quarta-feira, abril 30, 2008

Turville e Dibley


Na última (e fabulosa) obra de Ian Mc Ewan, Na Praia de Chesil, tentei imaginar como seria a campestre aldeia de Turville, berço do protagonista Edward Mayhew. Só me veio à memória, como exemplo de pequeno povoado inglês no meio de campos verdes, capelas góticas e velhos lordships, a fictícia Dibley, cenário da série de britcom sobre as desventuras da vigária da aldeia e dos seus hilariantes (e algo representativos da sociedade rural britânica) moradores.

Qual não é o meu espanto, ao tentar saber mais coisas sobre Turville, ao descobrir que a aldeia do livro é mesmo a Dibley da série, com outro nome! Tal como eu a havia imaginado. Coincidência incrível ou sinal de que a velha "Inglaterra verde" está muito mais restrita do que pensava?
O caos laranja
Imagem retirada do Abrupto


Gostava de ter postado mais sobre a situação interna no PSD, mas desisti. A toda a hora e momento vem mais uma novidade, surge um novo candidato, divulga-se mais um apoio. É o caos laranja. As agências noticiosas e de faits-divers devem esfregar as mãos de contentes.

Com o avanço de Manuel Ferreira Leite, as coisas pareciam ter tomado um rumo, tal é a aura sebastianista da temível ex-ministra. Aguiar Branco desistiu logo, e Passos Coelho parecia ser um actor secundário (para não falar de Patinha Antão e Neto da Silva, simples figurantes). Mas eis senão quando Alberto João, himself, entra em cena, apoiado pelas distritais do Porto, Lisboa e Algarve, chefiadas pelas promessas de cacique Marco António, Cruzeiro e Bota, outro eterno pantomineiro laranja. A coisa começou a tomar ares de ópera bufa. Finalmente - e quem mais poderia ser? - o Menino-Guerreiro Santana Lopes, não contente com o lugar de chefe da bancada parlamentar, decide pela enésima vez candidatar-se à liderança, movido pelo eterno bicho que o levou a tantas candidaturas e ainda mais abandonos de projectos a meio. Motivo? "Portugal", claro está. De ópera bufa, passámos a teatro de revista do mais puro. Talvez seja a antiga promessa de reabilitar o Parque Mayer.
Jardim parece andar a gozar com tudo e todos. Amuou, voltou ao palco elogiando Santana, depois pediu aos militantes para não votarem em nenhum, proferiu novas afirmações ambíguas, etc. Num par de dias rivalizou com Menezes no dito por não dito. Entre as várias frases costumeiras, disse que estava "ideologicamente próximo de Santana". De que ideologia falará ele? Do tão propalado liberalismo? Impossível, com o peso do sector público na Madeira e o Governo Regional a imiscuir-se em tudo o que é crítica ao seu desempenho. Só se for nas off-shores. A social-democracia é algo musculada, e Santana nunca deixa cair o PPD. Conservadorismo? Uns laivos. Mas do que se trata mesmo, e ninguém disse em voz alta, é de populismo, tão bem simbolizado nas festas do Chão da Lagoa e no festivamente anunciado fim da crise económica por Lopes naquele período insano em que presidiu o executivo. O velho populismo que, mais do que qualquer outro partido, corrói o PSD, essa agremiação outrora comandada por uma elite liberal e com sentido de estado, mas que contou sempre, na sua maioria, com boa parte do aparelho de estado herdado do Estado Novo, os seus regedores locais e todas as classes sociais nele representadas.

