sexta-feira, outubro 31, 2014

Eleições


Este ano está a ser frutífero em eleições. Curiosamente, não há legislativas em Portugal, Espanha, França, Reino Unido, Alemanha ou Estados Unidos. Mesmo assim, é das matérias de que mais se ouve falar em 2014. Só no Domingo houve quatro.

Da Tunísia sei apenas que os liberais seculares terão vencido os islamitas o confronto eleitoral local, o que confirma aquele pequeno país como um dos mais estáveis no Norte de África (ali mesmo ao lado, na Líbia, ninguém sabe quem manda onde). No Uruguai haverá uma segunda volta com o presidente de há uns anos atrás, Tabaré Vasquez, e o candidato do Partido Nacional, e pelos resultados e pela tendência dos últimos anos, o mais provável é o primeiro regressar ao seu antigo gabinete. Pela república oriental pouco mudará.

No Brasil ganhou Dilma, como temia (mas não espanta). Seria sempre difícil que os votos de Marina fossem em número suficiente para levar Aécio Neves ao Planalto. Previsivelmente, Dilma haveria de obter alguns, além das outras pequenas forças maioritariamente de esquerda que se apresentaram às presidenciais no primeiro turno. Mas ao contrário do que se veiculou, sobretudo na dura, e por vezes irracional ao histerismo, campanha eleitoral, não havia simplesmente um bloco de esquerda contra um de direita: ao lado do Partido dos Trabalhadores estava o PMDB, exemplo acabado do partido de centrão sem ideologia com o objectivo único de participar do poder, e o Partido Progressista, partido mais à direita, legatário da ARENA (o partido do poder durante a ditadura). Com o PSDB, acusado por vezes de ser "neoliberal", estavam o Democratas (esse sim, de direita liberal, aliás antigo Partido da Frente Liberal), e o Partido Trabalhista, herdeiro directo do de Getúlio Vargas e um dos "guardiões" do seu legado, e ainda o Partido Socialista, que apoiou Aécio na segunda volta depois de suportar Marina Silva e o malogrado Eduardo Campos.
Dilma terá pela frente uma economia a abrandar, protestos latentes da população, como se verificaram nos dois últimos anos (espera-se para ver o que vai suceder nos Jogos Olímpicos do Rio) e a sempiterna questão da corrupção, não menos importante do que as outras quando os eleitores se estão visivelmente menos tolerantes e que os dois grandes partidos que a apoiam, PT e PMDB, controlam o aparelho de estado. Quatro anos previsivelmente complicados (ou reformistas?), sendo que Dilma não se pode recandidatar. Conseguirá Aécio aproveitar o embalo destas eleições para se guindar à presidência em 2018, ocupando o lugar que o seu avô Tancredo não conseguiu, por morte antes da tomada de posse?


E por fim na Ucrânia, uma grande volta ao anterior cenário, como não podia deixar de ser, na sequência da revolta de Maidan, da anexação da Crimeia e do isolamento de Donetsk e Lugansk. O Partido das Regiões, formação russófona que estava no poder e em maioria no parlamento, nem se apresentou, e o bloco que o substituiu teve resultados modestos (nas zonas onde há mais russófonos teve melhores votações, como seria de esperar). O Partido comunista, visto como quinta coluna da Rússia, quase desapareceu e nem entrou no parlamento. A extrema-direita banderista, com influência sobretudo na rua, também não. E a outrora líder maternalista (antes de ser presa) da Ucrânia, Yulia Timoshenko, teve um resultado decepcionante, pouco mais de 5%, e por pouco também não entrava na Rada. As formações do presidente Poroshenko, do primeiro-ministro Yatseniuk e do presidente da câmara de Lviv, no extremo-ocidental do país, ficaram com a maior parte do bolo. A bússola política alterou-se drasticamente, para oeste. Embora rivais, os partidos vencedores têm sobretudo semelhanças. A Ucrânia voltou-se para a Europa, de costas para a Rússia, confirmando as tendências do último ano. Graças a isso, conseguiu já um acordo para o pagamento do gás natural ao vizinho gigante, mas as questões dos territórios perdidos ameaçam complicar-se. Pelo menos, a retórica de que em Kiev o governo é ilegítimo e que mandam "nazis" já se pode esbater, embora a propaganda pró-russa deva continuar a explorar esse filão por muito tempo.

