Sósias ao longo dos séculos
Estava ali a ver uma série na TV sobre Mussolini e lembrei-me da célebre constatação quanto ao cinema da época 2004/2005: este é o ano dos biopics. Não é certamente o caso desta "soap" sobre o Duce, mas tal afirmação só será verdadeira se pensarmos que os tais biopics são os filmes mais visíveis, com mais promoção e mais estrelas (actores/realizadores) envolvidos, já para não falar dos prémios.
Mas o que me espanta mais é o desdobramento de certos actores em personagens várias, completamente diferentes entre si, até fisicamente. O exemplo de Bob Hoskins, que interpreta o Duce, é talvez o mais notório. Observando a sua ficha, reparo que além do líder fascista já esteve na pele de João XXIII, Nikita Krushev (precisamente o contemporâneo oposto), só para referir os que sabia, e ainda de Noriega, Jonh Edgar Hoover, Laventry Beria. Na mesma série, Sir Anthony Hopkins é o conde Ciano, figura grada do fascismo e genro de Mussolini, mais tarde caído em desgraça. Outro habitué dos biopics, Hopkins, que além de Ciano já foi Ptolomeu do Egipto (em Alexandre, mais um filme do gênero), Picasso e dois presidentes americanos (Quincy Jones e Nixon). Figuras reais que, como é visível, têm tudo a ver uns com os outros.
Um outro corredor de fundo do gênero surge-nos numa estreia desta semana. Geoffrey Rush é agora Peter Sellers (cujos papeis foram tudo menos reais), depois de ter sido o pianista David Helfgott, o que lhe valeu um Óscar, o Marquês de Sade e Trotsky. Neste último caso, também inserido num biopic, Frida, pode-se ver Salma Hayec como Khalo, Alfred Molina como Diego Luna e, como amante deste último, a italiana Valeria Golino, que também já entrevi como Calpurni, a tão citada mulher de César.
Também amante do ecletismo real na sétima arte é Gary Oldman. O actor britânico tornou-se conhecido pelo seu papel de Vlad Tepes (sim, existiu mesmo) na versão de Drácula realizada por Copolla. Antes disso já tinha sido Sid Vicius e Lee Oswald (em JFK), e nos anos seguintes resolveu encarnar Pilatos e Beethoven. Não sei se este último era por saudades de fazer outra personagem "musical", mas é duvidoso, se pensarmos que Sid Vicious seria tudo menos músico.
Há ainda actores que não só não se parecem fisicamente com as figuras que tentam imortalizar como também pouco fazem por isso, apesar da excelência das suas interpretações. Como os meus muito apreciados Jeremy Irons, a fazer de Kafka, ou da "Musa" Cate Blanchett, como Katharine Hepburn (interpretação já aqui descrita), ou ainda no mesmo filme, O Aviador, DiCaprio como Howard Hughes. Ou Peter O ´Toole, que se tornou autenticamente no rosto de T. E. Lawrence - da Arábia - mas que causa estranheza quando o imaginamos travestido de dois Césares, Caligula e Augusto, Conan Doyle e Von Hidenburg. Já Ben Kingsley, como Ghandi, ou Bruno Ganz, como Hitler, no recém-chegado Der Untergang, são o retrato perfeito das reais personagens que interpretam, por muito que isso custe ao segundo.
Mas o campeão dos biopics arrisca-se a ser Liam Nesson. É que depois de ter sido Oskar Schindler, Rob Roy, Michael Collins e Alfred Kinsey, parece que irá reencarnar em Lincoln num projecto de Spielberg. E entre o pacífico sexólogo e o malogrado presidente americano que venceu a guerra civil vai um passo não tão curto como isso.
Garanto que não inventei nenhum destes papeis: eles podem ser facilmente comprováveis no guia do costume.
Seria no entanto curioso pensar nos actores adequados para outras interpretações da vida real. No hipotético filme de Mel Gibson sobre Fátima, por exemplo; veríamos a miudagem que pulula nas novelas da TVI a fazer de Pastorinhos? Nicolau Breyner, que até é conservador, como Afonso Costa? Ou Albert Finney (olha outro que já vi como Churchill e João Paulo II)? E Eunice Muñoz como Irmã Lúcia de Jesus nos seus tempos mais recentes?
Mas a minha proposta é menos canónica e mais entusiasmante: proponho que daqui a uns dois, três anos se faça um filme sobre José Mourinho e o seu sucesso futebolístico, já que se fala na posta de Hollywood no desporto-rei. O técnico sadino poderá ser interpretado por George Clooney, Abramovitch pode ser Edward Norton bem caracterizado, Wesley Snipes como Didier Drogba, Jake Gyllenhaal como Paulo Ferreira, James Woods no papel de Pinto da Costa (se conseguiu ser Giulliani também pode ser o líder Andrade) e Philip Seymour Hoffman como José António Camacho. E ainda Jammie Fox fazendo de Aloísio e Tom Selleck como Reinaldo Telles. Só faltava saber quem ficaria na pele de Vale e Azevedo e sobretudo do célebre Hélder dos Super-Dragões, o autor das simpáticas missivas que deixaram Mourinho muito comovido na final da Liga dos Campeões. Com um treinador que aceitasse o projecto (tanto de se dava ser Eastwood como Ron Howard) estavam criadas as condições para um blockbuster à maneira, que faria o nosso país inchar ainda mais de orgulho e de superioridade.
quinta-feira, abril 28, 2005
quarta-feira, abril 27, 2005
Emoções
Contra as expectativas formadas até às quatro da manhã de Sábado, Ribeiro e Castro subiu à liderança do CDS-PP, derrotando os "vencedores antecipados", o aparelho partidário e a Geração Altis. Telmo Correia acabou por ver a presidência fugir-lhe por entre os dedos, culpa talvez das suas hesitações nestes dois meses e de algum cinzentismo que nunca conseguiu afastar. Deu-me um gozo incrível ver as distritais, essas fontes de boys e de clientelismo provinciano, ficarem às aranhas com o triunfo dos históricos (e já agora por ver que o inefável João Almeida, esse ícone do vazio de ideias, não logrou chegar a Secretário-Geral). As bases preferiram o regresso do velho CDS que a continuidade da linha PP, no que se poderá traduzir de certa forma numa derrota pessoal de Paulo Portas, a caminho da sua voluntária travessia do deserto. E assim veremos à frente dos "centristas populares" alguém que andou lado a lado com Freitas do Amaral e que ficou conhecido pelo seu lugar em Estrasburgo e pela sua polémica vice-presidência no Benfica, em que teve o bom senso de bater a porta na altura certa.
Por falar no Glorioso: vai grande a polémica por causa do jogo com o Estoril. Depois de todas as críticas por causa da mudança do lugar do jogo (que permitiu ao clube da linha arrecadar a sua maior receita de sempre), que não se podia realizar nem no Restelo, nem no Estádio Nacional, ou em Leiria, e muito menos na Luz e em Alvalade, os protestos recaíram no árbitro, porque, como era sua obrigação, expulsou um jogador merecedor de dois amarelos e outro por palavras que só ele saberá quais são. Acresce ainda o facto de o Estoril ter realizado um(!) remate em todo o jogo e de praticamente ter dado mais atenção ás canelas dos jogadores do Benfica que à bola, redondo objectivo de qualquer embate. Os comentários finais da equipa técnica do Sport...Estoril-Praia roçaram o patético, com acusações de que o árbitro"tinha uma camisola do Benfica e chuteiras vermelhas". Com certeza que Litos pretendia que cada pontapé dos seus jogadores fosse alvo de um delicado pedido de moderação por parte do juíz. A propósito, seria bom lembrar que a equipa da Linha é a que mais cartões tem visto ao longo da época, o que ajuda a explicar muita coisa. E que fez a vida negra a Benfica, Porto e Boavista mas perante o Sporting teve estranhos adormecimentos, por muito que o intragável irmão da Drª Manuela Ferreira Leite o negue.
Ah, mas claro: já ouvi a teoria de que os canarinhos teriam feito faltas de propósito para serem admoestrados e terem ficado reduzidos em número. Ou que o Benfica já os teria provocado premeditadamente para colher esses resultados. Brilhante! Brilhante teoria da conspiração, a juntar às restantes 458.
A realidade, porém, é que talvez os adeptos não-benfiquistas (onde se incluem muitos claramente anti-) estejam preocupados com o facto deste ano o jejum poder finalmente acabar. Qualquer outro clube atrairia metade dos protestos que o Benfica fomenta. Assim sendo, temos de nos habituar. Nós e os outros. A simples calúnia e a verdadeira indignação sempre andaram lado a lado.
E só para lembrar: os profetas das desgraças, aqueles que usm como lema "o Benfica está a afundar-se cada vez mais" com um sorriso afivelado nos lábios, também previam que Manorras jamais voltasse a pisar um relvado. E muito menos que já levasse cinco golos nesta altura.
