sexta-feira, maio 24, 2019

O que me ficou da campanha para as europeias


Antes das eleições de Domingo não resisto a um pequeno apanhado do que me ficou desta pobre campanha eleitoral

A campanha dos "grandes"

As melhores campanhas foram feitas por partidos em que não tenciono votar (e quase do espectro oposto um do outro). Dos grandes, achei que a da CDU cumpriu bem os seus propósitos com o seu eleitorado, sem grandes ataques pessoais e falando realmente de questões europeias.   João Ferreira tem uma imagem ambivalente do trintão a entrar no bar da moda conservando uma linguagem ortodoxa, mas é impossível negar-lhes competência e sobriedade. Desfia a cassete, mas fá-lo bem.

No Bloco, Marisa manteve-se genuína e muito activa, monopolizando toda a campanha do seu movimento, e bem: quando o resto do Bloco se lhe juntava, estragava tudo.

Nuno Melo passou o tempo a falar de Sócrates e muito pouco de Europa (gostava de saber o que ainda pensa do caso da Hungria, por exemplo), com uma postura de forcado que não deixou espaço a outros nomes da lista. Só Cristas falou ao lado dele, fora umas palavrinhas de Mota Soares.

Paulo Rangel conteve-se mais do que o costume, embora falando também demasiado do PS. Ainda assim, uma campanha menos feroz do que há cinco anos, mas menos substantiva do que há dez, quando então ainda era um pouco novidade para o grande público, como quando presidiu à primeira blogotúlia de que tenho memória (mas quem teve aulas com ele sabe como tem o dom da palavra).

Por fim, Pedro Marques. Como praticamente toda a gente reconheceu, revelou-se um candidato desastroso, quase escondido por António Costa, que ainda teve o desplante de atacar a entrada em campanha de Passos Coelho enquanto Pedro Silva Pereira, a sombra de José Sócrates e terceiro candidato da lista do PS, era estrategicamente escondido atrás da cortina. A propósito. alguém ouviu mais algum candidato da lista? A também ex-Ministra Leitão Marques, Zorrinho, ou qualquer outro que teria sido um melhor cabeça de lista?

A campanha dos "pequenos"

O seu liberalismo puro não é propriamente o meu campo, pelo que não terão o meu voto, mas preencheu um espaço vazia na partidocracia portuguesa. A Iniciativa Liberal teve de longe a campanha mais imaginativa e inteligente, sem nunca descer o nível.

Paulo Morais, pelo Nós, Cidadãos, teve menos impacto do que merecia. O discurso da corrupção é importante, mas gostava de ter ouvido melhor o que ele disse sobre questões ambientais (tendo em conta que o seu nº 2 é José Inácio Faria, eurodeputado do MPT).

Paulo Almeida Sande, do Aliança, uma boa surpresa, achei-o convincente e preparado, e não faria má figura no PE. O mesmo se diga de Rui Tavares, do Livre, já com experiência em Bruxelas, assim como Marinho e Pinto, mas este espero bem que fique de fora e que aquela coisa chamada PDR desapareça quanto antes; partidos unipessoais e demagógicos, não, por favor.

O Basta revelou-se a fraude que se supunha, quando André Ventura trocou um debate na RTP por conversas de bola na CMTV. Esta coligação de um cocktail de direitas parece quase uma resposta áqueloutro cocktail de esquerdas das legislativas de 2015, o Agir, com Joana Amaral Dias (a surgir despida e grávida na capa da revista Cristina), o Mas e o PTP. Aqui tínhamos o nóvel Chega, de Ventura, o histórico PPM, ainda que dividido (sim, há lá militantes suficientes para criar divisões, tal como no MPT, aliás, que à mercê disso nem se apresentou nesta eleição depois de há cinco anos ter eleito dois eurodeputados; Gonçalo Ribeiro Telles não teria certamente isto em mente quando os fundou), o Portugal pró Vida e o Democracia 21, que julgo não ser sequer um partido.

