domingo, novembro 30, 2014

Vinte anos de Banco Alimentar no Porto

 
Há vinte anos, por esta altura, chegou ao Porto a primeira campanha do Banco Alimentar. Os espaços e armazéns eram bem mais pequenos, e os sócios, ainda que em boa quantidade para aquela estreia, menos numerosos. Participei logo nela, numa enevoada manhã de Sábado, distribuindo saquinhos e informação à porta do Jumbo da Maia (onde nunca tinha estado antes), perante a indiferença, enfado ou compreensão dos transeuntes. Mas lá se conseguiu fazer uma muito razoável campanha, e a partir daí, sempre em crescendo. Continuei durante vários anos a fazer campanha à porta dos supermercados, passando daí para o trabalho administrativo fora e dentro das campanhas (registar voluntários, por exemplo) e para os trabalhos mais pesados, de carregar e descarregar separar e acondicionar alimentos, no armazém propriamente dito, em especial no domingo à noite, quando chega o grosso dos donativos e há menos gente disponível, sobretudo nesta época pré-natalícia. É bastante cansativo e os músculos ressentem-se no dia seguinte, mas é compensador pela causa e pela alegria e entusiasmo no trabalho que não se vê em mais parte nenhuma. E nestes vinte anos deu para ver a crescente generosidade das pessoas, que aumenta ainda mais em tempos de crise. O Banco Alimentar passou da desconfiança ao reconhecimento total, mesmo com alguns escolhos pelo meio.
Vinte anos depois desses sábados de manhã nos hipermercados, o trabalho é diferente (mas não menos exigente), mas a causa é a mesma e as necessidades maiores. Neste fim de semana podemos ajudar uma quantidade de pessoas cujas necessidades podem não ser visíveis, mas existem e não são poucas. Dar uma ajuda ou um contributo no voluntariado pode não custar muito para quem dá, mas mas pode fazer a diferença para quem recebe.

sábado, novembro 29, 2014

E ensinar a alguns jornalistas algumas noções de geografia política?

É curioso ver algumas gaffes ou omissões dos nossos jornalistas televisivos. Na última semana encontrei dois casos que mostram o incrível desconhecimento (de geografia política, sobretudo) da classe do que se passa no Mundo.
Achava que o nosso jornalismo desportivo era melhor, mas aparentemente enganei-me (o televisivo, pelo menos). Ainda sobre o Portugal-Argentina de há dias, um jogo maçador e frustrador das expectativas de quem ia ver um duelo de selecções entre Cristiano Ronaldo e Messi, era bom saber quem teve a ideia de marcar aquele jogo no estádio de Old Trafford, casa do Manchester United, à mesma hora de um Escócia-Inglaterra. Como era de prever, só esteve meia casa, e quase ninguém devia ser britânico, a avaliar pelas bandeiras e pelas feições do público. O que não admira. o confronto entre ingleses e escoceses é o mais antigo entre selecções, e ainda mantém alguma chama de rivalidade, provavelmente atiçada com o recente referendo sobre a autodeterminação na Escócia. Ou seja, os ingleses estavam todos a ver o jogo da sua equipa, que aliás até ganhou. Mas na maçadoria do jogo, e por causa das múltiplas nacionalidades presentes no estádio, sobressaiu a certa altura a entrada de um adepto pelo relvado dentro. Os stewards agarraram-no e a brincadeira acabou ali. Os jornalistas, entre gracejos, repararam que tinham uma camisola argentina, mas provavelmente por ignorâncias, não falaram da bandeira que adepto empunhava, que era simplesmente a do Curdistão. O que se percebe perfeitamente, numa altura em que os curdos, ao mesmo tempo que têm mais autonomia do que nunca, debatem-se com a ameaça do autodenominado "Estado Islâmico", ou califado do Levante. Aparentemente ninguém na imprensa portuguesa referiu isso. Caso fosse, por exemplo, um palestiniano, ou um catalão, com toda a certeza que não se esqueceriam. Mas como a causa curda não tem a mesma popularidade e provavelmente acharam que aquela bandeira tricolor com um sol no meio era apenas o distintivo de um qualquer clube de futebol, a coisa passou incógnita. Para uns será um pormenor de somenos. Para outros, e olhando para o que se passa na região do Curdistão, deveria ser uma falha digna de repórteres apenas e só da bola, como se demonstrou ser.