Percorri enfim o interior da Casa da Música. A luz e o brilho são as principais características daquele edifício, cuja real dimensão é bem maior do que aquilo que parece visto de fora. Aguardo um espectáculo com qualidade que não esgote em duas horas para comprovar as condições acústicas (fantásticas, segundo dizem) do gaveto da rotunda da Boavista.
PS: o caríssimo Carlos Loureiro, do Blasfémias, faz uma referência (e acrescenta o respectivo link) de A Ágora. O post provocou ligeiras e pertinentes interrogações nos comentários. Um grande agradecimento ao Carlos deste ponto da blogoesfera.
Contra as expectativas formadas até às quatro da manhã de Sábado, Ribeiro e Castro subiu à liderança do CDS-PP, derrotando os "vencedores antecipados", o aparelho partidário e a Geração Altis. Telmo Correia acabou por ver a presidência fugir-lhe por entre os dedos, culpa talvez das suas hesitações nestes dois meses e de algum cinzentismo que nunca conseguiu afastar. Deu-me um gozo incrível ver as distritais, essas fontes de boys e de clientelismo provinciano, ficarem às aranhas com o triunfo dos históricos (e já agora por ver que o inefável João Almeida, esse ícone do vazio de ideias, não logrou chegar a Secretário-Geral). As bases preferiram o regresso do velho CDS que a continuidade da linha PP, no que se poderá traduzir de certa forma numa derrota pessoal de Paulo Portas, a caminho da sua voluntária travessia do deserto. E assim veremos à frente dos "centristas populares" alguém que andou lado a lado com Freitas do Amaral e que ficou conhecido pelo seu lugar em Estrasburgo e pela sua polémica vice-presidência no Benfica, em que teve o bom senso de bater a porta na altura certa.
Por falar no Glorioso: vai grande a polémica por causa do jogo com o Estoril. Depois de todas as críticas por causa da mudança do lugar do jogo (que permitiu ao clube da linha arrecadar a sua maior receita de sempre), que não se podia realizar nem no Restelo, nem no Estádio Nacional, ou em Leiria, e muito menos na Luz e em Alvalade, os protestos recaíram no árbitro, porque, como era sua obrigação, expulsou um jogador merecedor de dois amarelos e outro por palavras que só ele saberá quais são. Acresce ainda o facto de o Estoril ter realizado um(!) remate em todo o jogo e de praticamente ter dado mais atenção ás canelas dos jogadores do Benfica que à bola, redondo objectivo de qualquer embate. Os comentários finais da equipa técnica do Sport...Estoril-Praia roçaram o patético, com acusações de que o árbitro"tinha uma camisola do Benfica e chuteiras vermelhas". Com certeza que Litos pretendia que cada pontapé dos seus jogadores fosse alvo de um delicado pedido de moderação por parte do juíz. A propósito, seria bom lembrar que a equipa da Linha é a que mais cartões tem visto ao longo da época, o que ajuda a explicar muita coisa. E que fez a vida negra a Benfica, Porto e Boavista mas perante o Sporting teve estranhos adormecimentos, por muito que o intragável irmão da Drª Manuela Ferreira Leite o negue.
Ah, mas claro: já ouvi a teoria de que os canarinhos teriam feito faltas de propósito para serem admoestrados e terem ficado reduzidos em número. Ou que o Benfica já os teria provocado premeditadamente para colher esses resultados. Brilhante! Brilhante teoria da conspiração, a juntar às restantes 458.
A realidade, porém, é que talvez os adeptos não-benfiquistas (onde se incluem muitos claramente anti-) estejam preocupados com o facto deste ano o jejum poder finalmente acabar. Qualquer outro clube atrairia metade dos protestos que o Benfica fomenta. Assim sendo, temos de nos habituar. Nós e os outros. A simples calúnia e a verdadeira indignação sempre andaram lado a lado.
E só para lembrar: os profetas das desgraças, aqueles que usm como lema "o Benfica está a afundar-se cada vez mais" com um sorriso afivelado nos lábios, também previam que Manorras jamais voltasse a pisar um relvado. E muito menos que já levasse cinco golos nesta altura.
Percorri enfim o interior da Casa da Música. A luz e o brilho são as principais características daquele edifício, cuja real dimensão é bem maior do que aquilo que parece visto de fora. Aguardo um espectáculo com qualidade que não esgote em duas horas para comprovar as condições acústicas (fantásticas, segundo dizem) do gaveto da rotunda da Boavista.
PS: o caríssimo Carlos Loureiro, do Blasfémias, faz uma referência (e acrescenta o respectivo link) de A Ágora. O post provocou ligeiras e pertinentes interrogações nos comentários. Um grande agradecimento ao Carlos deste ponto da blogoesfera.
quarta-feira, abril 20, 2005
Bento XVI
Quando, depois de três quartos de hora de expectativa, me revelaram o nome do novo Sumo Pontífice, as primeiras coisas que me vieram à cabeça foram: "não se podia restaurar a utilidade primordial do palácio de Avignon?" ou "que teriam os cardeais em mente?", e ainda "D. José Policarpo já pode voltar para o seu Patriarcado".
Ratzinger não era, definitivamente, o nome que queria ou esperava para chefiar a Igreja Católica nos próximos anos. A sua ideia de centralismo, o seu horror aos alegres ritos que acompanham as celebrações litúrgicas em diversos países, como o Brasil, o seu dogmatismo, apesar da sua preparação intelectual e teológica, ou o seu cinzentismo levam-me a crer que não haverá um grande aumento de católicos nos próximos anos, salvo talvez na Alemanha. Não direi, como pensei no início, que a Igreja tenha recuado cinquenta anos, até porque as prerrogativas do Vaticano II não vão ser anuladas. Mas tudo indica que não avançará grandemente. Dir-me-ão que a Igreja é composta por dogmas e por uma doutrina fixa e imutável. Sem dúvida, mas nem tudo o que a compõe é dogmático e rígido. Aparte certas matérias a Igreja pode e deve avançar no plano das ideias e da moral, sem que isso implique uma ruptura. Se assim não fosse, nunca o Vaticano II se teria realizado, nem os Papas teriam saído dos seus palácios de Roma para ir ao encontro dos homens em todo o Mundo.
É também curioso ver como os mais satisfeitos com esta eleição foram os mais empedernidos ateus ou conservadores. Os opostos atraiem-se, mais uma vez. Tirem as vossas próprias conclusões.
Resta-me esperar que o Espírito Santo guie o novo Papa, e que, assim como a sua ascensão ao Trono de S. Pedro constituiu uma desilusão amarga, o seu pontificado se torne numa agradável surpresa.
PS: a este propósito aconselho vivamente as ultimas reflexões de Pedro Mexia no Fora do Mundo. Ainda que "pessoais", estão disponíveis publicamente.
Quando, depois de três quartos de hora de expectativa, me revelaram o nome do novo Sumo Pontífice, as primeiras coisas que me vieram à cabeça foram: "não se podia restaurar a utilidade primordial do palácio de Avignon?" ou "que teriam os cardeais em mente?", e ainda "D. José Policarpo já pode voltar para o seu Patriarcado".
Ratzinger não era, definitivamente, o nome que queria ou esperava para chefiar a Igreja Católica nos próximos anos. A sua ideia de centralismo, o seu horror aos alegres ritos que acompanham as celebrações litúrgicas em diversos países, como o Brasil, o seu dogmatismo, apesar da sua preparação intelectual e teológica, ou o seu cinzentismo levam-me a crer que não haverá um grande aumento de católicos nos próximos anos, salvo talvez na Alemanha. Não direi, como pensei no início, que a Igreja tenha recuado cinquenta anos, até porque as prerrogativas do Vaticano II não vão ser anuladas. Mas tudo indica que não avançará grandemente. Dir-me-ão que a Igreja é composta por dogmas e por uma doutrina fixa e imutável. Sem dúvida, mas nem tudo o que a compõe é dogmático e rígido. Aparte certas matérias a Igreja pode e deve avançar no plano das ideias e da moral, sem que isso implique uma ruptura. Se assim não fosse, nunca o Vaticano II se teria realizado, nem os Papas teriam saído dos seus palácios de Roma para ir ao encontro dos homens em todo o Mundo.
É também curioso ver como os mais satisfeitos com esta eleição foram os mais empedernidos ateus ou conservadores. Os opostos atraiem-se, mais uma vez. Tirem as vossas próprias conclusões.
Resta-me esperar que o Espírito Santo guie o novo Papa, e que, assim como a sua ascensão ao Trono de S. Pedro constituiu uma desilusão amarga, o seu pontificado se torne numa agradável surpresa.
