Aqui ao nosso lado há uma imensa terra, tão fabulosa como diversa. Espanha é o único país com que temos fronteira, e no entanto nem sempre aproveitamos essa porta aberta (sobretudo desde 1986). Há anos que olho para os mapas do país vizinho, fazendo itinerários, organizando jornadas e excursões mentais, listando locais, fazendo contas. Mesmo a Galiza, a região que conheço melhor, ainda me reserva muitas surpresas. Se pudesse, faria umas quinze viagens em Espanha, todas diferentes, e muito ficaria por ver. De quando em quando, lá consigo fazer uma. E há dias percorri uns bons quilómetros, passando em todas as regiões do Norte do país, excepção feita à Catalunha e à costa cantábrica e Astúrias.
Estrada sempre a direito na Tierra de Campos, entre Benavente e Palência, a parte verde do imenso planalto castelhano.
Depois de largas centenas de quilómetros por estrada, com paragem em Logrono, para experimentar os vinhos da Rioja, o objectivo da nossa viagem: o viaduto da futura autoestrada que ligará a Navarra a Jaca, sempre com os Pirenéus ao lado, e que passará sobre as águas da albufeira de Yesa. O terreno ainda está enxuto, mas por pouco tempo. A obra é da autoria de engenheiros espanhóis e portugueses, entre os quais o que me convenceu a ver a nova via naquela paisagem singular.
A pequena aldeia de Sigués ficará separada da albufeira por um dique. Todo o terreno que vemos em primeiro plano será submerso. O que quer dizer que Sigués acabará comprimida entre a água vedada e a montanha atrás, cortada por um estreito vale.
Mais atrás, ou mais para montante, a paisagem em Salvatierra de Escat, nome meio castelhano meio aragonês (suponho eu), já em plenos Pirenéus.
Voltando para oeste, contornando á Álava e Burgos (onde não houve tempo para parar, com pena minha, para finalmente apanhar a catedral aberta, coisa que me escapou noutras ocasiões), regresso a Castela, ou mais precisamente a Léon, com a sua altaneira catedral no centro da cidade, entre o casco histórico e outros monumento com as memórias do antigo reino leonês.
Como a Basílica de Santo Isidoro, onde está enterrado o próprio Santo Isidoro de Sevilha, arcebispo de Sevilha na época do reino visigodo reconhecido como Doutor da Igreja, além de vários reis de Leão, no respectivo panteão. Ali tiveram lugar as Cortes de Leão de 1188, que incluiu representantes populares e da burguesia, menos conhecidas que a Magna Carta, mas igualmente precursoras do que seria o modelo parlamentar e a defesa de direitos fundamentais.
Mais recente mas não menos admirável, a Casa Botines, da autoria de Gaudi, projectada para ser um palacete residencial, mas que se tornaria na sede bancária da Caja España. Note-se à esquerda, em baixo, a estátua ao arquitecto catalão sentado no banco, desenhando o edifício. A meio da imagem, uma barraquinha de propaganda da Union del Pueblo Leonés, um partido regional cujo objectivo maior é formar uma região autónoma separada de Castela, correspondente ao antigo Reino de Leão.
Pormenor do frontão sobre a entrada, com S. Jorge a trespassar o dragão.
Mais a oeste, no meio do planalto leonês e da Maragateria, a antiquíssima Astorga, pequena cidade com uma imponente catedral, construída sobre a sua antecessora medieval. Importante cruzamento na época dos romanos (como comprovam os marcos no Gerês, que indicavam as distâncias entre Bracara Augusta e Astúrica Augusta), recuperou importância na Idade Média com o Caminho de Santiago. Aqui morreu o Conde D. Henrique, pai do fundador. A catedral tem traços arquitectónicos até Séc. XVII, visíveis nas torres. O templo impõe-se sobre a cidade, mais ainda pelo facto de em frente quase não haver praça.
Ao lado, outro das raras construções de Gaudi fora da Catalunha: o palácio episcopal, hoje Museu dos Caminhos de Santiago, um edifício de contos de fadas, ainda sem as linhas curvas que caracterizariam a obra do genial catalão.
O conjunto da Catedral-palácio episcopal
Descendo El Bierzo, para baixo de Ponferrada, e já a caminho da Galiza, Las Médulas. Aquilo que parece uma gigantesca termiteira era na realidade a maior mina de ouro do Império Romano. Uma montanha esventrada que assim ficou, até aos nossos dias, mostrando uma paisagem alucinante no meio dos montes e do verde.