enfim. Por terra, com o auxílio dos apelos do clero islâmico, e também por mar, em que forças vindas de outras cidades completaram o cerco, provavelmente com auxílio de meios navais da NATO. Embora houvesse alguma resistência, os pontos fulcrais, como os meios de difusão, foram prontamente tomados. Quando o aeroporto e o complexo de habitação de Kadhafi ainda resistiam, a Praça Verde, local simbólico onde o regime verde organizava as suas "manifestações" de apoio, era ocupada pelos rebeldes. Depois disso, percebia-se que o regime tinha caído. Era, e é, só uma questão de dias.

Quando apenas Sirte ergue a bandeira verde, pergunta-se onde estará Kadhafi e seus filhos, subitamente evaporados. A hipótese mais provável é que esteja acantonado em parte incerta. Duvido que tenha fugido para o estrangeiro - para o feudo do amigo Mugabe, por exemplo, ou para a Venezuela - e será mais provável que esteja em Sirte ou noutro ponto da Líbia. Ver-se-à agora se resistirá até ao fim, como prometeu, e perecerá em combate, ou se fugirá para um estado "amigo", juntamente com a sua família. Os milhões do petróleo que acumulou durante quarenta anos devem ser suficientes.

E a nova Líbia? Até agora, tem-se conseguido razoavelmente evitar pilhagens e vinganças. Com ajuda internacional e o descongelamento de contas avultadas, o país tem recursos para se reerguer. Resta conseguir formar um novo sistema político, obter acordos e consensos entre tribos, reconciliar Tripoli com Bengazi unir o país. Depois de décadas de regime "verde" personificado no coronel, será uma tarefa difícil. Mas é possível, com a representação dos vários grupos e tribos nas decisões do país. E já que se restaurou a antiga bandeira dos Senussis, porque não restaurar a monarquia dos mesmos? Tivesse Kadhafi falhado o golpe de 1969, e quem sabe o que seria a Líbia de hoje? A solução para a união da país pode e deve passar pelo regresso da dinastia e dos reis que lhe deram a independência.