PS: a este propósito aconselho vivamente as ultimas reflexões de Pedro Mexia no Fora do Mundo. Ainda que "pessoais", estão disponíveis publicamente.
terça-feira, abril 19, 2005
Ainda sobre a Casa
Além das críticas à Casa da Música que referi no post anterior, isto é, as razões economicistas, ouvi durante este fim-de-semana outro tipo de verberações e frases de reprovação. Só consegui apanhar os últimos segundos do Eixo do Mal, ainda a tempo de puvir José Júdice a apelidar o nosso novo pouso musical de "coreto", "que só servia para o Lou Reed", etc. Quer-me parecer que estes e outros exemplos de despeito que pude testemunhar não são mais do que manifestações de invejazinha mal disfarçada, a tão apregoada invejazinha dos portugueses, tão visível agora. Júdice mora, ao que julgo saber, no Algarve, e decerto que o facto de não ter tanta obra para mostrar (excepto as horribilidades de Sagres e a casa emprestada do Estoril) lhe pesou na alma. E quem diz Júdice diz outros, como os representantes da inteligentzia lisboeta (peço desculpa, mas tal coisa existe mesmo), talvez ofendidos pela valor nacional - e internacional - da Casa da esquina da avenida com a rotunda, como se uma obra não pudesse ter o mesmo valor em Celorico da Beira como no Chiado.
Despeito diferente teve Rui Veloso. O pai do rock português mostou sentimentos amargos em relação à obra, talvez por não ser ele a estreá-la , e chegou mesmo a menosprezar a vinda de lou Reed, com um desdém patético. É estranho, mas julgo que na canção que tornou conhecido o Rui, o Chico Fininho descia a rua ao som do mesmo Lou Reed. Seria o mesmo? Ou os tempos é que são outros?
E, e antes que me esqueça, não são só os eventos musicais que conservam financeiramente a obra: a julgar pela afluência no último fim-de-semana, e não só por causa dos Xutos e dos Pluto, a Casa promete também tornar-se um novo incremento à movida nocturna portuense, graças aos novos quatro bares à disposição. Os noctívagos assim o permitam.
Além das críticas à Casa da Música que referi no post anterior, isto é, as razões economicistas, ouvi durante este fim-de-semana outro tipo de verberações e frases de reprovação. Só consegui apanhar os últimos segundos do Eixo do Mal, ainda a tempo de puvir José Júdice a apelidar o nosso novo pouso musical de "coreto", "que só servia para o Lou Reed", etc. Quer-me parecer que estes e outros exemplos de despeito que pude testemunhar não são mais do que manifestações de invejazinha mal disfarçada, a tão apregoada invejazinha dos portugueses, tão visível agora. Júdice mora, ao que julgo saber, no Algarve, e decerto que o facto de não ter tanta obra para mostrar (excepto as horribilidades de Sagres e a casa emprestada do Estoril) lhe pesou na alma. E quem diz Júdice diz outros, como os representantes da inteligentzia lisboeta (peço desculpa, mas tal coisa existe mesmo), talvez ofendidos pela valor nacional - e internacional - da Casa da esquina da avenida com a rotunda, como se uma obra não pudesse ter o mesmo valor em Celorico da Beira como no Chiado.
Despeito diferente teve Rui Veloso. O pai do rock português mostou sentimentos amargos em relação à obra, talvez por não ser ele a estreá-la , e chegou mesmo a menosprezar a vinda de lou Reed, com um desdém patético. É estranho, mas julgo que na canção que tornou conhecido o Rui, o Chico Fininho descia a rua ao som do mesmo Lou Reed. Seria o mesmo? Ou os tempos é que são outros?
E, e antes que me esqueça, não são só os eventos musicais que conservam financeiramente a obra: a julgar pela afluência no último fim-de-semana, e não só por causa dos Xutos e dos Pluto, a Casa promete também tornar-se um novo incremento à movida nocturna portuense, graças aos novos quatro bares à disposição. Os noctívagos assim o permitam.
sexta-feira, abril 15, 2005
A Casa
À hora a que escrevo, a Casa da Música abriu enfim as suas portas e o seu "espaço acústico" ao público. muitos anos de espera, milhões de euros, despedimentos, demissões, avanços e recuos, obras sem fim, e sobretudo muita paciência depois, o "Iceberg", "meteorito", ou o que quer que lhe chamem, é uma realidade palpável, notória e imponente.
É certo que a localização e a forma foram tempestuosamente contestadas (não falando da sua gestão). Eu próprio franzi o sobrolho à destruição da velhinha "garagem" dos eléctricos dos STCP, ao projecto de Koolhaas, que mais lembrava (e lembra) um iceberg, ou à sua elevada altura, que ultrapassa a da coluna Guerra Peninsular, na Rotunda da Boavista, monumento central de toda aquela zona, e que como tal devia ficar abaixo dos edifícios que a rodeiam.
Pior que isso foram as obras intermináveis, que fecharam parte da Avenida da Boavista durante uma eternidade, cobriram a zona de pó e fizeram-na parecer um cenário de guerra e devastação. O vasto estaleiro de obras é sem dúvida uma má recordação para o comum dos portuenses (ainda me lembro do rasgão que fiz no fato, ao ir para o trabalho, no último Verão, num arame que delimitava o estaleiro, uma vez que não havia passeio), mas todos os tormentos - excepto os das chamas infernais- têm um fim. E este acabou hoje.
O Porto tem agora um novo ex-líbris cultural, a par de Serralves. Se nos lembrarmos dos teatros S. João, Sá da Bandeira - em renovação- Campo Alegre, dos restaurados Rivoli e Carlos Alberto e até do Pé-de-Vento concluímos que no Porto há já uma oferta de espectáculos muito razoável. A Casa da Música veio completar essa oferta, apesar da lacuna de só excepcionalmente comportar espectáculos de ópera. Além do mais espera-se que se torne uma referência na arquitectura internacional, coisa que parece estar a conseguir, tendo em conta os elogios e as reacções que obtém lá fora. Aliás, Koolhaas acabou de ganhar o Prémio Europeu de Arquitectura, vencendo Souto Moura, que concorria com o seu Estádio Municipal de Braga.
Como não podia deixar de ser, alguma blogoesfera de serviço veio imediatamente questionar o financiamento futuro da Casa, exigir punições tremendas para os culpados da derrapagem financeira e soltar os habituais"quem paga a conta é o estado". Ainda que com alguma razão, não seria de mau tom falar do projecto em si e do que trará à cidade do Porto e ao país, pelo menos hoje, sem estar sempre a referir os custos do obra. A não ser, claro, que defendam o imobilismo cultural. E advoguem a demolição da Casa. Por aí se pode ver qual o grau de sensibilidade artística e estética destes senhores: zero.
Mas, polémicas à parte, ela aí está, resplandecente e majestosa, feérica e original. Todos nós, portuenses, estamos também de parabéns, pela paciência que tivemos ao longo destes cinco anos de obras. O resultado final é compensador e digno de orgulho. Quando vier ao porto, a Música já tem Casa onde ficar.
À hora a que escrevo, a Casa da Música abriu enfim as suas portas e o seu "espaço acústico" ao público. muitos anos de espera, milhões de euros, despedimentos, demissões, avanços e recuos, obras sem fim, e sobretudo muita paciência depois, o "Iceberg", "meteorito", ou o que quer que lhe chamem, é uma realidade palpável, notória e imponente.
É certo que a localização e a forma foram tempestuosamente contestadas (não falando da sua gestão). Eu próprio franzi o sobrolho à destruição da velhinha "garagem" dos eléctricos dos STCP, ao projecto de Koolhaas, que mais lembrava (e lembra) um iceberg, ou à sua elevada altura, que ultrapassa a da coluna Guerra Peninsular, na Rotunda da Boavista, monumento central de toda aquela zona, e que como tal devia ficar abaixo dos edifícios que a rodeiam.
Pior que isso foram as obras intermináveis, que fecharam parte da Avenida da Boavista durante uma eternidade, cobriram a zona de pó e fizeram-na parecer um cenário de guerra e devastação. O vasto estaleiro de obras é sem dúvida uma má recordação para o comum dos portuenses (ainda me lembro do rasgão que fiz no fato, ao ir para o trabalho, no último Verão, num arame que delimitava o estaleiro, uma vez que não havia passeio), mas todos os tormentos - excepto os das chamas infernais- têm um fim. E este acabou hoje.
O Porto tem agora um novo ex-líbris cultural, a par de Serralves. Se nos lembrarmos dos teatros S. João, Sá da Bandeira - em renovação- Campo Alegre, dos restaurados Rivoli e Carlos Alberto e até do Pé-de-Vento concluímos que no Porto há já uma oferta de espectáculos muito razoável. A Casa da Música veio completar essa oferta, apesar da lacuna de só excepcionalmente comportar espectáculos de ópera. Além do mais espera-se que se torne uma referência na arquitectura internacional, coisa que parece estar a conseguir, tendo em conta os elogios e as reacções que obtém lá fora. Aliás, Koolhaas acabou de ganhar o Prémio Europeu de Arquitectura, vencendo Souto Moura, que concorria com o seu Estádio Municipal de Braga.
