quinta-feira, outubro 31, 2013

Duas proezas numa manhã


Os feitos de Carlos Burle na manhã de Segunda-Feira são qualquer coisa de assombroso. Todos assistiram ao salvamento da sua colega Maya Gabeira, da qual aliás é o mentor, uma acção em que pôs a sua própria vida em risco, ao enfrentar vagalhões descomunais com uma mota de água, não hesitando em desmontar para agarrar a surfista e impedi-la de ser submergida pelas ondas. Não contente com isso, já depois de Gabeira estar a salvo, Burle decidiu aproveitar o mar agitado e fazer o que sabe melhor: enfrentar as ondas. E tão bem sucedido se mostrou que apanhou uma onda colossal, ultrapassando provavelmente o anterior recorde de Garrett McNamara, obtido naquele mesmo mar da Nazaré, sobre a falha ou "canhão" com o mesmo nome, no passado Inverno. Não é sequer a percepção a olho nu, já há mesmo registos científicos que o atestam. A confirmar-se, seria a justíssima recompensa depois do seu acto heróico, em que arriscou a vida para salvar outra, como se uma qualquer justiça divina lhe tivesse oferecido aquelas vagas. E uma manhã extraordinária para Burle: depois de salvar a vida de Maya Gabeira, cavalgou a maior onda surfada de sempre. Por mais espantoso que seja a marca do segundo acontecimento, fica ainda assim muito aquém do valor do primeiro.
 



terça-feira, outubro 29, 2013

Lou Reed e Portugal

 
A morte de Lou Reed trouxe comoção e encómios de meio mundo, como se esperaria. Reed podia não ser o artista que mais discos vendeu nas últimas décadas, mas era sem dúvida um dos mais míticos e influentes. Desde os Velvet Undergound, grupo apadrinhado por Andy Warhol, ainda ele não tinha trinta anos. O primeiro álbum, mais conhecido pelo "álbum da banana", por causa do desenho de capa, teve escasso sucesso comercial, mas segundo Brian Eno, todos os que o compraram formaram a sua própria banda (Iggy Pop, David Bowie, etc). Passados os Underground, Reed encetaria uma carreira a solo colaborando com toda essa gente, durante décadas. O último trabalho, Lulu, em parceria com os Mettalica, espantou dada a diferença de estilos e não colheu grandes elogios da crítica. Ficará imortalizado por essa influência que teve em meio mundo do pop-rock, mas também por canções intemporais como Perfect Day ou Walk on the Wild Side.
 
Mas Lou Reed também veio algumas vezes a Portugal, à Praça Sony, no tempo da Expo 98, por exemplo, e ao Porto, dando aliás um concerto que inaugurou a Casa da Música. Na altura, Rui Veloso criticou a escolha do música, atitude surpreendente da parte de quem o mencionou no seu primeiro êxito, Chico Fininho (que ia pela Cantareira "gingando ao som do Lou Reed"). Só que as suas letras eram da autoria de Carlos Tê, que escreveu há uns anos uma reportagem (ou conto?), intitulado "um manjerico para Lou Reed" sobre uma vinda do músico ao Porto, nesses inícios dos anos oitenta, em que, desafiado ainda no comboio para conhecer a noite mais longa da cidade, que calhava precisamente naquela sua passagem, Lou Reed embrenhou-se no S. João portuense. Não se sabe se terá sido exactamente assim ou se Carlos Tê ficcionou, mas o que é certo é que no dia seguinte (presumo que a 24), o músico não compareceu ao concerto no velho pavilhão Infante de Sagres, a Serralves, cujos bilhetes estavam esgotados. Alguma razão haveria, e a noite sanjoanina é mais que suficiente.
Lou Reed, R.I.P., e que no teu túmulo, entre outras flores, se depositem manjericos.
 
