quinta-feira, fevereiro 24, 2022

Lições verdadeiras e enviesadas da História

  

Churchill é citado e invocado por tudo e por nada. No momento actual, tanto pode ser usado pelos que recordam que a humilhação da Alemanha levou mais tarde ao seu rearmamento como pelos que lembram que se opôs tenazmente ao apaziguamento a Hitler que originou o Anschluss, a entrada na Checoslováquia e por fim a invasão da Polónia.

A situação actual, infelizmente, presta-se a essas lições da História. Não é preciso aplaudir-se a grave crise por que os russos passaram nos anos noventa, após o fim da URSS, ou concordar com a secundarização do maior país do mundo para se aprovar as acções de Vladimir Putin. É verdade que a Rússia devia ter sido mais apoiada nos tempos da Ieltsin, que a tentativa de cercá-la de países da NATO se mostrou precipitada e que acossar um "urso" ferido revelou-se um grave erro. A isso também se podia acrescentar o reconhecimento do Kosovo como país independente, retirando-o á Sérvia na totalidade gerando uma "Grande Albânia" (até nos ministérios de Pristina se vêm bandeiras albanesas) e criando um estado falhado no coração dos Balcãs.

Nada disso impede que o que se está agora a assistir seja a recriação da teoria do Espaço Vital pela Rússia. Ficou claríssimo quando Putin negou o próprio direito à Ucrânia de ser independente, mas já vinha sendo demonstrado com as tomadas de território ucraniano 2014 e da Geórgia de 2008 (e até antes, como irei apontar daqui a uns dias), além da vassalagem crescente de Lukashenko da Bielorrússia. Sim, talvez Putin não ameace  mundo todo, mas a comparação com a Alemanha de finais dos anos 30 é inevitável, e poderíamos acrescentar outros elementos; como a propaganda desenfreada, não já tanto pela rádio mas por inúmeros canais da net. Acresce que os ataques informáticos, em boa parte vindos da Rússia, estão a tornar-se crescentes em número e perigosidade.

E tal como então não faltam "quintas colunas" no Ocidente a favor de Putin. Em Portugal não serão assim tantas, mas temos à cabeça o inevitável PCP, sempre ao lado dos russos (ou melhor dizendo, contra o Ocidente), para quem a culpa é...da Ucrânia. Certamente pensaram o mesmo da Polónia na invasão alemã de 1939, de tal forma que a URSS entrou pelo outro lado. Mas mesmo fora do PCP encontramos outros idiotas úteis - não por acaso uma expressão atribuída a Lenine e usada para gente que passava a mão no pêlo a regimes destes - que desdenham das democracias liberais, preferindo a alternativa "iliberal", olham para Putin como exemplo de estadista e de "macheza" e não se coíbem de inventar razões para as atitudes do regime russo, mesmo que extremamente enviesadas e amputadas. São os que recordam que a NATO expandiu-se para leste mas esquecem a promessa russa de respeitar a integralidade das fronteiras ucranianas em troca do desarmamento nuclear. Ou que juram a pés juntos que houve um referendo na Crimeia, omitindo que tal "consulta" não obedeceu às regras mínimas (nem observadores teve) ou nem sequer recordando que os chechenos não tiveram essa oportunidade. Ou que a Ucrânia é regida por uma "junta fascista", quando depois da dita junta já houve dois presidentes eleitos. Em Portugal esta gente andará mais dissimulada, mas noutros países da Europa são mais detectáveis, como a srª LePen, que recebeu um generoso empréstimo a fundo perdido de Putin, e outros comparsas. 



É esse o desafio que o ocidente tem pela frente: como travar o passo às ambições expansionistas de Putin, agora totalmente escancaradas, num tempo em que há ONU mas há também armas nucleares? Como obrigá-lo a cumprir a legalidade e a não ameaçar vizinhos? Como demonstrar que a Rússia não pode fazer o que quiser sem consequências e sem que isso leve a uma escalada imprevisível, num Mundo que se habituou a guerras por procuração e por interpostos aliados? Não tenhamos dúvida: é um desafio mais perigoso e exigente do que o dos mísseis de Cuba e dos instalados na RDA nos anos oitenta. E mais uma prova de que este século XXI, depois do optimismo que se viveu nos finais do anterior, está a ser uma desgraça. Começou com um atentado apocalíptico, prosseguiu com a maior crise financeira das últimas décadas, tivemos uma pandemia há dois anos que ainda não acabou e agora esta séria ameaça de guerra. Um primor de século.