Como não podia deixar de ser, alguma blogoesfera de serviço veio imediatamente questionar o financiamento futuro da Casa, exigir punições tremendas para os culpados da derrapagem financeira e soltar os habituais"quem paga a conta é o estado". Ainda que com alguma razão, não seria de mau tom falar do projecto em si e do que trará à cidade do Porto e ao país, pelo menos hoje, sem estar sempre a referir os custos do obra. A não ser, claro, que defendam o imobilismo cultural. E advoguem a demolição da Casa. Por aí se pode ver qual o grau de sensibilidade artística e estética destes senhores: zero.
Mas, polémicas à parte, ela aí está, resplandecente e majestosa, feérica e original. Todos nós, portuenses, estamos também de parabéns, pela paciência que tivemos ao longo destes cinco anos de obras. O resultado final é compensador e digno de orgulho. Quando vier ao porto, a Música já tem Casa onde ficar.
terça-feira, abril 12, 2005
Factos e mitos
Não, não vou falar do facto de Marques Mendes ter enfim atingido o topo da laranja, pondo fim a uma longa carreira de yes-man; nem tão pouco do PSD ser ainda mais populista que supunha (mais até que o BE), ao dar tantos votos a Menezes. E muito menos no mito do cavaquismo reaparecido, do sá-carneirismo nevoento e esvoaçante ou do borgismo ascendente.
Não. Falo de coisas sérias. Coisas a que o comum dos patrícios deu mais atenção. O que mostra as reais prioridades da Pátria.
Os factos: o Benfica, depois de uma primeira parte equilibrada e de uma segunda controlada, em que encostou o adversário à sua área, acabou por sofrer ingloriamente um golo nos descontos, silenciando a onda vermelha que o seguira até aos Arcos. Quem não marca arrisca-se a sofrer, todos o sabemos, mas também era escusado ser depois dos 90. Sobretudo por uma equipa que pouco tinha feito na segunda parte além de defender. Resta-me a consolação de que não passou de uma finta do destino, que a jogar assim o SLB não deixará escapar o título, e que uma derrota até pode ter sido o melhor dos tónicos, para travar eventuais triunfalismos. Até porque para se ser campeão tem de se saber sofrer.
Outro facto: no derby portuense, o Boavista derrotou o FCP, que, na realidade, não é apenas uma sombra do ano passado: é um cadáver. Tive a oportunidade de assistir ao jogo in loco, e de constatar a indigência futebolística, a falta de motivação e a ausência de qualquer entrega por parte da equipa das Antas. A claque, que do outro lado do anfiteatro axadrezado ainda se manifestou até ao golo, passou quase toda a totalidade da 2ª parte em silêncio sepulcral. Do lado onde estava, bem entendido, os adeptos boavisteiros não se cansaram de mimosear os vizinhos com novos cânticos, e à saída dava-se conta que era a 1ª vez que o Boavista vencia o Porto nos dois jogos do ano. Para a história, portanto. E para a classificação.
Mais um facto: com um mau jogo, vendo a arbitragem anular mal um golo ao adversário e marcando num golpe da mais pura das sortes, o Sporting lá ganhou ao Beira-Mar. Dias da Cunha, antes do jogo, criticara a arbitragem. E assim ganharam três pontos, que oportunamente voltarão a ser seis, claro.
Ainda mais um facto: o Braga voltou a ganhar. Fora, ao Estoril. Muito cuidado com eles. Isto aplica-se sobretudo ao Sporting, como é evidente, que ainda se tem de deslocar à velha Bracara Augusta.
Os mitos: o mito de que "o Sporting joga o melhor futebol do campeonato" deve-se a jogos como os contra o Boavista (dois), Rio Ave, Estoril ou Penafiel (fora, como é óbvio), mas cai valentemente por terra quando são relembrados os confrontos com Marítimo, Leiria (os dois), Belenenses, Porto (Dragão) ou Penafiel (em casa). Isto é, um meio-mito, se a designação fôr aceitável. Se por vezes Liedson, Viana e Cª produzem torrentes de golos e jogadas vistosas, outras há em que se arrastam inconsequentemente pelos relvados. Ontem foi bem um desses casos, apesar da vitória.
Ligado a esse jogo podemos também falar do mito de que "o Benfica está a ser ajudado pelo arbitragem". Ah, claro, tinha de nos calhar a nós, fatalmente. E tinha de ser logo em ano de Apito Dourado, essa sinistra maquinação da PJ para prejudicar o Porto, impedindo-o injustamente de ser beneficiado pela arbitragem. Estranho é que precisamente na altura em que o Benfica está isolado na liderança não se lhe possa apontar grandes benefícios vindos dos apitos. Em Vila do Conde tivemos uma arbitragem discreta, que só pecou em não ter mostrado amarelo a Junas, por entrada dura sobre Geovanni. Contra o Marítimo anularam um golo limpo a Nuno Gomes. E em Setúbal o erro maior foi o fechar dos olhos a um penalty favorável ao SLB. Andamos sem dúvida a ser levados ao colo. E se nos lembrarmos do jogo da Luz contra o Porto, então...
Mas nada consegue ultrapassar ou ser mais contundente que o célebre mito de que "o Benfica anda a ser levado ao colo pela comunicação social", o meu favorito. Já há dias o Bom Selvagem dizia que o Jogo andava subrepticiamente a fazer campanha para destabilizar o Benfica. Era bom que fosse apenas o orgão não-oficial do FCP, até porque a esse já estamos habituados, bem como ao Record, que todos os dias persiste em nos colocar um novo jogador no plantel, ou em fazer saír alguém. Não. A negação do mito vem precisamente dos "civis", dos não-desportivos. Vejamos por exemplo o Público: basta ver os diversos editoriais reservados à bola para nos depararmos com frases como "o Benfica não tem estofo de campeão", "os encarnados espremeram a equipa toda" (este já data do início da época), "a classificação do Benfica é mentirosa", etc. O caso mais grave terá sido no Benfica -Sporting para a Taça (os 3-3), em que o jornal afirmava no dia seguinte, sem qualquer pudor, que o árbitro "tinha cometido erros apenas contra o Sporting". Uma apreciação reveladora, tanto mais que quem tiver boa memória se lembrará que nesse jogo o juíz perdoou a expulsão a Barbosa, permitiu um golo em off-side de Liedson e acabou o jogo antes de se esgotarem os minutos de compensação, no momento em que o Benfica fazia um ataque perigoso. Assim não o entendeu o jornal diário, que curiosamente não referiu na sua edição de ontem (link "pagável", como sabem, pelo que peço que recorram ao velho papel) o facto do Beira-Mar ter marcado um golo limpo ao Sporting, que teria dado um precioso ponto. Mas lá está, o árbitro desta vez "não errou para o mesmo lado". Refira-se ainda que o editor de desporto do Público, Bruno Prata (por sinal um óptimo escriba), é um assumido portista, bem como o único cronista residente de futebol - o Blind Zero Miguel Guedes, aos Sábados. O mesmo se passa no Expresso, com Manuel Serrão, que dispensa apresentações, ou com as habituais antevisões jocosas de José António Lima aos jogos do SLB. No DN, o editor Duarte Moral é um lagarto dos quatro costados, e o seu parceiro cá do burgo, o JN, é um fiel acompanhante das aventuras e desventuras portistas, normalmente com honras de primeira página. Quanto à Capital e ao Correio da Manhã, não os sigo o suficiente para saber quais as cores predominantes nos seus editoriais. O mesmo digo a propósito das rádios (embora devesse de vez em quando ouvir o velhinho Bola Branca).
Já as televisões é o que se sabe: a RTP trata da Selecção e dos europeus, furtando-se assim a ambiguidades clubísticas, a SPORT-TV é conforme lhe dá, a SIC cultiva de há uns tempos para cá uma linha claramente hostil ao Benfica (relembrar por exemplo, o vergonhoso caso Ricardo Rocha, em que a estação de Carnaxide tentou passar a ideia falsa de que o SLB ficaria sem Taça e sem segundo lugar), e só a TVI poderá se acusada de ser mais parcial no que ao vermelho diz respeito. Além de A Bola , claro, o nosso orgão não-oficial. Onde apesar de tudo aparece semanalmente um Miguel Sousa Tavares em estado de delírio, acusando tudo e todos de conspirarem contra o FCP (apesar do próprio, em grande contradição, reconhecer os erros e opções do seu clube), ou, pior ainda, afirmando que o Benfica "só vai ser campeão por Decreto". Se assim fôr, espero que depois nos esclareça a todos qual é o tal "Decreto" em que está previsto o vencedor do campeonato. Ou quais são as forças que impedem o FCP de ganhar os títulos a que é candidato, mesmo que não jogue patavina.