 

sexta-feira, outubro 25, 2013

O regresso da Casa das Artes (e de tudo o que tínhamos direito)


Ainda sobre o último post, há pelo menos uma razão para que possamos falar não tanto em "novo Porto", mas em Porto renovado, ou renascido, numa sua pequena fracção, ali ao Campo Alegre: a reabertura da Casa das Artes, quase uma década depois do fecho. E não só: além do edifício propriamente dito, da autoria de Souto Moura, que reabre de cara lavada e paredes pintadas com todos os seus espaços e algumas pequenas alterações, pouco perceptíveis, os jardins também foram arranjados e a própria casa Vilar D ´Allen, que em tempos serviu de sede da direcção Regional da Secretaria de Estado da Cultura e que, que me lembre, jamais fora aberta ao público, pode ser vista no seu piso térreo - um edifício Art Deco com uns pequenos traços de cottage inglesa. O conjunto reabre-se assim ao Porto, depois de anos de lamentável abandono e desperdício. Para além de conferências, que aliás já começaram, uma novidade: a parceira com o Cineclube do Porto - essa velha instituição, que já teve mais sócios que o FCP, e que andava bastante deprimida - que passará doravante exibições regulares num dos auditórios. Uma excelente novidade, numa cidade de onde os cinemas saíram quase todos, na mesma sala onde há muitos anos, ainda quase pré-adolescente, vi o filme Aniki Bóbó e a homenagem presencial a Manoel de Oliveira e a vários actores.



 

terça-feira, outubro 22, 2013

Novo Porto ou nova esperança?


Hoje tomaram posse os novos órgãos da câmara municipal do Porto, presidida por Rui Moreira, e da Assembleia municipal do Porto, que terá muito provavelmente à sua frente Daniel Bessa. No seu discurso de entronização como novo Presidente da CM do Porto, moreira não esqueceu Rui Rio (nem António Costa), afirmou querer combater o centralismo com a afirmação municipal, sem contudo revestir-se de um Porto-centrismo igualmente centralista, e vincou a aposta na coesão social na cultura e na economia, de forma a combater o desemprego, ao mesmo tempo que se comprometeu a não desbaratar o capital de rigor deixado por Rio. 
 
 
O acordo feito com o PS de Manuel Pizarro, que garante uma maioria estável, é um óptimo presságio para o futuro e mostra como é possível colocar as cidades - e por extensão, o país - em primeiro lugar, saíndo da esfera limitada dos partidos. Para além disso, deixou em desespero de causa os velhos aparelhos partidários do bloco central portuense, o que só demonstra a pertinência do acordo. Os verdadeiros derrotados das autárquicas portuenses (os partido-dependentes do PS e PSD, mas também a esquerda da eterna reclamação e nenhuma responsabilidade) tardam em engolir o murro da noite de 29 de Setembro. Haverá dissensões, discussões, desacordos, claro, mas nenhuma vereação é homogénea, e ainda menos numa cidade como o  Porto. Não se esperem milagres, mas há esperança nos próximos anos, com as contas "moda do Porto" da gestão de doze anos de Rui Rio.
 
Por coincidência, o título da Time Out-Porto deste mês é "O novo Porto". Claro que não é nenhuma referência à ascensão de Rui Moreira ao edifício dos Aliados, apenas alguns locais de referência novos e que previsivelmente entrarão na moda (Bom Sucesso, Rua das Flores e Largo de S. Domingos, etc), mas tendo aparecido dois dias depois da vitória da lista independente, quase parece de propósito. E também a Visão dedicou na semana passada um artigo de capa ao "novo Porto" e ao "Recorde de turistas e estudantes, vida cultural e artística impressionante, uma movida noturna nunca vista, gastronomia de top, prémios e distinções".
 

Não sei se o Porto está na moda ou se há "um novo Porto". Não está com certeza a caminho de uma era de ouro ou de "leite e mel", porque os tempos não estão para euforias desmedidas e o estado do país (e da Europa, já agora) é inquietante. Mas é lícito que tenhamos alguma esperança nos próximos quatro anos. Há um grupo de pessoas, à frente dos destinos municipais da segunda cidade do país, sem varinhas mágicas mas com energia, bom senso e seriedade. Esperemos que levem a nau a bom Porto e que tenham o maior êxito na difícil empresa que os espera. E que se o tiverem, "contaminem" o resto do país. Os olhos dos portugueses estão postos nos responsáveis portuenses.

sexta-feira, outubro 18, 2013

Mortes anunciadas de resvés

 
No meio dos epitáfios que todos os dias vemos de personalidades mais ou menos relevantes, saltaram-me à vista duas mortes de que só soube vários dias depois e que, embora noticiadas, passaram em modestas colunas dos jornais, sem grandes notas.

