sexta-feira, fevereiro 27, 2015

Óscares 2015


Este ano quase nem vi a cerimónia dos Óscares. Aguentei até ao melhor Actor Secundário, quase no princípio, e desisti. Fiz bem. Afinal de contas, cumpriram-se todas as previsões. Não falhou nenhuma, salvo talvez qualquer aposta nas categorias técnicas. Mas ainda me lembro do tempo em que havia surpresas e discussões entre especialistas, dando a sua opinião sobre quem deveria vencer. Vá lá que para Melhor Actriz ganhou a Julianne Moore (não vi o filme dela, mas há anos que já merecia uma estatueta), e Wes Andersson levou também algumas para casa, mas confirma-se que um papel autobiográfico e para mais de um cientista com deficiências notórias comove sempre a "academia" e são 3/4 de caminho andado para ganhar o prémio (vide Rain Man ou Shine), com algumas notáveis excepções (e que foram por isso mesmo uma surpresa), como Uma Mente Brilhante. Birdman é um bom filme, mas não excepcional. Grand Budapest Hotel, é muito bom, mas não é uma obra-prima. Não vi Boyhood, mas do que me lembro de Patrícia Arquette, nem por sombras mereceria sequer uma nomeação para prémios de teatro de bairro. Espero que tenha melhorado, senão será sem dúvida a pior actriz de sempre a ser galardoada com um Óscar.

segunda-feira, fevereiro 23, 2015

As prioridades da ONU


É claro que ser impedido de entrar no metro por um punhado de rufias racistas e bêbados, ainda por cima estrangeiros, como aconteceu há dias em Paris, é desagradável. Mas apesar da humilhação e da sensação de intimidação, o pior que acontece é entrar só no metro seguinte, uns minutos depois. Que o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos não entendeu assim e resolveu pronunciar-se sobre o acontecimento. Quem não vivesse neste Mundo poderia supor que isto está no grau mais alto da escala das violações dos direitos humanos. Bom seria que todos os problemas fossem esses, mas sinceramente, com todos os casos aberrantes que se passam no Mundo, é sobre coisas destas que os senhores Altos Comissários se debruçam? Pergunto-me se tiveram uma reacção tão pujante quando vinte e um coptas foram barbaramente assassinados (outra vez) por terroristas da Daesh nas praias da Líbia. Bem podem dizer que Paris é mais mediática e "mais perto" (dá ideia que tudo o que se passa na capital francesa é mais importante do que o resto), mas recordo-lhes que a Líbia é já ali do outro lado da Itália. E a  ONU, que eu saiba, tem carácter mundial. Se se vai pronunciar sobre cada caso de racismo, então vai precisar de umas dezenas de porta-vozes em discurso ininterrupto. Melhor faria se fosse tratar do que importa e deixasse os casos menores de lado. Depois, não admira que digam que se trata de uma ilustre inutilidade. Bizantinices como estas levam ao ridículo, e a prazo, à total irrelevância.


quarta-feira, fevereiro 18, 2015

Duas visões europeias opostas



O braço de ferro no interior da eurozona está para durar, como não podia deixar de ser entre partes que além de se quererem salvar, querem também salvar a face. Mas é curioso notar como tudo isto resulta sobretudo das intransigências de dois países, a Grécia, o país assistido e quase insolvente governado há semanas por uma coligação contra natura de esquerda radical com nacionalistas de direita, e a Alemanha, o "motor" da economia europeia, o líder oficioso da zona euro e principal credor dos gregos, governado pela coligação luterana CDU (e o apêndice católico CSU)- SPD, encabeçada pela temida e detestada Angela Merkel. Mais do que um choque político e económico, é um choque cultural.