PNR, PTP, PAN e PURP poucas surpresas mostraram, para além das suas agendas habituais e de um certo folclore, sobretudo da parte dos reformados e dos trabalhistas (aqui aconselhava a decorarem melhor o teleponto)

Já o MRPP, agora órfão de Arnaldo Matos, nem por isso deixou de ser menos lunático, mas ao menos não escondeu ao que vinha: saída do Euro e mesmo da UE. Para quem há pouco tempo anunciava "Morte aos Traidores" não se podia esperar menos. Quanto ao MAS, na campanha televisiva o cabeça de lista fazia lembrar uma árvore de Natal, tal a profusão de cores, tranças e adereços ideológicos; as propostas eram ligeiramente mais contidas do que as do MRPP - 70% de impostos sobre as grandes fortunas, por exemplo.

terça-feira, maio 21, 2019

A reconquista



E a 18 de Maio o Benfica reconquistou o campeonato nacional de futebol, o seu 37º título. Um triunfo que parecia utópico em Janeiro, quando Rui Vitória, com o crédito esgotado, deu lugar a Bruno Lage. Na altura, quando o Benfica estava em quarto lugar, e tinha uma segundo volta só se lhe pedia um resto de época com dignidade. Ninguém achava que jogadores como Samaris pudessem ainda dar alguma coisa, como podem observar neste post que escrevi na altura. Lage não parece ter ouvido bem os desejos dos benfiquistas e desatou a ganhar, a golear a massacrar adversários com uma ferocidade tal que quando deu por ela viu-se no primeiro lugar. Como quem não quer a coisa, goleou em Alvalade, venceu com reviravolta nas Antas (e acabou estes dois jogos com dez), e pelo meio marcou dez secos ao Nacional, um número que não se via desde os anos sessenta, quando o mesmo Benfica deu outra chapa-10 ao Seixal (curiosamente é do Seixal que vêm as jovens pérolas do Benfica, no que se revelou uma desforra feliz).
Depois vieram jogos menos conseguidos, uma eliminação escusada na Taça frente ao Sporting e uma campanha europeia morna, que com mais um pouco de vontade daria para as meias finais da Liga Europa. O objectivo passou a ser apenas o campeonato, que, repito, era uma miragem em Janeiro, ou nem isso. Ainda houve sustos, houve novas goleadas, e houve até sustos que acabaram em goleada. Até ao tal 18 de Maio, em que depois de um 4-1 ao Santa Clara, que quase permitiu atingir o recorde de golos num campeonato, o Benfica sagrou-se de novo campeão, pela 37ª vez. Seguiu-se a comemoração no estádio e a romagem ao Marquês, a que este vosso servo já não assistiu.

A imagem pode conter: multidão e estádio

O campeonato ganhou um especial sabor depois das dificuldades todas na primeira volta, das expectativas goradas e da fúria espantada dos adversários. É dos campeonatos mais justos dos últimos anos, como se viu pelos resultados directos frente aos adversários directos, pela quantidade de golos e pelo aproveitamento de jovens valores de base. No entanto, não deixaram de tentar passar a ideia que o Benfica estava a ser ajudado pela arbitragem, logo numa época em que teve um número exagerado de expulsões. Confirma-se: o SLB poderá ganhar todos os jogos avassaladoramente que despertará sempre sentimentos de inveja e de ódio, críticas infundadas e mentiras descaradas. Assim são os grandes clubes.

A hegemonia actual do Benfica não era mesmo uma mirage, é real. Venha o 38. Estamos quase nos quarenta!

sexta-feira, maio 17, 2019

Festivais, petições e artistas parvos


Ao contrário do que se chegou a vaticinar por algum público prematuramente eufórico e por alguns músicos demasiado convencidos do seu poder intuitivo, Conan Osíris ficou pelo caminho na sua primeira actuação no festival da Eurovisão, em Telavive, e nem à final vai. Não era difícil imaginar que aqueles requebros com uma música que não destoaria dos saudosos Cebola Mol só por delírio poderia ganhar o certame, por muito freak que o espectáculo se tenha tornado (vide a vencedora do ano passado). Além de que os israelitas desconfiam dos egípcios, pelo que um concorrente com o nome "Osíris" não teria muitas facilidades. Mas passado o infortúnio (ou a salvação da honra da pátria, não sei), lembrei-me de um episódio recente que data da escolha do representante português no festival.

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Em carta aberta, quarenta "artistas portugueses" pediram a Conan Osíris que não fosse actuar em Israel porque isso seria "ignorar o cerco ilegal que Israel mantém em Gaza". Pelo meio, falavam de como Osiris "conseguiu deslumbrar Portugal com a sua música e honestidade".

Não sei o que é que era mais delirante na carta: se acharem que a música do vencedor do festival da canção "deslumbrou Portugal", se toda a inflamação contra Israel. Entre os subscritores encontrava-se um ou outro nome mais respeitável, como Afonso Cruz ou Pedro Lamares, que dificilmente se percebe o que faziam ali, mas outros, como Alexandra Lucas Coelho, eram tão previsíveis que só de se ler o conteúdo da missiva se imagina que tais pessoas tinham alguma coisa a ver com aquilo. 