Um era António José de Brito, filósofo e professor da universidade do Porto, morto aos 85 anos. Era uma referência para grupúsculos de extrema-direita em Portugal, até porque seria o único fascista auto-classificado em Portugal. Considerava-se "fascista totalitário", ou um "funesto fascista", à original maneira italiana e mussoliniana, em parte monárquico (mas não tradicionalista, como já ouvi não sei onde, senão não seria da direita revolucionária), e publicou um conjunto de obras que fizeram doutrina entre a minúscula extrema-direita intelectual pensante (já que a maior parte, como sabemos, é absolutamente iletrada e bronca e passa mais tempo a com barras de ferro nas mãos do que com livros). Alguém que não tinha medo de se considerar aquilo que hoje em dia é um insulto seria no mínimo um espírito livre, por muito que o modelo político que defendia o negasse.
 
 
Do outro lado do mundo e da ideologia política, e também com uma carreira muito diferente, Vo Nguyen Gap foi um dos maiores cabos-de-guerra dos últimos cem anos. Mero professor de história, desde a juventude que fazia parte de organizações revolucionárias contra a presença francesa na Indochina. Desenvolveu como ninguém as técnicas de guerrilha, e assim combateu os japoneses na Segunda Guerra; mais tarde, comandou os vietnamitas na guerra da independência contra os franceses, que venceria em definitivo, em 1954, na batalha de Dien Bien-Phu, em que apesar de tecnologicamente estar em inferioridade, contava com voluntários em massa, e a sua táctica, que cortou o caminho a eventuais reforços. E nos anos 60 e 70, como comandante supremo das forças do Vietname do Norte e ministro da defesa, seria o mentor da guerrilha dos Vietcong, que apesar das enormes perdas humanas, venceria o muito mais poderoso exército norte-americano e o Vietname do Sul, num conflito que dispensa apresentações, tantas foram as vezes que o levaram às salas de cinema, até à unificação do Vietname sob o regime comunista que vigora até hoje, embora com óbvias diferenças na economia. Depois disso, comandou com êxito a intervenção no Cambodja, que acabou com o hediondo regime dos Khmers Vermelhos de Pol Pot, e ainda resistiu às posteriores retaliações da China. Há tempos vi um referência sua e perguntei-me que idade teria. Morreu há dias, aos 102 anos. Para além de ser um brilhante general (e várias vezes capa da revista Time), Giap, que nem formação militar de base tinha, merece ser também recordado, muito embora fosse a figura mais admirada de um regime tirânico, por ser um dos responsáveis pelo fim dos Khmers Vermelhos, dos mais genocidas que o mundo já conheceu.
 
 
 
Nem Brito nem Giap eram propriamente amigos da liberdade ou da exaltação do ser humano, colectivistas como eram. Ainda assim, paz às suas almas. 
 

A "reforma do Estado" é fechar o interior

 
 
Parece que está previsto o fecho de 11 das 14 repartições de finanças no distrito de Vila Real. Quem conhece, sabe que apesar das novas autoestradas, continua a ser complicado circular em certos locais e em certas alturas em Trás-os-Montes. Mais abaixo, no distrito da Guarda, querem fechar outras dez repartições de finanças, deixando abertas apenas quatro, todas implantadas no Sul do distrito, o que implica que quem viva no Norte do mesmo tenha de fazer dezenas de quilómetros para efectuar um pagamento. Só em Celorico da Beira, pretende-se fechar as finanças, o tribunal e os serviços nocturnos do centro de saúde. Dirá quem viva no litoral urbano, que tem tudo quase à mão, que não pode haver serviços públicos em cada aldeia e que há que racionalizar os recursos. Como elegem pouquíssimo deputados, os transmontanos e beirões não são tidos nem achados. Pergunto-me se alguém disse alguma coisa aos responsáveis governamentais do desenvolvimento regional ou se existem para fazer figura de corpo presente. Tribunais, centros de saúde, postos dos correios, polícia, finanças, em breve provavelmente os próprios municípios (já começaram com as freguesias)...o que é que resta àquelas pessoas? Nada. Se é isto a tão propalada "reforma do Estado", então estamos conversados. Como sempre nestas questões, é-se forte com os fracos: se não der para cortar na despesa, aumentam-se impostos, e se for preciso cortar alguma coisa, vai-se ao interior, onde vivem os "labregos". Nesse caso, é de perguntar se esses "labregos" devem continuar a pagar impostos (ou a ceder os seus espaços benefício do litoral, como as barragens da EDP). Não há que cumprir obrigações se os mínimos direitos são achincalhados. É um princípio com séculos, da mais elementar justiça.
 
