Há coisa de um ano, a Rússia concretizava o plano de se reapoderar da Crimeia. Através da ocupação de pontos-chave por parte das tropas estacionadas em Sebastopol, com a ajuda de reforços vindos da Rússia (que tacticamente escondiam a identificação) e de milicianos locais, cercaram as forças ucranianas estacionadas na península, proclamaram a autonomia da região e organizaram um "referendo" (ou antes, um plebiscito) que resultou na "independência" e posterior anexação pela Rússia. Com pompa e circunstância, e discursos nacionalistas, proclamou-se que "a Crimeia tinha voltado a casa". A Ucrânia reagiu, a maior parte dos países condenou a manobra e não reconheceu a Crimeia como parte integrante da Rússia, mas o certo é que nada mudou e até já avançam os planos para a construção da ponte sobre o estreito de Kerch, que ligará a Crimeia ao resto da Rússia.
Meses depois, iniciou-se a operação que visava subtrair à Ucrânia as suas regiões orientais. As regiões de Luhansk e Donetsk foram em grande parte ocupadas (incluindo as cidades-sede) por rebeldes separatistas, com apoio mal dissimulado das forças russas, e o resto é o que se sabe. Guerra sem fim à vista, apenas intervalada por efémeros cessares do fogo. As regiões permanecem ocupadas pelos separatistas, mais de um milhão de pessoas fugiu para os países da sua preferência, conforme fossem russófonos ou leais à Ucrânia, morreram mais de cinco mil, e destruíram-se infraestruturas quase novas e que tinham tido um custo avultado, como o recentíssimo e moderno aeroporto de Donetsk. E enquanto os combates, que na realidade nunca pararam, não aumentam de intensidade, com a mais que previsível carga dos separatistas sobre a cidade portuária de Mariupol (cuja conquista lhes facilitaria a ligação terrestre à Crimeia), permanece um tensão pouco tranquilizadora.
Entretanto, a Rússia assinou um acordo de integração com a Ossétia do Sul, o que na prática significa a anexação daquele território arrancado à Geórgia.
Ou seja, os efeitos da Revolução de Maidan resultaram não no reforço da Ucrânia, apesar da expulsão dos governantes pró-russos, mas na expansão da Rússia e dos seus títeres, na Crimeia, na bacia do Don e no Cáucaso. Bem pode a NATO condenar todos estes avanços: sem prova de força, nada obsta a que a Rússia efective estas ocupações. Se bem que pode ver a Ucrânia escapar-se ainda mais e tornar-se, a prazo, um membro da NATO. Eis como os despojos daquele país serão divididos.
Enquanto isso, em Moscovo, no último mês, assassinaram o líder político da oposição, Boris Nemtsov, antigo vice-primeiro ministro, junto ao Kremlin, em mais um acto nebuloso e sangrento envolvendo tiros. As suas exéquias fúnebres levaram à maior manifestação contra o governo, bastante superior à que uma semana antes tinha levado à rua os apoiantes de Putin na sua guerra contra a Ucrânia. Nunca antes se tinha visto uma tal demonstração de força contra o "czar" republicano de quase todas as Rússias. Este, embora garantisse que iria proceder a um inquérito para a averiguar a morte de Nemtsov, condecorou poucos dias depois o principal suspeito do assassínio de Alexander Litvinenko, em Londres, em 2006, por envenenamento. Que ocorreu quase ao mesmo tempo e nos mesmos lugares que a tentativa de fazer o mesmo a Yegor Gaidar, o antigo primeiro ministro liberal da Rússia, que escapou por pouco. Ingenuidade ou uma provocação grosseira de Putin?
Assim vão as Rússias e os seus antigos apêndices.
2 comentários:
Com a criação do Kosovo a Europa e os E.U.A. explicaram à Rússia o que era a democracia, o pessoal votava e tal e depois decidiam o futuro.
A Rússia na altura preocupada com a possibilidade de divisão do país esperou...
Posteriormente aplicou a mesma democracia Kosovar na Abcásia e Ossétia do Sul, eleições e calhou Russo.
Em equipa que ganha não se mexe...
Vamos lá testar a democracia Kosovar na Ucrânia...
Olha, na Crimeia dei russo, em Donetsk e lugansk também deu Russo...
E assim anda a "DEMOCRACIA" ou há moralidade ou mamam todos!
Best regards
Jont
Sim, o Kosovo tratou-se de um enorme disparate, como eu próprio escrevi aqui (pode procurar em "Kosovo" para o comprovar). Só que as secessões da Abecásia e da Ossétia do Sul deram-se ainda antes disso, ou seja, o precedente não é kosovar. A curto prazo vou escrever sobre isso.
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