sexta-feira, outubro 26, 2012

Eleições no Benfica e traços da guerra das audiências



Finalmente Luís Filipe Vieira tem como adversário um candidato com alguma credibilidade. Infelizmente, Rui Rangel pareceu-me demasiado verde para a contenda. anunciou a candidatura já tarde, não reuniu tantos apoios como se esperava e cometeu inúmeras gaffes. Seria bom que Vieira apanhasse no mínimo um susto e parasse com declarações demagógicas. Sim, o Benfica está nitidamente melhor do que há nove anos, mas também podia ter arrumado melhor o passivo e os empréstimos bancários e ganho o campeonato do ano passado. E cesarismos nunca deram grande resultado no clube da Luz. Ar fresco precisa-se, mas não estou a ver grandes meios de ser Rui Rangel a abrir as janelas. Além disso, quem conta na sua lista com Eusébio, Rui Costa, Nuno Gomes, Fernando Martins, etc, é praticamente imbatível.
 
Mas há um pormenor irónico e que nos remete para as antigas batalhas de audiências entre os canais televisivos. José Eduardo Moniz é um fortíssimo trunfo de Vieira, e não há dúvida de que, se tiver poder para isso, poderá ser uma enorme mais valia no Benfica. Rui Rangel é irmão de Emídio Rangel, o antigo homem forte da SIC, que levou a estação de Carnaxide aos píncaros e que teve batalhas titânicas com Moniz, ultrapassando-o largamente quando este era director de programas da RTP, e deixando-se passar novamente quando o agora candidato do Benfica transitou para a TVI, graças ao infame Big Brother. Fosse outro Rangel o adversário de Vieira nestas eleições, e teríamos a reedição de uma grande rivalidade e de um combate longo, com pormenores de destruição maciça, qual Primeira Grande Guerra. Felizmente os tempos de Vale e Azevedo já lá vão. Mas avizinham.se novas guerras com a Olivedesportos e quem a possui.
 
 

A queda de um mito vivo



Causa-me enorme impressão o "banimento" de Lance Armstrong do ciclismo, o seu nome riscado, os títulos anulados de um ápice. Bem sei que o doping é a degenerescência do desporto, mas se passaram tantos anos até descobrirem que a equipa de Armstrong usava substâncias proibidas, não será possível que os seus adversários não tenham feito o mesmo? No fundo, acabaria por ser uma competição entre os melhores dos dopados, acarretando com uma certa justiça. Depois, o desporto precisa de heróis, de símbolos, de figuras. O americano era A figura do ciclismo, tendo ultrapassado os antigos ídolos franceses do Tour, o espanhol Indurain e o belga Eddy Merckx. A história da superação do cancro ajudava ainda mais à sua aura de herói que, "mais do que prometia a força humana", ultrapassou todos os obstáculos e pulverizou recordes. Com as decisões dos organismos internacionais que tutelam a modalidade de lhe retirar todos os títulos e bani-lo para sempre do selim, qual República de Veneza ao Doge Faliero, acabou-se com um mito e varreu-se a história recente do ciclismo. Pode muito bem ser o início de uma longa agonia. Irá a história reabilitar o texano, o seu mito e o próprio Tour, ou deixá-lo-à como exemplo dos que subiram demasiado alto e caíram em desgraça?
 
 

terça-feira, outubro 23, 2012

A emigração como uma novela tragiridícula



Já tinha decidido que não ia escrever nada sobre o assunto, mas ao ouvir hoje de manhã a Antena 1 colocar no seu "fórum do ouvinte" o assunto da "emigração dos jovens quadros" por causa da "carta de um jovem enfermeiro que emocionou o país", mudei furiosamente de ideias.
 
Não sei que país é esse que ficou emocionado, para além dos editores da rádio, mas eu não me conto nessa mirífica terra. A princípio, achei tudo isso um pouco cabotino. Mas ao encontrar mais e mais notícias sobre o assunto, comecei a fartar-me, e sobretudo encontrei dos aspectos detestáveis no Portugal dos estranhos dias de hoje.
 