E agora? Ferreira Leite ainda parece a mais bem colocada, mas as famosas "bases" podem reservar-lhe outra sorte. Ademais, nem todos se esqueceram com a nossa Dama de Ferro à lusitana teve um percurso aos altos e baixos nas finanças, com escasso sucesso, e que anteriormente tinha sido a Maria de Lurdes Rodrigues do seu tempo. Passos Coelho tem o problema da inexperiência e da visibilidade de cargos políticos de relevo, e não será certamente a presidência da Assembleia Municipal de Vila Real a dar-lha. Antão e Silva terão os seus minutos de fama em congresso. E do referido sector populista? Tenho as maiores dúvidas em acreditar que Jardim avance. Como não é parvo, sabe que fora da Madeira terá todas as dificuldades em se afirmar, e que lhe farão a cama por trás. Sem compreender o mundo que o rodeia como sempre, Santana é bem capaz de ir até ao fim, mesmo que não tenha mais apoios que Gomes da Silva e um ou outro iludido ou santanette. Ainda assim, mas também prevendo os escassos apoios de Lopes, continuo a pensar que Menezes não prolongará assim tanto as suas férias e que ainda terá os seus trunfos na manga. Até fins de Maio ainda vai correr muito sumo de laranja.

quinta-feira, abril 24, 2008

Dia Mundial do Livro

(e do Direito de Autor, para sermos literariamente correctos)

A razão? Uma velha data, da qual não há certezas, mas que pode ter sido, incrivelmente, um dia de luto para a literatura mundial: a 23 de Abril de 1616 morreram Miguel de Cervantes Saavedra e William Shakespeare.














Por vezes dão-se estas coincidências. Pois não desapareceram Bergman e Antonioni também no mesmo dia?

domingo, abril 20, 2008

Personalidades marcantes
Ainda a recuperar de uma noite longa e festiva nos arredores de Santa Maria da Feira, tento ver se há novas candidaturas à liderança do PSD e confirmo os que já avançaram. Aguiar Branco e Passos Coelho já se apresentaram à chamada. Dois nomes de quem não se sabe exactamente o que esperar, porque não sendo objectos regulares da procura dos media nem oradores particularmente efusivos ou mesmo talentosos, também não se lhes conhece muito bem as ideias.
Mais espantoso é o nome de Neto da Silva, cujo currículo político apresenta uma passagem pelo governo de Cavaco como Secretário de Estado do Comércio Externo, e que entre outras ideias de estalo quis construir uma torre moderníssima e altíssima para escritórios e centros de reunião, em plena margem do rio Minho, perto de Cerveira, entre a água, os campos e a serra. Não seu que hipóteses é que ele pensa que tem. Para o grande público, e provavelmente para as "bases" do PSD, o seu nome não deve dizer nada. Para mim, que já joguei futebol contra ele, posso considerá-lo uma personalidade particularmente "marcante". Espero que a sua estratégia seja menos perigosa para os adversários políticos do que para os do campo.
Pelo correr dos dias teremos oportunidade de ver mais nomes dos 834 que vão concorrer às directas. Patinha Antão mostra-se igualmente interessado. E ainda falta o mais esperado: Menezes. Será que o Benfica vai seguir os passos do PSD, dadas as semelhanças das respectivas situações?

sábado, abril 19, 2008

Alberto João Jardim acha que o PSD não pode ser dirigido por Aguiar Branco porque ele pertence à "alta burguesia do Porto", e o seu partido tem "raiz popular". Acho que Sá Carneiro concordaria totalmente com ele, contra a tal "burguesia do Porto", assim como Miguel Veiga.
A não-surpresa
A demissão de Menezes pode espantar nos primeiros segundos. "Então o homem está lá há meia dúzia de meses, promete grandes feitos,e agora via-se embora?" Mas quando se começa realmente a pensar, conclui-se que tudo aquilo bate certo. não há político mais incoerente, troca-tintas e impulsivo em Portugal do que Menezes. É certo que a coerência não é das maiores virtudes da classe, mas o ainda líder do PSD é um portento desse vício. Desde que disse que Gueterres de devia demitir (como demitiu) e meses mais tarde considerou tal acto "uma fuga vergonhosa" que isso se tornou claro. Nos últimos tempos nem prestei atenção às suas atoardas, excepto as demonstrações pelos seus subalternos de chicana política da mais baixa, no caso das acusações a Fernanda Câncio, sobretudo pelo patético Gomes da Silva, o genial inventor da "cabala involuntária". Tornaram-se tão comuns que já nem tinham graça.
Como o Menezes líder é igual ao Menezes pré-líder, e depois de ver as declarações de Mendes Bota, acredito piamente que se vai candidatar novamente às directas, com a "vaga de fundo" que Santana Lopes e Ângelo Correia estão já a lançar.