sábado, outubro 25, 2014

A última réstia de dignidade dos que até na morte são abandonados


Entre a espuma das dias e a informação que se sucede, deve ter passado mais ou menos despercebida uma das mais tristes páginas que li nos últimos tempos. Segundo nos diz esta notícia do Público, a Irmandade da Misericórdia e de São Roque acompanhou o funeral de 86 pessoas, nos primeiros nove meses de 2014. Acompanhou-os porque ninguém mais quis saber deles, ninguém inquiriu sobre a morte dessas pessoas, ninguém reclamou o corpo. Seis delas eram crianças, abandonadas pelos pais ou encontradas já mortas. Quatro permaneceram com identidade desconhecida. As informações são do Instituto de Medicina Legal, que cede os corpos à Irmandade para que possam realizar um funeral condigno, a custas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

A notícia entristece e espanta pelos números de abandono a que são votadas tantas pessoas. Seriam idosos sem família, ou a quem a família não ligava, pessoas doentes na mesma situação, alguns emigrantes ou refugiados, provavelmente, sem conhecimentos em Portugal. E crianças abandonadas ao nascer, ou doentes, cujos responsáveis preferiram abandonar. Em qualquer dos casos, uma enorme desumanidade, ou se preferirmos, uma ausência de humanidade que deixou aquelas pessoas morrer sozinhas, no quase completo abandono.

Buscar culpados no "sistema", no "regime", na "época em que vivemos" ou em qualquer outro contexto qual bode expiatório abstracto, pode ser a primeira reacção. Provavelmente é um pouco de tudo. O egoísmo vigente é enorme, mas pode-se dizer que antigamente era melhor? Talvez se olhássemos um pouco à volta, para casos muito próximos, até descobríssemos situações destas. Por vezes, dá-se mais atenção a um gato do que a uma pessoa. A pobreza material, a suburbanização, a diminuição das famílias com a queda da natalidade, tudo isso são razões plausíveis. Mas antes de mais os responsáveis são pessoas, que por acção ou omissão permitiram que dezenas de humanos tivessem um fim que mais ninguém testemunhou.


"Mais ninguém" não é bem assim. O único aspecto positivo da notícia é saber que há pessoas, as da dita Irmandade, que acompanham desconhecidos à sua última morada, dando-lhes assim uma identidade e uma dignidade que não tiveram quando morreram. Recuperam, nem que seja por breves horas, o estatuto de seres humanos e com personalidade jurídica que os seus corpos, teoricamente, já tiveram. Eis um acto verdadeiramente cristão: devolver na morte a dignidade áqueles que em vida foram negados por todos os outros, rezando pela sua salvação e dando-lhes uns momentos de atenção que outros não lhes deram quando mais precisavam. tentarei saber se no Porto a Santa Casa se presta a tão caridosa e louvável missão.

segunda-feira, outubro 20, 2014

Brincadeiras perigosas



Aquelas cenas patéticas do jogo Sérvia-Albânia em Belgrado representam bem mais do que mero holiganismo. Podem vir daí sanções da UEFA, perda de pontos (para Portugal, no mesmo grupo, até era bom), mas o mal maior será o acirrar ódios entre os dois povos. Não é por acaso que os adeptos albaneses foram impedidos de ir ao jogo, tal como já tinha acontecido com os croatas no ano passado.


As marcas da secessão do Kosovo estão bem frescas. A Sérvia não aceita nem aceitará, por muito difícil que seja, que aquele pedaço de terra faça parte da "Grande Albânia". Que era exactamente o que estava no cartaz transportado por um drone sobre o recinto onde se disputava o jogo, enquadrado pela bandeira albanesa. A "Grande Albânia" comporta o território albanês propriamente dito, o Kosovo, e outras partes da Sérvia, da Macedónia e do Montenegro. Até agora é o único caso de irredentismo europeu do Século XXI que tem tido sucesso.