Parece-me é que julgar que a TVI e a Bola constituem toda a comunicação social, esse tenebroso mundo que leva o SLB ao colo, fica um pouco aquém da realidade. Não passa de mais um dos famosos mitos (ligado também ao do "Salazar") que se convencionou espalhar, tal como desde Domingo se ouve dizer que "o Sporting só depende de si próprio" (e o Benfica, não?) ou que "vamos ganhar à Luz e ser campeões". Sim, muitas e enormes certezas têm os caríssimos lagartos. Mas também me lembro de outra situação, em que o Sporting era a equipa "que melhor futebol praticava", tinha um óptimo plantel, estava apenas a um ponto do Benfica e do seu "medroso treinador" e ia jogar o jogo do título perante os rivais, com tantas certezas como agora. Aconteceu em 93-94, o "medroso" deu um banho de táctica ao "intelectual", o SLB goleou por 6-3 e sagrou-se campeão. Ah, e o campeonato acabou no Bessa. Como agora.Não esquecer em que há alturas em que a história se repete. E a certas pessoas não falta gana, nem talento nem lata para o fazer.
PS: eu não digo? Na ânsia de encontrar alguma coisa que comprometa o SLB, Sousa Tavares, jocosamente, diz que o Estoril é amigo por pretender jogar o desafio contra o Benfica no seu campo de treino, o Estádio Nacional. Pena é que o Miguel não se lembre que o estádio do Estoril é pequeno demais para os numerosos adeptos do SLB que se prevêem, e que os responsáveis da linha pretendem acima de tudo uma bilheteira generosa, coisa que o Coimbra da Mota não lhes proporcionaria. Ainda por cima, sabe-se agora que o jogo se vai realizar trezentos Kms abaixo, no Estádio do Algarve. E agora? Irá MST acusar o Louletano e o Farense de serem amiguinhos do Benfica?
E para que conste, o Comércio do Porto trazia ontem em grandes parangonas que "Benfica e Sporting tinham sido apanhados nas malhas do Apito Dourado". Afinal, o que havia era "escutas telefónicas suspeitas a Valntim Loureiro". Só que a notícia não é desenvolvida. Ao jornal escapa o facto de provavelmente todos os dirigentes terem feito telefonemas suspeitos ao Major. A questão é saber se envolvem crimes e corrupção à séria. E tem graça, sobretudo depois da lista de arguidos e testemunhas estar pronta, sem que qualquer dirigente dos clubes em questão faça parte do grupo dos primeiros.
Mas depois já se sabe: a comunicação social "anda toda com o Benfica ao colo".
Não, não vou falar do facto de Marques Mendes ter enfim atingido o topo da laranja, pondo fim a uma longa carreira de yes-man; nem tão pouco do PSD ser ainda mais populista que supunha (mais até que o BE), ao dar tantos votos a Menezes. E muito menos no mito do cavaquismo reaparecido, do sá-carneirismo nevoento e esvoaçante ou do borgismo ascendente.
Não. Falo de coisas sérias. Coisas a que o comum dos patrícios deu mais atenção. O que mostra as reais prioridades da Pátria.
Os factos: o Benfica, depois de uma primeira parte equilibrada e de uma segunda controlada, em que encostou o adversário à sua área, acabou por sofrer ingloriamente um golo nos descontos, silenciando a onda vermelha que o seguira até aos Arcos. Quem não marca arrisca-se a sofrer, todos o sabemos, mas também era escusado ser depois dos 90. Sobretudo por uma equipa que pouco tinha feito na segunda parte além de defender. Resta-me a consolação de que não passou de uma finta do destino, que a jogar assim o SLB não deixará escapar o título, e que uma derrota até pode ter sido o melhor dos tónicos, para travar eventuais triunfalismos. Até porque para se ser campeão tem de se saber sofrer.
Outro facto: no derby portuense, o Boavista derrotou o FCP, que, na realidade, não é apenas uma sombra do ano passado: é um cadáver. Tive a oportunidade de assistir ao jogo in loco, e de constatar a indigência futebolística, a falta de motivação e a ausência de qualquer entrega por parte da equipa das Antas. A claque, que do outro lado do anfiteatro axadrezado ainda se manifestou até ao golo, passou quase toda a totalidade da 2ª parte em silêncio sepulcral. Do lado onde estava, bem entendido, os adeptos boavisteiros não se cansaram de mimosear os vizinhos com novos cânticos, e à saída dava-se conta que era a 1ª vez que o Boavista vencia o Porto nos dois jogos do ano. Para a história, portanto. E para a classificação.
Mais um facto: com um mau jogo, vendo a arbitragem anular mal um golo ao adversário e marcando num golpe da mais pura das sortes, o Sporting lá ganhou ao Beira-Mar. Dias da Cunha, antes do jogo, criticara a arbitragem. E assim ganharam três pontos, que oportunamente voltarão a ser seis, claro.
Ainda mais um facto: o Braga voltou a ganhar. Fora, ao Estoril. Muito cuidado com eles. Isto aplica-se sobretudo ao Sporting, como é evidente, que ainda se tem de deslocar à velha Bracara Augusta.
Os mitos: o mito de que "o Sporting joga o melhor futebol do campeonato" deve-se a jogos como os contra o Boavista (dois), Rio Ave, Estoril ou Penafiel (fora, como é óbvio), mas cai valentemente por terra quando são relembrados os confrontos com Marítimo, Leiria (os dois), Belenenses, Porto (Dragão) ou Penafiel (em casa). Isto é, um meio-mito, se a designação fôr aceitável. Se por vezes Liedson, Viana e Cª produzem torrentes de golos e jogadas vistosas, outras há em que se arrastam inconsequentemente pelos relvados. Ontem foi bem um desses casos, apesar da vitória.
Ligado a esse jogo podemos também falar do mito de que "o Benfica está a ser ajudado pelo arbitragem". Ah, claro, tinha de nos calhar a nós, fatalmente. E tinha de ser logo em ano de Apito Dourado, essa sinistra maquinação da PJ para prejudicar o Porto, impedindo-o injustamente de ser beneficiado pela arbitragem. Estranho é que precisamente na altura em que o Benfica está isolado na liderança não se lhe possa apontar grandes benefícios vindos dos apitos. Em Vila do Conde tivemos uma arbitragem discreta, que só pecou em não ter mostrado amarelo a Junas, por entrada dura sobre Geovanni. Contra o Marítimo anularam um golo limpo a Nuno Gomes. E em Setúbal o erro maior foi o fechar dos olhos a um penalty favorável ao SLB. Andamos sem dúvida a ser levados ao colo. E se nos lembrarmos do jogo da Luz contra o Porto, então...
Mas nada consegue ultrapassar ou ser mais contundente que o célebre mito de que "o Benfica anda a ser levado ao colo pela comunicação social", o meu favorito. Já há dias o Bom Selvagem dizia que o Jogo andava subrepticiamente a fazer campanha para destabilizar o Benfica. Era bom que fosse apenas o orgão não-oficial do FCP, até porque a esse já estamos habituados, bem como ao Record, que todos os dias persiste em nos colocar um novo jogador no plantel, ou em fazer saír alguém. Não. A negação do mito vem precisamente dos "civis", dos não-desportivos. Vejamos por exemplo o Público: basta ver os diversos editoriais reservados à bola para nos depararmos com frases como "o Benfica não tem estofo de campeão", "os encarnados espremeram a equipa toda" (este já data do início da época), "a classificação do Benfica é mentirosa", etc. O caso mais grave terá sido no Benfica -Sporting para a Taça (os 3-3), em que o jornal afirmava no dia seguinte, sem qualquer pudor, que o árbitro "tinha cometido erros apenas contra o Sporting". Uma apreciação reveladora, tanto mais que quem tiver boa memória se lembrará que nesse jogo o juíz perdoou a expulsão a Barbosa, permitiu um golo em off-side de Liedson e acabou o jogo antes de se esgotarem os minutos de compensação, no momento em que o Benfica fazia um ataque perigoso. Assim não o entendeu o jornal diário, que curiosamente não referiu na sua edição de ontem (link "pagável", como sabem, pelo que peço que recorram ao velho papel) o facto do Beira-Mar ter marcado um golo limpo ao Sporting, que teria dado um precioso ponto. Mas lá está, o árbitro desta vez "não errou para o mesmo lado". Refira-se ainda que o editor de desporto do Público, Bruno Prata (por sinal um óptimo escriba), é um assumido portista, bem como o único cronista residente de futebol - o Blind Zero Miguel Guedes, aos Sábados. O mesmo se passa no Expresso, com Manuel Serrão, que dispensa apresentações, ou com as habituais antevisões jocosas de José António Lima aos jogos do SLB. No DN, o editor Duarte Moral é um lagarto dos quatro costados, e o seu parceiro cá do burgo, o JN, é um fiel acompanhante das aventuras e desventuras portistas, normalmente com honras de primeira página. Quanto à Capital e ao Correio da Manhã, não os sigo o suficiente para saber quais as cores predominantes nos seus editoriais. O mesmo digo a propósito das rádios (embora devesse de vez em quando ouvir o velhinho Bola Branca).