quinta-feira, abril 17, 2008

Reviravolta amarga

A ganhar por dois a zero ao intervalo, em Alvalade, com um banho de bola e os 9 mil (!) adeptos esfuziantes, levamos cinco do Sporting na segunda parte, contra apenas mais um. Eu sei que emoção e incerteza não faltam nestes derbys, mas escusavam de fazer esta figura depois de nos darem esperanças reforçadas. Dirigo-me, claro está, a Chalana e respectiva equipa técnica, que os jogadores cumpriram ordens e deram o que puderam. Não fossem as imbecis substituições e outro seria o resultado. Assim é mais um a juntar a todos os emocionantes Benfica-Sporting e vice-versa. Sempre ficam com alguma margem de manobra perante os 6-3, os 5-0 também para a mesma Taça, e não apenas os inconsequentes 7-1. Cada vez mais a época se aproxima do fim, graças a Deus. Só é pena não irmos à final da Taça. Afinal de contas, já há uma longa tradição de vencer finais do Jamor ao Porto.
As eleições no tempo de D. Camilo



No meu último post faço uma alusão às aventuras D. Camilo. Os livros da autoria de Giovanni Guareschi do padre com sangue na guelra, pároco de Brescello, uma aldeia da Emilia Romagna no vale do Pó, e a sua eterna luta com Peppone, o líder comunista local, de look à Estaline e tão belicoso quanto o seu clerical adversário, são um bom testemunho do confronto no pós-guerra entre a Democracia Cristã e o PCI, numa região marcadamente "vermelha". Os filmes, protagonizados por Fernandel deram-lhes uma cara e ajudaram a imortalizá-los. Conheci tais personagens ainda na adolescência e devorei então todas as obras relacionadas com eles. Anos mais tarde atravessei de comboio aquela região, e, pela descrição dos romances, pude perceber ao de leve o espírito que dela emanava: uma enorme planície, atravessada pelo Pó, barrado por vários diques, atravessada por campos imensos, despontando aqui e ali algumas aldeias, dominadas pelo seu campanário. À volta, um imenso e gelado nevoeiro de Inverno. Aquela região simultaneamente tão populosa e tão isolada era o cenário das aventuras de D. Camilo e das lutas locais entre os dois maiores partidos de então, hoje desaparecidos, cujos herdeiros, em parte, se aliaram. Na altura, não faltavam discursos violentos, e algumas acções envolviam pancadaria a ameaças. A DC tinha o beneplácito papal, e o PC tinha ainda a inspiração de Moscovo.
Lembrei-me disto por causa de um trecho escrito por Pedro Mexia, onde fala das primeiras eleições gerais no pós-guerra, que é pano de fundo dos romances de Guareschi.



As personagens passaram, como o seu tempo marcado pela divisão e pelas recordações das agruras da guerra. Mas não foram de modo algum esquecidas e ornaram-se mesmo atracções turísticas. Hoje em dia, existe em Brescello um museu dedicado a D. Camilo e a Peppone. Até o clube desportivo local adoptou para símbolo as suas efígies.


domingo, abril 13, 2008

Itália: sempre entre dois blocos

 