Claro que os sérvios nunca poderiam aceitar a afronta de ânimo leve. Por isso mesmo o ex-benfiquista Mitrovic tentou arrancar a tarja ao aparelho voador, para fúria dos adeptos albaneses, que por sua vez só aumentaram a ira de todos quanto estavam no estádio, polícia incluída, obrigando-os a correr para os balneários. Mas conseguiram escapar inteiros para serem recebidos em Tirana como heróis, de forma apoteótica.

O problema do Kosovo não terá desenvolvimentos durante pelo menos uma geração. Os autores da piada só ajudaram a piorá-lo. E a suspeita de que poderá ter sido o irmão do primeiro-ministro albanês é outra acha para a fogueira balcânica, que andou sempre bem acesa pela História fora. E quando a Sérvia fora jogar a Tirana? Quem pode prever a reacção dos albaneses ou as retaliações dos sérvios?




sexta-feira, outubro 10, 2014

Um prémio inteiramente merecido




Na sua maioria, os prémios Nobel da Paz são controversos, irrelevantes, politicamente tendenciosos (ou politicamente correctos). Mas o que se atribuiu hoje a Malala, ex-aequo com o indiano Kailash Satyarthi, responsável pelo combate à escravatura infantil na Índia, é inteiramente merecido. Malala Yousufzai, a miúda paquistanesa que ia morrendo às balas dos taliban por resistiu às interdições de ir à escola tornou-se um exemplo contra a absoluta barbárie dos que nem contra as crianças hesitam em disparar, um exemplo qu está a ser seguido naquele desgraçado país. Kailash não o conhecia, mas a sua causa é em tudo semelhante à de Malala. No fundo, dois lutadores pelos direitos das crianças no difícil sub-continente indiano. Os mesmos problemas no mesmo espaço geográfico.

Também o Papa e Edward Snowden eram dados como candidatos ao galardão. O meu voto não iria para nenhum dos dois. O Papa porque não é um mero activista nem a Igreja uma simples ONG, e a busca pela paz entre os homens é inerente à sua Missão. Snowden também não porque embora as suas atenções fosse certamente honestas, colocou os sistemas de segurança dos EUA em risco e a o prémio serviria às mil maravilhas a propaganda russa (recorde-se que Snowden reside em Moscovo) nestes tempos de uma nova guerra fria. 

Por isso é de saudar os membros comité do Nobel: hoje não se enganaram nem premiaram escolhas manhosas. Antes resolveram recompensar quem luta por uma das causas mais nobres.


quinta-feira, outubro 09, 2014

Embate marcado para uma segunda volta






Afinal de contas, nem Dilma Roussef está assim tão segura da reeleição nem Marina Silva chegou a ser o fenómeno que muitos previam. O furacão acabou por se revelar uma brisa nas urnas, pouco acima do que as sondagens atribuíam ao candidato Eduardo Campos antes do trágico acidente que o vitimou, em Agosto, de que a comoção que se seguiu levou Marina a trepar nos números. Só que as sondagens falharam rotundamente: Dilma ganha sem estrondo, Marina é afastada por muito e Aécio Neves fica em segundo, muito mais próximo da "presidenta" do que da evangélica ecologista. O ex-governador de Minas Gerais, neto de Tancredo, há muito o candidato dilecto do PSDB para voltar ao poder que perdeu depois de Fernando Henrique Cardoso, volta a ser o adversário directo de Dilma e do PT. Apesar da popularidade junto de largas camadas da população, do apoio de Lula, da imagem presidencial que Dilma granjeou e de ter afastado nomes ligados a casos de corrupção, a frente anti-petista parece ganhar força. O PS que apoiava Marina já deu o apoio formal a Aécio, restando saber se a própria Marina o fará expressamente.