PS: já viram a coincidência? Da anterior ocasião em que a China tinha celebrado uns Jogos Olímpicos, a Rússia invadiu a Geórgia. Agora os chineses voltaram a organizar umas olimpíadas, mas de Inverno, e estamos nisto.

PS: enquanto escrevia isto a Rússia invadiu a Ucrânia. Ainda assim, o texto não perde a sua actualidade, antes fica confirmado.

segunda-feira, fevereiro 14, 2022

Santos do dia

Ó vós que celebrais o dia de S. Valentim com florzinhas, versos lamechas e "escapadelas românticas", lembrai-vos que hoje é igualmente dia de S. Cirilo e S. Metódio, que sendo ortodoxos e tendo criado o alfabeto cirílico, são também santos para a Igreja Católica e co-padroeiros da Europa. E em dias como este, em que há sérias tensões, fendas e tambores de guerra na Europa, particularmente na ortodoxa, mais necessário se torna invocá-los.



quarta-feira, fevereiro 02, 2022

Depois das eleições, com duas conclusões

Não vale a pena vir para aqui fazer as análises das eleições porque podem encontrá-las para todos os gostos nos jornais, na TV, no Facebook, nas rádios e podcasts, nos twitters desta vida, etc. Seria uma perda de tempo. Basta dizer que o PS teve uma maioria acima das melhores previsões de António Costa, ganhando totalmente a sua aposta, que o PSD teve um resultado inversamente proporcional às expectativas do PS, que o Chega como tem sido hábito cresceu muito mas sempre aquém das previsões de Ventura e que os liberais cresceram mais do que o objectivo, O Bloco cai com estrondo e vê o seu volátil eleitorado fugir, ao passo que a CDU continua a o declínio inexorável, o CDS fica sem rede e vê um futuro sombrio, o PAN afinal é um epifenómeno de modas e Rui Tavares conseguiu capitalizar a sua imagem para o Livre. Pronto, já está. Eis as minhas reflexões pós eleitorais enquanto deambulava pela zona onde mora o Zé Albino, essa grande figura destas eleições. Não posso é ficar contente com os resultados na sua globalidade.

Mas não é só o CDS que sai do parlamento: outro "partido" histórico também perdeu os lugares. Sim Os Verdes, essa formação que nunca concorreu sem ser na CDU.
E entre os que não tinham representação parlamentar, todos tiveram resultados paupérrimos. Como curiosidade, lembram-se do Aliança? Aquele partido que há pouco mais de dois anos seria o futuro do centro direita e até tinha um senado? Pois ficou em último (o PPM só concorreu nas regiões autónomas) com menos de dois mil votos - conferir aqui. Não admira: o seu mentor, Santana Lopes, única razão para a sua existência, veio declarar apoio a Rio e parte dos candidatos das suas listas apelaram afincadamente ao voto no CDS. Que há três anos, com Cristas, iria crescer como nunca e ultrapassar o PSD, segundo juravam alguns militantes. E o PAN era o futuro.

O cenário político está cada vez mais curto e imprevisível, pelo que mais vale não tentar adivinhar o futuro e quais serão as next big things partidárias. Essa é uma das conclusões que tiro, embora isso já me ocorresse há uns tempos.

A outra é que mesmo uma boa campanha eleitoral pode não decidir nada. O PSD mostrou uma capacidade de mobilização e um entusiasmo que há muito não se viam, ao passo que o PS, tirando umas arruadas no fim, parecia titubeante, com Costa a usar uma táctica numa semana e outra completamente diferente na seguinte.

E dentro desta, uma sub-conclusão: pelo menos nesta eleição, os grandes generais, os ex-líderes partidários, não serviram de muito. Rio teve a seu lado Manuela Ferreira Leite, Menezes e um inesperado Santana desprovido de qualquer pudor. Louçã apareceu a discursar num comício do Bloco. Ribeiro e Castro e Manuel Monteiro apareceram em acções de campanha, sobretudo na arruada final, ao lado de Chicão. No PS, que me lembre, só episodicamente Ferro Rodrigues e umas bocas de Sócrates que apenas repele votos. Nenhum dele acrescentou grande coisa, a avaliar pelos resultados finais.