Já as televisões é o que se sabe: a RTP trata da Selecção e dos europeus, furtando-se assim a ambiguidades clubísticas, a SPORT-TV é conforme lhe dá, a SIC cultiva de há uns tempos para cá uma linha claramente hostil ao Benfica (relembrar por exemplo, o vergonhoso caso Ricardo Rocha, em que a estação de Carnaxide tentou passar a ideia falsa de que o SLB ficaria sem Taça e sem segundo lugar), e só a TVI poderá se acusada de ser mais parcial no que ao vermelho diz respeito. Além de A Bola , claro, o nosso orgão não-oficial. Onde apesar de tudo aparece semanalmente um Miguel Sousa Tavares em estado de delírio, acusando tudo e todos de conspirarem contra o FCP (apesar do próprio, em grande contradição, reconhecer os erros e opções do seu clube), ou, pior ainda, afirmando que o Benfica "só vai ser campeão por Decreto". Se assim fôr, espero que depois nos esclareça a todos qual é o tal "Decreto" em que está previsto o vencedor do campeonato. Ou quais são as forças que impedem o FCP de ganhar os títulos a que é candidato, mesmo que não jogue patavina.
Parece-me é que julgar que a TVI e a Bola constituem toda a comunicação social, esse tenebroso mundo que leva o SLB ao colo, fica um pouco aquém da realidade. Não passa de mais um dos famosos mitos (ligado também ao do "Salazar") que se convencionou espalhar, tal como desde Domingo se ouve dizer que "o Sporting só depende de si próprio" (e o Benfica, não?) ou que "vamos ganhar à Luz e ser campeões". Sim, muitas e enormes certezas têm os caríssimos lagartos. Mas também me lembro de outra situação, em que o Sporting era a equipa "que melhor futebol praticava", tinha um óptimo plantel, estava apenas a um ponto do Benfica e do seu "medroso treinador" e ia jogar o jogo do título perante os rivais, com tantas certezas como agora. Aconteceu em 93-94, o "medroso" deu um banho de táctica ao "intelectual", o SLB goleou por 6-3 e sagrou-se campeão. Ah, e o campeonato acabou no Bessa. Como agora.Não esquecer em que há alturas em que a história se repete. E a certas pessoas não falta gana, nem talento nem lata para o fazer.
PS: eu não digo? Na ânsia de encontrar alguma coisa que comprometa o SLB, Sousa Tavares, jocosamente, diz que o Estoril é amigo por pretender jogar o desafio contra o Benfica no seu campo de treino, o Estádio Nacional. Pena é que o Miguel não se lembre que o estádio do Estoril é pequeno demais para os numerosos adeptos do SLB que se prevêem, e que os responsáveis da linha pretendem acima de tudo uma bilheteira generosa, coisa que o Coimbra da Mota não lhes proporcionaria. Ainda por cima, sabe-se agora que o jogo se vai realizar trezentos Kms abaixo, no Estádio do Algarve. E agora? Irá MST acusar o Louletano e o Farense de serem amiguinhos do Benfica?
E para que conste, o Comércio do Porto trazia ontem em grandes parangonas que "Benfica e Sporting tinham sido apanhados nas malhas do Apito Dourado". Afinal, o que havia era "escutas telefónicas suspeitas a Valntim Loureiro". Só que a notícia não é desenvolvida. Ao jornal escapa o facto de provavelmente todos os dirigentes terem feito telefonemas suspeitos ao Major. A questão é saber se envolvem crimes e corrupção à séria. E tem graça, sobretudo depois da lista de arguidos e testemunhas estar pronta, sem que qualquer dirigente dos clubes em questão faça parte do grupo dos primeiros.
Mas depois já se sabe: a comunicação social "anda toda com o Benfica ao colo".
sábado, abril 09, 2005
A bênção póstuma
Realizaram-se hoje as solenes exéquias ao Papa. De todo o Mundo e de todas as raças milhões de pessoas vieram prestar a última homenagem a João Paulo II. Nunca uma cerimónia fúnebre tinha atraído tão grande número de líderes mundiais e religiosos. Nunca um homem foi alvo de tamanha manifestação de respeito. Bastaria este facto para atestar a importância do pontificado que agora acabou.
Mas o que é realmente assombroso no meio disto tudo é o poder póstumo do Santo Padre. Então não é que na enxurrada de chefes de estado e de governo que se cruzaram se vislumbraram dois gestos inéditos? Primeiro quando o presidente israelita, Moshe Katzav, cumprimentou o líder sírio Bashar al-Assad, uma rara imagem entre dois estados que se guerreiam mutuamente; mais surpreendente ainda foi o cumprimento e breve troca de palavras entre o mesmo Katzav e o presidente Khatami, do Irão, possivelmente o país mais hostil do mundo face a Israel. Ainda que não passem disso mesmo, são gestos de um incrível simbolismo. Mesmo depois de morto, João Paulo II prosseguiu com êxito a sua missão de paz no Mundo.
E já que se fala nas relações (ou na sua ausência) Irão-Israel, aconselho este anúncio israelita, revelado pela Rua da Judiaria. Uma autêntica obra de arte publicitária, mostrando mais uma vez os resultados da imaginação e da criatividade quando está ao serviço de causas nobres. Poderá de novo a Vida suplantar a Arte? Pelo que viu hoje, não é totalmente impossível.
Nem de propósito: a questão da morte do Papa e da sua sucessão é algo que me deixa um pouco confuso. Nunca conheci outro Papa, e a imagem que tenho do sumo Pontífice está indelevelemte ligada a João paulo II. Pois bem, via Tugir, cheguei a este site em que é possível descobrir qualquer uma das famosos capas da Time, através da sua data. Ocorreu-me ver qual seria no dia do meu nascimento. E o assunto não podia ser mais actual, e, em simultâneo, mais ligado ao homem que agora nos deixou e de quem o mundo acaba de se despedir. Ora vejam lá...
Isto é só para mostrar que as apostas são escusadas. Felizmente, os prognósticos da Time estavam errados.
Realizaram-se hoje as solenes exéquias ao Papa. De todo o Mundo e de todas as raças milhões de pessoas vieram prestar a última homenagem a João Paulo II. Nunca uma cerimónia fúnebre tinha atraído tão grande número de líderes mundiais e religiosos. Nunca um homem foi alvo de tamanha manifestação de respeito. Bastaria este facto para atestar a importância do pontificado que agora acabou.
Mas o que é realmente assombroso no meio disto tudo é o poder póstumo do Santo Padre. Então não é que na enxurrada de chefes de estado e de governo que se cruzaram se vislumbraram dois gestos inéditos? Primeiro quando o presidente israelita, Moshe Katzav, cumprimentou o líder sírio Bashar al-Assad, uma rara imagem entre dois estados que se guerreiam mutuamente; mais surpreendente ainda foi o cumprimento e breve troca de palavras entre o mesmo Katzav e o presidente Khatami, do Irão, possivelmente o país mais hostil do mundo face a Israel. Ainda que não passem disso mesmo, são gestos de um incrível simbolismo. Mesmo depois de morto, João Paulo II prosseguiu com êxito a sua missão de paz no Mundo.
E já que se fala nas relações (ou na sua ausência) Irão-Israel, aconselho este anúncio israelita, revelado pela Rua da Judiaria. Uma autêntica obra de arte publicitária, mostrando mais uma vez os resultados da imaginação e da criatividade quando está ao serviço de causas nobres. Poderá de novo a Vida suplantar a Arte? Pelo que viu hoje, não é totalmente impossível.
Nem de propósito: a questão da morte do Papa e da sua sucessão é algo que me deixa um pouco confuso. Nunca conheci outro Papa, e a imagem que tenho do sumo Pontífice está indelevelemte ligada a João paulo II. Pois bem, via Tugir, cheguei a este site em que é possível descobrir qualquer uma das famosos capas da Time, através da sua data. Ocorreu-me ver qual seria no dia do meu nascimento. E o assunto não podia ser mais actual, e, em simultâneo, mais ligado ao homem que agora nos deixou e de quem o mundo acaba de se despedir. Ora vejam lá...