Mas ninguém duvida que a segunda volta será contada até ao último voto. Poderá o PT, apoiado pelo mastodonte do "centrão" PMDB, ser apeado? A possibilidade não é nada remota. Mas ainda assim, mesmo apoiada por nomes que já deviam fazer parte dos caixotes de lixo da política, como Sarney, Collor ou Maluf, a máquina partidária do PT e PMDB, o domínio dos media e a popularidade que ainda têm em largas camadas da população fazem com que apesar de tudo, Dilma seja ligeiramente favorita, sem quaisquer certezas. Dificilmente os votos que Marina recolheu irão todos para Aécio. Mas, ao contrário do que dizia Rui Tavares por estes dias no Público, não estou tão convencido que o candidato dos "tucanos" tenha perdido a vez: mesmo que não ganhe, se perder por muito pouco, será o favorito para daqui a cinco anos. Dilma já não se poderá candidatar, Lula não o fará certamente, por razões de saúde, e Aécio terá, se tudo correr normalmente, o caminho aberto, até porque o desgaste da governação PT jogará a seu favor. Nada de novo: o próprio Lula perdeu três eleições até chegar à presidência. Mas até pode nem precisar de esperar mais quatro anos.

sábado, outubro 04, 2014

Bustos


Esta questão patética dos bustos dos presidentes na A.R. é em tudo semelhante áquela recente dos buxos, na sua (ir)relevância, na temática ("o branqueamento do fascismo") e até nos nomes e na fonética. Os seus autores tinham de ser os srs. deputados do PCP e do Bloco, acompanhados por alguns do PS, como o triste Lacão e a alucinada Isabel Moreira. Registe-se o comentário do bloquista Pedro Filipe Soares, que mostrou repúdio pelos bustos de Carmona, Craveiro e Tomaz por serem de " presidentes que não foram eleitos". Caso o pobre líder parlamentar do BE tivesse mais alguns conhecimentos avulsos saberia que quase nenhum dos PRs, tirando Eanes, Soares, Sampaio, Cavaco, e, no limite, Sidónio, se viu a ser eleito por sufrágio universal. E é esta amostra que quer ser "coordenador" do Bloco, que já de si estava em mau estado. Se querem ver como é que um partido se suicida, olhem bem para os últimos tempos do BE.

Sobre bustos seria melhor perguntar a opinião aos verdadeiros ao invés de se guiarem pelo histerismo de deputados que não estavam minimamente atentos (ou resolveram faltar) na comissão parlamentar em que se decidiu esta exposição.

quarta-feira, outubro 01, 2014

O sucessor favorito

 
A escolha de Fernando Santos não espantou absolutamente nada nem ninguém. Era o preferido de todos, o nome dele já circulava em toda a parte como sendo o favorito à sucessão de Paulo Bento, é experiente e está sem clube. O único entrave são os oito jogos de suspensão, mas aparentemente há ainda hipóteses de reduzir o castigo nas instâncias desportivas competentes.
 
Mas é possível que se fosse há quatro ou cinco anos esta escolha causasse surpresa. Na altura, Santos tinha tido uma passagem pelo Porto, em que depois de se sagrar "engenheiro do penta" conseguiu perder um campeonato para o Sporting com Jardel no plantel; passou depois pelo mesmo Sporting numa época para esquecer, caindo para terceiro lugar mesmo no fim, e mais tarde treinou o Benfica sem resultados visíveis, ficando a escassos dois pontos do 1º lugar mas sem entusiasmar, acabando despedido (provavelmente cedo demais) no início da época seguinte.
 
 O que provavelmente alterou a imagem deste treinador competente mas sem grande chama foi a carreira à frente da selecção grega. Fernando Santos conseguiu levar uma equipa envelhecida e sem grandes jogadores a um Europeu e um Mundial, e mais ainda, a ultrapassar as fases de grupos contra adversários mais cotados e com imensas adversidades (no Europeu de 2012 começou perdendo 4-1 com a Rússia). Mostrou que é treinador para uma selecção, talvez mais até do que de clube. E a imagem cinzenta a que normalmente o associavam desapareceu, tornando-o favorito nesta sucessão com desfecho previsível. Santos tem agora a missão de fazer o mesmo com a Grécia: colar os cacos da derrota com a Albânia, aproveitar ao máximo uma selecção envelhecida e tentar descortinar novos valores (tarefa para o seu adjunto Ilídio Vale). É difícil, mas é homem para isso. E é sempre bom ver alguém afirmar que tem orgulho em servir o seu país sem que soe a falso nem a estratégia para obter votos.