Antes de mais, os factos: um jovem enfermeiro de 22 anos, não tendo encontrado colocação em Portugal, partiu para o Reino Unido, mais precisamente Northampton, com mais 24 portugueses, onde vai ganhar 2000 euros mensais, com condições de progressão na carreira. Antes da partida, largamente coberta pelas TVs (previamente avisadas, com certeza), enviou uma carta de despedida a Cavaco Silva, dizendo-se "expulso do seu próprio país", pedindo-lhe para "odiar este país" e "chorar, por não poder sentir o cheiro da comida (...)e dos campos da aldeia", e por fim suplicando " para que não crie um imposto sobre as lágrimas e a saudade".
 
Para além do estilo lamechas com laivos de provincianismo (é portuense e fala "da sua aldeia"?) e da inutilidade do pedido, como se o PR tivesse quaisquer competências em matéria fiscal, revolta-me a imensa acomodação de alguns pós-universitários, que acham que a profissão lhes deve cair aos pés mal transponham a soleira da faculdade. Sim, isso acontece nalguns casos, sobretudo com os melhores alunos dos respectivos cursos, mas é cada vez menos regra. O que se passa aqui é o costumeira ideia de que por se tirar um curso superior, surge por artes mágicas um direito a ganhar-se de imediato um emprego, de preferência dado pelo Estado, ainda que não seja necessário. Caso contrário, "estão a ser expulsos do país". Note-se que o autor da missiva tem 22 anos, não andou provavelmente meses ou anos à procura de emprego e a aturar ofícios precários. Com essa idade já tem contrato de trabalho e um ordenado que a esmagadora maioria das pessoas com a sua idade não tem (com o desconto de o custo de vida nas ilhas britânicas ser maior). Talvez preferisse permanecer em Portugal. É compreensível e está no seu absoluto direito,e partir muitas vezes é duro. Mas fazer um drama porque vai para o Reino Unido com contrato de trabalho, na era do skype, das redes sociais e das viagens low-cost, que levam um pessoa do Porto a Londres por poucos euros?
 
O outro aspecto absolutamente deplorável é a cobertura maciça da comunicação social a esta não notícia, sobre "a carta que emociona o país". Isto vindo de orgãos ligados ao estado e aos principais jornais, não aos Correios da Manhã desta vida. Não é jornalismo, é cronicazinha de costumes com pretensas historietas de faca e alguidar (que nem são). Nem emocionou "o país" nem espelha o menor drama,  talvez apenas o exemplo da actual emigração inter União Europeia. E só. Está ao nível das revistas de novelas que querem é criar a lagrimazinha fácil e vender o mais possível. Bem sei que a imprensa atravessa maus momentos, mas tudo tem critérios.
 
O caso e o seu acompanhamento ainda é mais revoltante num país que tanto viveu da emigração, que viu dezenas de milhares de portugueses partirem nos anos sessenta das suas aldeias para ir viver nos bidonvilles de Paris, em Genebra, em Estugarda, no Luxemburgo, sem saber o que os esperaria, que trabalharam nas obras e conseguiram subir na vida e dar aos filhos aquilo que nunca tinham recebido. Para não falar dos milhares e milhares que há cem anos cruzavam o Atlântico rumo a um desconhecido chamado Brasil ou América, de onde poucos voltaram, e dos quais quase nenhum reviu a família, não só de Portugal, mas de Espanha, de Itália, da Irlanda...Eu próprio tive um bisavô que partiu, e que teve a sorte de voltar. Tive em tempos a oportunidade de visitar o museu da emigração de Ellis Island, em Nova York, porta de entrada de milhões de emigrantes de todos os pontos do globo na América. No meio da vastidão de memórias e de objectos, encontrei também traços dos portugueses que ali chegaram. Pessoas do continente, da Madeira, e sobretudo dos Açores, a maioria com a roupa do corpo e uma pequena trouxa, e por vezes uma imagem religiosa da sua devoção, como o Senhor Santo Cristo, que lhes daria forças para enfrentar a nova terra e a vida futura. E emocionei-me com essas imagens de tantos anónimos lusos acabados de chegar ao Novo Mundo, vindos do mar, sem saber o que os esperaria.
 