Isto é só para mostrar que as apostas são escusadas. Felizmente, os prognósticos da Time estavam errados.
segunda-feira, abril 04, 2005
Karol
João Paulo II, o Papa, morreu enfim. Anos de agonia e sofrimento físico - que não moral ou psicológico - acabaram ao princípio da noite de sábado. O homem com o nome de nascimento Karol Wojtyla fechou os olhos. A sua obra, porém, permanece, e o seu legado terá de ser administrado de forma séria e corajosa. Tão corajosa como a forma como este polaco de sorriso sereno (e com o seu quê de traquinas) serviu Deus e as suas convicções até ao fim.
Uma coragem a que não deve ser alheio o facto de ter sido privado dos seus pais ainda muito novo, e, pior ainda, de se encontrar no epicentro da pior guerra da história da humanidade. Na sua Polónia, onde assistiu aos horrores do nazismo e do Holocausto, e à tentativa de destruição dos povos eslavos e judeus, seguida da ditadura comunista, devidamente vigiada por Moscovo. A experiência (e resistência) vivida sob o totalitarismo, aliada à sua eleição, inspirou o movimento revolucionário Solidarnosc e tornou-o uma das figuras-chave na queda das "democracias populares" de Leste.
Além do comunismo, o Papa atacou igualmente outros sistemas aviltantes do ser humano, como o capitalismo selvagem e o materialismo sem rosto. Pronunciou-se sempre contra a guerra, em especial a invasão do Iraque. Lutou contra a pena de morte e as violações aos direitos humanos em todo o mundo, não hesitando em dizê-lo em frente aos responsáveis. Estabeleceu pontes entre todos os credos, pediu publicamente, de forma humilde, perdão por todas as situações em que a Igreja não protegera o ser humano, como nas perseguições religiosas, em especial face aos judeus; ele, que vira o horror diante de si, disse na Terra Santa, sobre o Holocausto: "Nunca Mais".
Viajou por todo o Mundo, indo de encontro às pessoas, aos mais desfavorecidos, àqueles que precisavam de esperança, aos que sofriam. Perdoou a quem o tentou matar, não se encolheu perante os que o insultavam publicamente, como o radical reverendo Paisley, no Parlamento Europeu. Esteve junto de figuras menos recomendáveis, como Fidel, Pinochet ou Tarek Aziz, porque a sua luta era contra sistemas e injustiças, não contra as pessoas, e por isso mesmo não se afastava de ninguém.
Situações houve em que parecia desfasado do seu tempo, como a recusa total do ordenamento das mulheres ou de métodos de controlo da natalidade. Mas uma Igreja que esteve parada durante séculos não pode mudar radicalmente em apenas 50 ou 60 anos. Será através dos tempos que as mudanças se farão, se necessárias forem, sem ceder nos seus pontos fundamentais a influências externas, em especial de quem nem sequer partilha a Fé Cristã. E jamais se poderia pedir a um único Papa que reformasse por completo a Igreja, sobretudo se rodeado por uma Cúria com ideias difusas e algo fechada, num universo de mais mil milhões de católicos. Acima de tudo, pedir que o João Paulo II renunciasse a alguns dos princípios por que sempre pugnara seria a maior das vilezas e a mais pungente desonestidade intelectual.
A forma como resistiu sempre às doenças que o minavam, ao inevitável avançar da idade, para continuar a sua peregrinação e ir ao encontro dos que dele necessitavam, é simplesmente notável. Muito se falou na possibilidade da sua renúncia (hipótese com que eu próprio concordava), por visível incapacidade. Mas o que o Papa pretendia era mostrar que também na velhice e na doença , tantas vezes escondidas e tidas como sinal de vergonha e de opóbrio num mundo reservado áqueles que têm "sucesso" e imagem vitoriosa, havia dignidade e esperança. E foi essa a sua última grande vitória. Até ao fim manteve-se firme no seu posto, cumprindo a sua missão no Mundo, e recusando mesmo ser transferido para um hospital, preferindo uma morte digna e natural, como sempre defendera, em lugar de prolongar por escassos dias uma vida artificial.
Deus sabe quem tomará os destinos da Igreja. E recebeu agora João Paulo II, que toda a vida O serviu da melhor maneira que pôde e soube. O Papa que veio da Polónia ganhou definitivamente o seu lugar na história. E a Igreja permanecerá sólida e firme sobre a Terra, defendendo a dignidade do Ser Humano e a Palavra de Cristo.
João Paulo II, o Papa, morreu enfim. Anos de agonia e sofrimento físico - que não moral ou psicológico - acabaram ao princípio da noite de sábado. O homem com o nome de nascimento Karol Wojtyla fechou os olhos. A sua obra, porém, permanece, e o seu legado terá de ser administrado de forma séria e corajosa. Tão corajosa como a forma como este polaco de sorriso sereno (e com o seu quê de traquinas) serviu Deus e as suas convicções até ao fim.
Uma coragem a que não deve ser alheio o facto de ter sido privado dos seus pais ainda muito novo, e, pior ainda, de se encontrar no epicentro da pior guerra da história da humanidade. Na sua Polónia, onde assistiu aos horrores do nazismo e do Holocausto, e à tentativa de destruição dos povos eslavos e judeus, seguida da ditadura comunista, devidamente vigiada por Moscovo. A experiência (e resistência) vivida sob o totalitarismo, aliada à sua eleição, inspirou o movimento revolucionário Solidarnosc e tornou-o uma das figuras-chave na queda das "democracias populares" de Leste.
Além do comunismo, o Papa atacou igualmente outros sistemas aviltantes do ser humano, como o capitalismo selvagem e o materialismo sem rosto. Pronunciou-se sempre contra a guerra, em especial a invasão do Iraque. Lutou contra a pena de morte e as violações aos direitos humanos em todo o mundo, não hesitando em dizê-lo em frente aos responsáveis. Estabeleceu pontes entre todos os credos, pediu publicamente, de forma humilde, perdão por todas as situações em que a Igreja não protegera o ser humano, como nas perseguições religiosas, em especial face aos judeus; ele, que vira o horror diante de si, disse na Terra Santa, sobre o Holocausto: "Nunca Mais".
Viajou por todo o Mundo, indo de encontro às pessoas, aos mais desfavorecidos, àqueles que precisavam de esperança, aos que sofriam. Perdoou a quem o tentou matar, não se encolheu perante os que o insultavam publicamente, como o radical reverendo Paisley, no Parlamento Europeu. Esteve junto de figuras menos recomendáveis, como Fidel, Pinochet ou Tarek Aziz, porque a sua luta era contra sistemas e injustiças, não contra as pessoas, e por isso mesmo não se afastava de ninguém.
Situações houve em que parecia desfasado do seu tempo, como a recusa total do ordenamento das mulheres ou de métodos de controlo da natalidade. Mas uma Igreja que esteve parada durante séculos não pode mudar radicalmente em apenas 50 ou 60 anos. Será através dos tempos que as mudanças se farão, se necessárias forem, sem ceder nos seus pontos fundamentais a influências externas, em especial de quem nem sequer partilha a Fé Cristã. E jamais se poderia pedir a um único Papa que reformasse por completo a Igreja, sobretudo se rodeado por uma Cúria com ideias difusas e algo fechada, num universo de mais mil milhões de católicos. Acima de tudo, pedir que o João Paulo II renunciasse a alguns dos princípios por que sempre pugnara seria a maior das vilezas e a mais pungente desonestidade intelectual.
A forma como resistiu sempre às doenças que o minavam, ao inevitável avançar da idade, para continuar a sua peregrinação e ir ao encontro dos que dele necessitavam, é simplesmente notável. Muito se falou na possibilidade da sua renúncia (hipótese com que eu próprio concordava), por visível incapacidade. Mas o que o Papa pretendia era mostrar que também na velhice e na doença , tantas vezes escondidas e tidas como sinal de vergonha e de opóbrio num mundo reservado áqueles que têm "sucesso" e imagem vitoriosa, havia dignidade e esperança. E foi essa a sua última grande vitória. Até ao fim manteve-se firme no seu posto, cumprindo a sua missão no Mundo, e recusando mesmo ser transferido para um hospital, preferindo uma morte digna e natural, como sempre defendera, em lugar de prolongar por escassos dias uma vida artificial.