PS: outros distritos massacrados serão Bragança (querem fechar nove repartições), Portalegre (doze) e Viseu (dezassete), mas todo por todo o interior, a "reforma" tende a alastrar.

quinta-feira, outubro 17, 2013

Se Machete não mata, mói

 
Já começa a ser demais. Rui Machete entrou para o Governo, para surpresa geral, para levar "cabelos brancos" onde havia uma "confusão de garotos". Mal chegou, provocou logo celeuma com as suas ligações ao BPN e à SLN, que negou sempre, para além da sua controversa passagem à frente da Fundação Luso Americana. Depois, vieram os dados que tinha omitido (a posse de acções da SLN). A tudo isto, chutava para canto com as desculpas da "podridão da vida política" e eufemismos como "incorrecções factuais". E como se não bastasse este cúmulo de vícios bem digna do bloco central de interesses de onde provém (e que aliás simboliza), ainda se desculpou perante os angolanos pelas investigações a altas figuras daquele país feitas pelo Ministério-Público português, curvando-se perante Luanda e violando o princípio de separação de poderes. O que conseguiu? A crítica generalizada em Portugal, novos insultos com óbvio desprezo daquela coisa chamada Jornal de Angola e o anúncio do fim da parceria (seja ela qual for) entre Portugal e Angola pelo próprio Eduardo dos Santos. Ou seja, ainda conseguiu humilhar o país perante a antiga colónia. Eu sei que mudar de MNE constantemente não transmite a melhor mensagem lá para fora (o cargo é quase sinónimo de estabilidade), mas neste caso não há alternativa: Machete tem de ser corrido das necessidades, antes que provoque mais estragos. É uma urgência moral e material.
 
 
 

segunda-feira, outubro 14, 2013

Os refugiados e a Vergonha


E enquanto nos debruçamos sobre a nossa politicazinha interna, os ajustes de contas,os jogos de palavras, as "irrevogabilidades", e as "incorrecções factuais", passou-se mais de uma semana desde o horrível naufrágio de passageiros africanos no Mediterrâneo, a menos de um quilómetro de Lampedusa. Trezentas e cinquenta pessoas, sobretudo eritreus e somalis, grande parte mulheres e crianças, perderam-se no mar. Pelo meio, Barroso e responsáveis italianos deslocaram-se à ilha para prestar homenagens às vítimas, e foram apupados pelos que assistiram a tudo aquilo sem poder fazer nada, para grande surpresa sua. Quem raramente anda fora dos corredores climatizados de Bruxelas talvez fique surpreendido, mas a verdade é que a UE andou este tempo todo indiferente à tragédia repetida dos refugiados que se fazem ao mar - excepto quando Kadhafi lhes servia e fazia de barreira a esses refugiados, mas desde que o poder verde na Líbia se desintegrou que deixou de haver qualquer controlo.
 
 
 
O Papa já tinha chamado a atenção para este problema, em Julho, aquando da primeira visita oficial do seu pontificado, precisamente a Lampedusa. A oportunidade e o simbolismo não foram por acaso. Na altura, viu-se aquilo como uma visita de caridade e pouco se  ligou. Agora, face à magnitude da tragédia, é impossível virar os olhos. Parece que finalmente as autoridades europeias e italianas se decidiram a fazer alguma coisa. Acredito que a voz trémula de Durão depois de ver as urnas dos mortos (e nem todos foram encontrados) fosse sincera, mas tivemos de chegar a um acidente destas proporções para que alguma coisa fosse feita. Entretanto, houve novo naufrágio, igualmente com vítimas, embora bastante menos. Palavras e boas intenções, só por si, não auxiliam os náufragos.
 