Qualquer comparação destas pessoas, que nunca enviaram carta alguma ao soberano,  até porque nem deviam saber ler, e que partiram rumo ao desconhecido, e este enfermeiro que em duas horas chegou ao seu destino e que poderá comunicar todos os dias por telemóvel com ligeiro acréscimo no roaming, é pura imaginação de uma época em que a tecnologia superou tudo o se havia imaginado e em que se acha que "em pleno século XXI" a Humanidade caminharia para o pleno emprego, direitos satisfeitos ao minuto e em que as crises seriam uma recordação. Não são. Felizmente ainda há alternativas razoáveis, em países próximos e civilizados. Haver quem considere isso uma tragédia e chame a comunicação social para atirar a culpa para "os políticos" é um sinal de que parte deste país pensa que nada mudou ou que nasceu nos anos noventa e que continua a expor-se ao ridículo. Ainda bem que os portugueses que embarcavam nas naus da Índia em busca de um futuro melhor não se lembraram de carpir mágoas ao Rei pelos pregoeiros oficiais.
 
                                   
                                Ford Madox Brown, A última vista de Inglaterra
 
 
 

sábado, outubro 20, 2012

Manuel António Pina, 1943 - 2012



Manuel António Pina deixou-nos ontem. Os seus problemas de saúde eram conhecidos, mas estava longe de saber que eram tão graves. O poeta, escritor cronista, contador de histórias infantis que gostava de gatos e mantinha sempre a bonomia ganhou no ano passado o Prémio Camões, o mais importante galardão literário lusófono, com largo consenso. Ainda bem que não o adiaram, como acontece tantas vezes. Fizeram justiça a um homem talentoso e afável, beirão que há muitas décadas vivia no Porto, que vai fazer muita falta ao não só à cidade mas ao país, à cultura e à imprensa, que por estes dias tem andado tão por baixo. Assim fica imortalizado, e ao contrário do que profetizava, daqui a cem e mais anos continuará a ser lembrado. Esperemos.
 
 

Os Açores não são o melhor barómetro



Os resultados das eleições nos Açores fizeram-me crer que se deviam à conjuntura nacional e à impopularidade de que o governo goza. Dias depois, já não estou tão certo disso.
 
De facto, o PS venceu com nova maioria absoluta, ultrapassando o obstáculo da saída de Carlos César, substituindo-o com êxito por Vasco Cordeiro, o que significa que se manterá no poder regional por mais uns mandatos. Depois de uma semana desastrosa para os socialistas, que começou com as divergências entre Seguro e o grupo parlamentar sobre a diminuição de deputados, passou pela entrevista do inenarrável Paulo Campos e com a polémica da renovação da frota automóvel, o partido da rosa ganhou uma novo fôlego. Berta Cabral, a popular autarca de Ponta Delgada, há muito figura grada do PSD e grande esperança de reconquista dos Açores, não conseguiu mais do que elevar ligeiramente a percentagem de votos do seu partido. O CDS, que esperava tornar-se o fiel da balança, apanhou por tabela, perdendo dois mandatos. O PPM de Paulo Estêvão manteve o seu, graças aos votos corvinos. o BE perdeu um e a CDU manteve também o seu.
 