A Itália vai a votos. Uma banalidade, nos últimos sessenta anos. Como nação unida, raras vezes teve estabilidade: um pouco na República Romana, com alguns imperadores, como Augusto, e na monarquia dos Sabóia - em especial com Mussolini, por razões óbvias. Entretanto, assistiu ao derrube e assassínio de imperadores, às invasões bárbaras, à constituição de pequenos estados, a estar entre os Bizantinos, os Habsburgos e os Otomanos, a suportar Napoleão, e finalmente a unir-se sob a domínio piemontês. Pelo meio houve reinos divididos, ducados e condottieres, repúblicas marítimas e estados pontifícios. Seguiu-se a 1ª Guerra, o estado fascista, a 2ª Guerra e a invasão alemã, suportando a fantoche República de Saló, e depois o parcial referendo que criou a república que não pára de coleccionar governos. Desde o início que a Democracia Cristã e o Partido Comunista se impuseram face aos demais, corporizando uma espécie de luta Vaticano vs Moscovo, de que os livros e filmes de D. Camillo são fiéis testemunhas. A DC, mesmo nunca tendo por si só alcançado a maioria absoluta, logrou sempre coligar-se com outros partidos, como o Liberal, o Republicano, o Social Democrata, e a certa altura, o socialista, quebradas as últimas amarras com o PCI. Ao longo das décadas, uma classe política misturou-se com o estado, envelheceu e corporizou os seus piores vícios. O PCI, arredado por vontade parlamentar, paulatinamente afastou-se da URSS, tornou-se eurocomunista nos anos setenta, e com o fim do Pacto de Varsóvia virou socialista, convertendo-se nos Democratas de Esquerda. Já nos anos noventa, os sucessivos escândalos fizeram enfim ruír a massa governamental e implicaram o fim dos partidos que a compunham. Nasceram então várias pequenas formações democratas cristãs e socialistas, deu-se espaço de crescimento à Liga Norte e ao seu truculento líder Umberto Bossi, e até o neo-fascista MSI, que nos anos setenta tivera um crescimento notório, se dividiu, tendo a maioria comandada por Alessandro Fini criado uma nova formação conservadora.

A maior novidade desse terramoto político foi a entrada da política do boss da comunicação social italiana e presidente do AC Milan, Sílvio Berlusconi, e a criação do seu mediático e audiovisual partido Forza Italia, que logo em 94 levou a melhor ao DS e alcançou o governo. Poucos meses depois da sua estreia política Berlusconi, aliado a Bossi e a Fini, chegava a chefe do governo. Manteve o cargo durante dois anos, até que uma vasta coligação chefiada por Romano Prodi, onde se acantonavam centristas, socialistas e ex-comunistas, o derrotou. Mais cinco anos de Prodi, Massimo D ´Alema e Amato e Berlusconi regressou ao poder. E, em 2006, com a sua Unione, outra coligação que ia dos comunistas aos centristas católicos, Prodi, depois de 5 anos à frente da Comissão Europeia, voltava ao governo. Até à recente dissolução da câmara dos deputados e novo acto eleitoral, que se prevê que será ganho por Berlusconi, pela terceira vez.

O cenário é cada vez mais instável e não há razões para optimismos. A economia cai a pique, há um descrédito quase total da classe política, e a crise social está instalada, com novas reivindicações regionalistas da Liga Norte e com a sintomática crise do lixo em Nápoles, que transformou a bela cidade vizinha do Vesúvio num contentor gigante controlado pela Camorra. Toda a ingovernabilidade das últimas décadas é a principal culpada, evidentemente. Mas depois das fracturas que varreram a antiga classe política nos anos noventa, esperar-se-iam melhoras. Que não aconteceram. Há partidos para todos os gostos em Itália - quem não se lembra do célebre partido de Ciciollina, depois de sair do correspondente ao nosso BE? Por causa do seu sistema proporcional, as câmaras de deputados e senadores está dividida em pequenos blocos que se fazem valer da sua necessidade para obterem as suas reivindicações. São o terror de qualquer governo, e exactamente por isso é que o executivo Prodi caiu. Mais a mais, não houve tempo para referendar uma reforma eleitoral que permitiria uma menor divisão parlamentar e um maior predomínio dos principais partidos, o que contraria Berlusconi e o seu novo partido-coligação, o Partido da Liberdade. Talvez para forçar tais reformas, Walter Veltroni, ex-jornalista, ex-presidente da câmara de Roma e actual líder dos Democratas, o novo partido com inspiração americana que engloba a Oliveira, a Margarida e os antigos Democratas de Esquerda, apresentou-se sozinho, sem coligações ou outros escolhos. No entanto, a incapacidade do governo de Prodi em resolver quaisquer problemas urgentes, até pela camisa de forças ideológicas que tinha, fará com que Sua Emitenzza regresse ao governo.