Não que o estado de Israel não tenha as suas responsabilidades na desgraça que é Gaza. Já não estamos exactamente nos anos cinquenta para referir sempre as ameaças externas ao estado judaico. O Egipto e a Jordânia têm relações diplomáticas com Israel, e a Síria tem bem mais com que se preocupar internamente. A norte, é certo, há sempre as preocupações com o Hezbollah, amparado pelo Irão, e também de Gaza constantemente voam rockets para território israelita. A política de colonatos, que serve sobretudo para atender ao crescente número de ortodoxos, não ajuda a apaziguar a situação. E a forma como muitas vezes os soldados tratam os palestinianos de Gaza, da Cisjordânia, a começar pela circulação entre territórios, não é digna de um país de cultura ocidental. A reeleição do oportunista e revisionista Bibi Netanyahu, que parece ter mais vidas que um Macabeu, entre acusações de corrupção, aliados desavindos e coligações adversárias potencialmente perigosas, agrava ainda mais as coisas.

O problema é que se Israel abusa da sua posição de força, os povos que os rodeiam conseguem fazer pior. Os palestinianos não têm grandes razões para elogiar o Hamas e a Fattah. Justamente há dias voltaram a lançar rockets contra povoações israelitas, provocando vítimas (a que as forças armadas de Israel responderam com ainda mais vítimas). E convém lembrar que entre 1948 e 1967 os judeus foram todos expulsos da Cidade Velha de Jerusalém e não se podiam aproximar sequer do Muro do Templo, o seu lugar mais sagrado. Os muçulmanos continuam a poder circular por toda a parte e não consta que a Cúpula do Rochedo e a Mesquita Al Aqsa lhes tenham sido vedadas. 

Por isso, toda essa verborreia contra o festival em Israel não passou de um aproveitamento político mal disfarçado. Aliás, já antes um conjunto de associações tinha feito igual pedido, e entre elas figurava o patusco colectivo Panteras Rosa, um grupo que combate a "LesBigay transfobia", e que provavelmente ignora que Israel é o único país da zona que respeita os direitos LGBT (sim, há mesmo uma parada gay anual em Jerusalém). Mas tendo em conta que o porta-voz desse grupo é um dos 25 que abandonou recentemente o Bloco de Esquerda por considerá-lo "pouco radical", percebe-se um pouco melhor esta aparente esquizofrenia. 

Pelo meio, uma voz um pouco mais conhecida e com uma velha e conhecida obsessão por Israel tinha entrado em cena: a de Roger Waters. O antigo Pink Floyd e autor de The Wall enviou uma carta ao "jovem e talentoso cantor português", cuja canção traduziu e achou "bastante profunda", pedindo-lhe para ser "o finalista que seria lembrado por se ter colocado do lado certo da história", o do "amor, paz verdadeira e justiça". Como se sabe, Osíris nem sequer chegou à final, pondo em causa a carreira de áugure de Waters, mas também lhe deu uma resposta evasiva, depois de dias sem lhe responder.

A verdade é que as escolhas políticas de Roger Waters são muito duvidosas. Por essa altura, reafirmou o seu entusiástico apoio ao regime da Venezuela, acusando a oposição de fazer parte da "agressão norte-americana, e surgiu num vídeo, elogiando "a experiência socialista bolivariana", com umas palavrinhas em espanhol, decerto para melhor demonstrar a sua fraternidade com Maduro, e uma guitarrada medíocre, terminando com um "viva la revolucion". E de onde falou, o intrépido artista? Da Suíça, esse farol de rebeldes e de defensores dos desvalidos. Apoiar o bolivarianismo sim, mas só nos intervalos dos desportos de Inverno, entre idas ao banco para inspecionar as contas que aumentaram com a venda de dezenas de milhões de discos e digressões ciclópicas.



Lembrei-me que aqui há uns anos estive tentado a ir ver o concerto The Wall Live ao pavilhão Atlântico. Mas depois achei que o custo não vali o esforço e que aquilo era demasiado maçador. Depois de ouvir as opiniões políticas de Waters, e mesmo fazendo a destrinça entre o artista e a sua obra, concluo que foram os trinta euros (só do concerto) mais bem poupados da minha vida.