Na actual contestação ao governo de Passos Coelho, parece improvável que o PS, mesmo crescendo, pudesse ganhar uma enorme maioria. Afinal de contas, também é responsável, e de que maneira, pelo que estamos a passar, e Sócrates não está em Paris assim há tanto tempo. Outra improbabilidade seria a de o PSD se aguentar com idêntica votação. E se uma diminuição de votos no CDS parece plausível, já as magras percentagens obtidas pelos partidos mais à esquerda dão a ideia de que não estão a capitalizar o descontentamento e não traduzem o que as sondagens nacionais lhes dão.
Assim, parece-me que mesmo que possa haver algum descontentamento à mistura, as eleições são mais uma expressão da realidade regional, e de uma certa concordância com o governo de Carlos César e a inutilidade de mudar, mesmo com uma candidata credível, e não tanto de reprovação do actual governo. Que poderá talvez ser corporizada, assim como algum enfado com o sistema partidário, pela elevadíssima taxa de abstenção.
 
Mas se o PS conseguiu aqui um suplemento vitamínico de que tanto precisava, o mesmo não significa que nas autárquicas do próximo ano isso venha a suceder. Ninguém sabe qual será a situação, embora não haja razões para optimismos, e há variadíssimas causas localizadas para que as câmaras mudem ou não de mãos. Para além do "voto de protesto",  a limitação de mandatos que desalojará muitos dinossauros terá efeitos interessantes. a antecipar isso, Menezes, ávido de se sentar na Câmara do Porto, já pré-lançou a sua candidatura, provocando muitas divisões no PSD, e com tanta inabilidade política que convidou Miguel Relvas para a apadrinhar. com menos escaramuça. o PS lançou Manuel Pizarro como seu candidato. Resta ver o que faz o CDS, a esquerda mais radical (depois dos desaires sucessivos do BE e de Rui Sá, da CDU, se retirar da vereação) e os PSD anti-Menezes, naquela que promete ser uma das disputas eleitorais mais interessantes por que o Porto já passou.
 
Entretanto, o governo vai-se aguentando, depois do anúncio de aprovação do orçamento pelo CDS-PP, um "sim, apesar de tudo..." resignado. Vamos ver por quanto tempo mais. Porque depois da votação na generalidade, e da ameaça com chantagem à mistura de Passos Coelho e do desdém de Vítor Gaspar pelo trabalho de casa de corte na despesa dos restantes ministros, que provocou previsível tensão no executivo, Paulo Portas não se vai deixar ficar, apesar de todo o "sentido de estado".
 
 

quinta-feira, outubro 18, 2012

Sim, os blogues em Portugal já têm dez anos


No Complexidade e Contradição recorda-se outro aniversário (como remissão para este texto de Tiago Cavaco): o dos dez anos da Coluna Infame, o primeiro grande blogue português, o espaço virtual que deu o tiro de partida para a blogoesfera em Portugal. Confesso que não era leitor assíduo da Coluna, e só tive conhecimento precisamente quando acabou, numa implosão que deu brado. Mas depois disso li-o todo, de fio a pavio. O blogue de Pedro Mexia, João Pereira Coutinho e Pedro Lomba abalou o salão opinativo em Portugal, até aí confinado aos jornais e demais comunicação social, revelou que cada pessoa com internet à mão podia lançar o seu próprio diário, ou jornal, ou simples espaço de opinião, e pô-lo à vista de toda a gente. Inspirou rivais, como o Blog de Esquerda, e a partir daí os blogues surgiram como coelhos. É por isso que estas linhas que estão a ler só existem graças à Coluna Infame. Como devedor da sua própria existência, era imperioso que os dez anos do seu aparecimento fossem devidamente lembrados. A memória e a gratidão são valores que este espaço ainda não dispensa.

terça-feira, outubro 16, 2012

Os noventa anos de Agustina


Já estamos a 16. Mas associo-me a vários blogues que não deixaram passar em branco o 15 de Outubro, dia em que Agustina Bessa-Luís completou 90 anos. Mesmo com a saúde bastante debilitada, a senhora de Amarante (hoje talvez mais do Porto, ali tão perto dos Caminhos do Romântico) é um dos grandes vultos da nossa literatura que ainda nos restam. As homenagens foram discretas, mas dignas, e contaram com o lançamento de alguns textos inéditos e de um círculo literário debruçado na sua obra. Será que os "agentes culturais" que tanto se manifestaram no sábado contra a "morte da cultura" se lembraram da data?