O Papa voltou a falar, com a autoridade moral que tem para o fazer, ele que alertou antes de todos para o que se vivia ali. Quando disse que havia temas importantes mas que não podíamos viver obcecados com eles, era disto que estava a falar. Quantas pessoas que dissertaram e se manifestaram a propósito do casamento gay, por exemplo, escreveram alguma coisa sobre o drama dos refugiados?
A situação resumiu-se bem na palavra que o Santo Padre usou para a classificar: "Vergonha". Estamos demasiado ocupados para prestar atenção ao que se passa à nossa porta. Isso sim, devia ser razão de vergonha.
 

terça-feira, outubro 08, 2013

Facciosismo opinativo ou incompetência jornalística?

 
A questão da falta de isenção jornalística e da ausência de critérios voltou a marcar os últimos dias, e a blogosfera não tem deixado o caso por mãos alheias: segundo Ribeiro e Castro, a Caminhada pela Vida, uma manifestação em defesa da Vida contra as regras actuais que regulam o aborto, teve a participação de perto de duas mil pessoas, mas ao que parece, exceptuando a Renascença, nenhum órgão de comunicação social se lembrou de noticiá-la, optando por um pedregoso silêncio. Ao mesmo tempo, a manifestação dos "Que se lixe a Troika" teve ampla difusão dos media, embora só tenha tido trinta participantes, mas como ululavam, pugnavam por "causas justas", gritavam slogans circunstancialmente correctos e ainda tiveram a benesse de um deles ser detido. Depois fica a ideia sempre abusiva de que uns falam em nome "do Povo" (como se houvesse um grupo específico que pudesse representar toda a população) e que outros nem sequer existem. Critérios...
 
Mais patético ainda parece ser esta situação descrita no Corta-Fitas: o Diário de Notícias mostrando uma vintena de saudosistas da 1ª República a homenagear os revolucionários de 1910, enquanto que lá atrás passa a Marcha pela Vida...que não tem a menor referência no jornal (ainda por cima a redação é mesmo ali em frente). Os repórteres estariam demasiado distraídos ou não falaram da marcha voluntariamente? Em qualquer uma das hipóteses, incompetência ou facciosismo, trata-se de jornalismo de novela, sem critérios editorais que o guie e que nem ao menos sabe disfarçar as  gaffes. Mais do que tendencioso, é puramente anedótico.
 
 

segunda-feira, outubro 07, 2013

Aguiar-Branco, o McCarthy do PSD


Os pedidos de ajustes de contas no PSD depois da derrota (e particularmente das humilhações) das autárquicas revelam-nos o que de pior há  na política partidária. E de quem à partida não imaginaríamos. Enquanto Passos Coelho e Marco António assobiam para o ar para mudar de assunto, Aguiar-Branco pede sangue e atira-se aos antigos compagnons de route com uma fúria raivosa que não se lhe conhecia. Para o Ministro da Defesa, há que punir «"aqueles que estiveram na sombra a apoiar os adversários do partido”, numa alusão a Rui Rio, e os que “escreveram artigos contra a lei de limitação de mandatos”, numa indirecta a Paulo Rangel», além de que "censurou Rui Rio, Paulo Rangel e Valente de Oliveira por não terem apoiado Luís Filipe Menezes no Porto, que registou a maior derrota do PSD desde 1976". Ou seja, o actual titular da defesa (e ex-candidato à presidência da assembleia municipal do Porto) vai atrás não apenas dos que estiveram noutras candidaturas que concorreram com o PSD, mas também de supostas conspirações "na sombra" e ainda daqueles que expressaram uma posição jurídica própria (e com moral para isso). Se no primeiro casos ainda se aceita, mesmo que revele uma notória falta de pluralismo, no outro mostra uma sanha persecutória, e acima de tudo uma total intolerância com "delitos de opinião" jurídicos. Recordo que é um ex-Ministro da Justiça, que já teve importantes responsabilidades na Ordem dos Advogados, que tem este comportamento digno do Senador McCarthy (para não dizer pidesco), ou soviético, como o acusaram.
 