Os dois países têm características muito diferentes, que em dose moderada são louváveis, mas que em excesso conduzem ao impasse como o que se verifica agora. A Grécia é um país intrinsecamente mediterrânico, uma terra de oliveiras e vinhas, de sol e de mar em abundância, com um povo histriónico e caloroso, que se orgulha (algo ilusoriamente) dos antepassados que ali criaram uma civilização que influenciaria todo o ocidente, ainda que verdadeiramente o que os norteia seja a cultura ortodoxa fundada no Império Bizantino e o caos balcânico. Esse caos é verdadeiramente admirável até determinado ponto, principalmente para quem, como eu, é apreciador de filmes de Kusturika, de ali tão perto. Aliás, o cinema mostrou ao mundo essa Grécia caótica, fogosa, apreciador das "coisas boas da vida" e algo tresloucada em filmes como Nunca ao Domingo e Zorba. O pior é a outra face do problema: uma administração pública tão caótica como as manifestações de anarquistas, vulgares na terra (as "manifs" são quase um desporto nacional), a fuga maciça aos impostos dê por onde der, uma corrupção generalizada e aceite tacitamente como uma instituição subterrânea. Não esquecer o significado do termo "balcânico", e que a Grécia fica no fim da península com esse nome.


Claro que tais características desagradam e confundem os alemães. A honestidade negocial hanseática, a disciplina prussiana, a eficiência no trabalho, a qualidade dos produtos, o cumprimento estrito da lei e das regras - um povo eminentemente jurídico, com provas dadas no direito - são qualidades de que os germânicos não prescindem. Só que essas características, levadas ao extremo, degeneram-se, e transformam-se também elas em adjectivos perniciosos: intransigência, autoritarismo, falta de flexibilidade, espírito punitivo. Não faltam teses que consideram que os alemães seguiram Hitler durante tanto tempo por causa do seu espírito de obediência à lei e à sua disciplina irredutível. E vários testemunhos (o de Eichmann, por exemplo), atestam-no, justificando alguns actos do Holocausto com ordens superiores e o sentido do "dever", sem qualquer juízo crítico.

São estes dois espíritos que agora se confrontam no meio de uma União Europeia expectante. Os gregos cederam em boa parte do que o Syriza prometia inicialmente e concordaram em largar várias exigências, a começar por perdões de dívida, mas é duvidoso se conseguirão inculcar alguma ordem na administração e no sistema fiscal. Os alemães continuam até agora inamovíveis, considerando que não há desvios às obrigações e que não há qualquer plano alternativo de alteração de prazos e juros a que os anteriores governos gregos se obrigaram. E no entanto, a sua opinião pública nem é assim tão inflexível.

Claro que não sabemos se realmente as coisas são exactamente desta forma. As negociações subterrâneas são feitas de cedências que não transpiram para a opinião pública. Mas bom seria que houvesse alguma compatibilidade, ou no mínimo, boa vontade e entendimento, entre estas duas visões, tão diferentes entre si, mas ambas tão europeias. O futuro próximo da UE exige-o. Se assim não for, teremos o caos da Grécia estendido a muitos mais países.


segunda-feira, fevereiro 09, 2015

O ponto final


Já ouvimos de tudo: "jogaram como uma equipa pequena", "lá estão eles a festejar antes do tempo", "até parece que ganharam o campeonato", "o Sporting deu-lhes um baile de bola", "tiveram uma sorte incrível", "nem percebem que o Porto só ficou a 4 pontos", "o golo é irregular", "deviam ter sido expulsos dois jogadores do Benfica", "o Sporting tem um orçamento muito menor", etc, etc, etc. 

Estas são algumas das declarações mais representativas dos adeptos não-benfiquistas ontem à noite. O empate ao cair do pano, sete minutos depois do golo de Jefferson, que pôr Alvalade em delírio como há muito não se via, e que quase deu a segunda vitória do Sporting ao Benfica de Jesus, deixou 90% daquele estádio mudo (pena que não tenham mostrado Bruno de Carvalho nessa altura). A sorte que sorriu ao Benfica é a mesma que o Porto teve no penúltimo jogo de 2013, e que os seus adeptos constantemente no-lo recordam, e é a devolução da que o Sporting também teve na terceiro jornada do campeonato, em que marcou graças a uma fífia monumental de Artur e em que o Benfica não soube aproveitar as muitas oportunidades de golo que teve. Só o Sporting quis ganhar ontem? Pois nesse desafio em Setembro o Benfica quis muito mais e só conseguiu um ponto. O resto, em especial as críticas à arbitragem (ridículas e falsas) e as acusações de "festejos exagerados" (como se qualquer outra equipa não fizesse exactamente o mesmo) são produto do estado de espírito de ver os três pontos ir pelo cano na última jogada.

