segunda-feira, março 28, 2022

Óscares 2022

Em tempos ainda dei importância os Óscares, classificando os actores pelo número de nomeações e galardões. Nos últimos tempos perdi o interesse pelo título e pela cerimónia, cada vez menos apelativa e crescentemente mais rendida a causas do momento em detrimento da arte.

Ontem, ficando a trabalhar mais tarde, acabei por ficar a ver parte do espectáculo, incluindo a já famosa intervenção de Will Smith. Como muitos, pensei que fosse combinado. Depois percebi que não. Talvez não tenha sido um modelo de racionalidade ou comportamento, mas reconheçamos, deu alguma salero e animação politicamente incorrecta a um evento que bem andava a precisar disso.



E se alguém achou que o gesto do era um murro, desengane-se: se fosse de punho fechado, Chris Rock teria ido ao chão. É que o Will não é propriamente pequeno e até já esteve naquela sala por ter sido nomeado pelo papel do lendário boxer Ali/Cassius Clay, o que implica que saiba jogar ao boxe.

De resto, aproveita-se o sempre importante in Memoriam, que recordou logo dois antigos Melhores Actores, Sidney Poitier e William Hurt (mas que esqueceu lamentavelmente Monica Vitti), ou até Teodorakis, que nem me recordava que tivesse morrido.

PS: entretanto, Cláudio Ramos já pediu que tirassem o Óscar a Will Smith. Aposto que a "academia" já está a analisar a exigência de Ramos. Eu, se fosse ao Will Smith, ficaria preocupado.

sexta-feira, março 11, 2022

Odessa



"A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel".

No mini-clássico A Ideia da Europa, de George Steiner, fica-nos desde logo este trecho. Odessa, a maior cidade e maior porto do Mar Negro ("a Paris do Mar Negro"), cenário dos contos de Babel também famosa por ser o cenário de O Couraçado Potemkin, esse clássico do cinema mudo de Einsenstein, está à espera da força bruta que se prepara a atacar do mar, sabe-se lá com que armas. Há umas décadas foram as SS alemãs, Agora são os russos.
Há uns anos, vislumbrando uma oportunidade de ir finalmente a Istambul, não me quis ficar pela metrópole do Bósforo e desenhei um percurso que me levaria de barco, ferry ou cargueiro, se fosse possível, até Odessa, através do oeste do Mar Negro, que em parte já conhecia. Iria à "Paris do Mar Negro", daria um pulo a Tiraspol, capital dessa estranha micro-URSS chamada Transnístria, agora mais conhecida pelo clube Sheriff que o Braga eliminou, e daí iria conhecer Kiev, antes de voltar para Portugal.
Hoje esse percurso tornou-se absolutamente inviável e só existe em sonhos, como outros em que aliás já tinha pensado. Traçar planos para viagens mais extensas é quase impossível nos dias que correm. Espero que Odessa e outras cidades da região permaneçam intactas, sobretudo as suas populações e o seu espírito.

quinta-feira, março 10, 2022

Um traidor


Se alguma vez quiserem saber como é a cara de um traidor, recordem bem esta: Viktor Yanukovytch, ex-presidente da Ucrânia, o homem que depois de ser deposto (por votação no parlamento ucraniano, recorde-se, e de quem até o seu próprio partido se afastou) fugiu para a Rússia - e lá se tem conservado - que apoiou sempre, deixando um rasto de uma fortuna colossal ilegitimamente adquirida e que agora quer que a Ucrânia se renda.




quarta-feira, março 02, 2022

A Ucrânia e as diferenças com o "whataboutismo"

Perguntava-me há dias se a situação na Ucrânia provocaria tanta comoção como quando houve a questão do Iraque. Nessa altura, houve uma jornada mundial de manifestações (talvez dos primeiros grandes efeitos da Internet), a 15 de Fevereiro de 2003, de protesto contra a iminente invasão do Iraque, com manifestações por toda a parte (se me perguntarem, sim, eu estive numa nessa data, no Porto, e no dia em que começou a guerra estive ao lado do iraquianos em Atenas).

Neste momento, felizmente, começa a haver um grande movimento contra esta invasão e a favor da Ucrânia. A diferença, pelo que me pareceu, é que é sobretudo no mundo ocidental, com o resto um pouco mais indiferente, mas espero estar enganado.
A propósito do Iraque, tenho visto as estafadas perguntas "então e o Afeganistão, o Iraque, a ex-Jugoslávia"...normalmente é um estratagema de whataboutismo para se poupar a Rússia por birra com o ocidente (a que pertencemos), porque uns não implicam outros. E quem as faz assobia para or perante a flagrante violação do direito internacional, que antes tanto dizia defender. Mas há apesar de tudo, diferenças, pelo menos nestes três.
O Afeganistão invadiu-se porque albergava uma colónia de terroristas que tinha provocado o 11 de setembro. Os Estados Unidos sofreram um ataque armado e pelo Direito internacional tinham todo o direito de se defender, como a ONU concordou. Outra questão será saber se administraram bem a situação após a fase militar.
Na ex-Jugoslávia, ou antes no Kosovo, estava a haver uma limpeza étnica das populações albanesas locais, de tal forma que tanques sérvios chegaram a atravessar a fronteira com a Albânia atrás de kosovares. Deu-se então uma intervenção da NATO, bombardeando não só forças militares mas também pontos estratégicos em Belgrado, o que levou à morte de alguns civis (e até ao bombardeamento por engano da embaixada chinesa). Sendo certo que uma intervenção para evitar situações como a que tinham ocorrido na Bósnia anos antes era mais que aconselhável, a verdade é que a NATO não tinha mandato da ONU e levou a acção longe demais para além dos objectivos.
O Iraque é que se sabe. Os EUA e alguns aliados, como campanha contra o "Axis of Evil" dos neoconservadores, conseguiram implicar Saddam Hussein com a Al-Qaeda, com a qual não tinha rigorosamente nada a ver, e inventar umas fantasiosas armas de destruição maciça, que Colin Powell "revelou" numa sessão das Nações Unidas em que o seu prestígio de décadas se estampou. O resto é história.
Qual é então, a grande diferença para os casos do Kosovo e do Iraque? É que no primeiro, apesar de ser ilegal, a intervenção conseguiu parar uma limpeza étnica que estava a ser comandada por um tirano, Slobodan Milosevic, de tal forma que no ano seguinte os sérvios não hesitaram em derrubá-lo.
No segundo, apesar de ser um desastre baseado numa mentira, a verdade é que o regime de Saddam era um dos piores facínoras da época e crimes contra a humanidade não faltavam.
E similar ao caso da ex-Jugoslávia poderíamos ir ao caso da Líbia, regida por um assassino que ia desencadear uma repressão violenta contra o seu povo.
No caso da Ucrânia, não só se trata de uma violação flagrante do direito internacional com base em mentiras descaradas (a suposta adesão do país à NATO) como atenta contra um presidente livremente eleito (venceu até o seu antecessor, que estava no cargo), e não um "neonazi", ao contrário do que se passa na Rússia. Ou seja, pelos argumentos da Rússia, a Ucrânia tinha todas as razões para a invadir, já que o regime de Putin ameaça a sua soberania, comete crimes contra o seu povo e só se "elege" prendendo e abatendo adversários.
Em suma: se havia razões para contestar a guerra do Iraque, mais razões ainda há para protestar contra a agressão à Ucrânia.