segunda-feira, outubro 15, 2012

A esquizofrenia cultural


 
Os fins de semana foram transformados em jornadas contínuas de protestos contra a política de apertar o cinto do governo. Manifestações convocadas por vastos sectores da sociedade, como as de 15 de Setembro, pela CGTP e variados sindicatos, pela polícia, pelos enfermeiros, etc. Neste último  tivemos a manifestação de protesto dos "artistas" e da "gente da cultura", ou mais precisamente, pessoas ligadas ao teatro e à música, sob o lema, emprestado de outras caminhadas, "Que se lixe a Troika".
 
 
É natural que num período tão incerto e duro se queira proporcionar a quem passa, num Sábado solarengo, uma ampla oferta musical ao ar livre e de borla, ainda que a lisboeta Praça de Espanha se preste pouco a que se pare lá (a nossa D. João I sempre é mais aconchegada). Menos natural, ou mais disparatado, se quiserem, é virem os ditos "agentes culturais" querer que "a Troika se lixe". Ainda não percebi se estas pessoas organizaram aquilo por lirismo de classe ou se vivem no planeta Marte. Sim, mandam-se os componentes da "Troika" embora, dizendo-lhes que "queremos as nossas vidas". Resta saber como vivê-las quando o Estado se vir sem dinheiro para pagar seja a quem for passados poucos meses e com os bancos a fechar-lhe a porta na cara. Da música de intervenção? Da cantiga que "é uma arma"? Do ar ou do vento que passa?

O mais espantoso é que ao mesmo tempo que querem que a "Troika" se vá e que gritam "FMI fora daqui" (logo a instituição mais aberta a um alívio das condições dos acordos), como se isso não tivesse as nefastas consequências atrás resumidas, protestam acima de tudo contra os cortes do Estado na cultura. Se já há dificuldade em cumprir tudo o resto, em pagar a nossa imensa dívida, em honrar os compromissos, em continuar sequer obras paradas, como o túnel do Marão, e se para mais protestam contra a subida dos impostos, como querem que o Estado subsidie a cultura, ou não faça cortes? Que esquizofrenia é essa de quererem expulsar quem nos financia e ao mesmo tempo exigirem o retorno aos subsídios? Que alternativas propõem? A ideia que passam, com slogans mais ou menos pueris como "não nos deixam sonhar" ou "querem matar a cultura", é a de que sem subsídios, ou seja, sem lhes pagarem, não há "cultura". Será que os tais sonhos estão a ser esboroados ou é mais uma fonte de rendimentos que seca?

Não que o Estado não possa ou não deva subsidiar as várias expressões de Arte, como aliás aconteceu ao longo dos séculos. Os Estados Pontifícios foram dos maiores fomentadores das obras do Renascimento, e não podem ser acusados de ser propriamente "socialistas", como diriam os nossos liberais mais dogmáticos. Nem tampouco o nosso D. João V, Frederico II ou os Filipes, nas suas encomendas a Velasquez. O risco é de o Estado e demais poderes públicos se tornarem nas únicas ou maioritárias fontes de financiamento dos artistas, que se tornam assim agentes políticos, ao serviço de uma dada ideologia ou interesse estatal, cerceando a sua criatividade e independência. É isso que se passa nos estados totalitários e autoritários, onde grandes artistas se puseram ao serviço do respectivo poder, como Eisenstein, na URSS de Estaline, Leni Riefenstahl na Alemanha Nazi, Pirandello na Itália fascista, Dali na Espanha franquista, e o grande Almada Negreiros, que tantos trabalhos criou para o Estado Novo. A lista é infinda.
 
