A desgraça do Boavista A decisão da Comissão Disciplinar da Liga acabou por ser arrasadora para o Boavista: a descida de divisão. Depois de todos os problemas financeiros, ameaças de rescisão e de insolvência, épocas sem ir à UEFA e Sérgios Silvas, só faltava esta machadada, a anteceder a inevitável pázada de terra que provavelmente será o destino dos axadrezados. Sem meios para acudir às suas inúmeras dívidas, o clube, se os eventuais recursos nada alterarem, tem o destino traçado, graças às manigâncias dos Loureiros.
Um cenário em que o xadrez se torna apenas negro e que me entristece muito. Cresci com a convicção de que o Boavista era o quarto grande, e por influência de familiares e amigos ganhei apreço pelo clube, aliás perto da minha casa. Aprendi a jogar lá ténis e refiz-me sócio anos mais tarde, quando pela primeira vez a armada do Bessa jogou na Liga dos Campeões (estreando-se com um embaraçoso 0-3 em casa, frente ao Rosemborg). Vi jogos memoráveis, uns contra a equipa da casa, em que o meu Benfica venceu categoricamente, e outros apoiando os do Bessa. Lembro com saudade os jogos contra o Sporting em 96, que ditaram a saída de Queirós, em 97, na meia final da Taça, em em 2001, o jogo chave do título desse ano; contra o Porto, em especial em Janeiro de 2001, no dia em que se inaugurava a Capital Europeia da Cultura, em que o Boavista ganhou o primeiro lugar que não mais largaria; exibições fantásticas contra o Borussia de Dortmund, o Kiev, o Hertha de Berlim, o golão do meio do campo de Mário Silva ao Feyeenord, o enorme roubo frente à Roma, o massacre do Manchester United e a desilusão com o Celtic, nas meias finais da UEFA. E o jogo com o Aves, em que o Boavista se sagrou campeão e desfilou avenida abaixo, em que o público invadiu o relvado, boavisteiros e não só, abraçando-se, levando pedacinhos de relva, festejando efusivamente um campeão novo em folha.
Também me lembro do velho Bessa, do pião, do Topo Sul onde ficavam os Panteras Negras, das bancadas laterais com telhado de zinco, por cima da qual, no prédio atrás do Dallas se viam alguns mirones, ou por onde fugiam algumas bolas mais altas. E da construção gradual do novo estádio, o primeiro a ser começado e o último a ser inaugurado, com um jogo contra o Málaga, ou do Jogo das Estrelas, de Figo, Zidane, Schumaker e companhia, numa bancada ainda sem cadeiras.
Tudo isso me enche de saudade das noites e tardes do Bessa. Revolta-me o laxismo de vários anos, o chico-espertismo do Major, que continua impune, a hipocrisia e parcialidade de Nuno Cardoso, que deu dezenas de milhões de Euros ao Porto e uma migalha aos axadrezados para a construção dos respectivos estádios, a ingenuidade a roçar a estupidez dos dirigentes actuais quando um qualquer Sérgio Silva acenou com cheques de brincar, e os pesos e medidas diferentes para os castigos aplicados.
A possível descida de divisão do clube ainda é o menos: com algumas ajudas financeiras, seria apenas algum tempo no inferno, antes de regressar à divisão maior. O problema são as ciclópicas dívidas e a falta de investidores de peso que ajudem a aliviá-las. Da CMP nada virá, já que o boavisteiro Rui Rio não está para aí virado. Os salário em atraso (alguns funcionários não recebem há coisa de um ano!), as dívidas a outros clubes, ao fisco e à segurança porão provavelmente um cheque mate ao Boavista tal como o conhecemos. A SAD declarará falência, o clube fará ligeiras alterações da sigla e terá de recomeçar do zero, das distritais. Com a popularidade que apesar de tudo conserva, galgará em poucos anos os diversos escalões nacionais, tal como teve de fazer nos anos sessenta, em que andou pela terceira aos chutos no pelado campo do Bessa, onde toda a vida jogou. Voltará ao escalão maior e à Europa do futebol, recuperar as memórias das equipas das "camisolas esquisitas" que chegaram a provocar espanto e temor nas competições da UEFA.