Deus sabe quem tomará os destinos da Igreja. E recebeu agora João Paulo II, que toda a vida O serviu da melhor maneira que pôde e soube. O Papa que veio da Polónia ganhou definitivamente o seu lugar na história. E a Igreja permanecerá sólida e firme sobre a Terra, defendendo a dignidade do Ser Humano e a Palavra de Cristo.
sábado, abril 02, 2005
O admirável mundo da vida aquática
The life aquatic with Steve Zissou (desculpem lá mas recuso-me a nomeá-lo pelo título que lhe deram em Portugal) é para mim, apesar de estarmos ainda na Primavera, um ou O filme do ano. Não, não me vou demorar sobre a "temática da paternidade", a que todos os críticos aludiram, às semelhanças e diferenças com os anteriores trabalhos do realizador Wes Anderson - do qual aliás só conheço The Royal Tenembauns (que sim, tem óbvias parecenças, sendo a maior delas é a de haver um grupo heterogêneo à volta de uma figura tutelar, porém deprimida). Bastava que no filme fossem colocados elementos fantásticos, deliciosos, únicos, como os que revela: explorações oceanográficas, ataques de piratas filipinos (com motivos nipónicos), viagens de hidroavião, balão e mini-submarino, festivais de cinema italianos, festas de smoking, champagne e vestido comprido à mistura com barretes vermelhos de grumete, medalhas portuguesas, tripulações multinacionais (alemães, sikhs, brasileiros), tubarões-jaguar, e sobretudo Bill Murray, Cate Blanchett (a incontornável Musa) e ainda Willem Dafoe, Angelica Houston, Owen Wilson e Jeff Goldblum (um bom regresso depois de anos de desaparecimento). Tudo ao som de David Bowie, traduzidas para português do Brasil por Seu Jorge. burlesco, comovente e magnífico, ao mesmo tempo. Apanhem-no se ainda puderem.
PS: o post poderá ser inoportuno no momento em que todos os católicos acompanham o sofrimento do Santo Padre. Mas o mundo não cessa de rodar, e também precisamos de uns momentos de distração e fantasia.
The life aquatic with Steve Zissou (desculpem lá mas recuso-me a nomeá-lo pelo título que lhe deram em Portugal) é para mim, apesar de estarmos ainda na Primavera, um ou O filme do ano. Não, não me vou demorar sobre a "temática da paternidade", a que todos os críticos aludiram, às semelhanças e diferenças com os anteriores trabalhos do realizador Wes Anderson - do qual aliás só conheço The Royal Tenembauns (que sim, tem óbvias parecenças, sendo a maior delas é a de haver um grupo heterogêneo à volta de uma figura tutelar, porém deprimida). Bastava que no filme fossem colocados elementos fantásticos, deliciosos, únicos, como os que revela: explorações oceanográficas, ataques de piratas filipinos (com motivos nipónicos), viagens de hidroavião, balão e mini-submarino, festivais de cinema italianos, festas de smoking, champagne e vestido comprido à mistura com barretes vermelhos de grumete, medalhas portuguesas, tripulações multinacionais (alemães, sikhs, brasileiros), tubarões-jaguar, e sobretudo Bill Murray, Cate Blanchett (a incontornável Musa) e ainda Willem Dafoe, Angelica Houston, Owen Wilson e Jeff Goldblum (um bom regresso depois de anos de desaparecimento). Tudo ao som de David Bowie, traduzidas para português do Brasil por Seu Jorge. burlesco, comovente e magnífico, ao mesmo tempo. Apanhem-no se ainda puderem.
PS: o post poderá ser inoportuno no momento em que todos os católicos acompanham o sofrimento do Santo Padre. Mas o mundo não cessa de rodar, e também precisamos de uns momentos de distração e fantasia.
sexta-feira, abril 01, 2005
Requícios pascais
- Uma celebração litúrgica nocturna na igrejinha da paróquia, nas faldas da serra, tem muito mais significado do que se fôr rezada pelo Bispo na Sé da Diocese. É necessário, no entanto, que o celebrante não seja daqueles que por tudo e por nada ameace os fieis com as labaredas do Inferno, e que o coro não se exprima com agudos em demasia. Posto isto, informo que entre a população feminina que acorre a tais celebrações de aldeia, tanto encontramos respeitáveis senhoras de lenço negro e orgulhoso buço como jovens de ar gentil e corte de cabelo agradável.
- Maldizia eu o facto da chuva só ter aparecido exactamente nos dias em que a não desejava, quando eis que um meteorologista vem dizer ontem, com um ar de assistente novato, que nos últimos dias só tinha havido precipitação significativa "no Minho e na região de Bragança". Nada no Douro, portanto. O que significa que a carga de água que apanhei em cima quando vinha desesperadamente a patinar Almacave (Lamego) abaixo, com medo de descer aos tombos, era pura imaginação. Ou o barulho da chuva a caír durante a noite, bem como a lama que repetidamente me enterrava as botas, ou os rios - como o Corgo - e riachos a correr furiosamente em direção ao Douro foram mera alucinação. Terei então de consultar um bom psicólogo, ou então perguntar o que se passa com os discípulos de Anthímio de Azevedo.
- Na Grande Reportagem da semana passada vinha uma carta de alguém que incensava a atitude do Padre Serras Pereira, com o sugestivo título de "aviso aos pecadores". Nela, o seu autor afirma que "os católicos modernaços são espertalhões", porque "procuram as regalias da religião sempre pecando a torto e a direito enquanto assobiam para o lado". Fala ainda no dito Serras Pereira, "pronto a fazer imperar os bons costumes religiosos", elogia os "ideais do Partido Nacional Renovador", e conclui com um fero "podem fugir mas não se podem esconder".
Das duas uma: ou o criador desta epístola é alguém senil ou maníaco-obsessivo; ou não é, está no seu perfeito juízo quando escreve tais palavras, e faz tábua rasa da desautorização de que Serras Pereira foi alvo por parte de D. José Policarpo, o que me recorda igualmente duas situações descritas nos Evangelhos: a primeira é a da mulher adúltera (Lucas 7, 36-50); é óbvio que para atirar tantas "pedras" como as que traz na mão a pessoa em questão jamais cometeu pecado algum, salvo talvez o pecado da presunção. A outra situação é a do homem que reza de pé, para que todos o vejam, e que agradece a Deus o facto de não ser "como o resto dos homens", como o publicano que, de cabeça baixa, bate no peito (Lucas 18, 9-14). Para quem não sabia como era, o indivíduo que escreveu aquela carta mostrou o que é ser um fariseu dos nossos tempos.
- Uma celebração litúrgica nocturna na igrejinha da paróquia, nas faldas da serra, tem muito mais significado do que se fôr rezada pelo Bispo na Sé da Diocese. É necessário, no entanto, que o celebrante não seja daqueles que por tudo e por nada ameace os fieis com as labaredas do Inferno, e que o coro não se exprima com agudos em demasia. Posto isto, informo que entre a população feminina que acorre a tais celebrações de aldeia, tanto encontramos respeitáveis senhoras de lenço negro e orgulhoso buço como jovens de ar gentil e corte de cabelo agradável.
- Maldizia eu o facto da chuva só ter aparecido exactamente nos dias em que a não desejava, quando eis que um meteorologista vem dizer ontem, com um ar de assistente novato, que nos últimos dias só tinha havido precipitação significativa "no Minho e na região de Bragança". Nada no Douro, portanto. O que significa que a carga de água que apanhei em cima quando vinha desesperadamente a patinar Almacave (Lamego) abaixo, com medo de descer aos tombos, era pura imaginação. Ou o barulho da chuva a caír durante a noite, bem como a lama que repetidamente me enterrava as botas, ou os rios - como o Corgo - e riachos a correr furiosamente em direção ao Douro foram mera alucinação. Terei então de consultar um bom psicólogo, ou então perguntar o que se passa com os discípulos de Anthímio de Azevedo.
- Na Grande Reportagem da semana passada vinha uma carta de alguém que incensava a atitude do Padre Serras Pereira, com o sugestivo título de "aviso aos pecadores". Nela, o seu autor afirma que "os católicos modernaços são espertalhões", porque "procuram as regalias da religião sempre pecando a torto e a direito enquanto assobiam para o lado". Fala ainda no dito Serras Pereira, "pronto a fazer imperar os bons costumes religiosos", elogia os "ideais do Partido Nacional Renovador", e conclui com um fero "podem fugir mas não se podem esconder".
Das duas uma: ou o criador desta epístola é alguém senil ou maníaco-obsessivo; ou não é, está no seu perfeito juízo quando escreve tais palavras, e faz tábua rasa da desautorização de que Serras Pereira foi alvo por parte de D. José Policarpo, o que me recorda igualmente duas situações descritas nos Evangelhos: a primeira é a da mulher adúltera (Lucas 7, 36-50); é óbvio que para atirar tantas "pedras" como as que traz na mão a pessoa em questão jamais cometeu pecado algum, salvo talvez o pecado da presunção. A outra situação é a do homem que reza de pé, para que todos o vejam, e que agradece a Deus o facto de não ser "como o resto dos homens", como o publicano que, de cabeça baixa, bate no peito (Lucas 18, 9-14). Para quem não sabia como era, o indivíduo que escreveu aquela carta mostrou o que é ser um fariseu dos nossos tempos.
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