Ainda podia admitir que se tratasse de uma reacção à rasteira que Rangel lhe pregou nas anteriores eleições à liderança do PSD, mesmo que da pior forma (punir por uma divergência jurídica) e reveladora de um imenso rancor. Mas o cúmulo da deslealdade é atirar-se desta forma a Rui Rio, que sempre esteve ao seu lado, e que inclusivamente foi a única figura de primeiro plano do partido a não o abandonar na dita eleição para a liderança laranja. É difícil imaginar  um comportamento mais viperino. Não poupa, pelo caminho, Valente de Oliveira (que deve estar preocupadíssimo com o assunto), e calculo que diga o mesmo de Miguel Veiga, o homem com quem estagiou e que o levou para a política.
 
 
Mas porque é que o habitualmente pacato Aguiar-Branco se revela de repente mais passista que Passos? A única explicação é a de que está a ver o futuro do Governo (e do PSD) negro, e não quer deixar de assegurar o seu lugar como deputado, se possível como cabeça de lista no Porto. Mas esta sanha contra os "traidores" e quem pense pela sua cabeça, mais própria do PC ou de um grupúsculo extremista do que de um partido democrático e supostamente pluralista, mostra bem o desvario do ministro da Defesa, aliás a revelar-se absolutamente medíocre, com a questão da privatização às três pancadas do estaleiros de Viana e a absurda ideia de juntar o Colégio Militar ao Instituto de Odivelas, acabando na prática com esta instituição de séculos. Revelada a nulidade política que é, sem o menor peso eleitoral, restará a Aguiar-Branco um lugar nos bancos traseiros do Parlamento, murmurando "apoiados" e pouco mais.

sexta-feira, outubro 04, 2013

E o problema arrasta-se

 

A derrota no Parque dos Príncipes é deprimente não pelos números nem pelos pontos, porque já se sabia que este PSG não somente tem fundos sem fundo para fazer compras e que Ibrahimovic, Lavezzi e Cavani juntos são aterradores, mas é enfim uma equipa entrosada; o que aflige é a exibição apática, sem chama, própria de amadores, que já se tinha verificado contra o Belenenses. O problema do Benfica não são os erros de arbitragem e as lesões (que existem e não ajudam): o problema é o estado de depressão que vem da época passada, contaminou os reforços e faz com que, segundo a imprensa desportiva o confirma, a relação entre os jogadores e Jorge Jesus seja tensa. Quando um treinador não tem o balneário consigo, os maus resultados são uma certeza. Confirma-se que Jesus é o problema, e não a solução, e que o prazo de validade se esgotou no fim da época passada. Só que a resolução desse problema vai-nos custar caro. Seria bom tentar salvar o que ainda pode ser salvo e começar já a pensar a sério na próxima época. Isto se Vieira não estiver tão agarrado ao poder que prefira afundar-se lentamente e prejudicar o clube a reconhecer os seus erros...ou a sair pelo seu próprio pé.

quinta-feira, outubro 03, 2013

Rescaldo autárquico (global)

E vamos agora aos resultados das autárquicas fora do Porto. Ouviram-se muitas análises, mais ou menos a quente, muitas absolutamente divergentes, algumas totalmente desconexas.

O PS ganhou. Não há que relativizar nem camuflar. O PS é o vencedor destas eleições e muda assim o ciclo de doze anos, em que normalmente o panorama camarário dá uma volta - tinha sido assim em 1989 e 2001. Ganhou em Lisboa com uma maioria inédita para um só partido (eu sei que a vitória é de António Costa, mas que eu saiba ele ainda é do PS, e seria bom não esquecerem os movimentos de Helena Roseta e Sá Fernandes), reconquistou Sintra, Gaia, Gondomar e Valongo (para quem não reparou, voltou a ser o partido dominante no Grande Porto), conquistou pela primeira vez Vila Real e o Funchal (com uma larga coligação), e teve um resultado no Porto que não envergonha. Como as autárquicas são uma infinidade de eleições, também teve alguns desaires de monta, como a Guarda, Braga (finalmente), e sobretudo as que perdeu para a CDU: as capitais distritais Évora e Beja, a populosa Loures, Grândola, Alcácer, etc. No cômputo geral, é uma vitória clara - ganha metade das câmaras - mas não tem muitos mais votos que o PSD. E o aviso dos independentes também se lhe aplica. Nos próximos 12 anos deverá ser o partido maioritário nas autarquias.
 