Berlusconi, nas suas famosas e humorísticas tiradas, já se comparou a Jesus Cristo e a Napoleão. Em qualquer país normal, uma pessoa que diga tais coisas estaria no manicómio. Em Itália, está à frente do governo. Só mesmo em tal nação, ou conjunto de nações transalpinas, é que uma personagem tão odiada e amada, tão ridícula quanto poderosa, é que dominaria a cena política. Duvida-se no entanto que o seu novo partido de direita consiga resolver os problemas que não eliminou em vários anos de anteriores governos. O antigo neo-fascista Fini espreita a sua oportunidade, com paciência, embora esta tenha limites, como já demonstrou. Ao lado, a democrata-cristã UDC, de Buttiglione, já não quer nada com os antigos aliados. E à esquerda, Veltroni sabe que o futuro será seu, agora que se libertou da tralha ideológica e dos anacrónicos pró-comunistas. Não sabe é quando, como Durão Barroso. Nem o que poderá fazer quando um dia chegar ao poder.

quinta-feira, abril 10, 2008

O cinema de luto
O último mês acaba por ser um autêntico velório cinematográfico. Arthur C. Clarke antes da Páscoa. Não sendo um leitor de ficção científica, a sua obra apenas me chegou através do kubrickiano e a todos os títulos magnífico (mas também inquietante) 2001: Odisseia no Espaço. Mais ou menos no mesmo dia uma operação à partida sem problemas levou-nos Anthony Minghella, realizador que tinha ressuscitado os clássicos românticos com O Paciente Inglês, voltado a Itália com o remake de O Talentoso Mr. Ripley, e de que no ano passado nos tinha chegado um interessante Assalto e Intromissão, que não teve a repercussão que certamente merecia.
Agora, e com cinco dias de intervalo, perderam-se mais dois nomes do cinema: Charlton Heston e Jules Dassin.
O primeiro quase dispensa apresentações, tantas foram as vezes que os filmes que protagonizou passaram pelo pequeno ecrã. Conhecido pelos seus épicos, o filme que normalmente se alude à laia de lembrança é Ben Hur, com o qual ganhou o Óscar de melhor actor em 1959. Mais depressa recordo Os Dez Mandamentos, o correspondente à Barragem de Assuão das telas, quase impossível de se ver seguido na totalidade (só consegui uma vez, depois de umas quantas tentativas), obra que deu estatuto lendário e megalómano a Cecil B. de Mille. Nos últimos anos era notícia sobretudo por ser o presidente do controverso American Rifle Association, que defende o uso das armas pelo cidadão comum, na prossecução de um ideal caro aos americanos. Passou pela última vez nas telas como o moribundo macaco do do file de Tim Burton Planeta dos Macacos, remake de um filme de que ele próprio tinha sido protagonista.
Jules Dassi teve um percurso diferente. Nos Estados Unidos realizou vários Film Noir, mas com a política de perseguição McCarthista emigrou para a França e Grécia, onde realizou filmes como Topkapi, e sobretudo Nunca aos Domingos, do qual era protagonista, mas de onde quase se viu arredado pela inesquecível Melina Mercouri, com quem viria a casar anos mais tarde, e pela sua banda sonora retratando a vida popular no Pireu.
Março e Abril "só" nos levaram estas memórias vivas do cinema.

