A política italiana é, decididamente, cada vez mais confusa. Não que alguma vez tenha sido simples, à imagem do povo que a encarna. Mas pelo menos até ao início dos anos noventa sabíamos mais ou menos dividir os grupos partidários: ao centro, e sempre no governo, a Democracia-Cristã, apoiada pelos liberais, republicanos, sociais-democratas, e a partir de certa altura, os socialistas. À esquerda, o grande opositor era o PCI. À direita, os neofascistas do MSI, e, durante um tempo, o partido monárquico do armador e sindaco de Nápoles Achille Lauro.
Por 1993, a 1ª República italiana deu origem à segunda, e a velha partidocracia desabou, dando origem a novas formações. O PCI já se tinha convertido nos Democratas de Esquerda, de ideologia social-democrata, ocupando o lugar do PSI (que acabou), e agrupando formações centristas, enquanto que a facção comunista constituía a Refundação. A DC e restantes satélites pulverizaram-se, dando origem à Forza Italia, de Berlusconi, que pulou dos negócios e do futebol para a política, ao Partito Popolare, tentativa de reconstituição do partido com o mesmo nome anterior ao fascismo, e a mais uns quantos partidos menores, ao passo que o MSI seguiu um caminho semelhante ao do PCI, transformando-se em Aliança Nacional e trocando o neofascismo pelo conservadorismo, antes de se aliar a Berlusconi e formar o Povo da Liberdade. A Liga Norte de Bossi, xenófoba e regionalista, cresceu e juntou-se também a Berlusconi. E mais uns partidos, listas e coligações quantos que mudavam de dois em dois anos.
Se esta situação já era confusa, então agora ainda mais. Os Democratas de Esquerda uniram-se com ex-democratas cristãos para constituírem o actual e maioritário Partito Democratico, que depois de várias lideranças colocou o promissor e desejado Matteo Renzi no comando. Berlusconi acabou com o Povo da Liberdade para ressuscitar a Forza Itália, ao passo que outros criaram o Novo Centro-Direita que está próximo dos Democratas. Formações esquecidas foram sendo recauchutadas, e no meio disto tudo, irrompeu o inclassificável, ultra-populista e abrangente Movimento Cinco Estrelas, do já famoso Beppe Grillo, que em 2014 ficou em segundo lugar nas eleições parlamentares, e
cujas ragazze conseguiram conquistar os municípios de Turim e de Roma.
Agora, com a recusa por larga margem do referendo constitucional apresentado por Matteo Renzi que, entre outras coisas, permitiria que os governos ganhassem nova solidez e novos poderes e maior suporte no parlamento, aliviando a sua normal curta duração, a situação mais confusa fica,. Renzi conseguiu governar durante mais de dois anos e implantou algumas reformas, bateu o pé tanto quanto pôde a Bruxelas e mostrou que também entre os partidos do centro é possível uma liderança carismática, reformista e inovadora. Mas apostou tudo no acto eleitoral, personalizou demasiado o seu mandato, e conseguiu virar contra si uma coligação negativa unindo o Beppo Grillo, Berlusconi, a Liga Norte, a extrema direita, a esquerda radical e até vários sectores tradicionais do seu partido. Dir-se-ia que 90% dos políticos italianos ou são maquiavéis ou são palhaços. Mussolini tinha um pouco dos dois, como Berlusconi. Poucas são as excepções, mas por vezes lá surge um estadista que realmente obtém resultados, como De Gasperi, ainda que postumamente, mas que conseguiu um país próspero, pacífico e unido, ou outros que foram impedidos, como Moro.
Renzi, que ainda pode chegar a esse patamar, perdeu e afastou-se do governo, deixando a Itália com os seus velhos problemas políticos, uma economia anémica e um sector bancário quase na ruína. Não haverá eleições para já, mas se Renzi, que conta apenas 41 anos nm país em que a classe política se arrasta normalmente até aos noventa, não se afastar da liderança do partido, poderá voltar com renovada força e quebrar a dos adversários, já que Berlusconi, com 80 anos, não é eterno e Grillo já terá perdido o efeito surpresa. Até lá, resta esperar que a banca não desabe.