E ontem, mais uma falha, esta quase burlesca: aquela em que um jornalista, nos Emirados Árabes Unidos, relatava a visita de Cavaco Silva à federação da Arábia, dizendo que o chefe de estado português seria recebido pelo "príncipe herdeiro e presidente da república". Um paradoxo só explicável por se tratar de uma monarquia electiva, mas que nem por isso se trata de uma república, nem tem um "presidente".


sexta-feira, novembro 28, 2014

Uma minoria na presidência da Roménia



Interrompa-se por uns momentos as atenções sobre a prisão (agora efectiva) de José Sócrates e rume-se a outras paragens, para desanuviar. As eleições presidenciais da Roménia, há poucos dias, trouxeram um factor novo (não, não é o falhanço incrível das sondagens que já não é novidade). O favorito a ganhar à segunda volta, que já tinha ganho por larga margem na primeira, o actual  primeiro-ministro socialista Victor Ponta, acabou por ser surpreendentemente derrotado pelo seu adversário, o líder do Partido Nacional Liberal (também do presidente cessante Traian Basescu) e presidente da câmara da encantadora Sibiu Klaus Ihoannis. Para além da surpresa, a novidade é ver um representante duma minoria à frente dos destinos da Roménia. Não é vulgar que isso aconteça em qualquer estado do antigo Pacto de Varsóvia (alguém imagina um judeu ou cigano à frente dos destinos da Hungria?), e ainda menos na Roménia, um país que no passado enviou milhares de judeus para os campos de concentração, desterrou ciganos e turcos para planícies desoladas e expulsou grande parte dos húngaros e germânicos que viviam no seu território havia séculos, pondo termo a uma interessante experiência multiétnica.


Não é o primeiro romeno de etnia saxónica (alemã) a ser objecto de grande reconhecimento nos últimos anos: a escritora Herta  Muller, que entretanto se tinha radicado mesmo na Alemanha, ganhou o prémio Nobel da Literatura em 2009. Se recuarmos muito no tempo, ainda podemos incluir Johnny Weissmuler, o atleta que se imortalizaria no papel de Tarzan. E no entanto, a minoria germânica, que se divide por várias regiões, em especial o Banato e a Transilvânia, que lá habita há vários séculos, está reduzida a umas escassas dezenas de milhares de representantes. Em tempos que já lá vão chegou a ser uma percentagem muito considerável do território da actual Roménia. Foram eles que elevaram cidades como Hermmanstad (Sibiu) ou Kronstad (Brasov), aldeias, igrejas e castelos, e que fizeram a prosperidade daquelas terras, estabelecendo laços comerciais com a Europa central e também com os otomanos. Com a 2ª Guerra, o regime comunista e a confusão que se seguiu à sua querda, a maioria emigrou para suas as origens remotas da Alemanha. ficaram uns poucos, entre os quais Klaus Iohannis, que agora chega ao cargo mais alto da nação. Se os saxões da Roménia perderam muito em número, não parecem ter perdido em relevância nem em influência da vida do país. Ainda vamos ver teóricos da conspiração a ver o longo braço de Merckel estendido até ao Mar Negro...


sábado, novembro 22, 2014

O fantasma


Uma das coisas que me deixa curioso com a detenção de Sócrates (que seria a bomba política do ano, não fosse a derrocada do banco de todos os regimes BES, cuja relevância partilha ex aequo ) é como será o estado de espírito do congresso do PS, que se realiza já no próximo fim de semana. O acto formal de entronização de António Costa, que tinha tudo para ser uma união à volta do novo líder e uma forte alavanca para uma maioria sólida nas legislativas do próximo ano, terá um grande fantasma a esvoaçar, o fantasma de José Sócrates. Será que o vão exorcizar? Ou procurar defendê-lo? Cenas do próximo episódio da vida política portuguesa em 2014.


Adenda: o sentido de oportunidade do Câmara Corporativa, o blogue oficioso do PS socratista, é digno de estudo. Veja-se o post, supostamente irónico, que eles colocaram a propósito da discussão do fim das subvenções vitalícias...poucas horas antes da detenção de Sócrates.