Aparentemente, a nossa "gente das artes" não se lembra disso. Ontem, ouvi Camané falar "no medo que havia há um ou dois anos", e que agora parece que está a ser posto de parte pelas pessoas em manifestações como aquela. A ideia, encapotada, de que vivemos num  sucedâneo do Estado Novo é tão ridícula que merecia uma imensa pateada ao fadista. E enquanto observava os conjuntos musicais, aliás talentosos, a sucederem-se no palco, com intervalos em que uma criatura grotesca aparecia a fazer momices (haveria subsídios estatais para isso?), pensava na estranha esquizofrenia daquela gente toda, que quer mais apoios do Estado e ao mesmo tempo quer mandar embora quem o subsidia. Sim, em tempos de vacas gordas até se justificam. Mas estamos numa época de vacas magrérrimas, em que outros sectores são prioritários. Os criadores culturais terão de viver dos seus Mecenas e do público, trabalhando com criatividade, talento paciência e suor. A crise quando chega é para todos, e não é por se empunhar uma guitarra ou se criarem umas abstracções elogiadas por críticos amigos que se ganha o direito a ficar imune.

terça-feira, outubro 09, 2012

Página necrológica


A última semana tem sido demasiado necrológica. Começou com a morte de Armando Marques Guedes, o primeiro presidente do Tribunal Constitucional, um Senhor que aos noventa anos ainda exercia o cargo de provedor dos CTT, que se destacou no Direito Internacional, Marítimo e da Guerra, e que tive o prazer de conhecer há anos, enquanto auditor de um curso de política externa, além de ser o Pai de uma pessoa de que me prezo de ser amigo. Acreditava que o futuro da Europa não estaria isento de secessões, e a escalada catalã pode vir a dar-lhe razão.

Depois Eric Hobsbawm, um dos mais conhecidos historiadores da actualidade, tão cosmopolita que que viveu em Alexandria, Viena, Berlim e Londres. Historiador rigoroso, a sua crença marxista não o impediu, ao contrário do que algumas críticas lhe apontam, de não ser  cego perante o "socialismo real". Destacou-se por inúmeras obras, a mais conhecida das quais é A Era dos Extremos, um livro que me deram nos meus dezoito anos e que conta a história do século XX. Uma curiosidade, capaz de pôr Manuel Loff aos saltos: Hobsbawm, apesar de marxista, não considerava que Salazar fosse fascista. E pelo seu obituário, soube igualmente da morte recente de outro importante historiador britânico: John Keegan.

Há dias desapareceu Margarida Marante, de ataque cardíaco. Habituou-nos ao seu estilo de entrevistadora impetuosa, agressiva mesmo, uma imagem de marca que mais ninguém conseguiu alcançar (Moura Guedes tentou-o, mas de uma forma mais teatral e desinformada). Era uma das estrelas da televisão de qualidade e das grandes entrevistas de uma certa época, em tempos de maioria cavaquista, e que bem falta nos faria hoje. Nos últimos anos deixou a comunicação social, era sobretudo notícia por más razões, e entrou num declínio irreversível. Nas mais recentes imagens aparecia gordíssima, quase disforme. E tinha apenas 53 anos...

Ontem, finalmente, o Professor Nuno Grande. A notícia não espantou, dado o seu muito debilitado estado de saúde. Teve alguma participação política supra-partidária (soube apenas agora quer tinha sido mandatário da candidatura presidencial de Maria de Lurdes Pintassilgo), mas ficou mais conhecido por ser o fundador do Instituto Abel Salazar (ICBAS) do Porto e pela sua carreira académica e intervenção cívica. Gozava de um enorme respeito de todos. Pela minha parte, chegou a ser meu médico e ouviu-me em várias ocasiões. Era afável, tinha sentido de humor e arranjava sempre tempo para ouvir os outros. Vivíamos também na mesma rua. Infelizmente já não terei oportunidade de o ver passear na companhia da sua mulher, a Dr Ana Maria. Numa altura em que necessitamos mais do que nunca de uma intervenção cívica mais lúcida e pensada, é uma perda inestimável.
 