La Lys - um morticínio há noventa anos


Há noventa anos acontecia o desastre (quase anunciado) de La Lys. Nas trincheiras da Flandres, a IIª Divisão do CEP - Corpo Expedicionário Português - sofria uma humilhante e enormíssima derrota. Num só dia, sete mil e quinhentos soldados e oficiais eram mortos ou feitos prisioneiros pela poderosa máquina de guerra prussiana, superior em número, em treino e em equipamento. O CEP, a que alguns previdentes chamaram Carneiros Exportados de Portugal, era composto por soldados mal treinados e armados, com pouca experiência de combate, comandados por uma oficialidade medíocre, habituada aos quartéis, a África (poucos) e à pancada de rua tão comum nesses tempos atribulados. Estavam enfraquecidos pelo tempo e pelas condições a que estavam sujeitos, desmotivados e sem os reforços previstos. Tinham ido em grande parte contrariados, obrigados pela República, que pretendia a todo o custo uma qualquer glória que a legitimasse a nível internacional. Os argumentos eram de que se não se interviesse no cenário europeu se perderiam as colónias para ingleses e alemães, "a importância portuguesa no mundo" e até que Portugal seria invadido. Ou seja, um conjunto de desculpas esfarrapadas para legitimar tal intervenção para além da estrita defesa das colónias, e que aliás era desaconselhada pela Inglaterra, que apenas aí via um estorvo.
O resultado de Afonso Costa, João Chagas e Jaime Cortesão andarem a brincar às guerras é conhecido. Em quatro horas dessa madrugada de 9 de Abril, milhares de mortos abatidos pela artilharia germânica na forte ofensiva comandada pelo lendário Erich Von Ludendorff, pânico generalizado entre as hostes portuguesas, e o avanço rápido dos alemães entre o vazio provocado pelas brechas da 2ª divisão.

Os portugueses foram carne para canhão nesse desgraçada aventura, uma das maiores derrotas lusas a par de Alcácer-Quibir ou Alcântara. Portugal ficou entre os vencedores da Guerra, mas pouco recebeu por isso. Pelo contrário, os gastos deixaram as finanças públicas em estado lastimável, escassearam os bens de primeira necessidade e deram-se revoltas populares violentamente rechaçadas. Curiosamente, morreram quase tantos soldados como em toda a Guerra Colonial. Invoca-se o nacionalismo do Estado Novo para justificar a pesada operação mantida em África. Mas ao menos aí defendíamos o que era nosso e a superioridade militar sobre os insurgentes era evidente. Em La Lys, defendíamos apenas uma noção republicana de nacionalismo enviando uns pobres coitados que mal sabiam disparar uma arma para as horríveis trincheiras, fazer frente a forças imensamente superiores. Uma triste memória e um crime que a República em vão tentou apagar, mas que seria mais um motivo para a sua impopularidade e subsequente queda, em 1926, curiosamente às mãos do comandante dessa desafortunada 2ª divisão do CEP: Gomes da Costa.



Paz às suas almas, desses pobres soldados tombados a 9 de Abril de 1918. Há noventa anos.

Atlântico
A Atlântico está suspensa, desde este mês, por falta de fundos de publicidade. É possível que volte, mas não será certamente fácil. Mas não é uma situação que espante: numa altura em que as publicações em formato papel estão em queda, uma revista liberal-conservadora de pensamentos, ideias e ensaios, com algumas secções de descompressão pelo meio e focada na política, com custo de 4 €uros, jamais teria grande mercado (ironicamente, uma das "damas" de alguns dos seus colaboradores), e se me é permitido, ultimamente o seu grafismo, como aquela duvidosa língua pintada com terceiromundistas bandeiras da CPLP, deixava muito a desejar. Talvez tenha aberto o caminho para outras publicações do género, inclusivamente o seu próprio regresso (lembremo-nos dos consecutivos projectos de Miguel Portas). Durou três anos e já é muito bom. Até lá, teremos sempre o blogue.