quarta-feira, novembro 19, 2014

Nem tudo o que luz


Para lá da demissão de Miguel Macedo do seu cargo de Ministro da Administração Interna (aliás um dos mais competentes deste Governo), começou-se finalmente a falar a sério da questão dos vistos gold e de tudo o que eles acarretam, de bom e de mau (principalmente). É que se se trata de atribuir nacionalidade a quem dá mais dinheiro, como uma espécie de brinde pela compra de imóveis, e assim dar também alguma dinâmica ao retraído mercado imobiliário, não estaremos muito longe das vendas de indulgências aos mais ricos, que provocaram a Reforma protestante, além de que, como já várias pessoas lembraram, é de uma incrível falta de vergonha se comparados com os refugiados que esperam anos, muitas vezes em vão, para adquirir a nacionalidade de um país europeu (sem falar nos filhos desses refugiados ou emigrantes, que nem o facto de nascerem na europa, muitas vezes, lhes dá um passaporte). É mais um caso em que o utilitarismo puro - a atribuição de um passaporte em troca de dinheiro (para lavagem?) e um imóvel - supera qualquer senso moral. Nem tudo o que luz é gold, e neste caso há muito pouca luz a incidir sobre ele.

quinta-feira, novembro 13, 2014

Requiem pelos telemóveis da Nokia


A notícia de que a Nokia vai deixar de fazer telemóveis deixou-me com uma imensa saudade do presente. É que os meus aparelhos sempre foram da marca finlandesa e sempre usei cada um por um longo tempo. Não percebo, francamente, qual a necessidade de se mudar de telemóvel todos os anos, mas deve ser por causa desta fantástica era hiper-consumista e efémera em que vivemos. Também nunca precisei de nenhum smartphone com não sei quantas aplicações, a maior parte totalmente inúteis, dentro das que têm a sua piada. Têm uma estética atraente, mas sinceramente, não vale o preço. Para mim, um telemóvel serve para falar, mandar mensagens e vá lá, ouvir música e eventualmente tirar fotografias, embora isso acabe por ser uma permanente violação da vida privada. E para essas funções, os telemóveis Nokia são perfeitos. Pequenos, funcionais, duradouros, por vezes com uma estética elegante, não era preciso mais nada. Mas a avalanche de i-phones, blackberrys, androids e tudo o mais levou a que esses telemóveis começassem a ser menos e menos vendidos, e a Nokia, a grande empresa finlandesa de comunicação, tendo apostado timidamente nesse mercado, acabou tomada, na prática, pelo Microsoft. Agora anunciam-nos que a parceria entre as duas empresas de comunicação vai fazer com que os telemóveis smart (Lumia, parece que se chamam assim) levem apenas a assinatura da Microsoft, o que significa que a Nokia vai deixar de produzir telemóveis em nome próprio. É o fim de uma era das comunicações, quase tão chocante como o caso da Kodak. Espero que não seja o fim dos telemóveis simples. Senão, e quando o meu Nokia actual chegar ao momento de inevitavelmente ir repousar, seremos todos obrigados a usar smartphones, caríssimos e carregadíssimos de inutilidades, ou ainda há escapatória?

segunda-feira, novembro 03, 2014

O regresso do big-bang político?



Vai por aí grande escândalo por causa das declarações do primeiro-ministro francês, Manuel Valls, sobre qual deveria ser o futuro d Partido Socialista francês. Valls apenas se militou a repetir-se a si mesmo coisas que já antes lhe tinham dado alcunhas como "socialista neoliberal". Agora, por dizer que "é preciso acabar com a esquerda antiquada" e que a sua esquerda é "pragmática, reformista e republicana", apanhou com fortes críticas dos sectores mais jacobinos e esquerdistas do partido, que embora no poder, anda pelas ruas da amargura em popularidade e apoio. Mas o que ele disse nem sequer é original nem mesmo recente. Já em 1993 Michel Rocard afirmava que o PSF era uma instituição a prazo e apelava para a formação de um novo movimento de centro esquerda, o célebre "Big-Bang da política francesa", juntando socialistas, ecologistas, defensores dos direitos humanos, centristas, etc. De certa maneira o que fariam mais tarde os italianos, com o Partido Democrático, ou a direita gaullista e liberal, com a UMP. Mas em França, com o regresso do PSF ao poder, fizeram ouvidos de mercador a Rocard e nunca mais se pensou no "big-bang". Agora, com a sangria de eleitores a rumar directamente para a Frente Nacional, continuam com bizantinismos ideológicos, mas cada vez mais exíguos. E no entanto, a vida partidária em França não é assim tão estática. O próprio PSF resultou de uma aglutinação promovida por François Mitterrand da velha SFIO com algumas formações menores de esquerda, nos anos setenta. Se Valls consegue retomar a ideia do "big-bang" e reformar o vetusto partido de Miterrand, Delors e Jospin (e assim travar um pouco a FN) antes que se torne uma formação menor será um dos desafios mais interessantes da vida política francesa, cuja vertente esquerda, que tal como o país, é pouco permeável a reformas.