 

domingo, outubro 07, 2012

Grosseira falta de memória



Desastradas, as comemorações do 5 de Outubro de 1910. Além do patético (mas simbólico) hastear da bandeira ao contrário, tivemos discursos oficiais em salas reservadas à classe política - nunca o divórcio entre a dita classe e o povo esteve tão escarrapachada - críticas ideológicas a esses mesmo discursos, protestos aos berro ou em forma de canto lírico, manifestações de sindicalistas, etc
 
Entretanto, muita gente se escandalizou porque Pedro Passos Coelho não este presente, trocando as "comemorações" por uma cimeira em Bratislava. Ou sofrem de amnésia, ou são ignorantes ou então são total e vergonhosamente subservientes ao regime imposto em 1910, colocando-o acima de tudo o resto. Afinal de contas há quantos anos é que o chefe de estado e de governo não comemoram oficialmente o 1º de Dezembro, Dia da Independência?
 
 

terça-feira, outubro 02, 2012

Contra o Barcelona, sem meio-campo

 
Até aos últimos dias de Agosto estava confiante no Benfica, apesar do empate com o Braga. Achava que ainda íamos vender Gaitan e preservar Witsel. Faltava um defesa esquerdo, é certo, estava-se q queimar Melgarejo numa posição que não é a dele, e faltava um substituto para Maxi, até porque ainda falta traquejo ao miúdo Cencelo. Depois veio a venda de Javi Garcia. O espanhol é um dos esteios do Benfica e tem raça, mas por vinte milhões dava perfeitamente, e ainda temos Matic. O problema é que o raide de S Petersburgo patrocinado pela Gazprom levou-nos o belga (também levou Hulk a preço abaixo do anunciado, valha-nos isso), um jogador de uma qualidade rara, indispensável na equipa e que esperava manter por mais um ano. Como resultado, o meio campo ficou uma passador, uma manta de retalhos sem a necessária filtragem, e o resultado está à vista. No jogo de Coimbra, pese a habitual Xistrada e os seus penaltys forçados, viu-se bem o quão macio está o meio campo. Enzo Perez está a mostrar que tem qualidade técnica mesmo fora do seu lugar, mas não se lhe podem pedir funções muito defensivas, e Matic não chega para as encomendas. Para mais, Luisão está fora por castigo. Tínhamos uma boa solução para tapar o buraco, chamada Airton. Infelizmente, está emprestado ao Flamengo até Junho...
 

Se o Benfica conseguir aguentar-se até Janeiro sem perder muitos pontos, há esperança no campeonato. Aí, poderá reforçar-se (fala-se no regresso de Manuel Fernandes), vender finalmente Gaitán, que é muito bom, mas por alguma razão se comprou Ola John, e equilibrar o plantel. o problema são as competições europeias, os três próximos jogos, e sobretudo o de hoje à noite. Apesar de alguma pressão afastada pela última jornada, o Benfica recebe hoje o Barcelona na Luz, que está um pouco remendado, mas apenas lá atrás. Não fossem as baixas do defeso e haveria algum equilíbrio e a perspectiva de um jogo renhido. Assim, com um meio-campo provisório, resta-nos esperar por uma noite desinspirada dos culés e alguma sorte. Talvez dessa forma consigamos um ponto, o que ajudava muito. De outras vezes, o Barça empatou na Luz e mais tarde sagrou-se campeão europeu (o primeiro confronto aconteceu na final de 1961 e deu o primeiro título ao Benfica). Não sou grande fã da equipa blaugraná, que deve as suas cores ao Basileia, mas se ganharem nova competição e isso significar que o Benfica passa a fase de grupos, tanto melhor. Espero que a tradição se mantenha. Não que tenha grande esperança em não ver Artur ir buscar a bola várias vezes ao fundo da baliza, mas deixem-nos sonhar, nem que seja baixo.
 