quarta-feira, abril 09, 2008

O galo e o ódio

Domingo à noite tivemos uma repetição do Benfica-Boavista do ano passado, desta feita no Bessa. Bolas na barra, duplas defesas impossíveis, bolas acrobaticamente cortadas sobre a linha, e agora até penaltys sonegados por essa incompetência de apito na boca chamada Lucílio Baptista. Um massacre constante do Benfica intervalado pelo penalty que Quim defendeu e por outra oportunidade de golo que os homens de xadrez tiveram em contra ataque, na segunda parte. Um daqueles desafios que se durasse até à alvorada ficaria inevitavelmente em zero-zero. É daqueles actos de feitiçaria de que o futebol é pródigo, e que tão injustamente castigam quem se esforça.
Na véspera, o Porto lá conseguiu o anunciado tri-campeonato com meia dúzia dados aos pobres amadorenses, que ultimamente não sabem o que são salários. A festa pelas bandas do estádio durou até às tantas, mas felizmente, como estava em Lisboa, não dei por nada. Ouvi buzinas, sim, mas por causa das filas de trânsito que entupiam os acessos entre as zonas de Belém e Docas. Ainda assim, e apesar do título estar nas mãos, o presidente da colectividade andrade, acossado pela acusação de corrupção, veio fazer, na inauguração de uma sala portista qualquer, um discurso em que atacou aquilo que considera ser "os vermes" e "o ódio" que "corariam de vergonha e morreriam de inveja" e prometeu o Tetra para o ano. Inconcebível como o tipo que mais "vermes" alimenta e mais ódio espalhou no futebol português continua a fazer-se de vítima e a achar-se acima da justiça, mesmo quando ganha o campeonato mais fácil da sua carreira. Ao fim de vinte e tal anos de carreira de sucesso no futebol português, Pinto da Costa continua com a sua política do "contra tudo e contra todos". Há pessoa que por mais que ganhem, nunca atingirão o mínimo do sentido de grandeza

terça-feira, abril 08, 2008

Lembranças de oitocentos

Não há nada com o velho Eça para mostrar que algumas desgraças não são assim tão inéditas nem "sinais dos tempos" como isso. E que ciclicamente as rebeldias dos discípulos acontecem. A tecnologia é que é diferente.

Um homem magro, com uma testa muito branca e larga, como talhada para alojar pensamentos altos e puros, ensinava, falando das instituições da Cidade Antiga. Mas, mal eu entrara, o seu dizer elegante e límpido foi sufocado por gritos, urros, patadas, um tumulto rancoroso de troça bestial, que saía da mocidade apinhada nos bancos, a mocidade das Escolas (...). O Professor parou, espalhando em redor um olhar frio e remexendo as suas notas. Quando o grosso grunhido se moderou em sussurro desconfiado, ele recomeçou com alta serenidade. Todas as suas ideias eram frias e substanciais, expressas numa língua pura e forte; mas, imediatamente, rompe uma furiosa rajada de apitos, uivos, relinchos, cacarejos de galo, por entre magras mãos, que se estendiam levantadas para estrangular as ideias. Ao meu lado, um velho, encolhido na alta gola dum macfarlane de xadrezes, contemplava o tumulto com melancolia, pingando endefluxado. Perguntei ao velho:
- Que querem eles? É embirração com o professor... é política?
O velho abanou a cabeça, espirrando:
- Não... É sempre assim, agora, em todos os cursos... Não querem ideias... Creio que queriam cançonetas... É o amor da porcaria e da troça.
Então, indignado, berrei:
- Silêncio, brutos!

De A Cidade e as Serras, bem lembrado n´O Cachimbo de Magritte

quinta-feira, abril 03, 2008

Já à disposição do público

Accelerate: o último álbum dos R.E.M.

E também alguns comentários blogoesféricos sobre o novíssimo Opus.

terça-feira, abril 01, 2008

Não é piada de 1 de Abril

Na semana de todos os escândalos desportivos, em que Pinto da Costa foi finalmente acusado de corromper árbitros (provando-se assim que não é omnipotente), o mais bizarro de todos vem-nos de Inglaterra.

Max Mosley, presidente da Federação Internacional de Automobilismo e filho de Oswald Mosley, é o protagonista de uma reportagem do controverso News of the World, porque terá andado numa orgia sado-masoquista com cinco prostitutas num cenário com motivos nazis, a lembrar um campo de concentração e dando ordens em alemão.
Se há escândalos envolvendo criatividade, este é um deles.  A ser verdade, provavelmente o material usado pertencesse ao espólio do seu extremoso pai. Prova-se mais uma vez que quem sai aos seus não degenera.