É verdade que o Benfica teve um jogo ofensivo quase nulo. Mesmo com a ausência de Gaitan e de outros, pedia-se mais. Ola john, que só usa o seu talento de vez em quando, esteve mais uma vez discretíssimo, e o pior é que Salvio também. E jogar para o empate pode dar em derrota. Por felicidade, não deu. A mesma felicidade, que, como disse, nos fugiu noutras ocasiões. 
O ponto ganho no fim vale por si e pela injecção de moral aos jogadores. Pode ser a famosa "estrelinha de campeão". O Benfica conserva 4 pontos sobre o Porto, já jogou nas Antas e em Alvalade e não joga nas competições europeias. Pode e deve ganhar o campeonato, assim tenha engenho para isso e Jesus não desate a inventar nem a armar-se em bom, como antes de Paços de Ferreira (dizia que a segunda volta ia ser melhor que a primeira e já perdeu tantos pontos como aí). A recuperação de alguns jogadores também ajudava. Uma coisa é certa: o Benfica está vivíssimo e tem todas as perspectivas de ser campeão. Já o Sporting...



sexta-feira, fevereiro 06, 2015

Links


Alguns textos aconselháveis, no Observador mas não só.


No Observador, um texto já com uns dias, da autoria de Gustavo Plácido dos Santos, que explica o crescimento do Boko Haram, a dificuldade de o fazer recuar, e a perversa ambiguidade do sistema política nigeriano, pouco interessado, por ora, em o rechaçar.

Ainda no mesmo, jornal, confesso que tenho gostado muito dos artigos do Padre Gonçalo Portocarrero de Almada. Como este, sobre a Blasfémia. Ou o mais recente, acerca dos "hippies de Deus".


Um bom artigo de Jorge Almeida Fernandes, no Público, sobre um assunto de que eu já tinha falado antes: o fim do ´"cartel" das famílias políticas gregas.

segunda-feira, fevereiro 02, 2015

Setenta anos de A Bola


2015 só leva um mês mas já comemorou efemérides com números redondos. À cabeça, os setenta anos da libertação, ou do fim de Auschwitz. Como é assunto demasiado dramático e muito comentado nos últimos dias, fica só a nota, sobretudo numa época em que o anti-semitismo claramente continua vivo.

Houve outras comemorações de setenta anos, curiosamente. Há exactamente dez, no meu primeiro voo transatlântico, entretive-me, entre outras coisas, com uma revista, um suplemento desportivo especial com o título "Sessenta Figuras do Desporto Português" (ou coisa parecida) que aliás ainda tenho guardada algures. O número não era por acaso: servia para comemorar os sessenta anos de existência do jornal A Bola, essa bíblia do desporto nacional ("jornal de todos os desportos", é o seu subtítulo), fundada por Cândido de Oliveira, com os melhores colunistas e os melhores textos, e que ainda por cima é conotada com o Benfica, o que só a torna mais respeitável.

Tudo isso para lembrar que dez anos depois, há poucos dias, A Bola chegou aos setenta anos. Uma excelente idade para um jornal desportivo, que mantém toda a sua qualidade e até tem um canal de televisão próprio. Mas conserva ainda outra característica, que o distingue de todos os outros: é o único jornal que se mantém no Bairro Alto, essa Fleet Street lisboeta (em comum entre o castiço bairro de bares e tascos e a nobre rua londrina que leva à Catedral de S. Paulo só mesmo o facto de terem sido habitados por jornais) em versão inclinada e estreita. Todos os outros se foram para outras paragens, deixando traços na toponímia e no edificado - o mais notório é a antiga sede do extinto jornal O Século, que hoje é o Ministério do Ambiente. Só A Bola ficou, na Travessa da Queimada, como âncora da memória dos periódicos que faziam daquela zona o seu espaço natural. E também por isso está de parabéns.