 

segunda-feira, outubro 01, 2012

O perigo da agitação espanhola



Muito boas almas, a começar pelas das televisões, ficaram entusiasmadas com as manifestações que se verificaram em Espanha na última semana. Ao que parece, o "povo" saiu à rua e cercou o parlamento porque os políticos "não os representam" e para exigir "verdadeira democracia", perante a "brutalidade policial". Desconheço em que mundo vivem  os que assim pensaram. No caso da comunicação social, vejo apenas o desejo que lançar a manchete e de conseguir aumentar as audiências a todo o preço. Se as revistas usam as vidas dos desgraçados da "casa dos Segredos, os outros recorrem às armas disponíveis.

O que se viu foram seis mil pessoas (num universo de milhões) numa manifestação ilegal, tentando invadir as Cortes, que se encontravam reunidas. Não estamos a falar de largas camadas representativas da população, e sim de franjas mais radicais, como se entendia pelas indumentárias e pelos símbolos (bandeiras republicanas, por exemplo), tentando fazer um descarado aproveitamento político da situação. Isso mesmo registou a mais conceituada imprensa espanhola, ao que parece mais sensata do que as nossas TVs, lembrando que o ataque ao parlamento nacional por uma minoria era um completo desrespeito pela vontade da maioria. Quanto à brutalidade policial, parece realmente ter havido alguns excessos da polícia, mas quando uma chusma de gente tenta à força entrar na sede do poder legislativo, quebrando todas as barreiras, o que se poderia esperar?

A insanidade dos manifestantes é mais um dado inquietante num país onde inquietações não faltam. A cada semana uma nova região administrativa pede auxílio ao governo central, revelando a enorme estupidez da existência de tantas divisões autonómicas para além das mais óbvias - pelas suas características culturais e linguísticas - e das províncias. Os bancos estão descapitalizados depois dos investimentos insensatos na bolha da construção civil, que após anos e anos de ilusões, estourou  deixando à vista condomínios e blocos habitacionais às moscas, sem ninguém que os compre, levando à falência as construtoras civis e as imobiliárias e aumentando ainda mais o assustador número do desemprego. A economia não cresce, os juros estão próximos do vermelho, o resgate das instituições europeias e financeiras está iminente. Rajoy parece que afinal não enganou quanto à sua falta de carisma e tacto, tomando medidas à bruta sem consultar ninguém, permitindo que as tensões sociais se avolumem, e nem ao menos conseguindo ser minimamente eficaz nas tentativas de negociação do mais que provável resgate. E depois, os problemas máximos, postos a nu por toda esta situação: a fractura ideológica da sociedade espanhola, esse monte de  ressentimentos que a Transição não conseguiu liquidar definitivamente; e a ameaça de secessão da Catalunha. Imaginam os catalães que vão conseguir separar-se do resto de Espanha rompendo com a Constituição de 1977, mantendo-se tranquilamente no Euro, gozando da sua (pretensa) exclusiva capacidade económica e até com os seus clubes a continuar a jogar na Liga espanhola de futebol como se nada se tivesse passado e não tivesse de sofrer quaisquer consequências pelo seu acto pouco reflectido. Ou seja, querem todas as vantagens e nenhuma das responsabilidades. Se levarem em frente a sua loucura revivalista de um obscuro condado medieval, talvez não demore muito tempo a arrependerem-se.
 
 
É este o perigo que ameaça a Europa, e muito particularmente Portugal. O de convulsões num país a braços com pré-avisos de separatismo, bancarrota financeira, velhos ódios de regresso à superfície, tudo isto sob a tutela de um governo inepto que age como um elefante na fábrica da Vista Alegre. Será bom recordar aos entusiastas das manifs das metástases dos "Indignados" que a Segunda Guerra teve o seu grande ensaio em Espanha, precisamente pelos ódios, violência e separatismos que varriam o país. Não os queiram repetir.