O PSD perdeu com estrondo. Perdeu o Porto de forma humilhante, Sintra, Gaia (aqui perdeu cerca de 40 pontos em relação a 2009), Vila Real, Coimbra, Funchal, e nos grandes centros urbanos, a começar por Lisboa, teve resultados anedóticos, mesmo em coligação com o CDS. Símbolos maiores da clara derrota foram o Porto, para onde Menezes tinha deslocado mundos e fundos, e a Madeira, onde o jardinismo se esboroa a olhos vistos e da totalidade das câmaras passa a apenas quatro, perdendo mesmo a capital regional. De conquistas de registo temos a Guarda, desde sempre do PS, e Braga, onde Ricardo Rio conseguiu à terceira tentativa acabar com o feudo de Mesquita Machado e herdeiros. Manteve ainda capitais de distrito onde o anterior titular se retirava (Bragança. Aveiro, Viseu, Santarém, Faro, Ponta Delgada). Não sei quais os "efeitos nacionais" que se podem retirar daqui, mas de certeza que não são muito bons.
 
A CDU faz lembrar aquele exemplo do relógio parado que acerta duas vezes ao dia. Depois de tantos anos a afirmar que "os objectivos foram cumpridos", teve enfim toda a razão: ganhou inequivocamente e atingiu os seus grandes objectivos: subiu em votos e mandatos e reconquistou câmaras emblemáticas, como Évora, Beja, Loures e Grândola. Voltou a dominar o Alentejo e a margem Sul do Tejo, afirmou-se novamente como uma poderosa força autárquica, meteu o Bloco no bolso e rejuvenesceu o eleitorado e os candidatos (se bem que tenha recorrido a alguns "dinossauros"). A acompanhar com atenção.
 
O CDS pode esboçar algum pequeno sorriso, mas longe da euforia de Portas e do "penta". Travou um declínio até agora imparável, descolou da única câmara que tinha, conquistando cinco, aumentou a influência nas ilhas e acompanha o PSD nalgumas vitórias de coligação. Mas ao mesmo tempo partilha com os "laranjas" algumas derrotas humilhantes, e em termos de votos nacionais subiu pouquíssimo. E olhando mais de perto, teve votações residuais, quase invisíveis, em autarquias que tem tempos dominou (Bragança, Vila Verde, Paredes, S. João da Madeira). Tem uma quota parte de mérito na vitória de Moreira, mas menos do que o que quiseram fazer crer. Já não é o partido de uma câmara só, mas está ainda muito longe de voltar a ser uma força local a sério (como a CDU).
 
O Bloco confirma-se como agregador de votos urbanos nalguns nichos específicos. Municipalmente, vale quase nada. Ninguém está interessado em atitudes de protestos e propostas fracturantes para resolver os problemas locais. Por isso perderam Salvaterra e nem o "coordenador" conseguiu entrar na vereação de Lisboa, mais uma vez. Deve ser a maldição de Sá Fernandes. No Porto, outro resultado decepcionante, e nem os movimentos que apoiaram em Braga e Coimbra tiveram grande êxito. Comparativamente com a CDU, fazem figuras de anões. Não adianta falar na "derrota do governo", até porque nas explicações para o desastre meteram os pés pelas mãos.
 
Os independentes, guindados pela sucesso de Rui Moreira (mas também pelos casos de Matosinhos ou Portalegre) ganharam um enorme destaque. Já não era sem tempo. Já lá vai o tempo em que os partidos se julgavam donos e senhores dos votos e das câmaras, mas aparentemente nem todos entenderam isso.
 
Gostei: obviamente da vitória no Porto da candidatura, que apoiei e na qual quase ninguém acreditava no início; das mudanças em Vila Real (desde 1976 nas mãos do PSD, e a que o meu Avô presidiu no tempo da outra senhora) e Braga, do triunfo de Guilherme Pinto em Matosinhos e do terramoto na Madeira. Não gostei da vitória dos Isaltinos em Oeiras e da derrota do PSD em Caminha (o candidato parecia-me um homem sério). Bem vistas as coisas, foram umas boas eleições.
 
Momentos que ficaram da noite: Guilherme Aguiar e CAA a reivindicarem ambos terem sido a escolha pessoal de Luís Filipe Menezes e a histeria em volta de Isaltino, que levou uns quantos perturbados a irem vitoriá-lo junto aos muros da prisão.